05 – DO CABIMENTO DE AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO
Mas e se mesmo com o ajuizamento de oposição em face da ação de reintegração de posse entre os particulares não for possível obter provimento judicial que impeça a expulsão dos trabalhadores rurais da área, sendo mantida a decisão de reintegração em favor do ocupante, e negada ou ainda não deferida a retomada ajuizada pela Autarquia, ficarão os hipossuficientes desamparados, ou ainda é possível a atuação do INCRA?
Entendemos que nestas hipóteses, visando tutelar o interesse público, traduzido na manutenção dos trabalhadores sem terra na área pública, cujo domínio público ainda não foi declarado judicialmente, e que o detentor já teve decisão de reintegração da posse, é possível o ajuizamento de ação de desapropriação, de modo extraordinário, tendo em vista tratar-se de área pública, visando a mais urgente solução da demanda social.
Passemos, assim, a estudar as questões que envolvem o cabimento do instrumento processual da desapropriação, em relação a imóvel público cujo domínio ainda é discutido, visando atender a urgência social.
05.1 – DA IMPOSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA CASO O IMÓVEL CUMPRA SUA FUNÇÃO SOCIAL OU CASO TENHA SIDO OBJETO DE ESBULHO POSSESSÓRIO OU INVASÃO MOTIVADA POR CONFLITO AGRÁRIO OU FUNDIÁRIO DE CARÁTER COLETIVO
A ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária tem previsão constitucional, constando do art. 184 da Carta de 1988, vejamos:
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
§ 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
§ 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.
§ 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.
§ 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício.
§ 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.
A norma constitucional traz como único legitimado ativo para a ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária a União. Assim, não cabe aos demais entes da federação (Estados, Distrito Federal e Municípios) desapropriar para fins de reforma agrária.
Aduz, ainda, que apenas imóvel rural que não esteja cumprindo a função social é passível de desapropriação para fins de reforma agrária. Ou seja, não cabe para imóvel urbano, e nem pra imóvel que esteja cumprindo a função social.
Cumpre observar que não quer dizer que não seja passível de desapropriação um imóvel que venha cumprindo sua função social, mas apenas que não caberá a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, que traz, como grande diferencial das demais desapropriações, o pagamento da indenização da terra nua em títulos da dívida agrária, resgatáveis no prazo de até 20 anos.
A função social da propriedade rural vem disposta no art. 186 da Constituição Federal, que aduz a respeito de suas quatro vertentes, quais sejam: a) função social fática; b) função social ambiental; c) função social do trabalho; e d) função social do bem-estar.
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Em sendo desrespeitada a função social da propriedade, em qualquer uma de suas vertentes, será o imóvel considerado passível de desapropriação para fins de reforma agrária, com pagamento da terra nua em títulos da dívida agrária.
A Constituição veda expressamente a desapropriação para fins de reforma agrária da pequena e média propriedade rural, desde que seu proprietário não possua outra. Ou seja, a priori, apenas as grandes propriedades serão passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária; a pequena e a média propriedade somente poderão ser desapropriadas para reforma agrária caso o seu proprietário possua outra propriedade rural.
Outro óbice à desapropriação é o fato de ser a propriedade produtiva, mas perceba-se que este inciso II, do artigo 185, da Constituição Federal, deve ser interpretado de forma sistemática, levando, assim, em conta, o disposto no artigo 186, que trata da função social, assim, mesmo que a propriedade seja produtiva, cumprindo o requisito do aproveitamento racional e adequado, mas descumpra sua função social nas vertentes ambiental, do trabalho e do bem estar, será sim passível de desapropriação.
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II - a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.
O parágrafo terceiro, do artigo 184, da Constituição de 1988 traz a exigência de lei complementar para regulamentar o procedimento judicial especial, de rito sumário, da ação de desapropriação para fins de reforma agrária.
Assim, foi editada a Lei Complementar nº 76, de 06 de julho de 1993, que trata do procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária. Ou seja, este procedimento apenas será aplicado quando da desapropriação de imóvel rural (não cabe para imóvel urbano), e que tenha como finalidade a reforma agrária (qualquer outra finalidade que tenha a desapropriação por interesse social, seguirá o disposto na Lei nº 4.132/62, que remete ao Decreto Lei nº 3.365/41, a Lei Geral de Desapropriação).
