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Do critério para a fixação da competência nos mandados de segurança impetrados por ente ou órgão federal em face de ato ilegal de autoridade pública estadual, distrital ou municipal

27/11/2010 às 11:55
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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho, longe de ser conclusivo, pretende tecer alguns comentários acerca da fixação da competência nos mandados de segurança impetrados por ente ou órgão [01] público federal, com exclusão das sociedades de economia mista federais, em face de autoridade estadual, distrital ou municipal.

Tal anseio se justifica na exata medida em que provoca discussão doutrinária e jurisprudencial de relevo o critério geral para a fixação da competência em mandado de segurança, nos casos em que o impetrante é pessoa jurídica de direito público interno ou órgão da Administração Pública Federal – a União, as autarquias, as fundações públicas e as empresas públicas federais – e o impetrado autoridade estadual, distrital ou municipal.

Sendo assim, a elaboração desse texto possui o intento de contribuir para o esclarecimento da peculiar situação relatada.


2. DESENVOLVIMENTO

Após a breve introdução, nesse item, passa-se a desenvolver as razões de ordem doutrinária e jurisprudencial que embasam a fixação da competência para processar julgar os mandados de segurança impetrados por ente, à exceção das sociedades de economia mista federais, ou órgão federal contra ato ilegal de autoridade estadual ou municipal.

Para tanto, passar-se-á, primeiramente, pelo conceito de jurisdição e competência, haja vista que a noção desta fica deveras comprometida sem que aquela seja devidamente avaliada.

Posteriormente, fixam-se os critérios acolhidos pela doutrina e jurisprudência pátrias para a fixação da competência para o processo e julgamento dos mandados de segurança.

Por fim, já em um terceiro momento, enfrenta-se a questão proposta, para que só então a devida conclusão seja formulada.

2.1. CONCEITO DE JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA

De acordo com o entendimento doutrinário dominante, a jurisdição pode ser entendida como uma das manifestações do poder estatal, qual seja, a de distribuir justiça, através da aplicação do que dispõem as leis aos casos concretos. Trata-se de manifestação da soberania do Estado que se dá mediante a atuação de órgãos jurisdicionais pertencentes, via de regra, ao Poder Judiciário. [02] Nas palavras de Fredie Didier Jr., tomada em sentido amplo, a jurisdição é "a realização do direito, por meio de terceiro imparcial, de modo autorizativo e em última instância (caráter inevitável da jurisdição)". [03]

A legislação, notadamente no artigo 1º do Código de Processo Civil, não destoa do conceito acima formulado ao dispor que "a jurisdição civil, contenciosa ou voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece".

A competência, por sua vez, pode ser compreendida como a "medida da jurisdição de cada órgão jurisdicional" [04],porquanto "é a competência que legitima o exercício do poder jurisdicional". [05] Como decorrência lógica do que até aqui se disse, pode-se afirmar que "todo juiz competente possui jurisdição, mas nem todo juiz que possui jurisdição possui competência". [06]

2.2. REQUISITOS PARA A FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA NO MANDADO DE SEGURANÇA

Desde a edição da revogada Lei nº. 1.533, de 31 de dezembro de 1951, passando pela novel Lei nº. 12.016, de 07 de agosto de 2009, a doutrina e jurisprudência pátrias, amparadas nas normas vigentes, determinaram que a fixação da competência para o processo e julgamento do mandado de segurança é determinada pela conjugação de dois fatores, quais sejam: (i) a qualificação da autoridade coatora, ou seja, se federal, estadual/distrital ou municipal; e (ii) a graduação hierárquica da autoridade, pelo que se deduz que a matéria a ser discutida não possui, em princípio, qualquer relevância. [07]

De seu turno, a posição doutrinária sobre esse critério de fixação de competência é unânime, haja vista que "para a fixação do juízo em mandado de segurança não interessa a natureza do ato impugnado; o que importa é a sede da autoridade coatora e sua categoria funcional, reconhecida nas normas de organização judiciária pertinentes". [08]

A propósito, outro não é o entendimento dos mais diversos tribunais pátrios, consoante se percebe dos seguintes julgados:

CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. ATO DE AUTORIDADE ESTADUAL. - Em sede de mandado de segurança, a competência para o processo e julgamento é definida segundo a hierarquia funcional da autoridade coatora, não adquirindo relevância a matéria deduzida na peça de impetração. - Compete à Justiça Estadual conhecer de mandado de segurança contra ato de autoridade estadual. - Conflito conhecido. Competência da Justiça Estadual. [09]

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO. COMPETÊNCIA FUNCIONAL. 1. Em mandado de segurança, a competência para o processo e julgamento, de natureza funcional, é fixada em função da sede da autoridade coatora, podendo a incompetência, porque absoluta (em função da hierarquia da autoridade), ser proclamada de ofício. 2. Tratando-se de mandado de segurança contra ato de autoridade coatora sediada em Campina Grande - PB, na jurisdição do TRF - 5ª Região, não poderia a parte impetrá-lo na Justiça Federal do Distrito Federal. 3. Extinção do processo sem exame do mérito. Apelação prejudicada. [10]

Sendo assim, pela regra geral, cujo critério de fixação da competência possui natureza funcional, parece bastante claro que a condição de federal da autoridade coatora faz com que o juízo competente para processar e julgar o mandado de segurança seja órgão integrante da Justiça Comum Federal, ao passo que a qualidade de estadual/distrital ou municipal da autoridade tida como coatora faz com que a Justiça Comum Estadual se torne a competente para analisar mandado de segurança impetrado contra estes representantes do poder público.

