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O direito de acesso ao ensino fundamental de 9 anos. A competência estadual para regulamentar o corte etário e a inconstitucionalidade da resolução CNE/CEB n° 1/2010

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29/11/2010 às 09:45
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6. Conclusões

1. O Estado Brasileiro, na CF/88, configura-se em Estado Democrático e Social de Direito, garantido, dentre outros direitos sociais, o direito à educação.

2. O art. 206, I e II prescreve o direito à igualdade ao acesso e à permanência no processo educacional, bem como a liberdade de aprender.

3. Para tornar efetivo o direito à igualdade e o direito de liberdade referidos no item anterior, a Lei n. 9.394/96, em seus art.s 23 e 24, permitiu a construção de sistemas de ensino flexíveis e adaptados às peculiaridades locais, regionais, climáticas e econômicas de cada ente federativo. A flexibilidade para o acesso aos sistemas de ensino, prevista na lei nacional, autoriza os entes federados a garantir tratamento materialmente igualitário aos educandos, com vistas ao exercício da liberdade de aprender.

4. Pressupondo o acima exposto, e também o contido no art. 208, V, da CF/88, é inconstitucional o binômio "idade mínima-data de início do período letivo", comumente fixado por meio de lei nos sistemas de ensino, quando utilizado como presunção absoluta de aptidão ou inaptidão do educando para o acesso à educação.

5. Para o ingresso na primeira série do ensino fundamental de 9 anos, o constituinte fixou como corte etário os 5 anos completos do educando, nos termos do art. 208, IV, da CF.

6. Em interpretação conforme a Constituição é possível considerar válida a redação do art. 32, da Lei n. 9.394/96, se a expressão "seis anos", nele prescrita, for entendida como sendo "seis anos incompletos". Interpretação diversa da exposta gerará uma incompatibilidade absoluta entre o prescrito no art. 208, IV, da CF e o marco etário fixado no referido art. 32.

7. Em função do exposto, a Resolução CNE/CEB n. 1/2010 é inconstitucional por ofender o princípio federativo, a distribuição de competências legislativas deferidas aos entes federados para a regulamentação de seus próprios sistemas de ensino, bem como o princípio da legalidade. Por fim, tal resolução ofende especialmente o contido no art. 208, IV, da CF/88.


7. Referências Bibliográficas

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2 ed., atualizada por Rosolea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros, 2001.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.

BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.

FERREIRA, Dâmares. Educação Escolar Pública e Educação Escolar Privada: Regimes Constitucionais. In: FERREIRA, Dâmares (coord). Direito Educacional em debate. Vol. I. São Paulo: Cobra Editora, 2004.

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Direitos fundamentais, T. IV, Coimbra: Ed. Coimbra, 1988.

PELÁEZ, Francisco José Contreras. Derechos sociales: Teoría e Ideología. Madrid: Editorial Tecnos, 1994.

PEREZ, Jesus Gonzales. La dignidad de la persona. Madrid: Civitas, 1986.

PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. Octava Edición, Madrid: Tecnos, 2003.

RANIERI, Nina Beatriz. Educação Superior, Direito e Estado na Lei de Diretrizes e Bases (Lei n. 9394/96). São Paulo: EDUSP, 2000.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.


