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Exploração do trabalho infanto-juvenil nas usinas de açúcar e álcool do estado de Alagoas

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3 OS PARADIGMAS CARACTERIZADORES DA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL NAS USINAS DE ACÚCAR E ÁLCOOL DE ALAGOAS

3.1 O Contexto Social de Alagoas como Causa para a Exploração do Trabalho Infanto-Juvenil no Setor Canavieiro do Estado

Alagoas tem causado uma série de preocupações ao poder público e à sociedade, no que diz respeito à prática da "exploração da mão de obra infanto-juvenil" no setor sucroalcooleiro. A situação se torna ainda mais preocupante por ser Alagoas um Estado que possui atividade econômica baseada principalmente na monocultura da cana-de-açúcar desde os tempos de colonização de nosso território. Como esclarece Lira (2007, p.58), "[...] a economia do Estado de Alagoas continuou inalterada e totalmente subordinada à atividade da agroindústria do açúcar [...]".

Como referido em momento anterior, vimos que a história de Alagoas tem uma estreita ligação com a história do açúcar, já que constituiu uma forte "raiz" em nosso território, moldando sem precedentes os costumes e a cultura do povo alagoano, deixando-nos uma alta conta social a pagar, tanto pela falta de diversificação econômica como pela estrutura hierarquizada que teima em persistir, sendo, portanto, uma das causas do baixíssimo grau de indicadores de desenvolvimento humano do Estado.

Nesse quadro, nota-se que uma pequena fatia da sociedade detinha e detém o poder no Estado, bastando para tal observar que entre os diversos "clãs" que comandam grande parte desse setor estão os fortes grupos empresariais, como as famílias Lyra, Toledo, Vilela, Wanderley, entre outros, os quais, em razão da hereditariedade, permanecem como centro do poder político e econômico do Estado, o que, sem sombra de dúvidas, eleva a desigualdade social, acarretando os mais baixos índices de desenvolvimento humano do Brasil. Consubstancia assim o que nos ensina Lira (2007, p. 80), declarando que "Desde que foi emancipada, Alagoas sempre representou o grande guarda-chuva protetor da elite."

Importante, pois, ressaltar como a cadeia produtiva do Estado vem se caracterizando hodiernamente, para que só assim possamos entender como essa estrutura permanece inalterada do ponto de vista das relações humanas e sociais, levando-nos a um verdadeiro paradoxo, em que um lado se encontra modernas usinas de açúcar e álcool que se utilizam do mais alto grau tecnológico para a produção, e do outro a manutenção da mão de obra arcaica, utilizada para obtenção ao lucro desmesurado.

Nesse contexto, Alagoas conta atualmente com 26 (vinte e seis) usinas e destilarias em seu parque industrial, das quais a maioria se situa na faixa litorânea do Estado, diga-se, zona canavieira, caracterizando-se com a planície dos tabuleiros costeiros e a topografia acidentada no interior do território, seguindo até os limites com o agreste.

A área total cultivada de cana no Estado está em torno de 453 mil/ha (quatrocentos e cinquenta e três mil hectares), como mostra a figura 1, o que corresponde a cerca de 17% do seu território. O trabalho de corte é realizado quase todo manualmente pelas crianças e adolescentes, seguindo a regra comum aos trabalhadores rurais, sendo utilizados poucos instrumentos mecanizados – no corte, em decorrência dos baixos custos de mão de obra, bem como do relevo acidentado. Salienta-se que as usinas além de possuírem produção própria de cana, complementam-nas por meio de terras arrendadas, ou seja, grande parte da produção é oriunda dos "fornecedores" de matéria-prima.

Figura 1: Área canavieira do Estado de Alagoas.

Fonte: Sindicato do Açúcar e Álcool do Estado de Alagoas (SINDAÇUCAR, 2010).

Constata-se, portanto, que a indústria sucroalcooleira tem grande importância para a economia do Estado, uma vez que corresponde a cerca de 20% do seu Produto Interno Bruto (PIB), dado que mostra o quanto o Estado é dependente desta cultura (EDIVALDO JUNIOR, 2008, p. A7).

Não bastasse tal realidade, o Estado também é hoje destaque nacional no que se refere às degradantes condições humanas e irregularidades no trabalho dos cortadores de cana, dadas as grandes atrocidades a que estão sendo submetidos esses trabalhadores, que têm suas dignidades afrontadas.