Pois bem, consolidada essa premissa básica, passa-se, agora, para a análise da casuística proposta, ou seja, se o critério geral para a fixação da competência em sede de mandado de segurança se encaixa nas ações propostas por órgãos ou ente público federal em face de autoridade estadual/distrital ou municipal.

2.3. PECULIARIEDADE DA DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA NO MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR ENTE OU ÓRGÃO FEDERAL CONTRA ATO DE AUTORIDADE ESTADUAL/DISTRITAL OU MUNICIPAL

Pelo que restou até o momento exposto, um julgamento açodado poderia levar o intérprete a entender que, independentemente da parte que impetra o writ of mandamus, a competência para o seu processo e julgamento ficaria a mercê da qualificação da autoridade coatora, bem como da sua graduação hierárquica, argumento utilizado, de resto, por aqueles que defendem a aplicação desse método em quaisquer hipóteses.

No entanto, alguns critérios de fixação de competência, por possuírem estatura constitucional, se sobrepõem ao fixado, principalmente de forma indireta, nas leis ordinárias.

Com efeito, conforme estabelece o art. 109, inciso I, da Constituição Federal,

Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

A transcrição da norma constitucional está a demonstrar que toda espécie de ação em que a União, ente autárquico ou empresa pública federal forem autoras – para o caso do mandado de segurança, impetrantes – o juízo competente para processá-la e julgá-la é a Justiça Comum Federal. De fato, da letra da lei não se observa qualquer distinção entre os diversos tipos de procedimento que uma ação pode adotar. Sobre o tema, valem as palavras do Ministro Aldir Passarinho, por ocasião do Recurso Extraordinário nº. 97.273/RJ, no qual restou consignado que

A Justiça Federal foi criada especificamente com o objetivo de processar e julgar as causas de interesse da União, autarquias federais e empresas públicas também federais. Assim, não teria sentido que havendo ato de autoridade estadual contrariando interesse da União, de autarquia ou de empresa pública federal, fosse o "writ" decidido pela Justiça Estadual. Na fixação da competência, na verdade, há de se considerar-se basicamente a ter-se ou não como sendo o ato impugnado contra tais bens, serviço ou interesses. [11]

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Outrossim, para além de resguardar as competências da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho, a Carta Fundamental foi expressa quando excetuou as hipóteses em que as ações de interesse dos atores ali elencados devem tramitar na Justiça Comum Estadual/Distrital, caso das ações de falência e de acidentes de trabalho, razão pela qual é razoável admitir que onde o legislador não excetuou, não cabe ao intérprete fazê-lo.

Acrescente-se, ademais, que o critério definidor da competência é o ratione materiae, isto é, em razão da pessoa, absoluta, portanto. Como tal, se caracteriza como matéria de ordem pública, aferível em qualquer tempo e grau de jurisdição, o que torna

irrelevante a natureza da controvérsia sob o ponto de vista do direito material ou do pedido formulado na demanda.

Por fim, vale salientar ainda que, no caso, incide o princípio federativo da prevalência do órgão judiciário da União sobre o do Estado-membro, estampado em letra de fogo no Enunciado nº. 511 da Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

"Compete à Justiça Federal, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas entre autarquias federais e entidades públicas locais, inclusive mandado de segurança, ressalvada a ação fiscal, nos termos da Constituição Federal de 1967, art. 119, § 3º" [atual art. 109, § 3º].

Por tal princípio, fica estabelecido que a União, suas autarquias e empresas públicas, bem como os órgãos que integram a estrutura interna desses entes, devem ver as causas em que seus interesses estejam sendo discutidos processadas e julgadas perante a Justiça Federal, porquanto submeter tais lides à análise de determinada justiça estadual é interpretação que olvida o caráter absoluto da regra de competência exposta no art. 109, inciso I, da Constituição Federal, o que subverte a ordem constitucional vigente.