Notas

  1. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 72.
  2. PELÁEZ, Francisco José Contreras. Derechos sociales: Teoría e Ideología. Madrid: Editorial Tecnos, 1994, p. 15.
  3. PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. Octava Edición, Madrid: Tecnos, 2003, pp.227-228.
  4. Sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, cfr: PEREZ, Jesus Gonzales. La dignidad de la persona. Madrid: Civitas, 1986.
  5. CF/88: "Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;"
  6. O princípio da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, divulgar o pensamento, a arte e o saber veicula três imperativos distintos: a) Direito à liberdade de aprender – entendemos que este direito deverá ser combinado com o princípio da igualdade de condições ao acesso e permanência na escola para ganhar maior concretude, pois não há que se falar em liberdade de aprender se não houver condições para o acesso e permanência na escola. Tal imperativo também abrange a liberdade de pesquisar, garantida pelos deveres impostos ao Estado pelo art. 218, da Constituição, que lhe atribui o dever de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas; b) Direito à liberdade de ensinar – este direito possui dois aspectos: a liberdade da escola, cujo conteúdo autoriza a criação de escolas distintas das do Estado; e a liberdade na escola, que se desmembra, por sua vez, na liberdade de fixação da proposta pedagógica e a liberdade dos docentes ao ministrar suas aulas; c) Direito à liberdade de divulgar o pensamento, a arte e o saber - este direito vincula-se a vários outros princípios e regras constitucionais, em especial os constantes dos incisos IV, VI do art. 5º que garantem a livre manifestação do pensamento (vedado o anonimato), a liberdade de consciência e de crença, a livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (independentemente de censura ou licença), e o acesso à informação Cfr. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Direitos fundamentais, T. IV, Coimbra: Ed. Coimbra: 1988, p. 367.
  7. Luis Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p.141.
  8. FERREIRA, Dâmares. Educação Escolar Pública e Educação Escolar Privada: Regimes Constitucionais. In: FERREIRA, Dâmares (coord). Direito Educacional em debate. Vol. I. São Paulo: Cobra Editora, 2004, p. 14.
  9. Sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, conferir: STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004; CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Tradução de Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2006; BILBAO UBILLOS, Juan María. La eficácia de los derechos fundamentales frente a particulares. Analisis de la jurisprudencia del Tribunal Constitucional, Madrid: CEPC, 1997, p. 243; VEGA, Pedro de. La eficacia frente a particulares de los derechos fundamentales (La problemática de la drittwirkung der grundrechte).In CARBONELL, Miguel (coord). Derechos fundamentales y Estado. Memoria del VII Congreso Iberoamericano de Derecho Constitucional, México: UNAM, 2002, nota 11, p. 697; SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, p.297; ESTRADA, Alexei Julio. La eficacia entre particulares de los derechos fundamentales. Una presentación.pp.267-296; COMELLAS, Victor Ferreres. La eficacia de los derechos constitucionales frente a los particulares. In FERRER, Eduardo Mac-Gregor et all (coord.). La ciencia del derecho procesal constitucional. Tomo IV. Derechos fundamentales y tutela constitucional. pp.529-546. A 2ª Turma do STF, no RE n° 158.215-RS também reconheceu a vinculação de direitos fundamentais a particulares. Sobre a posição do STF sobre tal vinculação, também podem ser consultados: RE 161.243, DJ 17.12.1999 e RE n° 160.222-RJ, DJ de 01/09/1995.
  10. Lei nº 9.394/96. "Art. 21.A educação escolar compõe-se de:
  11. I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;"

  12. Por exemplo: art. 6º, da Lei n. 9.394/96
  13. As normas de competência fixadas nos artigos 22, XXIV e 24, IX, da CF,estabelecem um mecanismo de descentralização vertical de competências, que autoriza o Congresso Nacional a fixar normas gerais sobre a educação e as Assembléias Legislativas a suplementar o que for necessário. Esta técnica de repartição de competências "reserva ao ente central uma parcela de competências para uniformizar determinada matéria, ao mesmo tempo em que atribui aos demais entes federados um campo de competência suplementar, para conformar as diretrizes, bases ou fundamentos daquela uniformização à suas peculiaridades". RANIERI, Nina Beatriz. Educação Superior, Direito e Estado na Lei de Diretrizes e Bases (Lei n. 9394/96). São Paulo: EDUSP, 2000, p. 88.
  14. Neste sentido a decisão do STF na ADI n. 682: "AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO ESTADO DO PARANÁ 9.346/1990. MATRÍCULA ESCOLAR ANTECIPADA. ART. 24, IX E PARÁGRAFO 2º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA CONCORRENTE PARA LEGISLAR SOBRE EDUCAÇÃO. A lei paranaense 9.346/1990, que faculta a matrícula escolar antecipada de crianças que venham a completar seis anos de idade até o final do ano letivo de matrícula, desde que preenchidos determinados requisitos, cuida de situação excepcional em relação ao que era estabelecido na lei federal sobre o tema à época de sua edição (lei 5.692/1971 revogada pela lei 9.394/1996, esta alterada pela lei 11.274/2006). Atuação do Estado do Paraná no exercício da competência concorrente para legislar sobre educação. Ação direta julgada improcedente" (relator originário Ministro MAURÍCIO CORRÊA, relator para acórdão Ministro JOAQUIM BARBOSA, j. 8/3/2007, DJ 11/5/2007).
  15. Lei n. 9.394/96. "Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino. § 1º Caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais. § 2º Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta Lei."
  16. Cfr. A noção de obrigatoriedade exposta alhures vincula o Estado e os responsáveis pelo educando, e garante a este o direito público subjetivo prescrito no art. 208, §1º, da CF/88.
  17.  "EMENTA: CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). AGRAVO IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por  efeito da alta significação social de que se reveste a educação   infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de   maneira concreta, em favor das "crianças até 5 (cinco) anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da    discricionariedade político- -administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases  excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos    estatais competentes, por   descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais  impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina. (...)"(AI 677274, Relator Min. CELSO DE MELLO, julgado em 18/09/2008, publicado em DJe-185 DIVULG 30/09/2008 PUBLIC 01/10/2008 RTJ VOL-00207-03 PP-01331).
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Sobre a autora
Dâmares Ferreira

Advogada. Professora universitária. Mestre em Direito e doutoranda em Direito Constitucional pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Dâmares. O direito de acesso ao ensino fundamental de 9 anos. A competência estadual para regulamentar o corte etário e a inconstitucionalidade da resolução CNE/CEB n° 1/2010. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2707, 29 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17966. Acesso em: 4 nov. 2024.

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