O artigo primeiro da LC nº 76/93 traz a competência privativa da União (nos termos do dispositivo constitucional), e aduz, em seu parágrafo primeiro, que a ação será proposta pelo órgão federal executor da reforma agrária (INCRA), e será processada e julgada perante a Justiça Federal (regra de competência está que não necessitava vir expressa na lei, tendo em vista que decorre diretamente de preceito constitucional, previsto no artigo 109 da Carta de 1988).
É requisito para o ajuizamento da ação de desapropriação em tela o prévio decreto presidencial, declarando o imóvel como de interesse social para fins de reforma agrária. Apenas a partir da publicação do decreto, é que se terá por declarado o interesse social para fins de reforma agrária, podendo a União, através da autarquia executora da política pública de reforma agrária, realizar a vistoria e a avaliação do imóvel.
Art. 1º O procedimento judicial da desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, obedecerá ao contraditório especial, de rito sumário, previsto nesta lei Complementar.
Art. 2º A desapropriação de que trata esta lei Complementar é de competência privativa da União e será precedida de decreto declarando o imóvel de interesse social, para fins de reforma agrária.
§ 1º A ação de desapropriação, proposta pelo órgão federal executor da reforma agrária, será processada e julgada pelo juiz federal competente, inclusive durante as férias forenses.
§ 2º Declarado o interesse social, para fins de reforma agrária, fica o expropriante legitimado a promover a vistoria e a avaliação do imóvel, inclusive com o auxílio de força policial, mediante prévia autorização do juiz, responsabilizando-se por eventuais perdas e danos que seus agentes vierem a causar, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
A petição inicial da ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, além dos requisitos genéricos de toda inicial, esculpidos no artigo 282 do Código de Processo civil, deverá conter a oferta do preço, sendo em títulos da dívida agrária no que se refere ao valor da terra nua, e em dinheiro, no que tange às benfeitorias úteis e necessárias (conforme regramento constitucional), e, deverá conter: a) o texto do decreto presidencial que declara o interesse social para fins de reforma agrária (através de cópia da publicação do decreto no Diário Oficial da União); b) as certidões atualizadas de domínio e de ônus real do imóvel (retirada junto ao Cartório de Registro de Imóveis); c) o documento cadastral do imóvel (que é obtido junto ao INCRA, que mantém o cadastro de imóveis rurais); d) o laudo de vistoria e avaliação (realizado pelos peritos da autarquia agrária, trazendo a descrição do imóvel, a relação das benfeitorias e os valores da terra nua e das benfeitorias indenizáveis); e) o comprovante de lançamento dos títulos da dívida agrária (em montante suficiente para o pagamento do valor da terra nua); e, f) o comprovante de depósito, em espécie, à disposição do juízo, do valor referente às benfeitorias úteis e necessárias.
Art. 5º A petição inicial, além dos requisitos previstos no Código de Processo Civil, conterá a oferta do preço e será instruída com os seguintes documentos:
I - texto do decreto declaratório de interesse social para fins de reforma agrária, publicado no Diário Oficial da União;
II - certidões atualizadas de domínio e de ônus real do imóvel;
III - documento cadastral do imóvel;
IV - laudo de vistoria e avaliação administrativa, que conterá, necessariamente:
a) descrição do imóvel, por meio de suas plantas geral e de situação, e memorial descritivo da área objeto da ação;
b) relação das benfeitorias úteis, necessárias e voluptuárias, das culturas e pastos naturais e artificiais, da cobertura florestal, seja natural ou decorrente de florestamento ou reflorestamento, e dos semoventes;
c) discriminadamente, os valores de avaliação da terra nua e das benfeitorias indenizáveis.
V - comprovante de lançamento dos Títulos da Dívida Agrária correspondente ao valor ofertado para pagamento de terra nua; (Incluído pela Lei Complementar nº 88, de 1996).