Acerca da tese defendida, esclarecedores são os julgados abaixo transcritos, que refletem o entendimento dominante sobre o tema:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO POR AUTARQUIA FEDERAL CONTRA ATO PRATICADO POR AUTORIDADE ESTADUAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A competência para julgamento de mandado de segurança impetrado por autarquia federal é da Justiça Federal (art. 109, I, da CF), mesmo que a autoridade coatora seja autoridade estadual. Aplicação do princípio federativo da prevalência do órgão judiciário da União sobre o do Estado-membro (Súmula 511/STF). 2. Conflito conhecido e declarada a competência do Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Taubaté - SP, o suscitado. [12]

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE JUÍZO ESTADUAL E FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELA CEF CONTRA ATO DE JUIZ DE DIREITO. INCIDÊNCIA DO ART. 109, I, DA CARTA MAGNA DE 1988. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O art. 109, I, da Carta Magna de 1988, não faz qualquer distinção entre os diversos tipos de procedimento, de tal sorte a contemplar o mandado de segurança, bastando para a definição da competência da Justiça Federal a presença dos entes lá enumerados (ratione personae). 2. O inciso VIII do art. 109, da Lei Maior, por sua vez, dispõe que aos juízes federais compete processar e julgar os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuando os casos de competência dos tribunais federais, no sentido da fixação de competência hierárquica. Sob este enfoque, tem-se que o inciso VIII tutela o grau de hierarquia dentre as diversas autoridades federais. (...). [13]

Impetrado o mandado de segurança por autarquia federal, compete à Justiça Federal processá-lo e julgá-lo, ainda que apontada como coatora autoridade estadual ou municipal. [14]

Assim, após o desenvolvimento do raciocínio, impõe-se a formulação da síntese que esclarecerá a posição do autor.


3. CONCLUSÃO

Conforme restou exposto, os mandados de segurança impetrados pela União, suas autarquias e empresas públicas, bem como por órgãos federais, por força do que aduz o art. 109, inciso I, da Carta de Princípios, devem ser processados e julgados perante a Justiça Federal, ainda que a autoridade coatora seja integrante da estrutura dos estados, Distrito Federal ou municípios, porque, no caso, incide regra de competência absoluta, referendada pelo critério ratione personae, a afastar a regra segundo a qual a fixação da competência para processar e julgar os mandados de segurança obedece à qualificação e à graduação da autoridade coatora.


Notas

  1. Não se desconhece que, por construção jurisprudencial, a alguns órgãos independentes, cujas prerrogativas encontram-se expressamente elencadas na Constituição Federal, foi concedida a possibilidade de impetrar mandado de segurança em defesa do resguardo de suas competências constitucionais, a exemplo do que ocorre, por exemplo, com o Tribunal de Contas da União, do Congresso Nacional ou de algumas de suas casas.
  2. Não se deve olvidar que alguns órgãos, inobstante não pertencerem ao Poder Judiciário, exercem jurisdição por força direta de norma constitucional, como é o caso do Senado Federal (CF, art. 52, inciso I) e da Câmara dos Deputados (CF, art. 51, inciso I).
  3. Didier Júnior, Fredie. Direito Processual Civil : Tutela jurisdicional individual e coletiva, v. I. Salvador: JusPODIUM, 2005, p. 69.
  4. Bezerra Leite, Carlos Henrique. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p. 186.
  5. Idem.
  6. Rodrigues, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil, v. I. São Paulo: RT, 2000, p.135.
  7. Note-se que, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, o critério até então vigente foi mitigado pela possibilidade do teor da matéria discutida ser o norte fixador da competência, a exemplo do que se percebe da leitura do art. 114, inciso IV, da Constituição Federal, fato que não compromete a tese defendida nesse texo.
  8. Meirelles, Hely Lopes. Mandado de segurança, 28ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 74
  9. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Competência. Fixação em mandado de segurança. Conflito de Competência nº. 34.018/SC. Relator: Ministro Vicente Leal. Brasília, DF, 12 de junho de 2002.
  10. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Competência. Fixação em mandado de segurança. Apelação em Mandado de Segurança nº. 2000.34.00.042418-1/DF. Relator: Desembargador Federal Olindo Menezes, Brasília, DF, 13 de junho de 2003.
  11. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Competência. Justiça Federal. Recurso Extraordinário nº. 97.273/RJ. Relator: Ministro Aldir Passarinho. Brasília, DF, 13 de maio de 1983.
  12. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Competência. Fixação em mandado de segurança. Conflito de Competência nº. 68.584/SP. Relator: Teori Albina Zavascki. Brasília, DF, 28 de março de 2007.
  13. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Competência. Fixação em mandado de segurança. Conflito de Competência nº. 45.709/SP. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, DF, 23 de agosto de 2003.
  14. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Competência. Fixação em mandado de segurança. Conflito de Competência nº. 4.606-2/SC. Relator: Garcia Vieira. Brasília, DF, 04 de maio de 1993.
  15. Assuntos relacionados
    Sobre o autor
    Diogo Souza Moraes

    Procurador Federal em exercício na Agência Nacional de Transportes Terretres - ANTT

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    MORAES, Diogo Souza. Do critério para a fixação da competência nos mandados de segurança impetrados por ente ou órgão federal em face de ato ilegal de autoridade pública estadual, distrital ou municipal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2705, 27 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17904. Acesso em: 18 dez. 2024.

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