"O homem segue sendo a medida porque o Estado é para o homem e não o homem para o Estado".
Luis R. Pérez Sanches
RESUMO
No decorrer da história, o ser humano buscou a melhor forma de solução de conflitos para garantir a paz social. Para alcançar tal desiderato, surgiram o Estado e o Processo. O Estado precisava desenvolver a melhor técnica de utilização desse instrumento para que a solução dos litígios fosse efetiva e assim surgiram os diversos sistemas processuais. O direito moderno ou o Direito atual tem como uma de suas principais características a constituicionalização das suas diversas ramificações. Deste modo, as várias áreas de atuação jurídica precisam ser interpretadas tendo como paradigma a Constituição, considerada a Lei Maior ou a Carta Magna do Estado Moderno. Tal análise de compatibilidade deve ser ainda mais rigorosa quando se trata de normas elaboradas anteriormente à vigência da atual Constituição. O sistema processual atual na esfera infraconstitucional deve se coadunar com o sistema e os princípios adotados pela Lei Magna. Do contrário, devem ser reformulados. Observa-se que o atual processo penal é regido por leis, em especial o Código de Processo Penal que, em virtude de terem sido elaboradas em período atroz da história brasileira, a ditadura, e sob influência do Código de Napoleão, também de cunho autoritário, guarda reminiscências do modelo inquisitório, a exemplo da mutatio libelli. Sendo esta um modo de intervenção do juiz na acusação, constata-se afronta ao modelo processual acusatório adotado pela Constituição Federal. Mesmo a recente alteração no processo trazida pela lei 11.719/2008 não expurgou tal inconstitucionalidade. Todavia, é necessária uma releitura das normas infraconstitucionais de modo a fazer adequações com os princípios e regras constitucionais e mesmo com as determinações constitucionais e infraconstitucionais que delimitam a atuação e organização do Ministério Público, titular da ação penal.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição. Processo. Acusatório. Acusação.
ABSTRACT
Throughout history human beings sought the best way to resolve conflicts to ensure social peace, to achieve this aim, the State appeared and the process. The state needed to develop the best technique to use that instrument for the resolution of the disputes could be effective, there were various procedural systems. Modern law or the current law has as one of the main characteristics of constituicionalização of its various branches, thus the various areas of legal action must be interpreted in the constitution as a model, considered the highest law or Constitution of the Modern State. This compatibility analysis should be even stricter when it comes to standards developed prior to the expiry of the current constitution. The current court system in the sphere infra, should be in accordance with the system and the principles adopted by the Law Magna, otherwise, should be reformulated. Observed that current criminal procedure is governed by laws, in particular the Code of Criminal Procedure, which by virtue of having been drawn in dark period of the brazilian history, the dictatorship, and under the influence of the Code Napoleon, also authoritarian stamp, guard reminiscent of the inquisitorial model, among which the mutatio libelli. This being a mode of action of the judge in the indictment it is clear affront to the adversarial process model adopted by the Federal Constitution. Even the recent change in the law brought by 11719/2008 not purged as unconstitutional. However, it is necessary to revisit the rules infra in order to make adjustments with the constitutional rules and principles and even the constitutional determinations and infra limiting the role and organization of the prosecutor, head of the prosecution.
KEYWORDS: Constitution. Proceedings. Indictment. Prosecution.
1 INTRODUÇÃO
Esta monografia tem por objetivo analisar o Sistema Processual Constitucional e confrontá-lo com o Sistema Processual Penal Brasileiro corrente, a fim de investigar a compatibilidade entre os dois sistemas, bem como verificar a compatibilidade entre os procedimentos adotados para a emendatio libelli e para mutatio libelli e as normas processuais constantes do texto constitucional.
Este tema foi escolhido pela importância de se entender que, para que as medidas utilizadas pelo Estado na pacificação dos conflitos sociais e nos demais campos de sua atuação tenham eficácia e efetividade, é preciso que estas medidas reflitam os anseios sociais. Todas as ações do Estado no exercício de qualquer de suas funções, seja legislativa, administrativa ou jurisdicional, devem ser realizadas por meio de um processo democrático, isto é, um processo que, ao possibilitar a participação dos interessados, legitime a atuação do estado, permitindo que por meio dele se constate se os meios utilizados para a atividade estatal coadunam-se com as necessidades sociais, contribuindo para a concretização do interesse coletivo e do bem comum.
O mencionado tema surgiu no âmago das discussões ocorridas na disciplina Direito Processual Penal II, cursada no 6º período do curso de Direito da Faculdade NOVAFAPI, ministrada pela professora Eugênia Villa. No transcorrer de suas aulas, frisava a referida mestra a necessidade de se analisar o Código de Processo Penal sob uma ótica constitucional, fazendo-se as devidas adaptações. Uma das questões que se discutia durante as aulas era se as medidas adotadas para a realização das adequações entre os fatos narrados na acusação e a tipificação legal a eles dada, previstas nos artigos 383 e 384 do Código de Processo Penal, conhecidas doutrinariamente como emendatio e mutatio libelli, conformam-se com os princípios e com a sistemática processual vigente no atual Estado Social e Democrático de Direito no qual nos tornamos. Foi esta indagação que fez nascer o interesse pela realização de um estudo sobre o assunto.