VI - comprovante de depósito em banco oficial, ou outro estabelecimento no caso de inexistência de agência na localidade, à disposição do juízo, correspondente ao valor ofertado para pagamento das benfeitorias úteis e necessárias. (Incluído pela Lei Complementar nº 88, de 1996).
Estando devidamente instruída a petição inicial, o juiz irá determinar a imissão do autor na posse do imóvel, de plano, independentemente de requerimento, e sem a oitiva do réu (liminar inaudita altera partes).
Art. 6º O juiz, ao despachar a petição inicial, de plano ou no prazo máximo de quarenta e oito horas:
I - mandará imitir o autor na posse do imóvel; (Redação dada pela Lei Complementar nº 88, de 1996).
II - determinará a citação do expropriando para contestar o pedido e indicar assistente técnico, se quiser; (Redação dada pela Lei Complementar nº 88, de 1996).
III - expedirá mandado ordenando a averbação do ajuizamento da ação no registro do imóvel expropriando, para conhecimento de terceiros.
§ 1º Inexistindo dúvida acerca do domínio, ou de algum direito real sobre o bem, ou sobre os direitos dos titulares do domínio útil, e do domínio direto, em caso de enfiteuse ou aforamento, ou, ainda, inexistindo divisão, hipótese em que o valor da indenização ficará depositado à disposição do juízo enquanto os interessados não resolverem seus conflitos em ações próprias, poderá o expropriando requerer o levantamento de oitenta por cento da indenização depositada, quitado os tributos e publicados os editais, para conhecimento de terceiros, a expensas do expropriante, duas vezes na imprensa local e uma na oficial, decorrido o prazo de trinta dias. (Renumerado do § 2º pela Lei Complementar nº 88, de 1996).
Não existindo dúvida a respeito do domínio do imóvel, poderá o expropriado requerer o levantamento de oitenta por cento do valor da indenização depositada. Caso contrário, ou seja, havendo dúvida a respeito de quem seja o titular do domínio do imóvel, o valor ficará depositado à disposição do juízo enquanto os interessados discutem o domínio em ações próprias.
Destarte, em se tratando de imóvel que esteja registrado em nome de terceiro, pessoa física ou jurídica, mas que a União entenda se tratar de imóvel público federal, haverá dúvida a respeito do domínio. O registro em nome do particular traz a presunção de propriedade do bem imóvel, nos termos do artigo 1.245 do Código Civil, mas trata-se de presunção relativa, e não absoluta, assim, passível de ser afastada, desde que demonstrada a invalidade do título cujo registro gerou a presunção de propriedade.
Como o imóvel encontra-se registrado em nome de particular, será este o proprietário, a priori, cabendo, portanto, a desapropriação, desde que declarado o interesse social na área, para fins de reforma agrária, por meio de decreto presidencial.
Ocorre que, já tendo sido ajuizada a ação de cancelamento de registro por parte da União/INCRA, é clara e incontestável a existência de dúvida acerca do domínio, o que impedirá o expropriado de efetuar o levantamento inicial de oitenta por cento do valor depositado para fins de indenização.
Deste modo, visando a urgente imissão na posse do imóvel, e não logrando sucesso em pleito liminar na ação ordinária de cancelamento de registro cumulada com reintegração ou imissão na posse (a depender do caso concreto), se mostra como via processual possível, visando dar celeridade à política pública de reforma agrária, o ajuizamento de ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.
Nenhum prejuízo terá a União, tendo em vista que os valores de indenização não serão levantados pelo expropriado enquanto perdurar a dúvida a cerca do domínio (se público ou privado), e enorme ganho social terão os clientes da reforma agrária, tendo em vista a possibilidade imediata de imissão na posse e conseqüente início de implantação de projeto de assentamento na área.
O levantamento, ou não, da indenização por parte do expropriado dependerá do resultado final da ação de cancelamento de registro anteriormente ajuizada pela União/INCRA.
É dizer, sendo a União vencedora, será cancelado o registro do imóvel em nome do expropriado, voltando a valer o registro anterior, em nome da União, hipótese em que o domínio será pleno da União, que já havia sido imitida na posse na ação de desapropriação, logo, ocorrerá o instituto da confusão, sendo credor e devedor na ação de desapropriação, no que tange à terra nua, a União, extinguindo-se, assim, a dívida, nos termos do artigo 381 do Código Civil.
