Artigo Destaque dos editores

O "dress code" (código de vestimenta) e o Direito do Trabalho

29/11/2010 às 11:43
Leia nesta página:

RESUMO

Manifestação do poder diretivo do empregador, o "dress code" ou código de vestimenta é medida imprescindível para a organização do trabalho nas mais diversas atividades. Ocorre que, muitas vezes, sua utilização extrapola as balizas legais, bem como a razoabilidade, o que não deve ser admitido pelo ordenamento jurídico, sob pena de o Poder Judiciário ser instado a agir. Dessa forma, pensamos que o tema merece reflexão e nos propomos a trazê-lo a lume para que possa ser objeto de maior desenvolvimento.

Palavras chave: Empregador. Poder diretivo. "Dress code". Legalidade. Razoabilidade.


1.INTRODUÇÃO

O "dress code" ou código de vestimenta é a manifestação de um fenômeno antigo na seara da relação laboral encetada entre os empregadores e os empregados. Trata-se de uma das facetas do poder regulamentar ou jus variandi que possui o empregador para determinar as diretrizes da atividade desenvolvida, notadamente no que se refere às roupas e acessórios que os obreiros podem utilizar durante o expediente de trabalho.

Ocorre que, na atualidade, surge uma grande cizânia jurídica envolvendo empregadores e empregados acerca dos limites que devem ser estabelecidos pelos primeiros, e observados pelos segundos, quanto às peças e apetrechos vestuários que são permitidos nos locais de trabalho.

Assim, este texto, com a pretensão de jogar luz sobre tema pouco explorado em sede doutrinária e sem pretender ser exaustivo, tecerá alguns comentários sobre as nuances que envolvem o "dress code" e suas possíveis consequências dentro da relação de emprego.


2.DESENVOLVIMENTO

A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em seu art. 2°, conceitua empregador da seguinte forma:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. (grifo nosso)

Dessa forma, com amparo na legislação vigente, a doutrina é pacífica em afirmar que o empregador "é a pessoa física ou jurídica que, assumindo o risco da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço" [01]. Como se percebe, um dos requisitos fundamentais para a caracterização da figura do empregador é a assunção dos riscos inerentes ao negócio, razão pela qual dentro de toda a relação de emprego há de existir o denominado poder diretivo do empregador ou jus variandi patronal, que, segundo Vólia Bomfim Cassar [02], pode ser conceituado da seguinte forma:

Como é o empregador aquele que investe seu capital no empreendimento, que escolhe os rumos do negócio, o momento para mudar o ramo e investir em novas ou antigas diretrizes da atividade, correndo todos os riscos dos desacertos ou dos lucros da vitória, também pode intervir na relação de emprego, pois tem o poder de comando que lhe faculta modificar algumas cláusulas contratuais nos limites da lei. Este poder se chama jus variandi. Sua utilização é necessária para que o contrato se desenvolva de acordo com os fins perseguidos pela empresa. Desta forma, cabe ao empregador determinar as condições em que o trabalho deve se desenvolver, dirigindo a prestação dos serviços. (grifo nosso)

Assim, parece factível que se o empregador assume os riscos da atividade econômica, também lhe seja concedido o poder de determinar como a atividade desenvolvida deve ser exercida, desde que o faça nos limites da lei e do razoável.

Nesse diapasão, ganha importância os limites que o regulamento interno deve ter. Editado pelas empresas como meios de veiculação das normas internas que devem ser respeitadas pelos empregados, os regulamentos internos são verdadeiras fontes formais do Direito do Trabalho e, portanto, vinculam a atuação dos que a ele se subordinam, caso dos empregados. A propósito do tema, assim se manifestam, respectivamente, Sergio Pinto Martins [03] e Vólia Bomfim Cassar [04]:

Discutem os doutrinadores se o regulamento da empresa pode ser considerado como fonte do Direito do Trabalho. Entendemos que sim, pois o empregador está fixando condições de trabalho no regulamento, disciplinando as relações entre os sujeitos do contrato de trabalho. O regulamento de empresa vai vincular não só os empregadores atuais da empresa, como também aqueles que forem sendo admitidos nos seus quadros. É, por conseguinte, uma fonte formal de elaboração de normas trabalhistas, uma forma como se manifesta as normas jurídicas, de origem extra-estatal, autônoma, visto que são impostas por agente externo, mas são organizadas pelos próprios interessados [...].