Foi justamente isso que demonstrou o Relatório da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o qual confirmou o Estado de Alagoas como sendo o segundo maior escravizador do País em 2008, com 656 (seiscentos e cinquenta e seis) trabalhadores resgatados em condições análogas à de escravo, incluindo entre esses crianças e adolescentes que estavam submetidos a trabalhos forçados e penosos, como será abordado em tópico posterior (GOES, 2008, p. A3).

Diante da perspectiva sócioeconômico do Estado de Alagoas em relação aos índices de desigualdade social, grande parte de sua população se encontra marginalizada em virtude da real situação de pobreza em que se mantém, tendo contribuído para isso a elitização de comando da cadeia produtiva local, bem como a hierarquização que trouxe esse setor, tornando Alagoas um dos estados mais provincianos da federação.

Como bem expõe Neves (2010, p.152):

[...] a cultura da cana-de-açúcar representa um exemplo paradigmático das condições de constituição de duas importantes características da organização social no Brasil. Ela é uma atividade emblemática da extrema concentração de renda e do protecionismo estatal, mas também da concentração da pobreza miserável ou aviltante. A ela está então associada a referência emblemática das condições de existência de um dos segmentos de trabalhadores mais desfavorecidos da sociedade brasileira: os trabalhadores rurais da cultura da cana-de-açúcar.

No entanto, deve-se enfatizar que a dependência da monocultura da cana-de-açúcar e a consequente falta de diversidade na economia do estado não favorecem o contorno desse contexto social, pois os indivíduos à margem da sociedade não têm outra opção senão trabalhar no setor canavieiro, já que não possuem outras alternativas. Torna-se, portanto, na maioria das vezes o único meio de sobrevivência que encontram para seu sustento e o de sua família, mesmo se submetendo a condições degradantes de trabalho.

Seguindo esse raciocínio, no qual se constata que a carência material e as necessidades financeiras evoluem a cada dia, não é difícil entender as razões daqueles que se submetem à exploração, entregando a força do seu trabalho, mesmo extrapolando os limites do próprio corpo, àqueles que de algum modo lhes sustêm monetariamente. Isto é tão evidente que algumas crianças e adolescentes ingressam nesse contexto levados até mesmo por aqueles que possuem o dever legal e moral de zelar pela sua integridade. Afinal, como ressaltou a Procuradora do Trabalho Rosimeire Lôbo, Coordenadora do Fórum pela Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador (FETIPAT) em Alagoas: "Pelo que sei, culturalmente em nosso Estado, as próprias famílias levam as crianças para monocultura da cana sazonal [...]" (ver Apêndice A).

É este o quadro real do nosso Estado: a carência de ceder lugar às diversas negociações financeiras; a preocupação com a saúde abre espaços ao desejo de poder pelo menos ter alimento; a infância e a adolescência são subjugadas às necessidade de trabalhar para subsistir.

Nessa mesma perspectiva, Audi descreve esses trabalhadores: "Esses humildes brasileiros, recrutados em municípios muito carentes, de baixíssimo IDH, [...]. Caracterizam-se por ser pessoas iletradas, analfabetas ou com pouquíssimos anos de estudo [...]" (AUDI, 2006, p. 77).

Fator determinante que elucida o exposto está evidenciado em políticas sociais que não foram aplicadas ao longo dos anos de forma eficaz, o que resulta em índices de desenvolvimento humano abaixo dos recomendados, seja na esfera educacional, da saúde, segurança, seja nas esferas estrutural e econômica.

Assim, as crianças e os adolescentes que estão nessa faixa da sociedade encontram-se ainda mais tendentes a perdurar nesse ciclo, tendo em vista que o ambiente familiar degradado, bem como o acesso àqueles direitos fundamentais expostos no ordenamento pátrio são limitados para eles, não chegando à ordem prática.

Tratando da construção social do trabalhador rural, Neves (2010, p.157) corrobora esse entendimento, afirmando que "Diante de dificuldades financeiras enfrentadas para assegurar a sobrevivência física dos membros da família, mas também do inadequado comportamento dos filhos frente às expectativas esperadas, muitos dos pais antecipam a inserção destes na vida adulta". Ou seja, o entorno familiar também é causa relevante para a introdução das crianças e dos adolescentes na demanda do trabalho, como fator decisivo e determinante à vida destes.

Grande causa contributiva para tamanha hipossuficiência pode ser observada no alto grau de analfabetismo do estado. A figura 2 expõe os Índices de Desenvolvimento Humano do Brasil, e Alagoas encontra-se em último lugar, com o IDH de 0, 677, entre os outros Estados da Federação.