Já na hipótese de ser a União derrotada na ação de cancelamento de registro, restará decidido judicialmente que o particular detinha a propriedade da área desapropriada. Teremos, então, segurança jurídica para sanar a dúvida a respeito do domínio, o que implicará a possibilidade do expropriado levantar oitenta por cento do valor depositado a título de indenização na ação de desapropriação.
Mas de qualquer modo, o fim social da demanda, qual seja, a execução do programa nacional de reforma agrária, com o assentamento de trabalhadores rurais de baixa renda na área onde havia interesse social para reforma agrária, já terá sido atingido anteriormente, a partir do momento da imissão da União na posse do imóvel, quando do despacho da petição inicial da ação de desapropriação.
Destarte, conclui-se que é possível sim o ajuizamento de ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, mesmo quando a União/INCRA entenderem se tratar de bem público, mas estando este registrado em nome de particular, e não sendo possível a reintegração/imissão na posse liminarmente na ação ordinária onde é disputado o domínio, e requerido o cancelamento do registro do imóvel em nome do particular. Trata-se de instrumento processual que permitirá a imediata imissão da União/INCRA na posse do imóvel, tornando mais célere a realização da política pública de reforma agrária, em atenção ao princípio da celeridade, presente no artigo 37 da Constituição Federal, e que não trará qualquer ônus para a Administração ou para o particular (que será devidamente indenizado, caso seja declarado judicialmente proprietário da área).
05.2 – O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A DESAPROPRIAÇÃO DE ÁREA CUJO DOMÍNIO É OBJETO DE DISPUTA JUDICIAL
Analisando o ajuizamento da ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária enquanto pendente ação de cancelamento de registro cumulada com pedido de reintegração/imissão na posse, não sendo lograda antecipação de tutela na ação ordinária, sobre os requisitos da proporcionalidade, que deve pautar a conduta administrativa, fica claro seu cabimento.
A imissão automática da União na posse do imóvel através da ação de desapropriação para fins de reforma agrária é adequada para o fim de assentar famílias na área, é necessária, tendo em vista que não foi possível conseguir esta imissão célere através da ação ordinária (ou ação civil pública) de cancelamento de registro, e é proporcional em sentido estrito, eis que traz o bônus de possibilitar o início imediato do programa de reforma agrária na área, e não tem ônus, tendo em vista que se for levantado o valor da indenização pelo expropriado, será porque este era o real proprietário da área, e assim ocorreria de qualquer modo, e caso seja a União/INCRA vencedora na ação de cancelamento de registro, nada irá pagar a título de indenização da terra nua, do mesmo modo que ocorreria se não tivesse ajuizado a ação de desapropriação, mas como benefício de já ter sido a muito tempo imitida na posse da área.
Percebe-se, assim, atendido o princípio da proporcionalidade, sobre seus três primas, quais sejam, da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.
5.3 – DA VEDAÇÃO À DESAPROPRIAÇÃO NO CASO DE ÁREA INVADIDA EM RAZÃO DE CONFLITO AGRÁRIO OU FUNDIÁRIO
Ocorre, entretanto, que toda esta construção processual apenas poderá ser efetuada caso não tenha sido a área invadida em razão de conflito agrário ou fundiário.
A Lei Complementar nº 76/93 trata do procedimento para a ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, ou seja, versa questões de direito processual. O direito material referente à reforma agrária encontra-se previsto na Lei nº 8.629/93, que regulamenta os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária.
A Lei nº 8.629/93 sofreu alterações por meio da Medida Provisória nº 2.138-86, de 24 de agosto de 2001, que acrescentou os parágrafos terceiro a nono no artigo segundo da lei, prevendo, no parágrafo sexto, a impossibilidade de desapropriação de imóvel rural, de domínio público ou particular, que tenha sido objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, desde a data da invasão ou do esbulho, até os dois anos seguintes à data da desocupação do imóvel, podendo chegar este prazo impeditivo de desapropriação a até quatro anos, no caso de reincidência.
Art. 1º Esta lei regulamenta e disciplina disposições relativas à reforma agrária, previstas no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal.