É um ato normativo que decorre do poder diretivo do empregador. O regulamento de empresa é o conjunto de normas confeccionadas, de forma espontânea, a fim de estruturar e organizar internamente a empresa. É, portanto, o veículo facultado ao empregador, para dispor, de forma unilateral, sobre as normas institucionais voltadas para emissão de ordens técnicas relativas ao empreendimento, organização do trabalho, métodos de produção, problemas técnicos da empresa etc. (grifo nosso)

De seu turno, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho também é assente em afirmar a natureza jurídica de fonte formal do Direito do Trabalho do regulamento interno, consoante se percebe do seguinte precedente:

"RECURSO DE EMBARGOS DA PETROBRAS - INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 11.496/2007 - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. Conforme entendimento reiteradamente expresso nos julgados atuais da SBDI-1 desta Corte, o art. 114 da Constituição Federal confere a esta Justiça Especial competência não apenas para julgar dissídios entre trabalhadores e empregadores, mas também outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho - categoria em que se insere a presente demanda, porque o direito vindicado tem por fonte formal norma regulamentar que integra o contrato de trabalho celebrado entre as partes. Recurso de embargos conhecido e desprovido" [05]. (grifo nosso)

Desse modo, parece incontroverso que o regulamento interno, também chamado de norma regulamentar, como forma de manifestação do jus variandi patronal, desde que dentro das balizas legais e de limites proporcionais, integra o contrato de trabalho dos empregados de uma determinada empresa e, assim, constitui-se em fonte formal do Direito do Trabalho, motivo pelo qual deve ser seguido pelos funcionários.

No entanto, muitas vezes tais determinações não obedecem a padrões mínimos de razoabilidade e proporcionalidade, o que não raro ocasiona lesão aos direitos dos empregados, haja vista que o descumprimento do "dress code", tanto o razoável quanto o irrazoável, invariavelmente, vem acompanhado de uma penalidade, e.g. uma advertência, atitude que não deve ser tolerada na ordem jurídica vigente no segundo caso.

Com efeito, sob os legítimos argumentos de que o código de vestimenta objetiva reforçar a imagem da empresa, incutir na rotina dos funcionários valores e conceitos da organização e evitar problemas de comportamento, algumas empresas estabelecem um rígido manual de vestimenta a ser seguido pelos seus empregados, muitas vezes, porém, desrespeitando os limites e balizas predeterminadas pela lei e pelo bom senso.

Numa primeira análise, parece-nos imprescindível que o código de vestimenta adotado por qualquer empresa deve ser plenamente divulgado aos que terão que cumprir as ordens e tendências nele apontadas, bem como que seja concedido um prazo razoável de adaptação às novas determinações. De fato, na atualidade é muito comum o entendimento de que "as empresas que não têm medidas preventivas podem ser condenadas por omissão e negligência" [06], acaso venham aplicar sanções por desrespeito às condutas não divulgadas a seus empregados, mormente quando se conhece que as normas internas são fruto de produção unilateral do empregador. Aqui, por ser o "dress code" uma faceta do regimento interno da empresa, cujos efeitos se integram aos contratos de trabalho vigentes, deve haver a necessária publicação em quadro de aviso ou meio que o valha, com um consequente prazo de acomodação para que as novas diretrizes sejam absorvidas pelos obreiros. O mais importante, para que a eficácia da determinação seja alcançada, é que não exista dúvida acerca do conhecimento das normas por parte dos empregados.

Outro ponto digno de nota, cerne do presente trabalho, refere-se a algumas diretrizes severas previstas em não raros códigos de conduta de vestuário. Pergunta-se: tais imposições patronais contribuem efetivamente para a melhoria da imagem da empresa? Apresentam relação direta com o ramo de atividade exercido? Ou, ao contrário, são apenas ordens desmedidas e que apenas causam constrangimento aos empregados?

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Antes de qualquer comentário, é importante que fique claro que não estamos fazendo a defesa de uma completa subversão dos padrões de comportamento que os empregadores crêem ser os melhores para as suas atividades. Afinal de contas, é comum e aceitável que nos deparemos com empregados devidamente uniformizados em estabelecimentos comerciais (supermercados, livrarias, academias de ginástica etc.), em escritórios de empresas de maior porte, utilizando equipamentos de proteção individual – que, ao final, termina sendo a sua "farda" - etc. Beiraria o ridículo argumentativo colocarmo-nos diante da comunidade jurídica para defender que todos os empregados, em quaisquer circunstâncias e ramos de atividades exercidas, pudessem comparecer aos seus respectivos locais de trabalho como bem lhes aprouvessem. Não tardaria o momento em que, por exemplo, numa sexta-feira de verão, os funcionários de uma empresa localizada perto de uma praia do litoral nordestino aparecessem de sunga e biquínis para irem tomar um banho de mar no intervalo para repouso ou alimentação previsto no artigo 71 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

O que se pretende alertar neste trabalho é que algumas diretrizes patronais devem ser temperadas, porquanto destituídas de razoabilidade e proporcionalidade para com o fim almejado pela empresa. Dito de outra forma, toda vez que o exercício do jus variandi patronal transbordar dos limites legais ou, mesmo dentro da lei, provocar prejuízos ao trabalhador (Princípio da Proteção) por desproporcional, a determinação será contrária ao direito.