Figura 2: Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil (IDH).

Fonte: ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO, 2010

Consequência disso pode ser observada no nível de conscientização da população, que vê na exploração infanto-juvenil algo costumeiro, sendo levada ao senso comum como uma situação normal. O que certamente é de grande prejuízo para toda a sociedade, já que é necessário o conhecimento de todos, acerca de tamanha exploração, para que só assim essa realidade comece a ser alterada, através da mobilização social em torno do tema.

Toda essa conjuntura vislumbra um sério problema, já que as forças políticas do estado não têm interesse em mudar a estrutura social existente em Alagoas, haja vista que a pobreza dominante no estado é um forte motivador que as leva a manter os currais eleitorais, ressaltando-se que tais forças se confundem com os detentores de poder econômico, quais sejam os grandes grupos sucroalcooleiros.

Nesse parâmetro, Lira (2007, p. 194) destaca que "Isto acontece porque os sucessivos governos seguem a mesma política coronelística e corporativista dos coronéis, que se tem perpetuado no poder pelo clientelismo e outras práticas responsáveis pelo atraso do Estado".

Temos, portanto, que o contexto social em Alagoas é uma das principais causas de exploração do trabalho infantil no setor canavieiro do estado. Problema esse que vem perdurando durante décadas, sendo favorecido pela falta de políticas públicas e pela estrutura hierarquizada da sociedade, tornando um ciclo vicioso, capaz de contaminar aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, como é o caso da criança e do adolescente das classes menos abastadas.

3.2 Os Dados Concretos da Exploração do Trabalho Infanto-Juvenil em Alagoas

Alagoas vive hoje um estado de inquietação, uma vez que o problema da exploração da mão de obra infantil persiste. Nesse sentido, buscaremos mostrar a real situação dos trabalhadores infanto-juvenis inseridos na indústria canavieira de Alagoas, utilizando-nos para tal de evidências reais, conforme relatório produzido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), na operação denominada "Zumbi dos Palmares", bem como demonstrativos da tramitação de vários processos em andamento na Procuradoria do Trabalho de Alagoas e, por fim, dados analíticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que comprovam a situação de degradação nos canaviais do Estado.

Em 2008, após uma sequência de denúncias acerca do trabalho análogo ao de escravo nas usinas de açúcar e álcool de Alagoas, teve início de forma repentina uma força-tarefa, visando a fiscalização e o combate da exploração da mão de obra nos canaviais de todo o estado.

Dessa operação resultou o relatório realizado por procuradores e auditores fiscais do Trabalho, que tiveram o apoio da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal. Tomando por base a fiscalização de 15 (quinze) usinas instaladas no Estado de Alagoas, com o intuito de identificar aquelas que não cumprem as normas trabalhistas, que contrariam assim a dignidade da pessoa humana e afrontam os princípios fundamentais de proteção à criança e ao adolescente estabelecidos no ECA, colocando não só trabalhadores adultos em situação desumana e degradante, como também em risco a formação futura das crianças e dos adolescentes.

Nesse âmbito, afirmou o Procurador-Geral do Trabalho Rodrigo Alencar que "As usinas do norte do Estado se revelaram mais precárias. No entanto, em praticamente todas foram encontradas situações de degradação" (REIMBERG, 2009).

Entre essas situações foram descobertos vários problemas pela Força-Tarefa nas frentes de trabalho do corte de cana, conforme o relatório. Os mais recorrentes foram: a ausência da água potável; o não fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI) ou com estes incompatíveis e em péssimo estado de conservação, além da falta de reposição; alojamentos precários, alguns desses com esgoto a céu aberto; ônibus em péssimo estado de conservação; salários-produção em desconformidade com o piso; irregularidades e falta de registro da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS); alimentação precária; jornadas de trabalho excessivas; insalubridade; além da alta incidência de exploração do trabalho infantil, sendo este último considerado um dos maiores problemas encontrados no Estado de Alagoas nos últimos anos. [02]

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Uma das principais evidências constatadas pela força-tarefa foi observada no dia 11 de março de 2008, na estrada entre a usina Taquara e a BR-101, Colônia de Leopoldina-AL, quando a equipe da Força-Tarefa voltava para Maceió, após um dia de fiscalização. Nessa oportunidade, foi abordado um caminhão, tipo "gaiolão", onde estavam 27 (vinte e sete) trabalhadores, dos quais havia 10 (dez) menores entre 14 (quatorze) e 17 (dezessete) anos sendo transportados em condições precárias, junto até mesmo de animais (um burro e um cachorro) e ferramentas de corte de cana.

Arguidos pelos procuradores, os trabalhadores relataram que trabalhavam para o Sr. A. C. da S. [03], fornecedor da usina Taquara, que não tinham registro na CTPS, alimentavam-se por conta própria, levavam comida e água de casa, não recebiam garrafa térmica e quaisquer equipamentos de proteção individual (EPI).

Em seguida foi posto em depoimento que quem indicou os trabalhadores para o corte foi o "empreiteiro" [04] W. B. da S., que também é cortador. Ato contínuo, foi tomado o relato do Sr. W. B. da S., o qual confirmou que trabalhava para o Sr. A. C. da S.. Contudo, quem acertou o corte com ele e o restante do grupo foi o Sr. A. F. de A. (motorista do caminhão), que era fiscal de turma (cabo) [05].

Continuando os depoimentos, o Sr. A. F. de A. afirmou que foi procurado pelo Sr. A. C. da S. para "arrumar" trabalhadores para o corte de cana na Fazenda Gabão e recebia o valor de R$1,00 (um real) por tonelada de cana que a turma produzisse.

Em virtude dessas constatações, a equipe da Força-Tarefa deu prosseguimento à fiscalização no dia 12/3/2008, na propriedade do Sr. A. C. da S.. Nesta oportunidade, constataram a presença de 32 (trinta e dois) trabalhadores, dos quais 1 (um) era menor; constataram ainda que todos os trabalhadores eram do município de Ibateguara, Alagoas, e que em média recebiam de R$ 50,00 (cinquenta reais) a R$ 175,00 (cento e setenta e cinco reais) por semana.

Nesse entremeio, diante de todo o quadro de degradação e desrespeito à organização do trabalho, bem como aos preceitos protetivos às crianças e aos adolescentes, incluem-se tais ocorrências no enquadramento legal que traz o artigo 149 do Código Penal, com destaque ao seu parágrafo 2º, vide:

Art. 149- Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

[...]

§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I - contra criança ou adolescente;

[...] (BRASIL, 2008c, p. 375)

Não obstante a situação degradante dos trabalhadores encontrados pela Força-Tarefa, nota-se claramente neste caso que a mão de obra responsável pela atividade econômica do investigado ainda estava sendo intermediada ilicitamente, através dos chamados "gatos" ou "empreiteiros", que a mando de seu patrão seduziam os trabalhadores ao corte de cana, sob condições humilhantes como as encontradas, em que até mesmo crianças e adolescentes tinham suas dignidades desrespeitadas, infringindo, dessa forma, o princípio universal da dignidade humana.

Nesse sentido, informando sobre a Força-Tarefa, o procurador Geraldo Emediato disse já ter fiscalizado canaviais em outros Estados, mas que nunca tinha visto situação tão degradante quanto a de Alagoas, declarando expressamente que: "Em pleno século 21, os trabalhadores da cana são submetidos a trabalho escravo, e essa situação será denunciada na próxima reunião anual da OIT"(SANTOS, 2009).

Não obstante a situação encontrada na operação "Zumbi dos Palmares", há uma série de processos em tramitação contra as usinas do Estado, ante a irregular laboração de crianças e adolescentes nas frentes de trabalho do corte de cana, bem como pelo descumprimento de preceitos do ECA (ver Anexo A). Tomando-se por exemplo, podemos incluir o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) 216/2001, tendo em vista o seu descumprimento pela usina Capricho, Grupo Toledo, localizada na cidade de Cajueiro; o Procedimento Preparatório de Inquérito (PPI) 319/2003, estando concluso com a Procuradora competente; e o CON 657/2004, perante a usina Roçadinho, Grupo Mendo Sampaio, São Miguel dos Campos; a Representação (REP) 327/2007 contra a usina Taquara, J. M. Agroindustrial Ltda., Colônia de Leopoldina; o COM 3/2005, em face da usina Santa Maria, Porto Calvo; a CON 1/2005 contra a usina Laginha, Grupo João Lyra, União dos Palmares; TRT 25/218/05, usina Santo Antonio, Matriz do Camaragibe.

Em entrevista realizada com a Procuradora do Trabalho Rosimeire Lôbo, Coordenadora do Fórum pela Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador (FETIPAT) em Alagoas, quando tentamos analisar as evidências relativas à tal exploração nos dias atuais, já que os dados pertinentes ao trabalho infantil no Estado ficaram adstritos até o ano de 2008, momento da Força-Tarefa, verificamos que a prática ainda persiste, mesmo não se encontrando muitas vezes formalizados os devidos procedimentos, já que a Procuradoria diz trabalhar basicamente em cima de denúncias formais.

Mesmo assim, parece existir a esperança de novas medidas nesse sentido, pois, segundo as precisas palavras da entrevistada: "Não tenho conhecimento como denúncia formal [...], mas já vem a próxima safra. Então a gente está sempre atenta para essa questão" (ver Apêndice A).

Ainda enfatizando a triste situação enfrentada pelas crianças e adolescentes, podemos ouvir claramente da entrevistada o quanto é lamentável o quadro que visualiza nos momentos de flagrantes nas usinas, em que o referido trabalho "Prejudica toda saúde, desenvolvimento psicológico, social, físico [...]" as crianças e adolescentes apresentam "[...] a pele muito queimada, os dentes estragados, não dormem direito [...]" (ver Apêndice A).

Não se pode, nesse contexto, deixar de ressaltar a evasão escolar que o trabalho nas usinas acarreta como consequência direta e imediata. Conforme muito bem ressaltou a entrevistada, esse é um fator de extrema preocupação, conforme se percebe no que transcrevemos a seguir:

"A gente tem um problema sério de escolas. Então se a gente tem no município quanto mais na zona rural. Mesmo assim eu não vou dizer que não estão na escola. [...] É até possível que estejam em alguma escola na zona rural, mas que no momento de safra, com certeza deve haver uma caída nessa frequência escolar [...]" (grifos nossos).

Com todos esses depoimentos expostos, nota-se claramente que o problema analisado não se trata de uma causa isolada no espaço e no tempo; é, ao contrário, um problema duradouro no Estado de Alagoas, ainda mais expressivo nos dias atuais. Como demonstrado, várias são as medidas tomadas, porém os preceitos protetivos à criança e ao adolescente continuam sendo violados, mesmo que o debate em torno dessa problemática seja cada vez mais abrangente.

Nesse norte, ao longo dos últimos anos, várias são as tentativas de se analisar o verdadeiro parâmetro da exploração da mão de obra infantil no Brasil e em Alagoas. Basta, para tanto, vislumbrar a pesquisa realizada pelo IBGE, em 2008, a qual nos mostra o ranking dos estados brasileiros que fazem uso da mão de obra infantil: 12 (doze) primeiros estados, cinco encontram-se na região mais pobre do país, o Nordeste. Daí tem-se que Alagoas se destaca como um dos estados onde se mais explora o trabalho infantil (76.498), devendo-se observar critérios proporcionais, quanto ao número absoluto e à matéria, não se restringindo ao trabalho rural na cana (ver Anexo B).

Anteriormente, em 2007, o IBGE já tinha afirmado que:

O trabalho ilegal de crianças mantém-se predominantemente agrícola e concentrado no Nordeste. Entre os 2,7 milhões de trabalhadores entre 5 e 15 anos, 1,4 milhão estavam na atividade agrícola e aproximadamente 776 mil estavam ocupados na agricultura em estados nordestinos. (IBGE, 2010)

Como bem expressa a análise acima, é possível enquadrar o Nordeste e especialmente o Estado de Alagoas como regiões onde as perspectivas de solução desse contexto se encontram mais distantes, em virtude da historicidade da região, marcada por uma colonização desastrosa que se reflete até hoje no meio social em que vivemos.

Não bastassem todos esses fatores que favorecem a exploração da mão de obra infanto-juvenil, outros fatos devem ser levados em consideração, como, por exemplo, a omissão de membros do poder público, que pouco se importam com o caráter humanístico nessas relações. Isso ficou evidente quando o governador do Estado, Teotônio Vilela Filho, perdoou a dívida dos usineiros, que somava mais de R$ 1,5 bilhão de reais, tendo sido esta a segunda vez, em menos de dois anos, que o governo estadual perdoou débitos fiscais bilionários do setor sucroalcooleiro (LINO, 2008).

No mínimo, esse é um fator justificável, tamanho o interesse em não cobrar dívidas das usinas do Estado, já que o governador Teotônio Vilela Filho e sua família são proprietários da usina Seresta, a qual também foi investigada e punida pela equipe da Força-Tarefa, que detectou várias irregularidades trabalhistas e desrespeito à dignidade dos trabalhadores da usina.

