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A liberdade de expressão no Estado Democrátio de Direito.

Uma abordagem ética e solidária

07/12/2010 às 18:15
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RESUMO

Vive-se em um momento em que é discutida a liberdade de expressão enquanto inserida no sistema democrático de direito, sua amplitude e limitações. Será defendida neste trabalho a dimensão ética e solidária da livre expressão do pensamento e suas repercussões no mundo jurídico-social, focando-se na realidade brasileira, exemplo de um Estado Democrático de Direito. Para tanto, abordou-se o padrão ético como moderador social e como valor jurídico e moral, sua importância na hermenêutica social, abordando também o sociologismo jurídico de Miguel Reale e a dinâmica jurídico-social, tudo com o propósito de angariar elementos para a fundamentação da liberdade com ética e segundo sua função social. Feitas estas considerações, estudou-se a solidariedade e seus elementos, como pressupostos lógicos à liberdade de expressão bem como seu papel na Democracia de Direito. Por último, expôs-se, brevemente, a liberdade de expressão no direito brasileiro e sua correlação com a solidariedade, defendendo-se a liberdade de expressão como gênese do desenvolvimento social e, também, esta liberdade como mecanismo de fiscalização da sociedade pela própria sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Liberdade de expressão. Estado Democrático de Direito. Ética. Solidariedade.

1. INTRODUÇÃO

Durante os séculos, desde o berço das civilizações, o homem sempre foi considerado como um ente social e por esse motivo sempre buscou a interação com os seus semelhantes. Em razão desta necessidade, ele se desenvolveu em virtude das trocas de experiências, sendo estas trocas livres. No decorrer do processo evolutivo, o homem sentiu necessidade de estabelecer regras para o bom convívio, limitando a liberdade geral em prol da coexistência coletiva. A partir deste ponto, iniciaram-se as distorções na conjugação do que é certo, normal e justo.

A humanidade, com o passar dos séculos, perdeu aquela noção de irmandade, para dar espaço à noção de desagregação ética e moral. E em virtude desta desagregação, e por esta desunião ser o meio propício, a tirania aproveitou-se para dominar o que é normal, dissociando dos conceitos que norteiam o que é certo e justo.

Somente da união é que se mantém a segurança contra agressões externas. A liberdade só é realmente uma entidade válida, dentro de uma sociedade paritária, quando proporciona a coesão dos povos, onde cada um é responsável pela liberdade de seu semelhante. Assim, a liberdade de expressão é o instrumento essencial para a defesa da liberdade de todos, de maneira igualitária e fraterna. Somente por meio desta liberdade, ao denunciar a tirania, mantém-se a democracia mediante a fiscalização da sociedade pela própria sociedade, e assim, a humanidade poderá garantir a união pelo progresso socialmente sustentável.

A proposta deste trabalho é discorrer sobre estas premissas, onde a ética solidária é a pedra angular do sistema social. Para isso, como pressuposto básico, iniciou-se com o estudo do padrão ético como moderador social, abordando tal padrão como valor jurídico e moral, necessário à hermenêutica e a aplicação desta hermenêutica segundo a sua função social. Abordou-se também o sociologismo jurídico e a dinâmica jurídico-social, segundo os ensinamentos de Miguel Reale, para propiciar o nexo necessário ao estudo. A seguir, estudou-se a solidariedade e seus elementos, quais sejam: a liberdade, a igualdade e a fraternidade, bem como a necessidade de que tais conceitos sejam sempre tomados dialeticamente.

Uma vez abordada a solidariedade e seus elementos, iniciou-se o estudo do tema central, ou seja, a liberdade de expressão no Estado Democrático de Direito. Para tanto, estudou-se a sua sistemática no Direito Brasileiro, abordando a liberdade de opinião e a liberdade de comunicação como espécies do gênero liberdade de expressão. Na mesma linha discorreu-se brevemente sobre o direito de resposta e a vedação ao anonimato. Seguindo a metodologia, defendeu-se a liberdade de expressão com ética e solidariedade, concluindo o presente trabalho nesse sentido.

De início, é necessário esclarecer que o intuito aqui defendido é a defesa da coletividade por intermédio da liberdade de expressão e a incessante busca de uma sociedade coesa em seus propósitos e dos meios necessários para a busca dessas finalidades. Os temas abordados, que sob uma análise superficial dos seus fundamentos podem não traduzir um anseio cômodo, sob um enfoque social, apresentam a tônica que é condição sem a qual o convívio coletivo será extremamente afetado.

2. O PADRÃO ÉTICO-JURÍDICO COMO MODERADOR SOCIAL

A ética é apresentada por dois efeitos próprios: a ética como essência deontológica e a ética como moderadora interpretativa. Como essência deontológica, a ética se correlaciona com a moral. Como moderadora interpretativa, correlaciona-se com um dos padrões de interpretação normativa [01].

Desta forma, ambos os efeitos éticos são conceitualmente os mesmos, mas no âmbito jurídico gerarão efeitos diversos. A ética só gerará obrigações jurídicas quando previsto na norma o padrão de conduta, como no caso dos diversos códigos de ética vigentes, por exemplo, o Código de Ética da Advocacia. Esta modalidade ética possui normatividade e, portanto, coerção, tornando-a uma manifestação essencialmente jurídica. Já a ética como moderadora interpretativa, relaciona-se como princípio jurídico com o condão de criar padrões de interpretação da norma segundo determinados valores, sempre relacionado a um fato concreto. Nessa última hipótese, não se cogita criar obrigações tomando-se como base a ética, mas a norma será interpretada segundo um valor ético. Diante desse prisma, vários valores norteiam conteúdos éticos, como a boa-fé, a função social, a ordem pública, a probidade administrativa e muitos outros que incidem sobre a norma quando da sua interpretação em face de um fato concreto [02].