A principal norma que rege o processo penal brasileiro é o Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941, portanto, uma norma elaborada há mais de 68 (sessenta e oito) anos. Em contrapartida, o Direito contemporâneo passou por uma grande evolução em muitos conceitos e institutos, de modo que diversos temas no ramo jurídico, se não tiveram seu entendimento completamente modificado, passaram a ser analisados sob uma nova perspectiva. A título de exemplificação desses avanços, cite-se: a) o contrato deixou de ser considerado unicamente um acordo que vincula as partes ao manifestarem suas vontades. Também são relevantes os reflexos que aquele trará para a esfera jurídica de terceiros, com o princípio da função social do contrato; b) a igualdade entre homem e mulher dentro da instituição familiar, pondo termo ao chamado pátrio poder e trazendo o poder familiar; c) a chamada Teoria da Relativização da Coisa Julgada; d) o estabelecimento do Ministério público como instituição permanente e essencial à aplicação da jurisdição pelo Estado, que tem tido suas atribuições cada vez mais expandidas na defesa dos direitos transindividuais. No âmbito específico do processo penal, tem-se a afirmação de uma Teoria do Processo Penal independente da teoria do processo civil, inclusive com o desenvolvimento de uma quarta condição da ação própria da esfera penal, a justa causa, e, como nas demais áreas do direito, a mais importante das inovações, a constitucionalização.
As mais recentes alterações voltadas ao processo penal foram as postas por meio das leis 11.689 de 9 de junho de 2008 e 11.719 de 20 de junho de 2008, que modificaram, respectivamente, disposições processuais relativas ao Tribunal do Júri e diversos aspectos do processo e do procedimento tais como: suspensão do processo, emendatio libelli e mutatio libelli. Ainda que recentes, estas alterações têm sofrido duras críticas, pois muitos doutrinadores se manifestam no sentido de que tais mudanças pontuais, isto é, apenas em algumas partes da lei, acabam criando uma "colcha de retalhos", fazendo com que até mesmo surjam contradições em alguns pontos. Para outros, é hora de se modificar toda a lei penal processual e material, pois o surgimento de crimes como, por exemplo, os praticados por meio da Internet, não podem ser enquadrados corretamente nos tipos penais previstos por leis elaboradas anos atrás e porque alguns dos atos processuais e sua maneira de realização também estariam obsoletos.
Como único meio pelo qual o Estado-juiz pode exercer a jurisdição, o processo precisa ser analisado e criticado para que haja a certeza de que realmente está de acordo com os anseios sociais e até mesmo para se estudar formas mais eficazes de combate à prática de atos ilícitos que, infelizmente, aumentam a cada dia.
O principal alvo, no decorrer deste estudo, é analisar os novos procedimentos previstos nos artigos 383 e 384, §§ 1º a 5º do Código de Processo Penal, comparando-os com os antigos procedimentos, tudo à luz da Constituição Federal de 1988 e dos princípios processuais por ela adotados. Para se alcançar esse fim, foram utilizadas pesquisas bibliográficas nos principais manuais e cursos de Direito relacionados ao tema, além de pesquisa de artigos em sites especializados na Internet. Aborda-se o tema, especialmente, valendo-se dos métodos de raciocínio dedutivo, partindo de uma visão geral do Sistema Processual Penal, até chegar-se aos institutos foco; método dialético, confrontando os procedimentos atuais com os antigos, para então se ver os progressos a que se chegou e os resquícios que permaneceram imiscuídos no procedimento alterado, herança do passado; e, acima de todos, o fenomenológico (intuitivo), por meio do qual se verificam os impactos das alterações na aplicação imparcial da Justiça.
O trabalho está dividido em seis itens. No primeiro item, trata-se da origem do poder do Estado e do jus puniend como parcela de tal poder. No segundo item, analisa-se o sistema processual, conceito, origem, tipos e características dos principais sistemas conhecidos. No terceiro, será estudado o Sistema Processual Constitucional, onde se destacam os mais importantes princípios que permeiam nosso texto constitucional no que se refere ao processo em geral e como deve ser visto o processual Penal à luz desses princípios. Ainda nesse item, empreende-se uma breve consideração sobre a supremacia da norma constitucional e sua justificação. No quarto, consideram-se os institutos da Emendatio e Mutatio libelli e as recentes modificações trazidas pela lei 11.719/2008, fazendo-se um estudo crítico do novo procedimento, a fim de atestar sua compatibilidade com o espírito da Carta Magna brasileira, os avanços conquistados, além de se sugerirem alternativas às práticas incompatíveis com os ideais do Direito Moderno. No quinto item, verificam-se as previsões da Lei maior e de normas infraconstitucionais sobre o Ministério Público e como devem estas previsões influir nos institutos sob análise e na preservação do sistema processual compatível com a democracia. E, concluindo, tecem-se breves considerações finais.