Assim, vários são os demonstrativos formais e materiais quanto à consubstanciação da exploração do trabalho infantil nas usinas sucroalcooleiras do Estado de Alagoas, tendo-se como base dados nacionais, regionais, e principalmente pontuados localmente, resultando em cada vez mais páginas de uma história que parece sem fim, do mau legado de ser o Estado de Alagoas detentor dos piores índices de desenvolvimento humano do país.

3.3 Medidas e Alternativas de Combate à Exploração do Trabalho Infanto-Juvenil nas Usinas de Açúcar e Álcool do Estado de Alagoas

Perante a realidade de exploração da mão de obra de crianças e adolescentes, e as normas que constantemente estão sendo desrespeitadas nas usinas de açúcar e álcool no Estado de Alagoas, novas medidas, alternativas, bem como algumas alterações legais são imprescindíveis para a erradicação do trabalho infantil que ainda teima em persistir no estado. Assim, imperioso se faz que a sociedade civil organizada possa contribuir juntamente com os órgãos competentes para aniquilar esse mal.

Nesse sentido, temos que medidas como a Força-Tarefa realizada em Alagoas em 2008 são de suma importância para inibir práticas de exploração do trabalho infantil, com a conjunção de órgãos, a fiscalização e as penalidades impostas ao setor. Medidas que incidiram inclusive no âmbito internacional, já que o "Relatório" integrou um estudo sobre Direitos Humanos elaborado pela Anistia Internacional (BRASIL, 2010c). Em razão disso, um dossiê composto pelos relatórios das inspeções nas usinas com as irregularidades encontradas, com todo um balanço das ações ajuizadas e depoimentos, registros fotográficos, foi entregue na reunião anual da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, Suíça (REIMBERG, 2010).

Todavia, Antonio Vitorino, presidente da Federação dos Trabalhadores da Agricultura no Estado de Alagoas - FETAG/AL, alertou sobre a necessidade de uma fiscalização contínua nas usinas. Acredita ele que o cumprimento das exigências feitas pela Força-Tarefa não está assegurado, porquanto "O pessoal da cana sempre descumpriu certas determinações. Todo ano nós vamos para a mesa de negociação. Há concordância de todos. Mas, na prática, quase ninguém cumpre" (REIMBERG, 2010).

Desta feita, a situação é bem mais complexa do que imaginamos, já que o caso em tela consiste em práticas reincidentes, necessitando assim de uma fiscalização contínua e rígida. Medidas como a Força-Tarefa são apenas temporárias e transitórias. Quanto às penalidades impostas, os empresários tentam de todas as formas uma "conciliação" na Justiça. Foi o que aconteceu posteriormente, quando as 12 (doze) ACPs contra as 15 (quinze) usinas investigadas foram extintas, em decorrência do acordo firmado entre os usineiros e o MPT.

Justamente essas e outras atitudes nos fazem acreditar que apenas essas medidas não são suficientes para coibir a exploração do trabalho de crianças e adolescentes em Alagoas.

Nesse ponto, evidenciamos o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI, 2010), que visa erradicar todas as formas de trabalho de criança e adolescentes menores de 16 (dezesseis) anos. O que, sem sombra de dúvidas, foi uma grande proposta à sociedade brasileira, porém ainda não notamos resultados significativos, passados mais de 14 (catorze) anos, já que todas as medidas previstas não abrangem de forma eficaz as crianças e os adolescentes que estão em situação de risco, em regiões onde a prática dos abusos é mais constantes.

Outra importante medida foi adotada pelo MTE há pouco mais de 6 (seis) anos, a qual adotou a Portaria nº 540, estabelecendo um cadastro de pessoas físicas e jurídicas autuadas por exploração de trabalho análogo ao de escravo, incluindo a exploração da mão de obra de crianças e adolescentes, sendo mais conhecida atualmente como "lista suja" do MTE. Essa lista visa dar publicidade aos abusos contra os trabalhadores em todo o País (BRASIL, 2010a). Em janeiro de 2009, estavam na lista 205 (duzentos e cinco) infratores, entre pessoas físicas e jurídicas em todo o Brasil (BRASIL, 2010b). Apesar disso, como esta tem apenas caráter informativo e não punitivo, serve tão só para o conhecimento dos poucos que têm ciência da existência da lista.