Art. 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais.
§ 1º Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.
§ 2o Para os fins deste artigo, fica a União, através do órgão federal competente, autorizada a ingressar no imóvel de propriedade particular para levantamento de dados e informações, mediante prévia comunicação escrita ao proprietário, preposto ou seu representante. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)
§ 3o Na ausência do proprietário, do preposto ou do representante, a comunicação será feita mediante edital, a ser publicado, por três vezes consecutivas, em jornal de grande circulação na capital do Estado de localização do imóvel. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)
§ 4o Não será considerada, para os fins desta Lei, qualquer modificação, quanto ao domínio, à dimensão e às condições de uso do imóvel, introduzida ou ocorrida até seis meses após a data da comunicação para levantamento de dados e informações de que tratam os §§ 2o e 3o. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)
§ 5o No caso de fiscalização decorrente do exercício de poder de polícia, será dispensada a comunicação de que tratam os §§ 2o e 3o. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)
§ 6o O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)
§ 7o Será excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal quem, já estando beneficiado com lote em Projeto de Assentamento, ou sendo pretendente desse benefício na condição de inscrito em processo de cadastramento e seleção de candidatos ao acesso à terra, for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado em fase de processo administrativo de vistoria ou avaliação para fins de reforma agrária, ou que esteja sendo objeto de processo judicial de desapropriação em vias de imissão de posse ao ente expropriante; e bem assim quem for efetivamente identificado como participante de invasão de prédio público, de atos de ameaça, seqüestro ou manutenção de servidores públicos e outros cidadãos em cárcere privado, ou de quaisquer outros atos de violência real ou pessoal praticados em tais situações. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)
§ 8o A entidade, a organização, a pessoa jurídica, o movimento ou a sociedade de fato que, de qualquer forma, direta ou indiretamente, auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invasão de imóveis rurais ou de bens públicos, ou em conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não receberá, a qualquer título, recursos públicos. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)
§ 9o Se, na hipótese do § 8o, a transferência ou repasse dos recursos públicos já tiverem sido autorizados, assistirá ao Poder Público o direito de retenção, bem assim o de rescisão do contrato, convênio ou instrumento similar. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)
Importante frisar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica em entender que apenas não poderá ocorrer a desapropriação para fins de reforma agrária, no prazo de dois anos, nos casos em que o imóvel a ser desapropriado tenha sofrido a invasão aludida no artigo 2º, parágrafo sexto, da Lei nº 8.629/93 antes da realização da vistoria pelos técnicos do INCRA, que irá realizar o levantamento dos graus de produtividade e de utilização da terra na área a ser desapropriada.
Ou seja, mesmo que ocorra invasão do imóvel a ser desapropriado por motivo de conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, mas sendo esta invasão posterior à data de realização da vistoria do imóvel, não será óbice ao ajuizamento da competente ação de desapropriação, vejamos:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. ARTIGO 184 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INVASÃO DO IMÓVEL POR MOVIMENTO DE TRABALHADORES RURAIS APÓS A REALIZAÇÃO DA VISTORIA DO INCRA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE À DESAPROPRIAÇÃO. ARTIGO 2º, § 6º DA LEI N. 8.629/93. ORDEM DENEGADA. 1. O § 6º, art. 2º da Lei n. 8.629/93 estabelece que "[o] imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações". 2. A jurisprudência desta Corte fixou entendimento no sentido de que a vedação prevista nesse preceito "alcança apenas as hipóteses em que a vistoria ainda não tenha sido realizada ou quando feitos os trabalhos durante ou após a ocupação" [MS n. 24.136, Relator o Ministro MAURICIO CORRÊA, DJ de 8.11.02]. No mesmo sentido, o MS n. 23.857, Relatora a Ministra ELLEN GRACIE, DJ de 13.6.03. 3. A ocupação do imóvel pelos trabalhadores rurais ocorreu após quase dois anos da data da vistoria realizada pelo INCRA. Segurança denegada.
