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Obtenção da prova para a apuração do crime organizado.

Principais instrumentos e suas implicações

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24/11/2010 às 15:21
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4 PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE OBTENÇÃO DA PROVA PARA A APURAÇÃO DO CRIME ORGANIZADO

Conceitua-se procedimento probatório como o conjunto de atos praticados pelas partes, por terceiros e até pelo juiz para averiguar a verdade e formar a convicção deste último.

A atividade probatória é composta por cinco momentos distintos: a obtenção da prova; a propositura da prova, pela qual se indica ao magistrado os meios probatórios utilizados pelas partes; a admissão da prova, consistente no deferimento ou não desta, pelo juiz; a produção da prova, que se configura como o meio pelo qual esta é introduzida no processo; e a valoração da prova, segundo a qual o juiz a avaliará.

O primeiro momento da atividade probatória, a obtenção da prova, em regra ocorre na fase pré-processual e destina-se à colheita dos elementos que possibilitarão a formação da opinio delicti pelo representante do órgão responsável pela acusação em juízo.

4.1 – Colaboração processual

A colaboração processual, também denominada de processo cooperativo e colaboração premiada, ocorre na fase investigativa criminal, momento em que o acusado, além de confessar seus crimes para as autoridades, evita que infrações venham a consumar-se (colaboração preventiva), assim como auxilia concretamente a polícia em sua atividade de recolher provas contra os demais co-autores, possibilitando suas prisões (colaboração repressiva). Incide sobre o desenvolvimento das investigações e o resultado do processo, constituindo-se em instituto de maior amplitude em relação à delação premiada.

No Direito Internacional, mais especificamente no norte-americano e no italiano, a colaboração processual está incorporada na cultura jurídica. Inclusive no primeiro, aceitando a proposta do procurador para testemunhar em favor da acusação, o colaborador é incluído num programa de proteção à testemunha (witness profession program), no qual poderá usufruir de uma nova identidade, alojamento, dinheiro e profissão.

A atual lei de drogas, a 11.343, de 23 de agosto de 2006, previu a colaboração processual no art. 41, segundo o qual o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal, na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.

Segundo a doutrina, o representante do Ministério Público deve observar os seguintes requisitos para a efetuação dos acordos: voluntariedade da iniciativa do colaborador; relevância das declarações do investigado; colaboração feita de maneira efetiva; personalidade do colaborador, natureza das circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso sejam compatíveis com o instituto.

Na sua real dimensão, a colaboração processual trata-se de um poderoso instituto no combate às organizações criminosas, pois ainda na fase de investigação criminal, o colaborador, além de confessar seus crimes para as autoridades, evita que outras infrações venham a se consumar, assim como auxilia concretamente a polícia e o Ministério Público.

4.2 – Infiltração dos agentes da polícia

A infiltração de agentes da polícia consiste numa técnica de investigação criminal, pela qual um agente do Estado, mediante prévia autorização judicial, ouvido o representante do Ministério Público, infiltra-se numa organização criminosa, simulando a condição de integrante, para obter informações a respeito de seu funcionamento.

Para tal fim, deve apresentar três características: a dissimulação, ou seja, a ocultação da condição de agente oficial, o engano, que permite ao agente obter a confiança do suspeito e a interação, uma relação direta e pessoal entre o agente e o autor potencial.

No Brasil, após ser vetada a infiltração de agentes na Lei n° 9.034, de 3 de maio de 1995, foi disciplinada pela Lei n° 10.217, de 12 de abril de 2001, que introduziu ao artigo 2°, V, na Lei n° 9.034/95. Esse dispositivo preceitua que, em qualquer fase de persecução criminal é permitido como procedimento de investigação e formação de provas, a infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial, estritamente sigilosa e que permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração.

A antiga lei de drogas, 10.409/02 previu o instituto no artigo 33, inciso I. A nova lei de drogas, a 11.343/06, dispôs em seu artigo 53, I, que, em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos na referida lei, é permitida, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes.

A exemplo das leis consagradas em outros países, o legislador exigiu prévia autorização judicial, como forma de assegurar o controle judicial sobre essa atividade. Todavia, a lei nacional não disciplinou um procedimento próprio para seu processamento.

A análise da proporcionalidade entre a conduta do policial infiltrado e o fim buscado pela investigação é o caminho a ser trilhado, limitando-se apenas à busca dos elementos de provas. É de ser relevado que a prática tem demonstrado que, muitas vezes, é estrategicamente mais vantajoso evitar a prisão num primeiro momento, de integrantes menos influentes de uma organização criminosa, para monitorar suas ações e possibilitar a prisão de um número maior de integrantes ou mesmo a obtenção de prova em relação a seus superiores na hierarquia da associação.

