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Possibilidade de ajuizamento de ação de desapropriação como instrumento processual de celeridade ao programa de reforma agrária, mesmo na existência de outras demandas judiciais em trâmite discutindo o domínio público ou privado da área

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06 – DA POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL EM CASOS ONDE É VEDADA A DESAPROPRIAÇÃO PARA REFORMA AGRÁRIA

Cumpre observar, entretanto, que a Lei nº 8.629/93 visa regulamentar os dispositivos constitucionais referentes à reforma agrária, e seu artigo segundo, mais especificamente, tem aplicação única e tão somente na hipótese de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, ação intentada com base no artigo 184 da Constituição Federal, e que segue o procedimento especial da Lei Complementar nº 76/93.

Logo, o esbulho possessório ou a invasão do imóvel a ser desapropriado por motivo de conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não impede a desapropriação do imóvel de modo geral e irrestrito, mas apenas impede a desapropriação especial prevista no artigo 184 da Constituição Federal, onde o valor da terra nua é pago por meio de títulos da dívida pública resgatáveis no prazo de até 20 anos.

A desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, é garantida pelo disposto no inciso XXIV, do artigo 5º, da Constituição Federal, sendo a desapropriação por interesse social regulada pela Lei nº 4.132/62.

Dispõe o artigo primeiro, da Lei nº 4.132/62, que a desapropriação por interesse social será decretada, dentre outros motivos, para promover a justa distribuição da propriedade, e considera de interesse social, no inciso III, do seu artigo segundo, que não é exaustivo, mas meramente exemplificativo, o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola.

Deste modo, não obstante ser mais interessante para o poder público, quando tenha a finalidade social específica da reforma agrária, desapropriar por meio do disposto no artigo 184 da Constituição Federal, nada impede que, vedada a desapropriação especial para reforma agrária, seja realizada a desapropriação geral para fins de interesse social, prevista no artigo 5º, inciso XXIV da Constituição Federal, e regulamentada pela Lei nº 4.132/62.

Os bens desapropriados por interesse social com base no disposto na Lei nº 4.132/64 devem ser objeto de venda ou locação a quem estiver em condições de dar-lhes a destinação social prevista. É justamente o que ocorre nos casos em que o INCRA desapropria a área para instalar projeto de assentamento, devendo os beneficiários dar a destinação social prevista à área e pagar aos cofres públicos, a longo prazo, o valor dos lotes onde são assentados.

A grande diferença em se desapropriar por interesse social geral, e não específico da reforma agrária, é que o procedimento será o previsto no Decreto-lei nº 3.365/1941, segundo o disposto no artigo quinto da Lei nº 4.132/64, e assim, o valor total da propriedade, com suas benfeitorias, deverá ser pago em dinheiro, não sendo permitida a expedição de títulos da dívida agrária para tal fim.

Exige-se, do mesmo modo, a expedição de decreto de desapropriação, aduzindo a respeito do interesse social na área, por parte do Presidente da República.

Desde que seja depositada a quantia arbitrada como suficiente à indenização do expropriado, e alegada urgência pelo expropriante, deverá o juiz mandar imiti-lo na posse.

Art. 13. A petição inicial, além dos requisitos previstos no Código de Processo Civil, conterá a oferta do preço e será instruída com um exemplar do contrato, ou do jornal oficial que houver publicado o decreto de desapropriação, ou cópia autenticada dos mesmos, e a planta ou descrição dos bens e suas confrontações.

Parágrafo único. Sendo o valor da causa igual ou inferior a dois contos de réis, dispensam-se os autos suplementares.

Art. 14. Ao despachar a inicial, o juiz designará um perito de sua livre escolha, sempre que possivel, técnico, para proceder à avaliação dos bens.

Parágrafo único. O autor e o réu poderão indicar assistente técnico do perito.