(STF, MS 24984 / DF, Relator(a): Min. EROS GRAU, Julgamento: 17/03/2010. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)
EMENTA: CONSTITUCIONAL. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. ENTREGA DE NOTIFICAÇÃO ACERCA DO INÍCIO DA VISTORIA DE IMÓVEL RURAL A REPRESENTANTES DA IMPETRANTE SEM PODERES PARA RECEBÊ-LA. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO MÍNIMO DE TRÊS DIAS PARA INÍCIO DOS TRABALHOS. FATO NOVO. ESBULHO OU INVASÃO. PROIBIÇÃO DA EXECUÇÃO DE VISTORIA OU CONTINUIDADE DO PROCESSO DE DESAPROPRIAÇÃO. 1. Mandado de segurança em que se alega a nulidade de processo de desapropriação, em razão da invalidade da notificação acerca do início da vistoria para elaboração de Relatório Agronômico de Fiscalização, dado que recebida por pessoas às quais não se outorgara mandato para tanto. Improcedência da alegação, porquanto as pessoas que receberam a notificação eram prepostos da empresa (gestores financeiros). 2. Alegada inobservância do prazo mínimo de três dias para início da vistoria, contado a partir do recebimento da notificação. Conforme se depreende da leitura dos autos, a notificação final foi realizada em 13.10.2000 e a vistoria iniciou-se apenas em 16.10.2000. Improcedência. 3. Alegado fato novo, impeditivo do prosseguimento do processo de desapropriação, consistente na invasão do imóvel rural. Improcedência. Somente obsta o processo de desapropriação ou a realização de vistoria o esbulho ou a turbação capazes de influir no quadro fático que serve de substrato ao Relatório Agronômico de Fiscalização. No caso em exame, devido ao tempo decorrido entre a vistoria (2000) e o alegado esbulho (2004), não se caracteriza o nexo de implicação necessário. Mandado de segurança denegado.
(STF, MS 24178 / DF, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 01/10/2009. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. FAZENDA INVADIDA POR INTEGRANTES DO MST. PERÍODO POSTERIOR À REALIZAÇÃO DA VISTORIA. TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE. IMÓVEL NÃO DIVIDIDO. ART. 1784 C/C ART. 1791 DO CÓDIGO CIVIL. ORDEM DENEGADA. A invasão do imóvel por integrantes do Movimento dos Sem-Terra ocorreu em período posterior à conclusão das vistorias realizadas pelo INCRA, de modo que não teve o condão de influenciar nos resultados encontrados sobre a produtividade da fazenda. Precedentes.(...)
(STF. MS 25283 / DF. Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 01/08/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DESAPROPRIAÇÃO. ALEGAÇÃO DE DISCREPÂNCIA ENRE AS ÁREAS VISTORIADAS E AS CONSTANTES DO DECRETO PRESIDENCIAL. ERRO NA AVALIAÇÃO DE PRODUTIVIDADE. DEMONSTRAÇÃO COM LAUDO PARTICULAR. INVASÃO POR INTEGRANTES DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA - MST. ALTERAÇÃO DA PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL. DECRETO EDITADO ANTES DA FINALIZAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. EXISTÊNCIA DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL NÃO CONSIDERADA PELO INCRA. A apreciação da produtividade do imóvel e a comprovação de eventual discrepância de metragem das áreas físicas em discussão demandam dilação probatória inviável no espectro processual do mandado de segurança. A jurisprudência do STF é firme em considerar que as invasões hábeis a ensejar a aplicação do § 6º do art. 2º da Lei nº 8.629/93 são aquelas ocorridas durante a vistoria, ou antes dela (MS 26.136). No caso, a invasões ocorreram vários meses depois da medida administrativa. A interposição de recurso administrativo não impede a edição de atos pela Administração Pública, nos termos da Lei nº 9.784/99. Os recursos administrativos não têm efeito suspensivo. Precedente: MS 24.163. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a área de reserva florestal não identificada no registro imobiliário não é de ser subtraída da área total do imóvel para o fim de cálculo da produtividade. Precedente: MS 22.688. Mandado de segurança indeferido.
(STF. MS 25186 / DF. Relator(a): Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 13/09/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)
Tendo em vista o fato do parágrafo sexto, do artigo 2º, da Lei nº 8.629/93 ter sido incluído pela Medida Provisória nº 2.027/2000, de 04 de maio de 2000, reeditada, pela última vez, como MP nº 2.138-86/2001, a vedação da desapropriação para fins de reforma agrária de imóvel que tenha sofrido esbulho ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo apenas poderá operar na hipótese de o esbulho ou a invasão terem ocorrido após a entrada em vigor deste dispositivo legal, ou seja, depois da data de vigência da primeira Medida Provisória. Sendo o suposto esbulho ou invasão anterior a esta data, não será óbice à desapropriação para fins de reforma agrária, tendo em vista a norma operar seus efeitos apenas para o futuro, não retroagindo para alcançar invasões ou esbulhos já ocorridos.
Neste sentido, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. IMÓVEL OCUPADO POR INTEGRANTES DO MST ANTES DA VIGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA 2.027/00. VISTORIA REALIZADA EM DATA ANTERIOR À OCUPAÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. 1. Ocupação do imóvel por integrantes do MST antes da edição da Medida Provisória 2.027-43, de 27 de setembro de 2000, que introduziu o § 6º do artigo 2º da Lei 8.629/93, vedando a vistoria nos dois anos seguintes à desocupação do imóvel. Impossível a retroação da norma legal. 2. Vistoria realizada sete meses antes da referida ocupação, inexistindo, no ponto, óbice que possa viciar o decreto presidencial. 3. Litigância de má-fé não caracterizada, tendo-se em vista os fundamentos expostos na inicial, razoavelmente justificados sob o ponto de vista jurídico, embora não socorram a pretensão do impetrante. Segurança denegada.
(STF. MS 23818 / MS, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Julgamento: 29/11/2001. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 22-02-2002 PP-00036)
Também o Superior Tribunal de Justiça tem precedente no sentido da não aplicação retroativa da vedação de desapropriação para fins de reforma agrária de imóvel objeto de esbulho ou invasão por conflito social:
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. ART. 4º DA MEDIDA PROVISÓRIA N.2.027/2000. APLICAÇÃO RETROATIVA. ART. 6º DA LICC. IMPOSSIBILIDADE. DECRETO N. 2.250/97. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
1. O art. 4º da Medida Provisória n. 2.027/2000, que impede a realização de vistoria nos dois anos seguintes à desocupação de imóvel rural invadido, não se aplica aos casos em que a ocupação do imóvel ocorreu em momento anterior à sua edição.
2. Incidem os óbices previstos nas Súmulas n. 282 e 356/STF quando a questão suscitada não tenha sido debatida no acórdão recorrido, nem, a respeito, tenham sido opostos embargos de declaração.
3. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
(STJ. Processo REsp 644717 / AL. Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento 27/06/2006. Data da Publicação/Fonte DJ 10/08/2006 p. 201)
Cumpre relembrar, ainda, que mesmo na hipótese de imóvel rural que sofreu esbulho ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, este não fica impossibilitado da desapropriação para fins de reforma agrária, mas apenas sujeito a uma espécie de "quarentena". É dizer, não poderá ser objeto desta espécie de desapropriação nos dois anos que seguirem a contar da data da retomada da posse da área pelo particular, ou quatro anos, no caso de reincidência na invasão ou esbulho. Mas depois deste prazo, poderá perfeitamente ser desapropriado, desde que cumpridos os demais requisitos legais.
5.4 - INVASÃO QUE NÃO ALTERE A PRODUTIVIDADE DA ÁREA NÃO É ÓBICE À DESAPROPRIAÇÃO
A desapropriação para fins de reforma agrária tem como objeto imóveis rurais improdutivos, ou que não cumpram sua função social, nas outras vertentes, quais sejam, a ambiental, trabalhista e do bem estar.
Antes de proceder à desapropriação da área, é necessário que seja realizada uma vistoria, de modo a concluir pela improdutividade, quando for a desapropriação fundamentada na falta de aproveitamento racional e adequado da área (artigo 186, inciso I, da Constituição Federal).
Quando o imóvel rural sofre invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, muitas vezes, tem alterada sua produtividade, em face da impossibilidade do suposto proprietário exercer sua posse, e, assim, de utilizar a área para produzir. Isto ocorrerá sempre que a ocupação se der sobre área utilizada pelo particular para fins de produção agrícola ou pecuária, seja direta ou indiretamente.
Esta é a intenção da norma disposta no parágrafo sexto, do artigo 2º, da Lei nº 8.629/93, qual seja, impedir que seja realizada a vistoria pelo INCRA, que irá auferir o grau de produtividade da área, após a ocupação por terceiros, que possam impossibilitar ou ao menos atrapalhar a utilização da terra. Tanto é este o sentido da norma, que o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência pacífica no sentido de sua não aplicação, na hipótese da invasão ser posterior à vistoria, justamente pelo fato de que, nestes casos, não irá influenciar no resultado do laudo técnico.
Foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.213, visando, dentre outras, a declaração de inconstitucionalidade do aludido parágrafo sexto. O mérito da ação ainda não foi apreciado, tendo o Supremo rejeitado o pedido liminar, em decisão colegiada do Tribunal Pleno de 04.04.2002. Entretanto, o que ora se expõe não é de modo algum a inconstitucionalidade deste dispositivo legal, matéria que não é objeto de apreciação no presente estudo, mas tão somente a sua interpretação de modo sistemático, histórico e teleológico, de modo a afastar sua aplicação, quando a ocupação irregular por motivo de conflito social não venha a influenciar no resultado da vistoria da área.
Apreciando o teor do voto do Ministro Celso de Melo, nos autos da ADI 2.213, percebe-se que o entendimento do Supremo Tribunal Federal é pela constitucionalidade da norma, no sentido de que não seja objeto de desapropriação área cuja invasão implique em redução de sua produtividade, vejamos:
Ao contrário do que sustentam os autores, entendo que a limitação constante da norma em causa – que dispõe que o imóvel rural, objeto de esbulho possessório ou de invasão motivada por conflito agrário , não poderá constituir, durante certo período de tempo, bem suscetível d vistoria ou de declaração expropriatória – não faz instaurar hipótese nova de inexpropriabilidade, mas encontra sua razão de ser na necessidade de permitir, ao longo daquele lapso temporal, que se torne possível a reorganização do sistema de produção fundiária, além de viabilizar a própria recuperação física ou material do prédio invadido ou esbulhado, muitas vezes substancialmente afetado, em seu grau de produtividade, pela ação predatória praticada pelos invasores.
Destarte, mesmo na hipótese de uma certa porção da área vir a ser ocupada por movimentos sociais, desde que se trate de perímetro onde não havia qualquer exploração da terra, esta ocupação irregular não irá afetar em nada o resultado de suposta vistoria a ser realizada pelo INCRA, e, assim, de modo algum irá alterar o resultado final do estudo técnico da área, para auferir o seu grau de produtividade.
Logo, ocorrendo a ocupação em área inutilizada da terra, não irá influir na realização da vistoria, e, assim, não incidirá na intenção do legislador ao editar a regra do parágrafo sexto, de modo que, nestas hipóteses, por construção hermenêutica, não terá aplicação a vedação exposta neste dispositivo legal.
Mas tendo em vista a existência da norma, deverá o expropriante demonstrar que a ocupação da área por terceiros não influenciou em nada o resultado final da vistoria de produtividade, de modo a afastar a incidência da vedação legal, e possibilitar a desapropriação para fins de reforma agrária, desde que seja concluído pelo laudo técnico se tratar de área improdutiva.
Assim, mesmo que já tenha sido ajuizada ação ordinária de cancelamento de registro, caberá a demanda desapropriatória por interesse social para fins de reforma agrária, visando dar celeridade à política pública agrária, concretizando o princípio da dignidade da pessoa humana, vetor axiológico máximo da Constituição Federal de 1988.
Entretanto, a desapropriação para fins de reforma agrária, com os benefícios legais de imissão direta na posse e pagamento da terra nua por meio de títulos da dívida agrária, somente caberá em face de imóvel que descumprir sua função social, e tem como óbice a ocorrência, antes de concretizada a desapropriação, de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, que venha a influenciar o resultado final da vistoria a ser realizada pelo INCRA na propriedade para auferir sua produtividade.