Há diversas correntes sobre o cabimento ou não da apuração, por intermédio de Processo Administrativo Disciplinar, de fatos narrados em peças de denúncia anônima. Para melhor esclarecer trazemos à colação os principais textos legislativos sobre o tema.
A Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em seu art. 144 prescreve que:
Art. 144. As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade.
Os atos do processo administrativo federal são disciplinados, outrossim, na Lei nº 9.784, de 1999, a qual exige a identificação do interessado ou de quem o represente, bem como a indicação do domicílio do autor e o local para recebimento de intimações (ver art. 6º), diz a LPAF:
Art. 6º O requerimento inicial do interessado, salvo casos em que for admitida solicitação oral, deve ser formulado por escrito e conter os seguintes dados:
(...)
II – identificação do interessado ou de quem o represente;
III – domicílio do requerente ou local para recebimento de comunicações;
(...)
Dada a relevância do princípio da legalidade, deve ser observado também o contido na Lei Federal nº 8.429, de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) a qual exige que a denúncia será escrita ou reduzida a termo e assinada, contendo a qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento (art. 14, § 1º).
Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade.
§ 1º A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada, conterá a qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento.
§ 2º A autoridade administrativa rejeitará a representação, em despacho fundamentado, se esta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1º deste artigo. A rejeição não impede a representação ao Ministério Público, nos termos do art. 22 desta lei.
§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares.
Nessa esteira, vem a Constituição da República e veda expressamente o anonimato (art. 5, inciso IV, CR). E, com base na Carta Magna, diversos autores de renome rechaçam a denúncia apócrifa, como os doutos José Afonso da Silva e Celso Antonio Bandeira de Mello, máxime pela razão de que, em se provando a inocência dos acusados, não seria possível a responsabilização penal, cível e administrativa de quem denunciou.
Além da restrição de ordem legal e constitucional, pela qual não se pode alargar demasiadamente o caráter informal da denúncia anônima, a peça apócrifa vem eivada sempre de cunho de vingança pessoal ou política que conspurca o trabalho investigativo, prejudicando a atuação da Administração, mormente porquanto o denunciante não se identifica.
O Supremo Tribunal Federal também tem se manifestado neste sentido, como se extrai do voto do Ministro Carlos Velloso no MS n. 24405 – DF:
"Convém registrar que, protegido o denunciante pelo sigilo, isso pode redundar no denuncismo irresponsável, que constitui comportamento torpe."
Embora pareça irrelevante, a identificação do denunciante é crucial para a elucidação dos fatos, identificação das personagens envolvidas e demais pormenores da apuração disciplinar, além da possível responsabilização do denunciante em se verificando que praticou o ilícito de denunciar caluniosamente quem sabia ser inocente, apenas por vingança ou motivos pessoais.
Em que pese a legislação impor várias restrições à denúncia apócrifa, é concebido que é possível a apuração dos fatos nela narrados, através de sindicância investigativa, para que em encontrando, a Administração Pública, prova ou indícios de que houve a prática de irregularidades, possa ser processado o infrator.
Ademais, a Administração sempre que apura tendo como libelo a denúncia anônima, procede com cautela e com base na lei, haja vista o princípio da legalidade estrita que rege o direito administrativo.
Dessarte, a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, é taxativa ao determinar a apuração de irregularidades, ainda que estas não estejam cabalmente comprovadas.
Reza o art. 143 do Estatuto que:
Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.
O Superior Tribunal de Justiça já pacificou a matéria, consignando legal o princípio administrativo da autotutela. No escólio abaixo da lavra do Exmo. Min. Paulo Gallotti, no Mandado de Segura/DF, nº 2005.01.18274-0, temos a seguinte conclusão:
1. A autoridade administrativa, ciente da prática de qualquer irregularidade no serviço público, deve, de ofício, por mandamento legal, determinar a apuração dos fatos imediatamente (...). Inteligência do art. 143 da Lei n. 8.112/90.
Diante do exposto, consignada a nossa posição quanto à figura processual da denúncia anônima, entendemos que o fato de ser a mesma de caráter apócrifo não obsta que a Administração a investigue, com cautela e obedecendo ao devido processo legal, para não ferir o direito subjetivo individual.