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Imunidade tributária da casa pastoral

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23/10/2010 às 10:28
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Este trabalho discute a expressão "templos de qualquer culto", inscrita no artigo 150, inciso VI, alínea "b" da Constituição, sob o enfoque das normas constitucionais imunizadoras.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Liberdade Religiosa. 2 Imunidades Tributárias: 2.1 Abrangência das Imunidades; 3 Imunidades: 3.1 Significado de "Templo" na Constituição, 3.2 O § 4º do art. 150 da CF, 3.3 Casa Pastoral, 3.4 Jurisprudência; Conclusões; Referências.

RESUMO

Este trabalho apresenta a temática das imunidades tributárias, com enfoque específico na imunidade tributária dos templos e, por extensão, das casas pastorais. A análise tem início pelo estudo, principalmente, do artigo 150, inciso VI, alínea ‘b’ da Constituição Federal. Além da análise da norma em si, trazem-se à colação diversas opiniões e explicações de juristas, cujas conclusões díspares justificam a tentativa de uma nova abordagem do assunto. Também a jurisprudência é utilizada no trabalho, com vistas a demonstrar sua utilidade prática. Com essas análises, parece possível chegar a uma conclusão satisfatória quanto à intributabilidade das casas pastorais.

Palavras-chave: imunidade tributária, liberdade religiosa, casa pastoral.

ABSTRACT

This work is on tax exemption, focused specifically on temples' tax exemption and, consequently, on minster houses' tax exemption. The main analysis is of article 150, I, ‘b’, of Brazilian Federal Constitution of 1988. Besides the analysis of the normative texts, the work brings on several jurists' opinions and explications, whose diverse conclusions justify the attempt of a new view of the subject. The work also treats the precedents in order to demonstrate its practical usage. After the complete examinee of the subject, it seems possible to conclude about the tax exemption on minster houses'.

Key words: tax exemption, religion freedom, minster houses'


Introdução

Este trabalho tem por finalidade discutir a expressão "templos de qualquer culto", inscrita no artigo 150, inciso VI, alínea "b" da Constituição, sob o enfoque das normas constitucionais imunizadoras.

Faz-se necessário, para tanto, analisar qual a importância de tal tema, qual a importância da casa pastoral e sua ligação com as imunidades tributárias.

Para melhor atingir o cerne da questão, há que buscar, em uma análise principiológica da Constituição Federal, o fundamento jurídico tanto para a imunidade dos templos em si, como sua extensividade às casas pastorais.

Um direito, como o é a imunidade dos templos, não surge do nada, tem seu fundamento em algo que lhe precede historicamente. Para tanto, há que fazer uma interpretação sistemática das normas constitucionais, que vão desde a liberdade de religião, princípio constitucional e direito fundamental, até a imunidade dos templos, norma de Direito Constitucional Tributário.

Com base nisso é que se pretende esclarecer qual a abrangência das normas tributárias imunizatórias e se estas alcançam ou não às chamadas casas pastorais ou paroquiais. As normas que trazem imunidades tributárias constam, mormente, no artigo 150 da Constituição, devendo-se, portanto, por este artigo iniciar a pesquisa. Sem olvidar, é claro, os princípios constitucionais que regem a tributação e a liberdade religiosa.

É assim, com base nas doutrinas tributarista e constitucionalista pátria, que se buscará elucidar o tema proposto, avaliando as nuances que regem a matéria de imunidades tributárias e, em especial, sua aplicabilidade aos templos religiosos e às casas pastorais.


1. Liberdade Religiosa

Historicamente, a liberdade religiosa está ligada às raízes do surgimento do constitucionalismo e dos direitos fundamentais, estando sua enunciação sempre presente nas Declarações de Direitos, o que demonstra sua essência de direito individual fundamental.

O direito à liberdade de religião é inerente à condição humana. A religiosidade é um fenômeno sociológico que ganha importância jurídica, graças aos princípios constitucionais de liberdade.

A religião é fenômeno tão primário que todo o conhecimento humano primeiro surgiu como fruto de revelação divina ou como presente concedido pelas potências celestes ao homem, assim tem sido desde sempre em todas as culturas em sua infância. [01]

Canotilho ensina que os princípios estão diluídos nas normas-regra da Constituição. Sendo assim, há o princípio geral da liberdade, que se faz mais concreto ao estabelecer a liberdade de expressão, crença e culto, e cuja concretização se dá em uma regra como a da imunidade tributária aos templos religiosos, por exemplo. Destarte, a norma-princípio, que é menos concreta, se densifica na norma-regra. [02] A liberdade religiosa, portanto, está dissolvida em toda a Constituição da República.

A densificação da norma, de princípio para regra, segundo o autor português citado, se dá de princípios estruturantes – que são fundamentais à composição do Estado e têm sua presença por imprescindível na Constituição –, passando pelos princípios constitucionais gerais, logo aos princípios constitucionais específicos, para, então, chegar à regra constitucional. Nota-se que há uma aproximação no sentido de concretude. Isso não se dá apenas na esfera da Constituição, porque as normas constitucionais ainda podem sofrer regulamentação de lei. Esta, por sua vez, ainda pode ser mais bem detalhada em um regulamento.

É deste modo que a liberdade, princípio estuturante do sistema constitucional pátrio, se transforma no princípio constitucional geral da liberdade de pensamento (na qual está contida a liberdade de crença e de religião) [03] e no princípio constitucional específico da liberdade de culto. Uma das regras constitucionais que o asseguram é a da imunidade tributária dos templos religiosos.

A liberdade religiosa, como direito fundamental que é, tem seu caráter limitador do poder estatal, visa a barrar intromissões excessivas do Estado na esfera de liberdades individuais. O Estado pode regulamentar, jamais interferir. [04]

A tradição constitucional pátria [05] aderiu ao Estado laico, vedando quaisquer ingerências quanto à forma de organização das instituições religiosas. Este também é o espírito da Carta Magna atual, em seu artigo 19, inciso I:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Há expressa vedação de intromissão na atividade religiosa a quaisquer dos entes federados, seja para beneficiar, seja para prejudicar qualquer forma de culto. Como se percebe, a Carta Constitucional impermeabiliza o culto religioso contra possíveis investidas do Poder Público, mantendo a salutar separação entre Igreja e Estado.

A Constituição Federal, ao elencar o rol dos direitos fundamentais, em seu artigo 5°, vale-se de três normas para assegurar o direito de crença e de culto, o que demonstra a importância e abrangência do assunto.

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Vê-se, portanto, que o Constituinte, embora tenha estabelecido um Estado laico, preocupou-se em garantir a mais ampla liberdade religiosa. O Estado laico não é ateu. Apenas não se posiciona a favor ou contra quaisquer religiões. Comentando o inciso VI do artigo 5º da Constituição Federal, William Douglas e Sylvio Motta bem explicam que:

Não obstante o dispositivo consagre ampla liberdade de crença, é necessário entender que a República Federativa do Brasil é um Estado laico, ou seja, não possui religião oficial, sendo mesmo vedada qualquer relação mais próxima entre as entidades federativas e os cultos religiosos, salvo, na forma da lei, a colaboração de interesse público (art. 19, I). [06]

O Constituinte entendeu ser importante, a ponto de ser direito fundamental, que seus cidadãos desenvolvam sua dimensão espiritual de maneira livre, isenta da intervenção estatal. O Estado não se confunde com as religiões, pois nele congrega todas.

Imbuída deste espírito é que a Carta Magna, em seu artigo 150, veda aos entes federados a possibilidade de instituição de tributos sobre templos de qualquer culto.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

Tal norma é a concretização do direito fundamental à liberdade religiosa. É mais uma garantia da não-intromissão estatal na esfera de organização dos entes privados.