Assim, pode ser iniciado o estudo dos valores jusfilosóficos para embasar a explicação do padrão ético no mundo jurídico, como a seguir se expõe.

2.1. O Padrão Ético como Valor Jurídico e Moral.

Antes de trabalhar a doutrina dos valores, deve ser compreendida a correlação entre o sujeito e o objeto de direitos. Esta correlação, para haver a presença de uma realidade jurídica, deve ser pautada em um processo de conhecimento livre de direcionamento da correlação sujeito-objeto, como um dado puramente natural, perfeito e acabado [03].

Para que qualquer valor jurídico tenha efeito no mundo do conhecimento, a correlação sujeito-objeto deve ser distinta das demais ocorrências, tendo por vetores: o fato a ser estudado, a norma aplicável à espécie e também a hermenêutica racional segundo um dado momento histórico. Não há qualquer procedimento de conhecimento lógico-jurídico que não siga tais etapas [04].

Aliado a tais fatores, necessário também a determinação do objeto destacado no microssistema a que pertence e distingui-lo dos demais. Exemplo de destacamento de microssistemas ocorre no contrato comercial tomado em comparação com os contratos firmados pela administração pública. Existem diferenças essenciais e circunstanciais que alterarão o valor jurídico aplicados a quaisquer dos microssistemas (comercial, de índole privada e administrativa, de índole pública), ou seja, o fato propriamente dito será diferenciado (atos de comércio versus atos administrativos). As normas aplicáveis poderão ou não ser distintas, mas, com certeza, o valor jurídico será peculiar, pois nos contratos administrativos haverá valores de interesse coletivo em face da coisa pública, valores estes que, via de regra, não serão determinantes nos contratos comerciais.

Mas sempre existirá um valor mínimo que sempre estará presente nos diferentes microssistemas e a partir deste standard valorativo se norteará a posterior diferenciação caso a caso. Neste âmago hermenêutico se encontram valores universais como a ética, a boa-fé, a dignidade da pessoa humana, a coexistência pacífica dos povos, a ordem jurídica, os direitos sociais e tantos outros fundamentos. Tais valores universais, ao mesmo tempo em que complementam os valores epistemiológicos acima (nos diversos microssistemas jurídicos que apresentam cada fato em particular), formam um núcleo onde os demais valores orbitam. No entanto, como afirmado acima, não deverá ser tratado como um dado natural pronto e acabado, pois sempre deverá estar pautado segundo a realidade jurídica da sociedade em dado momento e em dado espaço [05].

A tradição jurídica é essencial para conhecer a correlação sujeito-objeto em dado momento e em determinado lugar. A experiência humana e os conhecimentos acumulados nortearão a compreensão do fato e também na adequação do valor da norma aplicável ou na valoração da norma que possa ter alterado o sistema pretérito, se houver alteração do sistema normativo no tempo e no espaço, ou do valor que incidirá sobre a norma. Desta forma, ao mesmo tempo em que a tradição não poderá engessar a compreensão da realidade, dará subsídios para a análise das situações futuras. A constante evolução dos valores parte do que é comumente aceito segundo o que se entende por certo e justo. A culturologia é quem dirá qual o ponto evolutivo dos valores [06].

Com efeito, o homem não é bastante por si mesmo e por isso busca bens, ideais e situações que supram as suas necessidades. Tal busca não visa somente suas necessidades básicas, mas sim a incessante busca da melhoria de sua vida em particular e do mundo que o cerca. Esta busca se presta a tornar o mundo mais belo, mais funcional, enfim, o mais parecido possível com o ideal de perfeição, segundo valores que preexistem esta busca e lhe foram passados por alguém, seja sua família, a mídia, a cultura ou outra modalidade de formação de opinião [07]. Ao imaginar o ideal de paraíso, a humanidade agrega à sua essência um padrão de valor e dentro deste parâmetro amolda a sua vida. No entanto, tal delimitação pode divergir da opinião dos demais entes da sociedade [08].

Assim, se há divergência de parâmetros de valores entre a humanidade, como se pode afirmar qual deles é o correto? Qual deles será justo? Tal início se presta para estabelecer padrões aos parâmetros individuais. Este berço valorativo dá-se com a moral. Dentro das regras morais estão contidas parcelas que se denominam normas jurídicas. Contudo, para se entender a amplitude de tais normas jurídicas é necessário interpretá-las e o intérprete deverá se socorrer de valores. Mas tais valores se encontram igualmente contidos nas regras morais comumente aceitas em determinado momento e em determinado local. Como se nota, mesmo que nem toda norma moral seja norma jurídica pela ausência de coerção real, as normas morais, que em tese não são coercíveis, darão sentido às normas jurídicas por meio da hermenêutica [09].

A seguir tratar-se-á da hermenêutica aplicada aos direitos sociais, pois estarão mais estreitos os limites entre o moral e o jurídico, entre o ético e o empírico.