Com efeito, a proibição em "dress code" de vestimentas e acessórios que não alterem ou prejudiquem a imagem da empresa, tais como a exigência para que funcionários (as) troquem as armações de seus óculos sob o argumento de que são demasiados esportivos, para que não usem o cabelo desse ou daquele jeito ou cor, para que não utilizem relógios que excedam um determinado tamanho, para que os homens não dobrem a manga das camisas independentemente da temperatura do local do trabalho etc., bem como as medidas que não guardem uma relação direta com o ramo da atividade exercida, podem e devem ser motivo de contestação por parte dos empregados, numa autêntica manifestação do jus resistentiae [07] obreiro, inclusive, em última análise, com a propositura de reclamação trabalhista com pedidos de rescisão por justa causa e indenização por danos morais. Tal se dá porque a lei não prevê que o trabalhador deve se despojar de comportamentos – representados pelas roupas e objetos utilizados - que, em última análise, contribuem para a formação da sua própria personalidade e da imagem que as outras pessoas têm de si, elementos que, agregados a outros, sustentam a dignidade humana de qualquer obreiro.

De fato, qualquer alteração contratual prejudicial ao trabalhador– afora as hipóteses previstas nos artigos 468, 469 e 475 da CLT – é nula de pleno direito, de sorte que não nos parece razoável que, para preservar o emprego, o empregado tenha que se despojar do uso de objetos ou do corte de cabelo que o identifica perante si mesmo e os demais membros da sociedade, mormente quando tal ato não prejudica a atividade na qual está envolvido. Afinal de contas, qual seria a função em determinar que um trabalhador não utilize um dado relógio de sua preferência sob o argumento de que sua caixa é muito grande? Entendemos que nenhuma.

Destarte, as exigências formuladas devem ser educativas e explicativas, sempre vinculadas aos limites legais e do razoável, bem como a alguma melhoria para o fim proposto pela empresa, não podendo, de modo algum, causar constrangimento à dignidade humana do trabalhador.


3.CONCLUSÃO

Diante do exposto, concluímos que os empregadores, através do "dress code", manifestação do poder diretivo ou jus variandi, podem regulamentar as vestes e acessórios que os seus empregados estão autorizados a usar durante o horário de trabalho, desde que tais determinações não excedam os limites legais e não provoquem prejuízos aos trabalhadores, sob pena, em caso extremo, de a Justiça do Trabalho, em reclamação trabalhista proposta pelo obreiro, reconhecer a demissão sem justa causa e condenar o empregador no pagamento de indenização por danos morais.


Referências bibliográficas

ABREU, Adriana. Regras em foco: Empresas adotam códigos de vestimenta severos a funcionários. Folha de São Paulo, São Paulo, p. F6, 11 de jul. de 2010.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Embargos. Matéria Processual Trabalhista. Competência. Controvérsias decorrentes da relação de trabalho. Recurso de Embargos nº. 51100-11.2006.5.01.0008. Relator: Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Brasília, DF, 11 de junho de 2010.

CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho.4ª ed. Niterói: Editora Impetus, 2010.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho.21ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.

SARAIVA, Renato. Direito do trabalho para concursos públicos. São Paulo: Editora Método, 2008.


Notas

  1. SARAIVA, Renato. Direito do trabalho para concursos públicos. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 68.
  2. CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho.4ª ed. Niterói: Editora Impetus, 2010, p. 984.
  3. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho.21ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 75.
  4. CASSAR, op. cit., p. 89.
  5. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Embargos. Matéria Processual Trabalhista. Competência. Controvérsias decorrentes da relação de trabalho. Recurso de Embargos nº. 51100-11.2006.5.01.0008. Relator: Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Brasília, DF, 11 de junho de 2010.
  6. ABREU, Adriana. Regras em foco: Empresas adotam códigos de vestimenta severos a funcionários. Folha de São Paulo, São Paulo, p. F6, 11 de jul. de 2010.
  7. Segundo Vólia Bomfim, o jus resistentiae manifesta-se "toda vez que o patrão exceder os limites do poder de variar, abusando deste direito, com a consequente resistência do empregado". In: CASSAR, op. cit., p. 984.
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Diogo Souza Moraes

Procurador Federal em exercício na Agência Nacional de Transportes Terretres - ANTT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Diogo Souza. O "dress code" (código de vestimenta) e o Direito do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2707, 29 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17964. Acesso em: 10 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos