O sujeito embriagado é surpreendido na direção do seu veículo. Ele é obrigado a soprar o bafômetro (etilômetro)? Ele é obrigado a ceder sangue para análise?
A lei seca (Lei 11.705/2008), dando nova redação ao art. 306 do Código de Trânsito brasileiro (que cuida da embriaguez ao volante, ou seja, dirigir embriado), passou a exigir uma taxa de alcoolemia objetiva (0,6 decigramas de álcool por litro de sangue). Ocorre que nenhum motorista pode ser obrigado a soprar bafômetro (etilômetro) ou submeter-se a exame de sangue para apurar dosagem alcoólica. Ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo (por força do princípio da não auto-incriminação).
A prova técnica, no entanto, indicando com precisão a concentração sanguínea de álcool, é absolutamente indispensável para a incidência do crime por dirigir embriagado. A lei exige a comprovação do 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue. Sem a comprovação desse requisito legal não existe o crime. Olha o problema: a prova técnica é indispensável, mas o motorista não é obrigado a fazer essa prova técnica (porque ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo). Veja o impasse que o legislador criou! Veja o erro da lei!
No HC 166.377-SP, rel. min. Og Fernandes (j. 10.06.10), ficou reconhecida, uma vez mais, a inabilidade do legislador, que muitas vezes "vende" para a população o endurecimento da lei penal, mas acaba estabelecendo benefícios aos violadores da lei. A técnica legislativa nem sempre é acertada. O legislador atira no que vê e acerta o que não vê. Isso é comum. Quer mais rigor penal e acaba fazendo um texto que assegura a impunidade.
O desencontro entre o que ele pretende (mais rigor penal) e o que ele efetivamente escreve é mais do que patente. E é claro que o juiz (o judiciário) não pode fazer malabarismos em cima do texto legal para salvar o objetivo punitivista (moralizador, repressivo) do legislador.
A impunidade está garantida. Por erro do juiz? Não, por erro do legislador que, no afã de punir tudo e todos, parte de uma concepção autoritária do direito, esquecendo-se que o processo penal conta com regras constitucionais, legais e internacionais que protegem os direitos dos acusados.
Antes da reforma legislativa promivida pela lei seca (Lei 11.705/2008), o CTB (no seu art. 306) não falava em nenhuma taxa de alcoolemia. Com a nova redação dada ao art. 306 do CTB, a dosagem etílica passou a ser exigida expressamente pela lei (isto é, passou a integrar o tipo penal, em linguagem técnica). Agora, só se configura o delito em apreço (direção embriagada) com a quantificação objetiva da concentração de álcool no sangue (0,6 decigramas de álcool por litro de sangue), que não pode ser presumida ou medida de forma indireta, como por prova testemunhal ou exame de corpo de delito indireto ou supletivo. A lei exige prova técnica direta e objetiva. É preciso comprovar tecnicamente a taxa de álcool no sangue.
"Aparentemente benfazeja [benéfica], essa modificação legislativa trouxe consigo enorme repercussão nacional, dando a impressão de que a violência no trânsito, decorrente da combinação bebida e direção, estaria definitivamente com os dias contados", observou o ministro Og Fernandes no HC 166.377-SP. "Entretanto, com forte carga moral e emocional, com a infusão na sociedade de uma falsa sensação de segurança, a norma de natureza até simbólica, surgiu recheada de dúvidas."
Esse é um problema relativamente comum na legislação penal brasileira: "vende-se"a lei penal ("dura") como "solução" para o problema da insegurança, mas isso é puramente "simbólico", porque, na realidade, a lei muitas vezes é (equivocadamente) feita de forma a garantir a impunidade (não a repressão). A lei brasileira, às vezes, vende gato por lebre!
De acordo com a decisão do STJ (no HC 166.377-SP), a ausência da comprovação por meios técnicos impossibilita precisar a dosagem de álcool e inviabiliza a adequação típica do fato ao delito, o que se traduz na impossibilidade da persecução penal (ou seja: na impunidade).
"Procurou o legislador inserir critérios objetivos para caracterizar a embriaguez – daí a conclusão de que a reforma pretendeu ser mais rigorosa", observou o ministro Og Fernandes na decisão. "Todavia, inadvertidamente, criou situação mais benéfica para aqueles que não se submetessem aos exames específicos", completa.