2.2. A Hermenêutica Social.

A ordem jurídica se estabelece em uma polaridade entre direitos e obrigações, ou seja, em uma bilateralidade atributiva. Bilateral porque sempre o homem estará em uma relação jurídica em face de seu semelhante, em face do Estado ou em face da sociedade como um todo. Atributivo porque tal relação jurídica deverá ser garantida se possível, determinado ou determinável o seu objeto, e que o seu titular seja capaz de gozar desta situação, bem como seja capaz de estabelecer uma pretensão juridicamente tutelável [10].

Dentro desse efeito da bilateralidade atributiva, a sociedade se correlaciona e garante ao detentor de um direito o que é seu. Assim, para todo o direito pressupõe uma obrigação de mesmo grau e intensidade. Significa dizer que para alguém gozar um direito, necessário que alguém esteja obrigado a cumpri-lo [11]. Essa sistemática direito-obrigação deve estar contido em qualquer relação jurídica, também sendo aplicável aos direitos sociais [12].

Desta forma, quando da aplicação de uma norma, estarão presentes valores que a antecedem e em função delas tais normas demonstrarão o sentido mais condizente com o direito ao qual se pretende tutelar, mais uma vez tomando por base o que é correto e o que é justo. Assim, a seguir se estudará a hermenêutica aplicada segundo sua função social.

2.3. A Hermenêutica Aplicada Segundo sua Função Social.

A matéria referente à teoria geral das obrigações, para designar seu real teor, deve ser estudada dentro do contexto geral do Direito. A tendência está na dinamização do ordenamento jurídico como complexo uno de correlações, não sendo minimizado por princípios específicos, devendo ocorrer uma necessária integração de normas e princípios. Desta afirmação decorre a inter-relação do Direito em seu necessário conteúdo dialético [13].

O Direito sentiu tal tendência e busca hoje se adequar à realidade dinâmica que é encontrado no panorama vigente [14]. Verifica-se a limitação da autonomia privada a uma ordem pública e ao postulado ético [15], garantidores de estabilidade e paridade em face de características peculiares, segundo um juízo crítico e real [16]. O direito do consumidor, os direitos ambientais e demais direitos de terceira geração são exemplos da exigência atual de proteção do sujeito hipossuficiente e também ao caso da transindividualidade.

A própria Teoria Pura do Direito, marco da Dogmática Jurídica e Positivismo Normativo, espelhado na obra de Hans Kelsen, sentiu a necessidade de mudança. Contudo, manteve seu caráter essencial defendido por muitos e vigorosamente combatido por outros. O principal crítico à teoria kelseana foi Miguel Reale que elaborou a Teoria Tridimensional do Direito.

Ambas as teorias buscam justificar a mecânica e a dinamicidade do Direito segundo seus postulados. Os dogmas prementes nas duas correntes mencionadas, em coalisões ou repulsões mútuas, irão sedimentar a Teoria Geral do Direito, influenciando a Ciência Jurídica em seus mais diversos ramos de aplicação. Influencia, ainda, a caracterização da Teoria Geral das Obrigações no exato teor da sua própria gênese.

No esteio da doutrina mais acertada, a matéria referente à imputação pode conduzir em interessantes divergências no que tange à teoria geral das obrigações. Sendo a ciência do direito uma disciplina que necessariamente conduz a uma dialética entre direitos e deveres, o princípio da imputação e da cominação em razão de atos antijurídicos são matérias de relevo à dinâmica sócio-jurídica, em virtude da quebra de paradigma que hoje se apresenta [17].

Logo no capítulo primeiro de sua obra, Hans Kelsen sintetiza que a Teoria Pura ao propor o estudo do Direito exclusivamente como ciência jurídica, desprovida de todas as feições que não investiguem o caráter positivo de seu objeto. Tais feições são relacionadas com a teoria política do Direito, com a psicologia, sociologia ou até com a ética. Concentra, pó si mesmo, o estudo dirigido à elementar única do Direito que é a norma, desprovida de todas as valorações periféricas que possam ou poderiam influir em alteração de seu conteúdo científico [18]. Nota-se claramente que Kelsen, defendendo o Direito como ciência jurídica, tira o substrato essencial de ciência da disciplina jurídica [19], pois não admite a quebra de sua pureza por eventuais variantes externas [20]. Tira de seu bojo a própria humanização do Direito, ao defender que o Direito em si é a própria norma, não necessariamente sendo esta a norma legal, mas também normas gerais de conduta imbuídas de sanção para a consecução de seus fins, ou seja, garantir o que é posto.

A teoria pura por assim ser, exige a existência de um escalonamento [21] cujo ponto de partida deve ser uma norma fundamental, [22] que dará substrato às demais normas positivadas para o regramento geral. Prevê ainda a existência de normas individuais, que nada mais são do que formas de execução das referidas normas gerais erigidas segundo a previsão da norma fundamental. Tais normas individuais podem ser: resoluções administrativas, sentenças judiciais ou atos negociais [23]. O primeiro ato seria erigido segundo atos de império vinculados a parâmetros normativos, o segundo ato devendo ser o exercício da Jurisdição e, o último, como conseqüência da vontade das partes segundo a autonomia privada [24], todas tendo condão de atividade criadora do Direito por serem consideradas normas segundo a ciência do Direito.