Espera-se que o estudo seja proveitoso e que incite mais discussões em torno do tema para que se possa contribuir com o Estado na realização de seus fins, aprimorar a aplicação das leis e fazer com que o Direito seja realmente um reflexo dos anseios sociais.
2 ORIGEM DO PODER ESTATAL
Antes de ser empreendido o estudo do sistema processual penal brasileiro atual com o fim de entenderem os contornos das medidas processuais que resultam na emenda à acusação ou na modificação nos fatos inicialmente descritos e ser averiguada sua legitimidade e compatibilidade frente ao modelo processual adotado pela Constituição vigente, bem como perante seus princípios, é necessário, ainda que sucintamente, demonstrar os elementos que legitimam a atuação do Estado de modo geral, ou seja, é preciso justificar a concentração do poder nas mãos deste ente político-jurídico.
2.1 As teorias contratualistas
As tentativas de explicar racionalmente como teria ocorrido o surgimento do Estado e a concentração de poderes nas mãos do governante, preocupação que se deu com o fim da crença na chamada origem divina do poder, resultaram no desenvolvimento de diversas teorias que podem ser agrupadas em dois grandes grupos, o dos que defendem que o Estado teve uma origem natural e o dos que defendem que teve origem a partir da manifestação de vontade dos membros da sociedade. Tais teorias têm suas primeiras manifestações na explicação do surgimento da própria sociedade.
Por ter se tornado predominante nos Estados modernos, de índole democrática, a denominada Teoria Contratualista ou Pactista servirá de base, neste estudo, para a análise da origem do poder do Estado. Por esta teoria, o Estado teria se formado, originalmente, por acordo de vontade dos membros da sociedade. Daí a denominação e o fato de seus defensores serem conhecidos como contratualistas ou pactistas. O contratualismo é apresentado de modo sistemático nas obras de Thomas Hobbes, um dos maiores representantes desta corrente, em especial, no livro Leviatã [01].
Passa-se a descrever como teria surgido o Estado de acordo com a exposição de Hobbes. Para o contratualista, o ser humano viveria, antes da organização política, em uma sociedade na qual gozava de uma liberdade somente limitada pela sua própria força, havia igualdade entre todos e cada membro desta sociedade poderia fazer o que sua força permitisse, o que o teórico chama de estado de natureza. Como todos poderiam agir da maneira que melhor entendessem, sem haver um poder que se sobrepusesse ou que limitasse suas atitudes, as agressões eram constantes e assim homem viveria em constante guerra, sendo o lobo do outro homem, no dizer de Hobbes, homo hominis Lupo [02]. A partir daí, entra em cena a vontade humana para superar a guerra e a insegurança e o homem abre mão de uma parcela da liberdade e da força ou poder natural em favor de uma entidade que passa a utilizar esse poder para limitar a atuação dos indivíduos, garantindo a paz e a solução dos conflitos sociais. Este ente representa não a vontade de um indivíduo, mas sim a de todos os que compõem o agrupamento. O homem passa ao estado social; a sociedade natural transforma-se em sociedade civil; nasce o Estado.
Nas palavras do pactista, citado por Fernandes, vê-se um resumo da justificação do Estado:
A única forma de constituir um poder comum, capaz de defender a comunidade das invasões estrangeiras e das injúrias dos próprios comuneiros é conferir toda força e poder a um homem ou a uma assembléia de homens que possa reduzir todas as suas vontades a uma só vontade [...] À multidão assim reunida se chama Estado, é-lhe atribuído o uso de gigantesco poder e força. [03]
Observa-se que o ser humano, de modo racional, decide transferir parte de suas liberdades naturais para o Estado, submetendo-se às imposições do ente político, pois, do contrário, viveria em constante confronto com outros indivíduos. Tal acordo ou pacto social é necessário mesmo à sobrevivência da espécie humana. Sem ele, cada membro da sociedade, podendo fazer uso da força para atingir aquilo que lhe apraz, geraria o caos, conduzindo a humanidade à autodestruição.
Neste passo, a existência do Estado se deve aos fins de manutenção da paz social, da segurança, a imposição de poder coercivo originado da vontade abstrata de todos os componentes do meio social para resolver os conflitos nascentes e, enfim, propiciar a sobrevivência do ser humano. Quando, pois, o Estado utiliza o poder que não é seu, e sim dos cidadãos, estabelecendo meios de atuação, é necessário analisar se estes são aptos a realizar aqueles fins que constituem a razão de ser do Estado. Caso contrário, os instrumentos de atuação desta pessoa ficta não serão legítimos.