Por seu turno, a destinação que obviamente tais ações deveriam atingir não vêm sendo alcançadas efetivamente, tanto pela falta de iniciativa dos responsáveis, que se abstêm quanto às irregularidades encontradas em seus domínios, como pela omissão e flexibilização, em muitos casos por parte das entidades fiscalizadoras. Ainda deve-se anotar que os meios processuais existentes não encontram respaldo com a celeridade com que deveriam ocorrer, o que geralmente faz postergar as devidas ações.

Assim, cada vez mais os mercados internacionais se voltam contra tais atitudes, estando, pois, em estado de alerta para com o Brasil. Ressalte-se que a conscientização das usinas já existe, no entanto a ação ainda é irregular. Advertindo sobre os agravantes desse contexto, Richard Oxley declara que há "[...] risco de pressão se o fornecimento de etanol não estiver claramente ligado a métodos éticos de produção" (MENDES, 2007/2008, p.47).

Levando-se em consideração que a agroindústria canavieira no Estado de Alagoas corresponde a mais de 90% de suas exportações, esses números podem sofrer grandes abalos caso a situação no setor sucroalcooleiro não venha a se regularizar perante os importadores internacionais (SINDAÇUCAR, 2009a). Nesse ponto, a revista Presença Internacional do Brasil (PIB) trouxe em matéria uma "Agenda sustentável", apontando os 5 (cinco) passos a serem seguidos pelo setor do etanol para convencer o País e o mundo de que o Brasil produz bioenergia limpa e justa. São eles:

1.Aceitar a responsabilidade pelas ações de fornecedores e prestadores de serviços terceirizados. 2. Prestar contas de suas ações para dentro e para fora das empresas (aos funcionários e à sociedade). Sendo preciso reconhecer problemas de ser transparente. 3. Trabalhar em conjunto para generalizar as boas práticas sociais e ambientais. 4. Entender que, para uma empresa se dizer sustentável, não basta praticar boas ações na comunidade (sustentabilidade é mais do que assistencialismo ou filantropia). 5. Incorporar os conceitos e as práticas sustentáveis ao planejamento estratégico e ao funcionamento cotidiano da empresa. O núcleo dirigente e todos os funcionários precisam conhecer e participar dos processos. (MENDES, 2007/2008, p.45)

Contudo, essas medidas dependem tão somente de contrapartida das empresas do setor sucroalcooleiro, ajustando-se à função social da propriedade, que objetiva a integração de seus trabalhadores a um meio ambiente de trabalho sadio e seguro. Todavia, fica claro que a função social da propriedade não está sendo alcançada pelos usineiros proprietários das terras e seus fornecedores, haja vista o que está disposto na Constituição Federal de 1988:

Art. 186 – A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

[...]

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

[...] (BRASIL, 2008a, p. 79)

Em outras palavras, tal situação que visivelmente não é atendida pelos empresários, em decorrência de eles não darem à propriedade a função social estabelecida constitucionalmente. E ainda que as empresas resguardassem tais direitos, cabe ressaltar que é terminantemente proibido o trabalho de menor em locais e serviços perigosos ou insalubres, bem como prejudiciais à sua formação, desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, conforme os artigos 403 e 404 da CLT, observando-se para tanto o artigo 60 do ECA e o Decreto n. 5.598/05.

Dessa sorte, compete ao Estado delinear prerrogativas que venham a incentivar e coibir essas iniciativas, utilizando-se dos meios cabíveis para atingir tal objetivo. Nesse sentido, está mais do que provado que por si sós os empresários do setor canavieiro não cumprem com as demandas que lhes são impostas, já que as "brechas" da lei quase sempre destoam do que concretamente deveria ser aplicado.

Uma das atitudes que os entes públicos deveriam tomar quanto ao combate da exploração da mão de obra de crianças e adolescentes nas usinas de açúcar e álcool do Estado seria criar mecanismos para informar o consumidor que o produto consumido por este foi feito de maneira ambientalmente limpa e socialmente justa, em conformidade com os preceitos fundamentais contidos em nosso ordenamento, através de uma "certificação da produção do etanol" e do açúcar (MENDES, 2007/2008, p. 47). Como já vem acontecendo em algumas regiões brasileiras, onde há a produção de madeira, café, milho, carne, além de outros produtos agrícolas produzidos no País.

Por tudo isso, cabe à sociedade a conscientização e mobilização para enfrentar as ameaças que o atual modelo agrícola vem impondo à indústria canavieira, bem como à sustentabilidade socioambiental, que afeta e dilacera toda a sociedade. De forma a não tratar com omissão os casos que devem ser denunciados e cobrar dos órgãos responsáveis o combate efetivo às práticas irregulares do setor canavieiro alagoano.

