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A responsabilidade no contrato de trespasse.

Análise da responsabilidade tributária

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4- SUCESSÃO TRIBUTÁRIA DO ADQUIRENTE

As dívidas tributárias possuem tratamento legal específico. Nos termos do CTN, o sucessor tributário responde pelos créditos constituídos ou em constituição. Equivale a dizer que os sucessores responderão pelos créditos tributários lançados em nome dos sucedidos, aqueles em curso de lançamento (com fiscalização em curso ou com processo administrativo em curso, por exemplo), como também pelos créditos que forem lançados no futuro, decorrentes de fatos pretéritos, quando ainda não ocorrida a sucessão. [18]

A responsabilidade dos sucessores é prevista no CTN, do artigo 129 ao 133. Ela ocorrerá quando a pessoa que tem a obrigação de pagar o tributo não tem relação direta com o fato gerador, porém, por disposição de lei, lhe é atribuída a responsabilidade pelo pagamento do tributo devido. Na verdade, ocorrerá uma transferência da responsabilidade, que no caso do art. 133, do CTN, dar-se-á pela venda do imóvel ou estabelecimento.

Nestes termos, a responsabilidade tributária por sucessão, segundo EDUARDO DE MORAES SABBAG [19], como subespécie da responsabilidade por transferência dá-se quando, "[...] por previsão de lei expressa, a ocorrência de um fato, posterior ao surgimento da obrigação, transfere a um terceiro a condição de sujeito passivo da obrigação tributária, lugar que até então era ocupado pelo contribuinte". Trata-se, portanto – segundo a doutrina majoritária em direito tributário – de sujeição passiva indireta, já que o sucessor se relaciona de forma indireta com o fato gerador, muito embora alguns ainda sustentem que se trata de responsabilidade tributária por substituição.

Esposando a classificação apontada pela parte majoritária da doutrina, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região [20], em recente acórdão (julgado em 27/08/2009) qualificou a sucessão tributária como sujeição passiva indireta por transferência, para fins de reconhecer com possível o redirecionamento da execução fiscal contra o sucessor, atribuindo-lhe responsabilidade integral ou subsidiária pelo pagamento da dívida, conforme ocorra a sucessão dos débitos, prevista em lei.

Notadamente, em se tratando de aquisição de uma sociedade, tanto por pessoa física quanto por outra pessoa jurídica, o art. 133, do CTN, em observância ao princípio da legalidade tributária, consigna expressamente as pessoas a serem responsabilizadas pelo passivo tributário sucedido.

A sucessão comercial, derivada da aquisição de fundo de comércio ou de estabelecimento comercial, industrial ou profissional, equiparado-se-lhe as modificações ou alterações do tipo societário, encontra-se prevista nos arts. 132 e 133, ambos do CTN. Em específico, o art. 133, que normatiza os efeitos tributários da aquisição de uma sociedade, assim estabelece:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão. (destacamos)

Assim, em se tratando de débitos tributários, o art. 133 do CTN prevê que a responsabilidade por sucessão se dá quando uma pessoa adquire de outra o estabelecimento empresarial, dando continuidade à respectiva exploração da atividade praticada, seja esta comercial, industrial ou profissional.

Além disso, esclarece RENATO LOPES BRECHO que "a expressão ‘por qualquer título’ aposta no caput do dispositivo legal retro, não deixa dúvidas de que é por tudo irrelevante o meio jurídico adotado para a aquisição, seja por compra e venda, seja por doação, seja por herança (sucessão causa mortis) ou qualquer outra". [21]

Esta responsabilidade, ademais, poderá ser integral, no caso do alienante cessar a atividade empresarial que vinha executando e não passar a explorar a mesma ou qualquer outra atividade, ou subsidiária, permanecendo, pois, como principal obrigado o alienante que, após o trespasse, prosseguir na exploração da atividade ou iniciar dentro de seis meses nova atividade no mesmo ou em outro ramo empresarial. Neste último caso, mostra-se irrelevante, para caracterizar-se tal responsabilidade, a utilização da mesma ou outra razão social. [22]

Cumpre observar, ainda, que, conforme já pacificado no STJ, a responsabilidade tributária do sucessor abrange, além dos tributos devidos pelo sucedido, as multas moratórias ou punitivas, que, por representarem dívida de valor, acompanham o passivo do patrimônio adquirido pelo sucessor, pois integram o patrimônio jurídico-material da sociedade empresarial sucedida, desde que seu fato gerador tenha ocorrido até a data da sucessão [23]. Neste caso, como bem asseverado por SACHA CALMON, citado no voto do Ministro LUIX FUZ no julgamento do REsp 923012 [24]:

"a multa fiscal não se transfere, simplesmente continua a integrar o passivo da empresa que é: a) fusionada; b) incorporada; c) dividida pela cisão; d) adquirida; e) transformada", sendo tal passivo fiscal existente, inclusive as multas, absorvido pelo sucessor. (grifos no original)