4.3 – Ação controlada por policiais

O inciso II do art. 2º da Lei 9.034/95 prevê a "ação controlada" por parte da polícia quando da possível ação de organizações criminosas. Consiste numa prorrogação ou retardamento do flagrante (flagrante prorrogado, retardado ou diferido), estando este sob a discricionariedade das autoridades policiais. Tal procedimento investigatório não é uma novidade no meio policial, pois essa estratégia era adotada muito antes da vigência dessa lei.

A "ação controlada" torna-se melhor aplicável com o dispositivo trazido pela Lei 10.217/01 que incluiu o inciso V ao art. 2º da Lei 9.034/97, estabelecendo a infiltração policial, com fins investigativos, em organizações criminosas.

Também está prevista na Lei 11.343/06, no artigo 53, II, que enumera como procedimento investigatório, a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção.

Só deve ocorrer com devida autorização judicial e um controle muito específico deveria ser levado a efeito, a fim de evitar a corrupção da autoridade policial pela associação criminosa.

A Lei nº 9.034/95 exige requisitos: a existência de um crime em desenvolvimento praticado por organização criminosa ou a ela vinculado; e a observação e acompanhamento dos atos praticados pelos investigados até o momento mais adequado para apreensão.

4.4 – Interceptação das comunicações telefônicas

A nossa Carta Magna resguarda o direito à intimidade e à vida privada e tem como regra a inviolabilidade das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial. Para a interceptação das comunicações telefônicas seja permitida, deve-se atentar para o fato de que, se qualquer dos meios pesquisados for menos gravoso e suficiente para a finalidade pretendida pela investigação, a violação dos direitos referidos será considerada desnecessária.

A decisão judicial que deferi-la deve esclarecer os seus exatos limites, evitando assim eventuais abusos na apuração de fatos desconexos com o objeto da investigação. Somente será possível sua admissão para a persecução de crimes em andamento, não se prestando a medida para a investigação de infrações que sequer tiveram início de execução.

O Supremo Tribunal Federal tem aceitado como lícitas as provas colhidas através de escuta telefônica, mesmo sem autorização judicial, em alguns casos, desde que a conversa tenha sido gravada por um dos interlocutores.

4.5 – Vigilância eletrônica

Também conhecida como interceptação ambiental, trata-se a vigilância eletrônica de outro instrumento que tem possibilitado uma atuação mais eficiente dos agentes estatais na apuração do Crime Organizado.

O artigo 2°, inciso IV, da Lei n° 9.034/95, estabelece ser permitida "a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial".

A relativização do direito a intimidade prevista constitucionalmente só deve ser levada a efeito quando outro direito fundamental resguardado pela Constituição também deva ser protegido. É a aplicação do princípio da proporcionalidade, o qual deve ser utilizado como forma de atenuar a rigidez dos direitos fundamentais visando impedir que a criminalidade encontre refúgio na própria lei, ofendendo, assim, o Estado Democrático, ainda mais se levando em conta, analogicamente, o disposto na parte final do inciso XII, do art. 5º, da Lei Maior, o qual estabelece a quebra do sigilo telefônico para fins de "investigação criminal ou instrução processual penal".

4.6 – Quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro

O inciso III, do art. 2º, da lei 9.034/95 permite "o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais" como um dos meios de obtenção de prova em relação às organizações criminosas investigadas.

A Constituição Federal não prevê expressamente a inviolabilidade dos sigilos fiscal, bancário e financeiro, que é extraída da tutela do direito à intimidade (artigo 5°, inciso X).

Observa-se que o sigilo bancário é uma forma de proteção à liberdade do indivíduo, já que se não fosse a regra, seria permitido às autoridades o acesso indiscriminado aos segredos confiados às instituições financeiras, impossibilitando ao sujeito determinar se quer compartilhar determinados dados. Semelhante às instituições financeiras, que devem observar sigilo sobre os negócios e informações obtidas nas transações com seus clientes, a autoridade fiscal tem o dever de manter em segredo as informações que obtém através do exercício das suas funções. Essa obrigação de não revelar encontra-se expressa no Código Tributário Nacional.

Em que pese os sigilos bancário e fiscal consistirem numa garantia constitucional, cumpre salientar que não são os mesmos revestidos de caráter absoluto, conforme entendimento já consolidado em nossa jurisprudência.