A influência da teoria contratualista que fundamenta um poder exercido pelo Estado em nome do povo o qual efetivamente é dono do poder é percebida em nossa Constituição, no art. 1º, parágrafo único, que estabelece: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição" [04].
2.2 Jus puniendi como parcela do poder estatal
O jus puniendi, isto é, o poder-dever de aplicar a punição em decorrência de uma infração penal, é monopólio do Estado em nosso ordenamento jurídico e no da maioria dos Estados modernos. Na definição de Mirabete, jus puniendi é definido como o "direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito secundário da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou omissão descrita no preceito primário, causando um dano ou lesão jurídica." [05] Este é um dos aspectos do poder jurisdicional. Consiste em um dos "elementos que compõem a jurisdição", segundo Bonfim, "coertio ou coertitio" [06], a aplicação de medidas coercitivas por parte do estado sem as quais os provimentos judiciais não teriam efetividade.
O poder jurisdicional, um dos três poderes, funções ou uma das atividades desempenhadas pelo Estado, é na verdade apenas uma variante, uma parcela, do poder do Estado que é uno indivisível. É esse o entendimento de Bonfim, transcrito a seguir:
Em um primeiro aspecto, portanto, o termo "jurisdição" é utilizado para designar o próprio poder investido em determinada entidade para que esta possa, diante da sociedade, dizer, peremptoriamente, com autoridade, qual é o direito perante o caso concreto [...] Assim, no âmbito da teoria do Estado, a jurisdição é concebida, primordialmente, como poder. [...] diz-se que a jurisdição é uma parcela do poder estatal e uma das formas de sua manifestação, pois este, na verdade é uno e soberano. [07]
O mesmo entendimento manifestado por este autor é amplamente defendido pelos estudiosos da teoria do Estado, conforme leciona Dallari, para quem "Embora seja clássica a expressão separação de poderes, que alguns autores desvirtuaram para divisão de poderes, é ponto pacífico que o poder do Estado é uno e indivisível." [08]
Portanto, há somente um poder soberano. Assim sendo, todas as manifestações deste poder ou, ainda, todas as funções dele decorrentes desempenhadas pelo Estado têm o mesmo fundamento, devendo ser voltadas ao alcance dos mesmos fins.
3 SISTEMAS PROCESSUAIS
De modo semelhante à evolução descrita por Thomas Hobbes, partindo do estado de natureza para o estado civil, houve uma evolução nas formas de pacificação dos conflitos dentro da sociedade, não sendo exagero afirmar que foi o desenvolvimento e aprimoramento dos métodos de solução de conflitos que possibilitou a transição do estado de natureza para o estado social ou civil. Inicialmente, os indivíduos buscaram resolver os litígios por sua própria força, modalidade de solução que ficou conhecida como auto-tutela. Com a utilização da auto-tutela, prevalecia, na maioria das vezes, a vontade do mais forte; em outras ocasiões, havia renúncia ou perda parcial do direito de uma das partes, gerando injustiças e insegurança. Os indivíduos acabaram assim atribuindo ao Estado a função de solucionar os dissídios sociais. Para desenvolver esta atribuição, o Estado lança mão da jurisdição, função estatal que visa a resolver, de modo eqüidistante das partes envolvidas, as celeumas e questões surgidas no seio da coletividade.
O processo é o instrumento que o Estado-juiz utiliza para aplicar a jurisdição. [09] A celeridade e a eficiência com que se realiza a atividade jurisdicional dependerão da maneira segundo a qual os institutos e princípios processuais se relacionam e são organizados. Portanto, é preciso que haja determinação de uma disciplina e de uma sistematização, de um método para orientar o desenrolar dos acontecimentos e dos atos processuais, isto é, de um sistema processual.
Demonstrando a instrumentalidade do processo e sua importância não somente na atividade jurisdicional, ensina o professor Bonfim, in verbis:
Do ponto de vista do Estado, o estabelecimento de processos, de modo geral, é, assim, uma das formas de estabelecer limitações a seu poder. Destarte, um processo criado por meio da positivação de normas jurídicas determina uma maneira, dentre todas as possíveis de se exercer o poder.
Uma vez estabelecido, o processo passa a ser o único meio pelo qual determinado aspecto do poder.estatal será exercido. O processo judicial, portanto, é o meio, determinado por normas jurídicas, pelo qual o Estado poderá exercer o poder da jurisdição. [10]
Interessante ponto é mencionado por este estudioso, pois expressa a idéia de que o processo não somente seria um meio de limitação do poder jurisdicional, através de regras que disciplinam a maneira da atuação e exercício das atividades do Estado, mas sim de todos os poderes (funções) estatais, consubstanciando-se em instrumento de concretização destas atividades, quaisquer que sejam.