Contudo, na primeira metade do século XX, época em que a Teoria Pura do Direito encontrava-se em pleno sucesso, Miguel Reale redimensionou os seus postulados [25]. Deste questionamento surgiu a Teoria Tridimensional do Direito. Trimensional porque possui três elementos fundamentais: fato, valor e norma. Assim, o Direito para existir necessita da coexistência destes três elementos de maneira dialética, sendo que, da forma e ordem a serem tomadas, possam surgir três vetores de estudos direcionais. [26]

Como primeiro vetor, o Direito como Ciência Jurídica, é verificado quando, através do fato, utilizando-se um juízo de valor (axioma), culmina-se no conhecimento da norma e sua realização como conclusão lógica. A partir deste primeiro vetor, o Direito tomará a segunda feição vetorial quando é tomada como fato social, onde pressupõe a norma valorada juridicamente para descobrir os efeitos do fato tomado como social ou socializante. O terceiro e último vetor seria o Direito como Filosofia (jusnaturalismo) [27], o que pressupõe o fato em comunhão com a norma valorada.

Diverge ainda a Teoria Tridimensional, quando afirma que a produção da norma jurídica se inicia de valorações sucessivas sobre o fato (complexo axiológico), produzindo proposições normativas que filtradas e abalizadas por um poder, culminam, aí sim, no surgimento da norma jurídica [28].

No direito brasileiro, desde a Lei de Introdução ao Código Civil, até o atual Código Civil, está prevista esta peculiaridade. No primeiro diploma legal, em seu artigo 5º, está disposto que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Tal dispositivo ainda está vigente e manifestamente atual, uma vez que, tanto na Constituição Federal quanto no Código Civil, a função social é reconhecida como vetor necessário para o Direito. Afirmar que a lei deverá ser aplicada segundo a sua função social significa que o arcabouço legal é um conjunto de manifestações jurídicas dependentes de seus correspondentes fatos sociais. Significa dizer que a lei não poderá sequer ter interpretação válida se não houver uma hermenêutica segundo seu correspondente sentido social ou socializante. A validade da norma segundo seu vetor social equipara-se a uma função matemática, onde em um conjunto está contida a gama normativa em vigor e no segundo conjunto estão contidos os modelos de fatos sociais que necessariamente darão substrato de validade ao primeiro conjunto. Desta forma, para adequar um determinado fato a uma norma segundo sua função social, existirão duas variáveis "x" e "y", sendo "x" os respectivos modelos sociais ou socializantes e "y" o juízo de valor que o intérprete deverá abalizar para fixar a aplicação normativa. Desta forma, comparando-se o fato concreto com as conclusões erigidas pelo intérprete quanto aos modelos sociais, chegar-se-á à satisfatória aplicação da função social.

Assim, a operação desta função é efetivada como um princípio jurídico. Tais princípios, conforme a doutrina de Luiz Antonio Rizzatto Nunes, são aqueles "que aspiram e dão embasamento à criação de toda e qualquer norma, inclusive e especialmente a Constituição, bem como os valores sociais que afetam o sistema e dirigem finalidade" [29].

Como bem salientado pelo doutrinador mencionado, os princípios jurídicos influem na elaboração da norma, podendo até fulminar a edição de uma lei quando o Supremo Tribunal reconhecer que ela esteja em descompasso com algum princípio previsto na Constituição. Esta própria lei máxima, quando da sua edição deve respeitar alguns preceitos que houve por bem adotar. Isto ocorre, por exemplo, quando a Constituição Brasileira, ao optar pelo sistema de Estado Democrático de Direito, trouxe consigo uma enorme gama de princípios jurídicos que deverão ser observados quer na elaboração do restante do texto constitucional, quer na sua posterior interpretação. Em sede dos princípios constitucionais, vale dizer que todas as normas estarão limitadas, implícita ou explicitamente, aos preceitos ali contidos, vez que a Constituição é suprema [30].

Assim, existe uma verticalização de todas as normas frente à Constituição. Contudo, existem princípios que não constam expressamente de seu bojo, mas é indiscutível a sua aplicação nos mesmos moldes daqueles expressamente resguardados em seu texto. A técnica jurídica, no âmbito da interpretação da norma jurídica, deve ser abalizada sempre paralelamente com a função integradora das normas perante o ordenamento jurídico, pois na primeira poderão ocorrer lacunas. Mas quanto ao ordenamento jurídico, "ainda que latente e inexpressa" [31], deverá haver "uma regra para disciplinar cada possível situação ou conflito entre pessoas" [32].

Exemplo de princípio implícito com obrigatoriedade de observação é o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Por intermédio deste princípio foi construída toda a sistemática da Administração Pública, fornecendo também um conteúdo jurídico material para interpretação e fundamentação de todos os atos jurídicos administrativos, bem como aos atos jurídicos privados em face do ordenamento jurídico e pelo seu fundamento social [33].

Nessa seara, o princípio da supremacia do interesse público pode ser considerado como pressuposto lógico do convívio social, vez que a própria qualificação geral de princípio resulta desta noção, da mesma forma que tal comando não exigiu previsão expressa. Essa situação é explicada pelo fato de que antes da própria Constituição jurídico-positiva, existem normas que nortearão a sua feitura. Esta porção lógica e transcendental é a norma fundamental hipotética [34].

Desta forma, como norma primária, a norma fundamental, além de um comando geral de competência, traz consigo uma série de outros comandos gerais denominados princípios, tais como, o princípio da democracia, da federação, do presidencialismo, da supremacia do interesse público, do Estado de Direito e outros tantos. Esses comandos gerais são frutos de séculos de evolução da humanidade e do próprio Direito. São noções que constituem a própria Sociedade e se apartar deles seria como separar o ser humano de sua própria consciência coletiva, seria retornar ao período pré tribal [35].