Art. 15. Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imití-lo provisoriamente na posse dos bens;

§ 1º A imissão provisória poderá ser feita, independente da citação do réu, mediante o depósito: (Incluído pela Lei nº 2.786, de 1956)

a) do preço oferecido, se êste fôr superior a 20 (vinte) vêzes o valor locativo, caso o imóvel esteja sujeito ao impôsto predial; (Incluída pela Lei nº 2.786, de 1956)

b) da quantia correspondente a 20 (vinte) vêzes o valor locativo, estando o imóvel sujeito ao impôsto predial e sendo menor o preço oferecido; (Incluída pela Lei nº 2.786, de 1956)

c) do valor cadastral do imóvel, para fins de lançamento do impôsto territorial, urbano ou rural, caso o referido valor tenha sido atualizado no ano fiscal imediatamente anterior; (Incluída pela Lei nº 2.786, de 1956)

d) não tendo havido a atualização a que se refere o inciso c, o juiz fixará independente de avaliação, a importância do depósito, tendo em vista a época em que houver sido fixado originàlmente o valor cadastral e a valorização ou desvalorização posterior do imóvel. (Incluída pela Lei nº 2.786, de 1956)

§ 2º A alegação de urgência, que não poderá ser renovada, obrigará o expropriante a requerer a imissão provisória dentro do prazo improrrogável de 120 (cento e vinte) dias. (Incluído pela Lei nº 2.786, de 1956)

§ 3º Excedido o prazo fixado no parágrafo anterior não será concedida a imissão provisória. (Incluído pela Lei nº 2.786, de 1956)

§ 4o A imissão provisória na posse será registrada no registro de imóveis competente. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009)

Percebe-se, então, que o fim social de possibilitar a imissão imediata da União/INCRA na posse do imóvel, para que seja possível o início do programa social de assentamento de trabalhadores rurais de baixa renda, será igualmente atingido se utilizado rito da ação de desapropriação por interesse social comum (comum em oposição à específica para reforma agrária, que seria especial).

A grande questão, aqui, será que o depósito inicial deverá ser realizado em espécie, e não em títulos da dívida agrária, o que irá gerar um peso maior aos cofres públicos.

Entretanto, este valor depositado inicialmente para fins de imissão provisória na posse não poderá ser levantado pelo expropriado no caso em tela, tendo em vista estar sendo discutido o domínio da área na ação de cancelamento de registro anteriormente ajuizada pela União/INCRA, nos termos do disposto no parágrafo único, do artigo 34, do Decreto-lei nº 3.365/41.

Art. 34. O levantamento do preço será deferido mediante prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros.

Parágrafo único. Se o juiz verificar que há dúvida fundada sobre o domínio, o preço ficará em depósito, ressalvada aos interessados a ação própria para disputá-lo.

E logrando sucesso a Autarquia Agrária na ação de cancelamento de registro, a propriedade da área será consolidada em nome da União/INCRA, ocorrendo, no que tange à desapropriação, o já demonstrado instituto da confusão, podendo a União levantar os valores anteriormente depositados em juízo para fins de imissão provisória na posse.

Caso seja denegado o pedido na ação de cancelamento de registro, e restando assegurada a propriedade do expropriado, terá este direito de levantar os valores depositados na ação de desapropriação.

A questão mais relevante reside, como já demonstrado, no fato de que, caso tenha o expropriado sucesso na ação de cancelamento de registro, e demonstre ser o real proprietário da área, irá levantar os valores depositados em dinheiro, e não em títulos da dívida agrária, no caso de ser ajuizada a ação de desapropriação com fulcro na Lei nº 4.132/64, tendo em vista a impossibilidade de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, em se tratando de imóvel produtivo ou que sofreu esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo.


07 - CONCLUSÃO

Deste modo, conclui-se que o ideal para fins de execução do programa nacional de reforma agrária, é que os movimentos sociais se abstenham de invadir as áreas requeridas, de modo a possibilitar o ajuizamento de ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, com a vantagem da possibilidade de pagamento da indenização do valor da terra nua em títulos da dívida agrária resgatáveis no prazo de vinte anos, e cuja emissão já se encontra regularmente prevista nas normas orçamentárias.

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Entretanto, mesmo que tenha sido o imóvel objeto de ocupação por motivo de conflitos sociais, ainda sim será possível sua desapropriação para fins de reforma agrária, desde que fique demonstrado que esta ocupação em nada influenciou no resultado da vistoria sobre a produtividade da área.

E ainda que se trate de imóvel invadido de modo que possa alterar a análise técnica de produtividade da área, ou mesmo se tratando de imóvel produtivo, mas que a tensão social indique ser necessária a instalação, o mais urgente possível, de projeto de assentamento no local, de modo a evitar o conflito agrário, e proporcionar uma vida digna aos clientes da reforma agrária, entendendo a União/INCRA tratar-se de imóvel público, mas que se encontra registrado em nome de particular, e não logrando sucesso no pedido liminar de reintegração/imissão na posse formulado nos autos de ação de cancelamento de registro, pode sim a União/INCRA ajuizar ação de desapropriação por interesse social, visando a imissão célere na posse do imóvel.