Obviamente que, para se exercitar a quebra de sigilo, deve o devido processo legal ser respeitado, sendo tal determinação efetuada apenas com ordem judicial e um rigoroso controle das diligências pelo poder judiciário, conforme acórdão infra (do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Hábeas Corpus 95.02.22528-7/RJ. Relator Desembargador Federal Valmir Peçanha).

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PROCESSUAL PENAL – HÁBEAS CORPUS – QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS (ART. 5º, X E XII, DA CF) – I. Os direitos e garantias fundamentais do indivíduo não são absolutos, cedendo em face de determinadas circunstâncias, como, na espécie, em que há fortes indícios de crime em tese, bem como de sua autoria. II. Existência de interesse público e de justa causa, a lhe dar suficiente sustentáculo. III. Observância do devido processo legal, havendo inquérito policial regularmente instaurado, intervenção do órgão do parquet federal e prévio controle judicial, através da apreciação e deferimento da medida. (Grifos nossos).


5 CONCLUSÃO

Conforme se procurou demonstrar ao longo do presente trabalho, o fenômeno da Criminalidade Organizada, por possuir características peculiares que o tornam de dificílima apuração, tais como a capacidade de infiltração dos criminosos na máquina estatal, a alta mutabilidade e a pouca visibilidade dos danos, necessita de mecanismos próprios de obtenção probatória, na busca da pretendida eficiência penal.

E, sobretudo, pelo crescimento que tem apresentado às organizações criminosas na atualidade, facilitado pelo avanço tecnológico aliado ao poderio econômico que detêm, torna-se cada vez mais constante em diversos países a adoção de medidas de combate e prevenção realmente adequadas às peculiariedades do Crime Organizado.

Tais medidas processuais são criticadas por muitos com o argumento de que ferem garantias constitucionais, como o direito à intimidade e à vida privada, não devendo, portanto, segundo os partidários desse entendimento, ser adotadas pelo ordenamento jurídico pátrio por apresentarem uma tendência restritiva e um retrocesso.

Outros, no entanto, consoante restou discutido ao longo do presente, defendem que diante da gravidade do fenômeno, e compartilhando com o entendimento de que os direitos e garantias previstos na Constituição não são absolutos, urge que o legislador brasileiro regulamente de uma forma mais completa instrumentos específicos para apuração e combate ao Crime Organizado, mesmo que estes venham a, digamos, prejudicar alguns direitos, em face de um bem maior, a paz coletiva.

Apesar da legislação brasileira não se debruçar da forma desejada sobre o tema, a jurisprudência pátria mais recente evolui a olhos vistos, adotando medidas para desmantelar organizações criminosas.

Demonstrada a discussão sobre a compatibilidade entre garantias individuais e eficiência penal, o presente estudo apresentou sucintamente quais os mecanismos de obtenção de prova já adotados, mesmo que timidamente, pelo ordenamento jurídico brasileiro, concluindo que estes devem ser aprimorados para uma maior eficácia no combate ao Crime Organizado.

Por fim, cabe registrar que, partindo do entendimento de que devem ser adotados instrumentos restritivos de direitos para apuração da Criminalidade Organizada, a fim de que arbitrariedades não aconteçam, o operador do Direito deverá oportunamente se valer do princípio da proporcionalidade, com moderação e respeito à dignidade da pessoa humana.


REFERÊNCIAS

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GONÇALEZ, Alline Gonçalves; BONAGURA, Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 392, 3 ago. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5529>. Acesso em: 27 out. 2006.

GONÇALVES, Joanisval Brito. A atividade de inteligência no combate ao crime organizado: o caso do Brasil.Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1114, 20 jul. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8672>. Acesso em: 27 out. 2006.

LINS, Artur de Lima Barretto. O crime organizado: diligências investigatórias do Ministério Público. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 370, 12 jul. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5422>. Acesso em: 27 out. 2006.

MARTINS, Lidia Villarim. Interceptação telefônica: prova lícita?. DireitoNet, 02 set. 2004. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/17/09/1709/>. Acesso em: 18 out. 2006.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 14. ed. rev. e atual. até dezembro de 2002. São Paulo: Atlas, 2003.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2001.


Notas

  1. GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: que se entende por isso depois da lei n° 10.217/01? Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos?codigo=22>. Acesso em: 14 jan. 2007.
  2. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 89417/RO. Relatora Ministra Cármen Lúcia, 22.8.2006. Informativo STF. Brasília, 21 a 25 de agosto de 2006 - Nº 437. Acesso em 12 de Fevereiro de 2007.
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CAMPOS, Tiago Medeiros. Obtenção da prova para a apuração do crime organizado.: Principais instrumentos e suas implicações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2702, 24 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17890. Acesso em: 28 mar. 2024.

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