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E realmente, para se ter preciso o conteúdo dos princípios de ordem social, é devida a sua leitura nos termos da Sociologismo Jurídico, com o apoio da Dinâmica Jurídico-Social, como a seguir se propõe.

2.4. O Sociologismo Jurídico e a Dinâmica Jurídico-Social.

O termo Sociologismo Jurídico foi adotado por Miguel Reale para designar e reunir todas as concepções que consideram o Direito sob o prisma predominante, ou até exclusivo, do fato social. Reale o apresenta como simples componente dos fenômenos sociais e suscetíveis de estudo, segundo nexos causais não diversos dos que ordenam os fatos do mundo físico [36]·. Com efeito, será adotada esta concepção para argumentar a realidade social do Direito, com o fim iniciar o estudo do fenômeno da Solidariedade.

Não há como negar ao homem sua qualidade de membro de uma Sociedade, pois sempre estará no seio coletivo, senão seria irrelevante para qualquer ciência que visa o bem comum ou o interesse coletivo. Assim, o homem é um ente social e como tal sempre deverá ser pautado seu modo de agir e até o seu modo de pensar, se tal pensamento for relevante para criar, modificar ou extinguir direitos.

Assim, o homem será limitado pelos fatos sociais ou socializantes, porque, em algum ponto de sua vida, poderá ser ele afetado, direta e indiretamente, por uma conduta semelhante àquela que uma vez lhe foi vedado. O Direito em sua dinâmica é dependente dos modelos sociais e suas adequações futuras, pois a partir desses modelos é que serão construídos os parâmetros para nortear o que é certo, normal e justo, em determinado momento e em determinado local.

A norma, em regra, traça elementos temporais e espaciais da reprovabilidade, mas quando não traduzida na norma, ou quando esta é insuficiente para solver eventual impasse, o intérprete deverá recorrer a modelos sociais para entender o problema, dentro de certos limites aceitos pelo ordenamento jurídico-social. Esta é uma verdade evidente, mas poderão ocorrer situações em que a repulsa social poderão gerar situações peculiares.

O mundo caminha a um extremo preocupante, pois o déficit social aumenta dia-a-dia e a humanidade estará refém de seus próprios semelhantes em pouco tempo. Assim, serão estudados em seguida os elementos solidários para a compreensão do que é socialmente correto para que se mantenha o equilíbrio na sociedade e manter um mínimo plausível de convivência. Nos milênios em que o homem reina na Terra, constantemente abusa dos diversos recursos disponíveis, quer do meio ambiente, quer dos veios econômico-financeiros e também dos seus semelhantes.

Os notáveis da Sociedade, nos diversos momentos da história, elegem as preocupações em pauta, sendo verificadas preocupações que, muitas vezes, aparecem como modismos. Cita-se como exemplo a preocupação com meio-ambiente, com a sustentabilidade e também com a solidariedade. O que falta para a efetividade de tais campanhas são investimentos no próprio ser humano, pois é a ele para as quais se direcionam todas as responsabilidades e também todos os direitos. Por exemplo, as campanhas em prol do meio-ambiente sadio e sustentável são direcionadas à humanidade, que é o poluidor, e visam proteger a saúde dos contemporâneos e das futuras gerações, sendo que tanto o beneficiário quanto o obrigado são os mesmos, ou seja, a própria humanidade. Dessa humanidade também é exigida a fiscalização e julgamento dos mesmos fatos. Com efeito, é também a humanidade quem deve decidir o modo como deverá sê-lo feito, segundo modelos aceitos socialmente e não do modo como foi decidido séculos atrás, sem sequer poder imaginar os problemas apresentados hoje com a tecnologia e a capacidade destruidora como se é verificado.

A culturologia deve ser tomada para ensinar aos intérpretes atuais a partir dos erros e acertos passados, não criar paradigmas insolúveis e dogmas que, apesar de terem sido oportunos no passado, não atendem mais às necessidades porque a realidade em si mudou. Alguns pontos da sistemática do Direito remontam à República Romana, como no caso de alguns aspectos da Teoria Geral das Obrigações, citando o caso das fontes das obrigações, que foram estudados nos textos de Gaio [37].

O Direito, no atual momento da civilização, está em xeque e os seus operadores deverão decidir se continuam a negar a realidade ou realizam uma profunda mudança do sistema do Direito, com o fim de fundamentar a culturologia para esta geração e para as gerações futuras, assumindo seu papel na história.

A mudança necessária na concepção do Direito reside no fato de que a norma só apresenta sua prerrogativa peculiar porque almeja uma adequação social. O comando normativo nada mais é que um comando de consciência dirigida ao homem pelo homem, mediante um tratado de cessão parcial de liberdade em prol do convívio mútuo segundo o Pacto Social [38]. Enfim, entender e tomar o Direito como dissonante do Sociologismo Jurídico é negar a existência de ambas, vez que ocorre um vício de premissas essencial.

Feita esta abordagem da ética social, seguindo a proposta metodológica, passar-se-á a discorrer sobre a solidariedade e seus elementos.

3. A SOLIDARIEDADE E SEUS ELEMENTOS.

Dizer que uma sociedade é solidária, implica dizer que é uma sociedade coesa nos seus propósitos e finalidades [39]. É coesa em vista da união que se apresenta entre seus membros, tornando a Sociedade menos suscetível a influências externas que possam prejudicar sua existência harmônica, mesmo que possa sofrer influências benéficas com vistas ao seu desenvolvimento enquanto nação. Esta coesão, como conseqüência lógica, favorece a ocorrência de uma sociedade estável econômica, política e socialmente em seu ciclo de relações intragrupo [40].