3.1 Conceito de sistema processual
Levando-se em consideração os princípios em torno dos quais se direcionam e se organizam os atos processuais, a doutrina identifica um sistema em que os processos em diversas épocas e locais foi desenvolvido, partindo daí a noção de sistema processual.
Embora misturando conceitos diversos acerca da idéia geral de sistema, Coutinho acaba por assim definir sistema jurídico:
Ainda que com uma visão sucinta, tenho a noção de sistema a partir da versão usual, calcada na noção etimológica grega (systema-atos), como um conjunto de temas jurídicos que colocados em relação com um princípio unificador, formam um todo orgânico que se destina a um fim. É fundamental, pelo que parece óbvio, ser o conjunto orquestrado pelo princípio unificador e voltado para o fim ao qual se destina. [11]
É fácil perceber que, contrariamente ao que diz o autor, ao invés de apresentar um conceito "na versão usual" de sistema, conceituou sistema jurídico, ao fazer menção a "conjunto de temas jurídicos", pois, na versão usual sistema indica um conjunto coordenado de elementos quaisquer, o que permite se falar assim em sistema matemático, conjunto de expressões numéricas, em sistema biológico, conjunto de seres vivos, e assim por diante. Se o conjunto é de termos jurídicos orientados por um princípio básico, ao qual Coutinho designa "princípio unificador", e se os termos jurídicos aos quais se refere são de direito processual, trata-se, de acordo com o entendimento do autor, de um sistema processual. [12]
Mais preciso e didático é o conceito de sistema processual oferecido por Dinamarco. Este mestre parte de uma noção ampla, e realmente usual, de sistema para chegar à restrita concepção de sistema processual. Veja-se:
Sistema é um conjunto fechado de elementos interligados e conjugados em vista de objetivos externos comuns, de modo que um atua sobre os demais e assim reciprocamente, numa interação funcional para a qual é indispensável a coerência entre todos. Sistema processual é um conglomerado harmônico de órgãos, técnicas e institutos jurídicos regidos por normas constitucionais e infraconstitucionais capazes de propiciar sua operacionalização segundo o objetivo externo de solucionar conflitos. [13]
Nestes conceitos, alguns pontos devem ser frisados para que se tenha uma compreensão vívida, que será útil durante as considerações. Dentro do conceito de sistema, nota-se que Dinamarco fala da interação entre os componentes do sistema, em vista de um fim e, para tanto, é "indispensável a coerência" entre eles. Destarte, vários são os sistemas existentes nas mais variadas áreas do conhecimento e nos diversos campos. Todavia, demonstra que o sistema, para ser caracterizado como processual, deve ser formado de elementos jurídicos regidos por normas, constitucionais e infraconstitucionais, que os operacionalizam, ou seja, que os aplicam concretamente na busca da pacificação dos conflitos. As normas que trazem em seu bojo as disciplinas a serem observadas que servem de instrumento para aplicação dos institutos jurídicos são as normas processuais, caráter instrumental já discorrido.
Com acuidade e perspicácia peculiar, Dinamarco diferencia ainda sistema processual de modelo processual. Prossegue este professor, agora, definindo modelo processual, nos seguintes termos:
Um dado sistema processual, considerado pelo conteúdo específico das normas que o regem, pela concreta conformação dos órgãos que o operam e pelo modo de ser dos institutos encadeados em razão deste objetivo constitui um modelo processual. Tem-se por modelo processual, portanto, cada um dos sistemas processuais encontrados especificamente nos diversos lugares do mundo e em tempos diferentes. Falar em modelo processual é considerar um dado sistema processual pelos elementos que concretamente o identificam e diferenciam de outros no tempo e no espaço. [14]
Assim, modelo processual é o conjunto de características concretas que apresenta uma técnica de aplicação de princípios e institutos jurídicos em um dado local, em uma determinada época. Segundo aquela definição, não se deveria falar em sistema inquisitório, sistema acusatório, misto ou sistema antropológico para se referir às diversas modalidades de organização do processo usadas pelos vários povos no decorrer dos séculos ou para os presentes nos países na atualidade. Todas as técnicas de realização do processo são sistemas processuais, logo, inquisitório ou acusatório seria o modelo de sistema processual. A expressão tecnicamente correta seria, por exemplo, modelo acusatório de sistema processual ou, simplesmente, modelo processual acusatório.
Apesar da exatidão de Dinamarco, acredita-se que, para os fins a que se propõe a pesquisa ora realizada, o uso da expressão "sistema processual" ou "modelo processual" não alterará o conteúdo, a substância do trabalho, que é o mais importante, consistindo em mero preciosismo. Além disso, já se tornou comum o uso de "sistema" em processo como sinônimo de "modelo", motivo pelo qual se opta pela nomenclatura comumente utilizada, ao se fazer uso da expressão "sistema processual" em lugar de "modelo processual".