2. Imunidades Tributárias

O tema das Imunidades Tributárias é dos mais tormentosos na doutrina tributária nacional, sendo o número de definições quase tão extenso quanto o número de estudiosos que sobre tema se debruçam. [07] Para que não se desborde dos limites impostos a este trabalho, elencar-se-á, de maneira sucinta, os posicionamentos de alguns importantes autores, para, ao fim, demonstrar qual corrente aqui adotada. [08]

Para Hugo de Brito Machado

"Imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação de competência". [09]

Para José Eduardo Soares de Melo:

"A imunidade consiste na exclusão de competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para instituir tributos relativamente a determinados atos, fatos e pessoas, expressamente previstas na Constituição Federal". [10]

Ives Gandra da Silva Martins explica que

"As imunidades, no direito brasileiro, exteriorizam a vedação absoluta ao poder de tributar nos limites traçados pela Constituição". [11]

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Sacha Calmon Navarro Coelho leciona:

"A imunidade é uma heterolimitação ao poder de tributar. A vontade que proíbe é a do constituinte. A imunidade habita exclusivamente no edifício constitucional". [12]

Luciano Amaro assim conceitua:

A imunidade Tributária é, assim, qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo. [13]

Para Misabel Abreu Machado Derzi:

O que é imunidade? É norma que estabelece a incompetência. Ora estabelecer incompetência é negar competência ou denegar poder de instituir tributos, conjunto de normas que só adquire sentido em contraste com outro conjunto que atribui ou concede poder de tributar. [14]

Paulo de Barros Carvalho [15] sintetiza as teorias sobre a imunidade acima descritas em três classes, que as definiriam:

a) Imunidade é uma limitação constitucional às competências tributárias;

b) Imunidade como exclusão ou supressão do poder tributário;

c) Imunidade como providência constitucional que impede a incidência tributária – hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada.

Paulo de Barros entende que nenhuma dessas definições descreve corretamente o fenômeno. Para ele, imunidades são:

a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas. [16]

Na elaboração deste trabalho, adota-se o conceito de Paulo de Barros Carvalho, acima apresentado, pois ele explica, de forma consentânea com o sistema de normas jurídicas adotado, o fenômeno da imunidade. Muito bem explica o autor que as imunidades constituem regras de estrutura, ou seja, normas que se destinam a regular normas, instituir órgãos, disciplinar procedimentos e estabelecer como as demais normas são inseridas, modificadas e expulsas do ordenamento jurídico. [17] Assim não há falar em exclusão ou supressão de competência. As normas que versam sobre imunidade têm, sim, por finalidade, delinear a competência dos entes tributantes. Não é uma limitação constitucional ao poder de tributar, porque o Poder Constituinte poderia escolher doutra forma. Tampouco se impede a incidência da norma tributária, uma vez que as normas de imunidade atuam no campo deôntico, muito antes da ocorrência de fato gerador. Assim, não se está a tratar de incidência ou não de normas jurídicas no campo fático, mas sim, de sua própria existência e natureza jurídica.

2.1 Abrangência das Imunidades

Uma vez estabelecido o conceito de imunidade, necessário é verificar qual seja a abrangência da imunidade dos templos religiosos, o que tampouco é uniforme na doutrina. A questão é saber se a imunidade abrange todos os tributos ou se apenas se refere a impostos, consoante literalidade do dispositivo constitucional.

Eduardo Sabbag esposa a tese de que a imunidade do artigo 150 da Constituição refere-se somente a impostos:

O artigo em comento traz à baila regra imunizante adstrita tão-somente aos impostos. A proibição, pois, refere-se à espécie "impostos", e não a taxas ou a contribuições. Tal intributabilidade encontra respaldo no fato de que o imposto enseja um poder de sujeição de quem tributa sobre quem é tributado, não sendo possível imaginar tal subserviência no sistema federativo nacional entre os Entes Federados. Com relação aos demais tributos (taxas e contribuições de melhoria), por exemplo, a contraprestação ou bilateralidade de tais gravames, no contexto da referibilidade, prevaleceram sobre a regra imunizante. Tal é a razão, salvo melhor juízo, para se entender possível a cobrança de taxas de um templo, ou mesmo a cobrança de uma contribuição de melhoria de um partido político. Lembre-se: a regra imunitória, segundo a literalidade da Constituição Federal, em tal artigo é para impostos. [18]

Esse posicionamento, no entanto não merece prosperar. Há que entender a norma de modo a dar-lhe mais amplo alcance, abarcando todos os tributos. Embora a Constituição traga o termo "impostos", o Constituinte disse menos do que pretendia, por isso há de se dar uma interpretação extensiva, mesmo porque, em linguagem não-técnica – que é a linguagem utilizada pelo Constituinte Originário –, impostos e tributos confundem-se, tendo igual significação. O Constituinte, valendo-se de metonímia, tomou espécie pelo gênero. [19] Nesse sentido se posicionam, dentre outros [20], Paulo de Barros [21] e Clélio Chiesa [22].

Deste modo, impossível negar uma abrangência mais elástica ao conceito de imposto insculpido no art. 150 da Carta Constitucional, de modo a abranger as demais espécies tributárias.


3. Imunidade dos Templos

A imunidade dos templos de qualquer culto está protegida pela Constituição, em seu art. 150, inciso IV, alínea ‘b’.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

Assim, de uma maneira geral, não há questionamentos de natureza jurídica sobre a imunidade dos templos. Pode haver críticas de ordem política, ideológica e sociológica, como faz Pedro Lemos, que critica a existência de tal imunidade por onerar os cidadãos que não professam quaisquer religiões. [23] Como se vê, sua crítica tem um norte ideológico e político, não jurídico.

Referido artigo garante, de uma forma mais prática, real e concreta, o direito à liberdade religiosa e a livre manifestação da crença por meio de seus cultos. Tão importante é que foi erigida à condição de imunidade tributária, que é estabelecida constitucionalmente para paralisar qualquer tentativa de tributação por quaisquer dos entes federados.

3.1 Significado de "Templo" na Constituição

Estabelecidas as premissas quanto ao conceito e amplitude das imunidades tributárias, sua extensão aos demais tributos e sua aplicabilidade aos templos de quaisquer cultos, há que se verificar o que a Constituição Federal quis significar quando da dicção "templo", em seu art. 150, VI, ‘b’.

Surge aqui novo alvoroço hermenêutico. A expressão "templo de qualquer culto" deve ser interpretada restritivamente, apenas no sentido de construção física onde se realizam os cultos ou é um conceito mais amplo, que pretende tutelar de maneira mais abrangente as atividades das entidades religiosas?

É oportuno notar que a palavra templo parece significar, em um primeiro momento, a edificação, o prédio onde ocorre o culto religioso. Esse é o significado usualmente encontrado no léxico. [24]

Assim, aferrando-se à literalidade, há uma corrente mais restritiva, que entende que apenas o templo – entendido como construção física, material – goza das imunidades tributárias. Para esta corrente a imunidade é do templo religioso, não da instituição que o mantém. O que seria imune seria o local onde se pratica o culto. Não seria de todo injusto dizer que é um conceito mais que material, poder-se-ia dizer que é um conceito baseado em um critério geográfico. Dentre os que esposam esse posicionamento juristas há de alto quilate, como Pontes de Miranda, Sacha Calmon Navarro Coelho e Celso Ribeiro Bastos.

É que o texto constitucional não se referiu a ordens religiosas ou a associações com tais fins, mas circunscreveu-se ao local em que se efetua o culto, isto é, o templo. Vale dizer: o templo que é imune e não a entidade em si, que o administra. [25]

No outro polo das discussões, estão os que entendem ser necessária uma interpretação mais abrangente da expressão templos, uma interpretação que transcenda os limites físicos da edificação. Paulo de Barros Carvalho [26] demonstra que há que conciliar as palavras templo e culto para que se permita a melhor interpretação da norma constitucional, de molde a dar-lhe o máximo de efetividade.

O "templo de qualquer culto" não deve ser apenas a materialidade do edifício, que estaria sujeito tão-só ao imposto predial, se não existisse a franquia inserta da Lei Máxima. Um edifício só é templo se o completam as instalações ou pertenças adequadas àquele fim, ou se a utilizam efetivamente no culto ou prática religiosa. [27]

Aliomar Baleeiro também entende de maneira semelhante:

O templo não deve ser apenas a igreja, sinagoga ou edifício principal, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência especial, do pároco ou pastor, pertencente à comunidade religiosa, desde que não empregados em fins econômicos. [28]

Ainda mais incisivo é Roque Antônio Carrazza, ao dizer que: "Esta imunidade, em rigor, não alcança o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a cerimônias religiosas, mas, sim, a entidade mantenedora do templo, a igreja". [29]

Para os citados autores, portanto, não há falar em restrição ao conceito de templo, mesmo porque, quando da instituição de direitos, estes devem ser reconhecidos da maneira mais ampla possível, ao contrário das restrições a direitos, que devem ser interpretadas sempre da maneira mais estrita possível.