Uma sociedade segundo os efeitos acima parece simples alcançar, mas envolve uma cultura social embasada em elementos, quais sejam a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Para uma delimitação satisfatória, passa-se a estudar cada um destes elementos.

3.1. A Liberdade

A liberdade como elemento solidário é um fim em si mesmo, uma vez que é uma prerrogativa do ser humano enquanto membro da sociedade em que está inserido. Esta liberdade depende do grau de reconhecimento da sua amplitude dentro dessa sociedade. Se estiver contido em uma sociedade democrática de direito, a noção de liberdade é a comumente entendida como tal. Se, ao revés, estiver contido em uma sociedade fundada em sistema diverso, onde a liberdade terá sua medida em qualidades especiais do indivíduo, como no caso de existência de castas com fundamento religioso, por exemplo, a liberdade terá nuances diferenciadas de uma classe de indivíduos para outro.

Esta variante, com o passar dos tempos, tenderá a se minimizar, com a adoção de um sistema harmonizado, tomando como base o sistema adotado universalmente. Paulatinamente, a crescente integração entre os povos, mesmo naqueles mais radicais e fundamentalistas, gerarão um anseio maior pela garantia dos direitos humanos de forma solidária [41]. A amplitude da liberdade dependerá do padrão adotado pelo reconhecimento social de cada país. Estudou-se estudado o caso brasileiro como padrão, utilizando-se o sistema democrático de direito. No Brasil, a medida da liberdade é relacionada com a estabilização do sistema social [42]. Vale dizer, a liberdade do indivíduo é fixada conforme a garantia constitucionalmente adotada, sendo aplicados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Atender aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade na dozimetria da liberdade não é trabalho fácil, mas padrões simples são possíveis de serem expostos: a liberdade garantida de um indivíduo será plena até que esta garantia não fira, na mesma proporção, a de outrem, ou seja, toda e qualquer liberdade encontrará limites quando iniciar a liberdade de seu semelhante.

Nota-se que as noções de liberdade e igualdade, apesar de aparentemente distintos, se complementam, não podendo um conceito ser entendido separadamente do outro [43]. No entanto, meramente para efeitos didáticos, a noção de igualdade será tratada no tópico a seguir.

3.2. A Igualdade.

Entende-se por igualdade, em linhas gerais, como a medida que deverá nortear a justaposição das liberdades dentro de uma mesma sociedade, para que seja respeitada a estabilidade do sistema social [44]. Contudo, o seu estudo deve ser setorizado, vez que existem duas noções de igualdade, uma material e outra formal, que, conforme a essência ou circunstância, influirá no enfoque do estudo.

3.2.1. A igualdade material.

A igualdade sob o prisma material é aquela que toma o objeto como idêntico ao outro. Os objetos fabricados em uma linha de montagem são idênticos em sua estrutura e em sua disposição, portanto serão materialmente iguais.

Juridicamente, existem manifestações de igualdade material, como a igualdade das partes no processo [45]. No entanto, a caracterização desta igualdade no sistema jurídico é pautada basicamente em normas programáticas, como no caso do art. 3º, inciso III da Constituição Federal, ao instituir o objetivo da República a "redução das desigualdades sociais e regionais".

É extremamente difícil aplicar em uma sociedade a igualdade real ou material, vez que todo e qualquer sujeito de direitos é intrínseca e essencialmente diverso dos demais. Os objetivos e as necessidades de um indivíduo podem ser diametralmente diferentes de outro, quando se tratar de um caso específico. Se a lei impuser uma obrigação ao Estado fundado no direito de acesso ao pleno emprego, segundo uma igualdade material, deverá garantir a todos o acesso ao mesmo emprego. Não é difícil concluir que tal pensamento é utópico, pois a demanda para uma modalidade de ocupação é mais necessária do que outras e a igualdade real será manifestamente insubsistente.

A rigor, quando se fala em igualdade jurídica, salvo situações peculiares, não se fala em igualdade real, mas em igualdade de condições, vez que o texto constitucional preleciona que a isonomia é tomada perante a lei. A lei não pode tratar diferenciadamente os indivíduos, mas os efeitos jurídicos serão tomados segundo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Nesta seara, ingressa-se na noção de igualdade formal, que a seguir será estudada.

3.2.2. Igualdade formal.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso I, prevê o princípio da igualdade formal, ou seja, todos serão iguais perante a lei. Significa dizer, como já foi dito, que a lei não tratará diversamente os cidadãos, mas os efeitos jurídicos frente ao caso concreto poderão ser diversos.

Da mesma forma que a lei igualará os iguais, desigualará os desiguais. Estas são duas acepções do mesmo princípio da isonomia, vez que o sentido deste é polarizado, uma vez que ao igualar pessoas em situação de igualdade é o mesmo que desigualar pessoas em situação de desigualdade [46].

No entanto, o legislador deve estabelecer critérios suficientes para estabelecer distinções. O doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello propõem questões que possam autorizar o tratamento diferenciado, a saber:

a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação (fator de discrímen);

b) a segunda reporta-se a correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;

c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados [47].