Notadamente, a tese de que a responsabilidade tributária dos sucessores se estende às multas justifica-se no intuito de evitar possíveis fraudes na estruturação jurídica das empresas visando a afastar aplicação de penalidades. [25]

Interessante apontar que em alguns destes julgados a respeito da extensão da responsabilidade do adquirente às multas tributárias, percebe-se certa confusão a respeito dos conceitos do art. 133 do CTN relativos à responsabilidade integral e subsidiária. Com efeito, os mesmos fazem referência à uma responsabilidade integral do sucessor, tanto pelos eventuais tributos devidos como pela multa decorrente, reconhecendo contudo, que em qualquer hipótese o sucedido permanece como responsável. Ao que nos parece, seria uma espécie de responsabilidade solidária entre sucedido e sucessor.

HUGO DE BRITO [26] compartilha de entendimento semelhante, no sentido de interpretar solidariedade na expressão "integralmente", afastando, assim, a idéia de responsabilidade exclusiva do sucessor.

De qualquer forma, o intuito de tal interpretação seria, ainda, o de afastar a prática de manobras fraudulentas tendentes a subtrair a responsabilidade do sujeito passivo da obrigação principal.

Ainda no que pertine à sucessão empresarial em matéria tributária, os tribunais pátrios têm admitido a presunção da mesma quando existentes indícios e provas convincentes a respeito (matéria de fato, caso a caso). Neste sentido, o seguinte julgado proferido pela Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região [27]:

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO DO FEITO. INDÍCIOS DE SUCESSÃO. POSSIBILIDADE. EXCLUSÃO DO PÓLO PASSIVO OBTIDA EM SEDE DE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. QUESTÃO QUE NECESSITA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. DISCUSSÃO EM SEDE DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que, acolhendo exceção de pré-executividade, excluiu do pólo passivo da demanda a empresa ora agravante, cuja citação foi efetuada por requerimento da Fazenda Nacional, que a apontou como empresa responsável por sucessão, nos termos do art. 133 do CTN. 2. "Na seara tributária, a sucessão não precisa sempre ser formalizada, podendo ser caracterizada, em algumas situações, mediante presunção, ante a existência de provas e indícios caracterizadores de alto grau de convencimento" (AC 345769 PB, Primeira Turma, rel. Des. Fed. José Maria Lucena, DJ 28 jun. 2007, p. 688). 3. Hipótese em que o fato de as duas empresas possuírem o mesmo objeto social e a ora agravante ter se instalado no mesmo local da extinta empresa executada revelam fortes indícios da sucessão empresarial, o que autoriza a citação da ora recorrente, como sucessora da devedora originária. 4. Por outro lado, a exceção de pré-executividade é defesa de caráter excepcional, que não se presta para discutir matéria de fato. Como a questão ora examinada, concernente à sucessão de empresas, necessita de dilação probatória para o seu deslinde, deve ser objeto de discussão em sede de embargos. Precedentes. 5. Agravo de instrumento provido.

Na mesma esteira, a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região foi favorável ao reconhecimento da sucessão tributária por presunção, com base em elementos de convicção suficientes a respeito de aquisição do fundo de comércio com continuidade na exploração do mesmo ramo comercial. [28]

Também o Tribunal de Justiça Mineiro, ao decidir no processo nº 1.0000.00.351141-7/000 [29], admitiu a presunção da sucessão empresarial quando existentes indícios e provas convincentes. Veja-se a respectiva ementa, verbis:

EMENTA: TRIBUTÁRIO - EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - FUNDO DE COMÉRCIO - SUCESSÃO - PRESUNÇÃO - EXIGÊNCIAS TRIBUTÁRIAS - RESPONSABILIDADE DA SUCESSORA - JUROS DE MORA - TAXA SELIC - INAPLICABILIDADE. Resultando que este Tribunal, com base em provas tais como as postas na espécie, declarou, por ocasião do julgamento de anterior recurso de agravo de instrumento, a questionada transferência de fundo de comércio, ou seja, que a agravante sucedeu a empresa executada, caracterizada resta, pois, a responsabilidade daquela pelas exigências tributárias. A Taxa Selic mostra-se absolutamente inaplicável a título de juros de mora, eis composta, já que retrata de juros e atualização da moeda. Recurso parcialmente provido.

No caso em tela, o TJMG considerou devidamente comprovada, pelos indícios eloqüentes, a sucessão de empresas no caso em julgamento [30], enfatizando que a suposta sucessora encontrava-se no mesmo ramo de comércio da empresa executada, no mesmo local, em prédio alugado tanto por uma quanto pela outra empresa, tendo como sócio gerente-administrador o filho do coobrigado na execução fiscal movida em face da empresa devedora, reconhecendo, portanto, a transferência dos negócios de uma empresa para a outra, justamente para furtar-se às obrigações fiscais contraídas por aquela, de forma que não se poderia, in casu, afastar a ocorrência da sucessão tributária prevista no art. 133, do CTN, e a conseqüente responsabilização da empresa sucessora.