E devemos lembrar sempre que nos casos ora apreciados, a União/INCRA entende tratar-se de terra pública, indevidamente ocupada pelo réu da ação de cancelamento de registro, e da possível ação de desapropriação. Assim, em termos de justiça social, nada mais adequado do que utilizar-se de todos os instrumentos legais possíveis para retirar o ocupante irregular, do modo mais célere possível, da área, e iniciar o programa de assentamento agrário, possibilitando que a terra pública venha a ser ocupada pelos reais clientes da reforma agrária.

O modo menos oneroso aos cofres públicos de realizar reforma agrária é instalar os projetos de assentamento em áreas públicas, e esse é justamente o objetivo buscando na espécie, onde a terra pública vem sendo indevidamente ocupada.

A questão, então, encontra-se sob o pálio da discricionariedade administrativa. Sendo todos os caminhos processuais traçados no presente trabalho possíveis juridicamente, caberá ao administrador optar por determinar a sua utilização.

Cumpre aduzir, entretanto, que para a propositura de "ação de desapropriação por interesse social geral" é necessária a prévia existência de dotação orçamentária para a realização do depósito inicial, em atenção às normas de direito financeiro. Logo, é necessário que o INCRA possua recursos para tanto, e que estes recursos possam ser alocados para esta finalidade.


Notas

  1. Nos termos do artigo 20, inciso II, da Constituição Federal de 1988, são bens da União as "terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei".
  2. As demais terras devolutas, não arrecadas pela União até a o início da vigência da Constituição Federal de 1988, passaram ao domínio dos Estados-membros, nos termos do artigo 26, inciso IV, da Constituição, que aduz serem bens dos Estados as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

  3. "O segundo princípio é o da força probante (fé pública) ou presunção. Os registros têm força probante, pois gozam da presunção de veracidade. Presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome encontra-se registrado. Trata-se de presunção juris tatum, sendo o adquirente tido como titular do direito registrado, até que o contrário se demonstre, como estatui o art. 1.247 do Código Civil.
  4. (...)

    Adotou o Código Civil brasileiro, nesse particular, solução intermediária, não considerando absoluta tal presunção (juris et de jure), como o fez o direito alemão (na Alemanha, a propriedade imóvel está toda cadastrada), nem afastando a relevância do registro, como o fez o direito francês, para o qual o domínio adquire-se pelo contrato, servindo o registro apenas como meio de publicidade. Podemos dizer que a Alemanha adotou simultaneamente os princípio da presunção e da fé pública e que o Brasil encampou somente o princípio da presunção, que prevalece até prova em contrário. No Brasil, apenas o registro pelo sistema Torrens (LRP, art. 277) acarreta presunção absoluta sobre a titularidade do domínio, mas só se aplica a imóveis rurais. Assume caráter contencioso, com citação de todos os interessados, sendo o pedido julgado por sentença."

    GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. pg. 129/130.

  5. O INCRA tem legitimidade para ajuizar ação civil pública versando a retomada de terras públicas federais para fins de reforma agrária, tendo em vista ser legalmente incumbido de administrar tais áreas, nos termos do disposto no Estatuto da Terra, e com escopo, ainda nos seguintes artigos da Lei nº 7.347/85:
  6. (...)

    Art. 3º - A ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

    (...)

    Art. 5º - Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

    (...)

    IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;"

  7. Neste sentido, vários são os precedente do Superior Tribunal de Justiça: REsp 489.732/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 13/06/2005; REsp 146.367/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 14/03/2005; AgRg no AG 648.180/DF, 3ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 14/05/2007, REsp 699.374/DF, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 18/06/2007; e REsp 863.939/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 24/11/2008.
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Sobre o autor
Eduardo Henrique de Almeida Aguiar

Procurador Federal.Pós Graduado em Direito de Empresa pela Universidade Gama Filho/RJ. Pós Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UNB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Eduardo Henrique Almeida. Possibilidade de ajuizamento de ação de desapropriação como instrumento processual de celeridade ao programa de reforma agrária, mesmo na existência de outras demandas judiciais em trâmite discutindo o domínio público ou privado da área. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2682, 4 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17747. Acesso em: 5 nov. 2024.

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