Contudo, devem ser aplicados os fatores de discriminação segundo parâmetros abalizados pelo princípio da proporcionalidade. Nesta seara, oportuna a transcrição da doutrina de Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva:

(...) o discrímen adotado deve se revelar em harmonia com a totalidade da ordem constitucional. Estabeleceu-se que a constitucionalidade da distinção deve ser aferida através de um juízo de proporcionalidade que caracterizará o discrímen eleito como justificado (ou não) [48].

O Supremo Tribunal Federal entende que a possibilidade de tratamento desigual em face da Constituição Federal deverá encontrar substrato no próprio princípio da isonomia, reforçando todo o explanado acima. Tal posição é verificada a seguir:

A concreção do princípio da igualdade reclama a prévia determinação de quais sejam os iguais e quais os desiguais. O direito deve distinguir pessoas e situações distintas entre si, a fim de conferir tratamentos normativos diversos a pessoas e a situações que não sejam iguais. Os atos normativos podem, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações a fim de conferir a um tratamento diverso do que atribui a outra. É necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. [49]

Assim, entende-se por igualdade formal a isonomia tangível e pautada pelos princípios da razoabilidade e pelo princípio da proporcionalidade. Desta forma, a igualdade em seu enfoque jurídico possui dinamicidade pautada segundo um juízo de valor, como qualquer aplicação de princípios jurídicos. A exegese jurídica deve ser racional, deve ser ponderada e, principalmente, inteligente [50].

3.3. A Fraternidade

Explanado brevemente sobre a liberdade e a igualdade, passa-se a estudar a fraternidade como elemento solidário. Grosso modo, a liberdade é essência do ser humano em sociedade, sociedade esta democrática de direito. Desta forma, tal elemento é intrínseco. Já pela igualdade estabelece-se uma dinâmica, ponderando-se os limites das liberdades dos indivíduos reunidos em uma nação, quer levados em consideração tais indivíduos isoladamente, quer em grupo. Como já afirmado, a igualdade estabelece a dozimetria da liberdade.

A fraternidade, por sua vez, é o último elemento solidário e leva em consideração o conceito de liberdade e de igualdade. Todavia, agrega uma qualidade suplementar: a visão e a compreensão de que cada indivíduo não vive isoladamente e deve pensar no próximo para que a harmonia geral da sociedade seja garantida. Uma vez garantida esta harmonia, estará garantida a proteção da liberdade de cada indivíduo isoladamente. Assim, a fraternidade é o elemento solidário de maior dinamismo e importância [51].

O ser humano nasce livre, esta liberdade é garantida pela norma e limitada pela igualdade. Mas, para que esta verdade seja real, todos e cada um dos membros da sociedade devem lutar para que o seu semelhante seja livre, pois só assim o ciclo social será estável. Se todos agirem desta maneira, o mencionado ciclo se completa pela estabilidade e, com a liberdade de cada um garantida de forma coesa e duradoura, a conseqüência lógica será que o grupo solidário tornar-se-á de fato uma nação. Assim, tal grupo poderá fazer frente às situações que em desunião seria causa de desestabilidade e que geraria um déficit gerador de responsabilidade social.

O primeiro a defender este método foi Jesus de Nazaré ao defender que deverá ser amado ao próximo como a si próprio. Com esta máxima, instaurou-se o princípio da fraternidade como elemento solidário e esta solidariedade como pressuposto social. Durante os séculos, a máxima acima foi se tornando mais do que uma garantia ao reino dos céus, para sedimentar, a partir do século XVIII, o conceito de solidariedade como bandeira dos ideais iluministas e da Revolução Francesa, inclusive no Brasil, com a Inconfidência Mineira.

Quando não se garante a liberdade alheia, em algum ponto do ciclo social, a própria liberdade não estará garantida. A sociedade, sob o enfoque da fraternidade, é caracterizada como sendo uma corrente onde os seus elos são os indivíduos que a compõe e suas extremidades são unidas encerrando um ciclo. Ao reduzir o espaço de algum dos elos, acarretará tensões em toda a corrente.

É fácil verificar tal situação no atual ambiente social. A mesma pessoa que não teve a garantia de acesso ao ensino de qualidade poderá ser o marginal que provocará a violência no futuro. O pai de família que chega em casa de mãos vazias, devido à ausência de emprego digno, enquanto seu filho chora de fome, poderá ser o homicida que no futuro destruirá outras famílias por meio do assassinato. Resumindo, a sociedade desestruturada por ação ou omissão dos seus próprios membros em virtude da ausência de fraternidade, poderá atingir a todos indistintamente no decorrer do ciclo social.

Neste ponto, feitas as considerações acima, passar-se-á a tratar do tema específico da liberdade de expressão no Estado Democrático de Direito.

4. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

Como já afirmado, a liberdade como elemento solidário pode variar segundo o sistema político adotado pelo país em exame. Seria enfadonho e disperso ao tema tratar as características da liberdade nas mais diversas modalidades de sistemas políticos, assim tratou-se as suas características segundo a sistemática do Estado Democrático de Direito, tema do presente trabalho.

Para a compreensão do Estado Democrático de Direito é necessária a compreensão de dois conceitos: o de Estado de Direito e o de Estado Democrático. Entende-se por Estado de Direito como aquele que se submete a três características fundamentais: a submissão de todos ao império da lei; a separação dos poderes; e ao enunciado e garantia dos direitos individuais [52].