Por fim, importa citar as considerações de Werner Nabiça Coelho, para quem "o conceito de templo chega a confundir-se com o próprio conceito de religião". [30]

O presente trabalho adota esse conceito mais amplo, baseando-se na regra de hermenêutica constitucional que diz que, ao se tratar da linguagem constitucional, as palavras empregadas na Constituição têm um caráter mais abrangente. [31]

3.2 O § 4º do art. 150 da CF

Ainda com a intenção de aclarar a abrangência da imunidade de que gozam os templos de quaisquer cultos, insta repetir a leitura do art. 150, VI da Constituição Federal, dando especial atenção ao § 4º do referido artigo, que segue abaixo:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

Em primeiro lugar, as alíneas "b" (organizações religiosas) e "c" (partidos políticos) estabelecem que a imunidade somente alcança as finalidades essenciais das entidades. De fato há de haver relação entre a atividade exercida e a finalidade tutelada pela Constituição. Isso evita fraudes, não basta que se afirme que a propriedade seja, por exemplo, de uma igreja para que goze de imunidade. Há de estar vinculada à finalidade religiosa. Caso esteja ligada apenas à especulação, não merece a guarida constitucional da imunidade tributária.

Em segundo lugar, cumpre notar que o § 4º do artigo em comento se refere às "entidades" mencionadas nas alíneas "b" e "c". Ou seja, ao referir-se a templo de qualquer culto, o considera como "entidade", não como mero local, ou edificação física.

Em terceiro e último lugar, observa-se que o Constituinte, ao limitar a imunidade nos casos das alíneas "b" e "c", usou a expressão "compreendem somente patrimônio, a renda e os serviços" das entidades referidas. Se o templo é só a edificação, ele é só patrimônio de alguma entidade, logo, não poderia ter patrimônio. Tampouco poderia ter renda, pois quem auferiria a renda, seria a entidade que o administra, não o próprio templo. Por fim, sequer se pode cogitar de um templo – tomado no sentido restritivo que querem alguns doutrinadores – que possa prestar serviços, uma vez que somente seria considerado como imóvel imune à tributação. Afinal de contas, um prédio não pode ser titular de direitos.

O citado dispositivo indica que a expressão "templos de qualquer culto" deve ser entendida em sua maior abrangência, como entidades que têm patrimônio e rendas e que podem prestar serviços. Apenas serão imunes quanto a fatos geradores relacionados com suas finalidades essenciais.

Entender que o templo é apenas a construção física, o prédio, é tornar o § 4º do art. 150 da Constituição sem qualquer sentido no que diz respeito à alínea "b" do inciso VI do mesmo artigo, é negar-lhe vigência nesse aspecto. Se o dito parágrafo refere-se apenas ao espaço físico, não seria necessária essa ressalva feita pelo Constituinte. Se há tal ressalva, há para tanto um motivo, que é justamente o fato de dar-se à interpretação mais abrangente à expressão "templos de qualquer culto" constante no dispositivo constitucional.

Meditando sobre a imunidade dos templos, Werner Nabiça Coelho lança luz sobre o dispositivo constitucional em comento:

(...) observamos que neste caso o conceito de templo se estende a outros fatos geradores: patrimônio, renda e serviço e serviços essenciais, logo, quando a legislação infraconstitucional regulamentar tal imunidade deverá observar que o conceito de templo muito se assemelha ao de pessoa jurídica. [32]

Uma vez dito que a imunidade abrange as "finalidades essenciais" da instituição, não apenas o templo, cumpre acompanhar Ruy Barbosa Nogueira que explica como se verificar a amplitude semântica da expressão:

Sem sombra de dúvida, juridicamente a expressão "finalidades essenciais" dentro desse contexto é sinônima de "fins previstos no estatuto". (...)