CARLOS VALDER DO NASCIMENTO [31], salienta que se há a aquisição dos bens de ativo fixo ou de estoque de mercadorias da empresa devedora por um terceiro, e este permanece explorando o negócio, ainda que com outra razão social, presume-se que houve, na verdade, a aquisição de fundo de comércio, configurando-se, assim, a sucessão e a transferência da responsabilidade tributária.

O desembargador LUCAS SÁVIO DE VASCONCELLOS GOMES, no seu voto de relatoria do processo mencionado, citando ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS [32], destaca a importância que a presunção relativa assume na doutrina processual civil – o novo Código Civil em seu artigo 212, ao disciplinar os atos jurídicos, determinou os meios que podem ser utilizados para a prova dos mesmos, dentre eles, está a presunção –, de forma que não poderia deixar de ser observada, sobretudo nos processos de execução cujo objetivo principal buscado é a verdade real. Assim, tomando emprestado o ensinamento do eminente doutrinador e jurista mineiro, transcreve suas palavras a respeito do tema:

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A presunção relativa tem, realmente, importância na função probatória, mas não funciona propriamente como prova, e sim como conclusão de julgamento, em razão de prova. Se o pagamento , por exemplo, é tido por fato extintivo do direito do autor, ao réu compete prová-lo. No entanto, há dispositivo legal em que, comprovado o pagamento de determinada prestação, presumem-se pagas as anteriores, o que vem não a provar o pagamento, mas a inverter o ônus probatório, com relação ao que se reclama. É caso típico de presunção.

O indício é fato comprovado, do qual se extrai, por dedução, o que se quer provar. Omissis...

A prova colhida por indícios é considerada indireta, no sentido de que o fato final não é comprovado diretamente, mas, assim como na presunção relativa, a prova indiciária chamada, aliás, de presunção de fato ou "praesumptio hominis" posta que admita prova contrária, acaba simplesmente por provocar a inversão do ônus da prova, mas com particularidades diversas em um caso e outro.

Outro ponto pertinente em matéria de sucessão empresarial em direito tributário reside na alteração efetuada no art. 133 do Código Tribunal Nacional, por conta da Lei Complementar nº 118 de 09 de fevereiro de 2005, modificação esta intencionada à viabilizar o cumprimento dos objetivos da nova Lei Falimentar nº 11.101/2005 (arts. 60 e 141).

Por força da referida Lei Complementar foram acrescidos três parágrafos ao dispositivo legal supra, de forma que a redação atual do art. 133, do CTN passou a ser a seguinte:

Art. 133. [...]

§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial:

I – em processo de falência;

II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.  

§ 2º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo quando o adquirente for: 

I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;  

II – parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou        III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.       

§ 3º Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário.

Assim, consoante nova redação, foi afastada pelo parágrafo 1º a responsabilidade tributária do adquirente em hipóteses de alienação judicial, seja em processo de falência, seja de recuperação judicial.

Todavia, essa exclusão à regra geral de responsabilidade do sucessor empresarial foi excepcionada pelo parágrafo 2º acima descrito, ou seja, nos casos em que o adquirente ser sócio, parente ou agente da massa falida ou de devedor em recuperação judicial e o objetivo seja, justamente, o de fraudar a sucessão tributária.

Nos termos dos parágrafos descritos, ao que parece, a intenção do legislador foi a de afastar, observadas as exceções ali previstas, qualquer responsabilidade, ainda que subsidiária, ao adquirente de bens numa alienação do estabelecimento em processo falimentar ou em fase de recuperação judicial da empresa devedora.

Frises-se, no entanto, por oportuno, que nas situações de recuperação judicial, ainda que se afaste a responsabilização do adquirente, o próprio CTN, através de alterações proporcionadas pela Lei Complementar nº 118, garante meios coercitivos para o pagamento dos tributos devidos pela devedora em recuperação judicial. Neste sentido, os seguintes artigos:

Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei.

Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.

[...]

§ 3º Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial.       

§ 4º A inexistência da lei específica a que se refere o § 3º deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica. (destacamos)

Ademais, consoante pontuado por PAULO DANILO REIS LOPES [33], na forma da legislação que dispõe sobre o trespasse, no caso de pedido falimentar em curso, é vedado ao alienante utilizar-se do prazo de seis meses para fins de eximir-se de dívidas tributárias em nome do estabelecimento alienado.

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Sobre a autora
Mônica Éllen Pinto Bezerra Antinarelli

Procuradora da Fazenda Nacional. Graduada em Direito.Especialista em Direito Tributário. Pós graduanda em Direito Administrativo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTINARELLI, Mônica Éllen Pinto Bezerra. A responsabilidade no contrato de trespasse.: Análise da responsabilidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2686, 8 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17780. Acesso em: 28 mar. 2024.

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