3.2 Tipos de sistemas processuais
Estão superadas as noções introdutórias necessárias para um bom entendimento das análises propostas nesta pesquisa, após se entenderem alguns aspectos como as razões da concentração dos poderes de coação na sociedade em um ente ideal, o Estado; da imprescindibilidade do regramento de um devido processo para o exercício dos vários aspectos deste poder, entre eles o jus puniendi; e da inter-relação das normas, princípios e técnicas do processo de modo coerente compondo um sistema ou modelo processual. Passa-se, destarte, a uma análise dos principais sistemas processuais utilizados ao longo de anos de desenvolvimento na busca por uma melhor técnica de pacificação social e seus elementos e princípios identificadores.
3.2.1 Sistema acusatório
Entre os principais sistemas processuais, o primeiro a que se faz referência é o sistema acusatório, também denominado sistemas de garantias ou de partes. Originado em Atenas e em Roma, a denominação recebida por este sistema se deve ao fato de que somente mediante uma acusação um indivíduo era levado a julgamento. Nos ilícitos que ofendessem direitos e bens de interesse eminentemente particulares ou que fossem menos graves, a acusação era facultada ao ofendido, nos mais graves ou que afetassem toda a sociedade. Caberia a qualquer indivíduo proceder à acusação. Cada uma das funções dentro do processo era atribuída a pessoas distintas, já na sua origem, como também, nas suas manifestações modernas, havia um órgão oficial responsável pela acusação. Para alguns, o sistema só será realmente acusatório se a acusação for procedida por qualquer membro da sociedade. No entanto, não se deve, precipitadamente, concluir que o fato de poder a acusação ser exercida por um órgão estatal contraria a divisão das atividades processuais entre pessoas distintas, pois o órgão oficial incumbido da ação pública age em nome da sociedade e é criado especialmente para acusar. Lago chama a atenção para essa importante colocação:
A esse respeito, vale ressaltar que, à despeito de se considerar a acusação privada ou popular como de essência fundamental do sistema acusatório puro, não há de se admitir que a oficialidade do exercício da ação penal constitua, por si só, elemento capaz de modificar substancialmente a natureza acusatória do sistema processual, posto que, em verdade, assumindo a responsabilidade de iniciativa da ação penal, por órgãos designados especificamente para tal, , está o Estado agindo em nome da sociedade, com o fim precípuo de evitar a impunidade, de ante da natural acomodação e fragilidade do ser humano. Ademais, no exercício da função pública, a despeito de se submeter o órgão oficial ao império da legalidade, que no campo penal, obedece a princípios de moralidade e impessoalidade, não fica adstrito à observância cega do princípio da obrigatoriedade, até porque, ocupados tais cargos por seres humanos, haverá sempre espaço para a eleição de alternativas para implementação da política criminal mais justa, compatibilizando assim a obrigatoriedade com certa dose de disponibilidade, apesar de regrada, ante à legalidade dos limites de atuação do órgão acusador. [15]
Todavia, tal entendimento não é unânime. Alguns doutrinadores, a exemplo de Colomber, citado por Lago, consideram que, no momento em que a iniciativa da ação penal que, na maioria das vezes, cabe ao Ministério Público, é atribuída a um órgão do Estado que também decidirá por meio do órgão judicial, estará sendo corrompido o sistema acusatório puro ou genuíno, pois o Estado estará assumindo atividade própria da população ou do ofendido [16].
Entretanto, a atual titularidade da ação penal dada ao Ministério Público é resultado da evolução da sistemática processual, não havendo dissonância com o sistema acusatório, pois o Ministério Público, sem embargo de ser um órgão oficial, possui no processo como única função a de acusar. Desde que atue de modo independente das demais partes, estará atendido o requisito da divisão de funções no processo.
Sendo um sistema no qual uma de suas principais características é a presença de partes, não se admite à parte julgadora proceder qualquer investigação ou produção de provas (mormente no sistema acusatório genuíno ou puro), mantendo-se imparcial. O processo é público e seus atos são realizados oralmente, com a participação do acusado que é protegido por garantias como o contraditório a ampla defesa.
Provoca grande dissidência na doutrina a determinação de qual dos elementos encontrados no sistema acusatório seria sua principal característica. Para alguns estudiosos do tema, o fato de o sistema somente ser iniciado com a acusação, seria a sua principal característica. Esse posicionamento não se sustenta, pois a acusação estava presente em todos os sistemas processuais, os quais serão analisados mais adiante, embora, em alguns, a regra fosse a acusação de ofício.
Para outros, o que caracterizaria essencialmente o sistema acusatório seria o rol de direitos ou as garantias que são reconhecidas ao acusado, sendo, por este motivo, chamados de garantistas [17]. Embora reconheça a importância das garantias, afirmando não poder deixar de ser considerada a forte relação do sistema acusatório com a cidadania, outro posicionamento é defendido por Coutinho para o qual a mais marcante nota do sistema acusatório é a distribuição da gestão da prova que fica a cargo das partes, conforme aponta no seguinte trecho:
O mais importante, contudo, ao sistema acusatório – é bom que se diga desde logo -, é que da maneira como foi estruturado não deixa muito espaço para que o juiz desenvolva aquilo que Cordeiro, com razão, chamou de "quadro mental paranóico", em face de não ser, por excelência o gestor da prova pois, quando o é, tem, quase por definição, a possibilidade de decidir antes e, depois, sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a "sua" versão, isto é, o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário, ao qual toma como verdadeiro. [18]
Vê-se que a razão está com a maioria dos doutrinadores que destacam como principal característica do sistema acusatório o fato de ser um sistema de partes, pois, desta característica decorrem todas as demais apontadas anteriormente que, para alguns, são as mais importantes. Todas as garantias que são dadas ao causado, assim como o fato de o julgador não concentrar em suas mãos a produção de provas são decorrência da posição que o acusado ocupa, sendo visto como parte neste sistema, não como mero objeto de investigação, como se dava em outros sistemas processuais. Havendo partes, é preciso que sejam dados a estas direitos e garantias dentre os quais o de se manifestarem produzindo provas.
Ao descrever o sistema processual ateniense, Tourinho Filho enuncia a existência de classificação dos crimes em crimes de natureza privada e crimes públicos [19]. Nos primeiros, a acusação cabia ao ofendido. Já no segundo, a Assembléia escolhia um cidadão para acusar. O processo era regido pela publicidade e oralidade. Pode-se caracterizá-lo como acusatório, pois, embora o autor diga que o réu não tinha "nenhuma" garantia, em outra oportunidade, ao tratar da ordem de manifestação no processo, diz que primeiro falava a acusação, depois a defesa que era feita por parte diversa daquela que acusava. Se o réu tinha direito à defesa, ao menos essa garantia ele possuía. Posteriormente, o autor reconhece o sistema ateniense como sendo acusatório [20]. Em Roma houve, oscilações entre o sistema acusatório e inquisitório. Nos últimos séculos da República, predominou a acusatio [21].
3.2.2 Sistema inquisitório
O sistema acusatório, com o passar do tempo, apresentou algumas impropriedades, como a acusação que, na maioria dos casos, era facultada a particulares, sendo que estes passaram a negligenciar alguns delitos considerados menos importantes, outras vezes o poder que o ofensor detinha intimidava aqueles que deveriam acusar e, em outros casos, a acusação era utilizada para perseguir inimizades. O Estado passou então cada vez mais a tomar a iniciativa no estabelecimento do processo. Surge então o sistema inquisitório como superação do sistema anterior.
No sistema inquisitório, o processo é iniciado de ofício. Todas as atividades processuais se concentram nas mãos de um único órgão. Os atos são sigilosos e escritos, e não há garantias para o acusado. Supervaloriza-se a forma de realização dos atos, pois se acredita que conduziram à verdade real. O réu era considerado tão somente objeto de uma investigação. Como todas as atividades eram realizadas pelo magistrado, não havia imparcialidade.
O processo penal canônico, ao contrário do que se pensa, teve caráter acusatório, até o séc. XII. Do séc. XIII em diante, estabeleceu-se o sistema inquisitivo, de início aplicado somente nas questões eclesiásticas. Todavia, mostrou-se eficiente instrumento de dominação e conservação do poder. O procedimento era realizado de ofício pelo juiz que agia secretamente, com uso de tortura, para obter confissão. Não se permitia nem mesmo a defesa, sob a alegação de que impossibilitaria o alcance da verdade.
O sistema inquisitório atingiu seu apogeu na Idade Média, especialmente sob o manto do direito canônico. Ao longo dos anos, tomou conta de quase toda a legislação da Europa Ocidental como forte aliado dos Estados absolutistas, contribuindo para a dominação política da região [22].
Para concluir este tópico, resta tecer alguns comentários sobre o principal destaque deste tipo de sistema processual. Parte dos processualistas, que constituem a parte majoritária, a qual se mostra estar com a razão, entende que o sistema inquisitório é o posto do sistema acusatório. Afirmam, assim, que a característica principal deste sistema é concentração de todos os poderes nas mãos do órgão inquisidor. Não há neste sistema um processo de partes.
Destoando da maioria, Coutinho defende que, na realidade, é a gestão da prova o grande diferencial do sistema inquisitório, in literis:
Estabelece-se, assim, uma característica de extrema importância a demarcar o sistema, enquanto puro, ou seja, a inexistência de partes, no sentido que hoje emprestamos ao termo. Não obstante o vigor com que conduz e orienta o discurso de alguns, às vezes usada como ponto de partida ou mesmo como fator único de distinção, trata-se de elemento distintivo secundário [...]