Foi justamente o que ocorreu, em 1994, com a criação do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil- FNPETI, que obteve apoio da OIT e UNICEF, tendo como objetivo unir a sociedade e o poder público em busca de alternativas para tão complexo tema. Entretanto, tais iniciativas ficaram dependentes de orçamentos da máquina pública, o que veio a prejudicar sua atuação, assim como a dos demais entes estatais (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007).

Às crianças e aos adolescentes, e às entidades que tutelam a sua defesa e proteção, só restam a organização e o fortalecimento dos laços entre si, tornando as organizações representativas, imparciais e independentes, com força política para negociação com órgãos do governo ou mesmo com os empregadores, objetivando melhores condições de trabalho e combatendo veementemente as injustiças reinantes nos canaviais do estado.

Na mesma linha, cabe aos veículos de comunicação, com imparcialidade e acessibilidade a todos, divulgar os casos em que ocorrem exploração do trabalho infantil no Brasil e principalmente em Alagoas, despertando assim o senso crítico da população, que é tão carente de informações de cunho social e educativo. Ou seja, funcionando a sociedade como uma verdadeira prestadora de serviços, de modo que iniba ou pelo menos minimize tais práticas.

Ao Ministério Público do Trabalho deve-se o cumprimento dos preceitos legais que estão dispostos em todo o ordenamento pátrio, privilegiando ações diretas a esse combate, como é o caso do ajuizamento de ações civis públicas em face dos responsáveis pela exploração. Contudo, uma força maior deve ser mobilizada, de forma que haja sempre fiscalização nas usinas de açúcar e álcool no Estado de Alagoas e do País. Além de analisar medidas que venham tratar esse mal não só em suas consequências, mas principalmente em sua prevenção, abrangendo diretamente os infratores e indiretamente a população, através da conscientização, participação em fóruns e realização de campanhas executivas e educativas.

Importante ainda voltar os olhos para o Projeto de Lei (PL) apresentado em 1996, tombado sob o n. 2.130, o qual prevê que o trabalho infantil bem como o trabalho escravo caracterizam crime contra a ordem econômica, podendo, portanto, ser julgados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômico (CADE), uma vez que se configurariam como ilegítimos na redução dos custos de produção. Além da PEC n. 52, que visa a expropriação de terras com trabalho escravo e infantil, sendo essas destinadas à recuperação de viciados, ou para programas de esporte, lazer e educação (THENÓRIO; CAMARGO, 2010).

Assim, para que todas as medidas tenham eficácia, não basta afastar a criança e o adolescente do trabalho; faz-se necessária uma integração nacional para que se promova a prevenção desses casos antes mesmo que esses sujeitos sejam sugados pela marginalização social, de forma a fomentar uma base de qualificação adequada, quais sejam a melhoria de renda da população, acesso à educação, à saúde, ao lazer e segurança pública, para que assim sejam respeitados os direitos e garantias que estão insculpidos no artigo 5º de nossa Carta Magna, a qual estabelece que:

Art.5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

III – Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

[...] (BRASIL, 2008a, p. 36)

Daí porque são direitos personalíssimos de todo cidadão, sem qualquer distinção, não podendo, portanto, ser violados, seja qual for o motivo, uma vez que se trata de cláusulas pétreas garantidas na Constituição Federal de 1988.

Em razão disso, espera-se que todas as esferas do governo federal, estadual e municipal façam a sua parte, de forma a ajustar e criar leis que visem coibir a prática da exploração da mão de obra infantil da maneira mais eficaz.

Para que isso ocorra deve haver uma integração de esforços com o Poder Judiciário, na qual se faz necessária uma reestruturação em todos os níveis, sejam eles de ordem física, política ou regimental, de modo a assegurar as realizações práticas decorrentes do ordenamento e de sanções a surgir, formando assim uma cadeia conjunta de ações que corram em paralelo, determinando e objetivando um fim em comum.

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Sobre a autora
Fernanda Natália Xavier Dutra

Bacharel em Direito e Pós-graduanda em Processo Civil pela Universidade Anhanguera- Uniderp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUTRA, Fernanda Natália Xavier. Exploração do trabalho infanto-juvenil nas usinas de açúcar e álcool do estado de Alagoas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2679, 1 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17713. Acesso em: 23 nov. 2024.

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