Assim sendo, o estatuto em harmonia com a respectiva legislação é a "lei" orgânica da entidade. [33]

Esclarecidos esses pontos, passa-se à definição de casa pastoral para sobre ela tecer os devidos comentários.

3.3 Casa Pastoral

Ponto crucial é saber se também a casa pastoral goza da imunidade tributária constitucionalmente garantida aos templos religiosos.

Casa pastoral é o lugar onde reside algum dos membros da entidade que professa determinado culto. Não é um integrante qualquer da comunidade religiosa, mas alguém que tenha alguma função relacionada com o exercício do culto. Geralmente, essas casas são residências de sacerdotes. Muita vez, como é o caso dos padres, devido ao voto de pobreza, é sua única moradia, sendo sua ocupação vinculada ao próprio exercício do sacerdócio.

A casa pastoral é imóvel de propriedade da entidade religiosa, tendo por finalidade albergar, em caráter transitório, no mais das vezes em sistema de comodato, pessoas do quadro da entidade que desempenhem funções afetas a suas finalidades essenciais.

Deste modo, a casa, desde que de propriedade da entidade religiosa, em que habite o pastor, o padre, o diácono, o guru, o pajé, o monge, o rabino, o sacerdote, o pai de santo, enfim, o líder religioso, há de ser considerada como casa pastoral.

Ainda que o culto não tenha uma organização hierárquica, não há impeditivo de que tenha uma casa pastoral, pois o que assim a qualifica é sua finalidade, seu uso, que deve ser voltado à finalidade religiosa, escopo da entidade. Assim, pode ser que um imóvel seja ocupado por uma pessoa que não goze de nenhuma prerrogativa dentro da entidade, mas a ela se dedique de qualquer forma. Tal observação é importante, pois com a pluralidade religiosa, há religiões que não se adaptam ao esquema tradicional de hierarquia clerical.

Assim, de uma maneira geral – já que adotamos que a imunidade para os templos deve ser entendida da maneira mais aberta possível – parece que se pode dizer que o conceito constitucional de templo abarca também o imóvel destinado a servir de casa pastoral.

3.4 Jurisprudência

A jurisprudência, de modo geral, se tem inclinado a decidir no sentido de dar ao conceito de "templo" uma interpretação mais distendida, ampliando o alcance da imunidade a todo o patrimônio, renda e serviços essenciais à sobrevivência das entidades religiosas, não apenas à edificação, como querem alguns doutrinadores. Não há a pretensão de examinar de maneira exaustiva as decisões judiciais, mas é possível marcar sua tendência majoritária.

Adotando a tese ampliativa o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul assim se manifestou:

Se a imunidade tributária do art. 150, inciso VI, alínea "b" e seu § 4º da Constituição brasileira serve de instrumento para se dar efetividade à liberdade religiosa do art. 5º, VI, do Texto Maior, então a interpretação a ser feita é no sentido amplo, sob pena de restringir e do mecanismo não cumprir seu fim, que é efetivar, e não obstacularizar.

Se junto ao templo insere-se imóvel que serve de residência para os que ministram o culto religioso, não restam dúvidas de que esse imóvel serve de finalidade essencial para a liberdade de culto, constitucionalmente assegurada. [34]

O Tribunal de Minas Gerais, no mesmo sentido :

EMENTA: TRIBUTÁRIO – IMUNIDADE – TEMPLO RELIGIOSO - RECONHECIMENTO. A imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, "b", da CF 88, abrange não somente os imóveis destinados ao culto religioso mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades mencionadas. A imunidade afasta a presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do crédito tributário, sendo abusivo o lançamento efetuado a título de IPTU e Taxas se nem sequer instaurado o Processo Tributário Administrativo. [35]

Os Tribunais de Justiça de todo o País têm proferido decisões nesse sentido, como a que segue, proferida pelo Tribunal do Paraná, que reconhece a imunidade tributária de residência de pastor:

Ementa: tributário – imposto predial e territorial – templo religioso com prédio contíguo destinado à residência do pastor e atividades fins – imunidade constitucional – direito reconhecido – ação de repetição de indébito cumulada com indenização por danos morais – pleito julgado procedente em primeiro grau apenas quanto à primeira pretensão – valores efetivamente pagos – reforma parcial da sentença – prescrição – prazo de cinco anos retroativo ao ajuizamento da causa – exclusão dos valores pagos anteriormente – repetição em dobro – descabimento – sucumbência recíproca – redistribuição dos ônus – honorários advocatícios – redução que se impõe. Provimento parcial do recurso e reforma da sentença em reexame necessário. [36]

O Tribunal do Rio de Janeiro também tem se manifestado no mesmo sentido, garantindo a entidade religiosa o tratamento de instituição religiosa, ao verificar seus propósitos, como na decisão que segue abaixo:

Agravo Interno. Artigo 557 do CPC. Ação declaratória visando atestar a imunidade tributária da Mitra Arquiepiscopal do Rio de Janeiro no que tange ao ITBI. Sentença julgando procedente o pedido autoral. Inconformismo do Município Réu. Decisão monocrática desta Relatora negando seguimento ao recurso, em razão de suas razões se encontrarem em manifesto confronto com a jurisprudência deste Tribunal e do E. STF. Irresignação. Entendimento desta Relatora quanto à manutenção da decisão Monocrática hostilizada. O ponto nodal da presente lide consistia em verificar se a Entidade Apelada se enquadra na definição de templo ou instituição de assistência social sem fins lucrativos para efeito do que dispõe o art. 150, VI, b e c da Carta Constitucional. Entidade Assistencial Apelada foi instituída há mais de três séculos, sendo notória a sua índole templária e seu propósito assistencial. Laudo pericial atestando a satisfação das exigências estabelecidas pelo art. 14 do CTN. Precedentes do E. STF e deste E. Tribunal. Inexistência de argumentos hábeis a infirmar a decisão monocrática proferida por esta Relatora. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. [37]

Uma análise ainda mais extensiva é feita pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, reiteradas vezes, tem decidido pela imunidade tributária independentemente da destinação dada ao imóvel. Presume o TJRS que a renda auferida pela entidade religiosa, mesmo quando aluga um imóvel, é destinada a suas finalidades essenciais, cabendo ao Fisco provar que não é assim que sucede. Nesse sentido é a ementa da decisão abaixo:

DIREITO TRIBUTÁRIO. IPTU. IMÓVEL LOCADO. ENTIDADE QUE DEDICA AO CULTO RELIGIOSO: IMUNIDADE. As entidades descritas no art. 150 VI "b" da Constituição Federal são imunes ao pagamento de impostos. A destinação dada aos imóveis pelas entidades religiosas não autoriza o Município a cobrar o IPTU. O fato de estarem alugados não afasta a presunção de que o produto arrecadado deste contrato esteja sendo aplicado nas atividades essenciais da entidade.

À unanimidade, negaram provimento ao 1° apelo. Por maioria negaram provimento ao 2° e confirmaram a sentença em reexame necessário, vencido o Presidente que o proveu. [38]

Sobre o tema em comento, o Supremo Tribunal Federal tem como acórdão paradigma o RE 325822/SP, relatado por Ilmar Galvão e redigido por Gilmar Mendes:

EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, "b" e § 4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, "b", CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços "relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas". 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas "b" e "c" do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido. [39]

Nesse julgado o Supremo entendeu de uma maneira bastante ampla tanto o conceito de imunidades, quanto o plexo de abrangência da imunidade conferida aos templos religiosos. Os imóveis pertencentes à entidade religiosa foram beneficiados pela imunidade tributária, mesmo quando destinados à locação, desde que, evidentemente, a renda auferida dos alugueres fosse destinada às finalidades próprias da instituição.

A jurisprudência, como bem se vê pelo acima colacionado, tende a ser favorável a uma interpretação ampliativa do dispositivo constitucional do art. 150, VI, ‘b’.

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Sobre o autor
Luiz Roberto Lins Almeida

advogado em Campo Grande/MS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Luiz Roberto Lins. Imunidade tributária da casa pastoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2670, 23 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17683. Acesso em: 25 abr. 2024.

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