A característica fundamental do sistema inquisitório, em verdade está na gestão da prova, confiada essencialmente ao magistrado [...]. [23]
Para fundamentar sua posição, Coutinho afirma que é possível existir um processo inquisitivo de partes e cita como exemplo o ancien regime, com as ordennance criminelle, durante o reinado de Luiz XIV. Todavia, conforme ensina Tourinho Filho, neste sistema, embora a acusação, em alguns casos, coubesse ao procurador do rei, o processo era dividido em três partes: informação, instrução preparatória e julgamento. As duas primeiras fases eram realizadas pelo magistrado, chamado lieutenant criminel du bailliage. O julgamento era realizado pelo lieutenant criminel e seus assessores que compunham o tribunal. Assim, o magistrado dirigia todo o processo. O fato de a acusação ser proposta por popular ou mesmo por um representante público, como uma assembléia ou senado, não faz do processo um processo de partes, visto que, a partir da acusação, o inquisidor assumia todo o resto do processo oficiosamente.
Cabe ainda destacar que, ao se referir a um processo de partes, quer se enfatizar a participação do acusado que deixa de ser mero objeto de investigação para ser componente da relação processual, passando aí a ter direitos, dentre os quais o contraditório e a ampla defesa.
3.2.3 Sistema misto
Em decorrência da crueldade que permeava o sistema inquisitório, somado à descrença na sua eficácia no alcance da verdade dos fatos e da justiça, esse sistema passou a ser duramente criticado. Com o advento da Revolução Francesa e, em conseqüência, dos ideais de cidadania, justiça, igualdade e fraternidade, aquelas críticas tornaram-se ainda mais ferrenhas. Em face da fragilidade do sistema acusatório e da inconformidade do sistema inquisitório frente à dignidade humana e aos demais direitos cuja defesa se espalhava tomando conta de todos os países do mundo, em especial, dos países europeus, idealizou-se o sistema misto ou acusatório formal, com o objetivo de respeitar as garantias do sistema acusatório, preservando as vantagens do sistema inquisitório [24].
O sistema misto, como o próprio nome indica, é formado pela junção de elementos característicos do modelo inquisitório e do modelo acusatório. Assim como ocorria no inquisitório, no sistema misto existem três fases: investigação prévia, instrução e julgamento. As duas primeiras fases são desenvolvidas de forma sigilosa e sem a participação do acusado. Na fase de julgamento, os procedimentos são orais, públicos e contraditórios. Esse sistema foi instituído com o Código Criminal francês, o Código de Napoleão, em 1808, com o objetivo de amenizar os arbítrios do sistema inquisitório vigente.
Atualmente o sistema misto é aplicado em alguns países europeus como Itália, Espanha, Alemanha e também na América-Latina, como é o caso da Venezuela. A doutrina nacional não é pacífica, conforme se demonstrará em detalhes no item a seguir, mas há autores que enquadram o sistema processual penal brasileiro como sendo misto. Esse posicionamento, para a maioria dos que o defendem, tem como principal fundamento a existência de um processo ou procedimento administrativo, o Inquérito Policial, sigiloso e sem a participação do acusado. A forma mais enfática de aplicação do sistema misto atualmente se encontra na França, no chamado juízo de instrução. Neste sistema, há uma fase inicial onde é feita a coleta da prova e apuração das infrações, que é dirigida por um juiz (daí o nome). Cabe à polícia tão somente a prisão dos infratores e a indicação de provas a serem produzidas.
3.2.4 Sistema antropológico
Faz-se menção de um último sistema, apenas para efeito didático e de ampliação de conhecimentos, pois nunca foi aplicado. Ele se estringiu a meras elucubrações, sem óbice de ser admitida a ponderação, ainda que acessoriamente, de alguns de seus aspectos. Trata-se do sistema antropológico [25]. Esse sistema, foi proposto na Itália, com base nas idéias do positivista Auguste Comte. Nesse sistema os juízes não deveriam ter formação jurídica e sim em sociologia e antropologia criminal, uma vez que os fatores a serem considerados na avaliação do caso seriam os antecedentes pessoais do acusado e suas características físicas e hereditárias. Assim, é possível perceber que se acreditava que ser criminoso era uma tendência genética, ou seja, o indivíduo nasceria biologicamente predestinado ao cometimento de delitos. Não deveria, por esse sistema, existir ação exclusivamente privada, pois a aplicação da sanção decorreria de uma necessidade social.
O nosso sistema processual Penal não descarta por completo alguns dos elementos deste sistema ao aplicar a legislação penal, a exemplo do disposto no artigo 59 do Código Penal:
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: [26]
Bem se vê que a lei penal material que traz também em seu conteúdo disposições de direito penal formal, embora tal fato seja criticado por alguns, não prescinde por completo de alguns dos fatores que seriam determinantes para a realização do processo e sua conclusão nos ditames do sistema antropológico, tais como os antecedentes do acusado, sua conduta social e personalidade.