O Estado Democrático, por sua vez, é aquele ao qual se apresenta uma característica basilar, qual seja: a soberania popular com os seus reflexos [53]. Mas para a configuração do Estado Democrático de Direito, não basta meramente a união dos conceitos acima, valendo a transcrição da doutrina de José Afonso da Silva:

A configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. E aí se entremostra a extrema importância do art. 1º da Constituição de 1988, quando se afirma que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando. [54]

Assim, onde existe um Estado Democrático de Direito, a previsão e garantia das liberdades deverão estar presentes, segundo suas próprias características fundamentais. O Estado Brasileiro é qualificado como tal e o estudo da liberdade de expressão segundo suas premissas é o que se reservou para o deslinde do tema proposto, como a seguir se expõe.

4.1 A Liberdade de Expressão no Direito Brasileiro.

No Brasil, a disciplina correspondente à liberdade de expressão se apresenta com muitas faces, onde as principais são: a liberdade de opinião e a liberdade de comunicação. A doutrina de Uiadi Lammêgo Bulos sintetiza essa riqueza, ao interpretar o inciso IV, art. 5º da Constituição Federal da seguinte forma:

Este inciso consagra a liberdade de manifestação do pensamento, que configura um dos atributos da liberdade de expressão. Esta é o gênero e engloba, dentre outros aspectos, a liberdade de opinião.

Tal liberdade de manifestação do pensamento, que encontra reforço no art. 220 desta Constituição, abrange quatro situações distintas:

1ª) liberdade de interlocução entre pessoas presentes — dá-se através de diálogos, comunicações em congressos, palestras em geral, debates, conversações, discursos, reuniões, seminários etc. Frise-se desde já: a liberdade de interlocução entre pessoas mantém nítida ligação com a liberdade de reunião (art. 5º, XVI) e com a liberdade de associação (art. 5º, XVII);

2ª) liberdade de interlocução entre pessoas ausentes especificadas — delineia-se por meio de cartas pessoais, confissões sigilosas escritas, telefonemas, fax, correspondências privadas, telegramas etc., alimentando forte vínculo com o direito à privacidade (art. 5º, X);

3ª) liberdade de interlocução entre pessoas ausentes indeterminadas — expressa-se por intermédio de obras, jornais, revistas, periódicos, meios televisivos e radiofônicos, ligando-se às prescrições constitucionais relacionadas à comunicação social (arts. 220 a 224);

4ª) liberdade de ficar calado — trata-se do direito ao silêncio. Ninguém está obrigado a expressar-se desta ou daquela forma, seja qual for o motivo. O pensamento do homem é algo seu, sendo inadmissível qualquer coação para que ele externe suas emoções, seus segredos íntimos, sua crença religiosa, sua concepção de mundo, suas convicções filosóficas. A não-manifestação do pensamento, portanto, vem contida neste inciso IV, que nutre nítido liame com o direito de permanecer calado [55].

Assim, passar-se-á ao estudo da liberdade de opinião, como disposto no início deste tópico, por ser a principal acepção da liberdade de expressão, merecendo um estudo específico, mesmo que breve.

4.1.1) A Liberdade de Opinião e a Vedação ao Anonimato.

A liberdade de opinião é a mais fundamental liberdade do ser humano, vez que se trata da própria liberdade de pensamento. Pinto Ferreira ensina sobre a liberdade de opinião no sentido de que:

(...) o Estado democrático defende o conteúdo essencial da manifestação da liberdade, que é assegurado tanto sob o aspecto positivo, ou seja, proteção da exteriorização da opinião, como sob aspecto negativo, referente à proibição da censura [56].

O ser humano somente existe porque pensa e só pensa para poder exteriorizar seu pensamento. Um homem que não pode pensar é inumano e se, mesmo que pensa, não pode exteriorizar seu pensamento, este não é livre. Sem, portanto, a garantia ao cidadão à sua liberdade de pensamento equivale, sob o enfoque da ética, a condená-lo à condição de inumanidade.

Sobre o direito de livre opinião, José Afonso da Silva sintetiza a amplitude do instituto, englobando o pensamento íntimo, bem como a liberdade de convicção, inserindo a liberdade de crença religiosa, filosófica, científica ou política, nos seguintes termos:

De certo modo esta se resume a própria liberdade de pensamento em suas várias formas de expressão. Por isso é que a doutrina a chama de liberdade primária e ponto de partida das outras. Trata-se da liberdade de o indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha: quer um pensamento íntimo, quer seja a tomada de posição pública, liberdade de pensar e dizer o que se crê verdadeiro.

A Constituição a reconhece nessas duas dimensões. Como pensamento íntimo, prevê a liberdade de consciência e de crença, que declara inviolável (art. 5º, VI), como a crença religiosa e de convicção filosófica ou política (art. 5º, VIII). Isso significa que todos têm o direito de aderir a qualquer crença religiosa como o de recusar qualquer delas, adotando o ateísmo, e inclusive o direito de criar a sua própria religião, bem assim o de seguir qualquer corrente filosófica, científica ou política ou de não seguir nenhuma, encampando o ceticismo [57].

Seguindo a mesma linha principiológica da liberdade de expressão, como faces da mesma moeda, a vedação ao anonimato alcançou contornos constitucionais. Trata-se da aplicação do princípio da bilateralidade atributiva do direito à liberdade de opinião, no sentido de que a todo o direito de opinião cabe a obrigação de identificar-se frente à livre manifestação. A doutrina de Uadi Lammêgo Bulos é oportuna, no sentido de que a advertência do legislador constituinte aos que se socorre da liberdade de expressão "deve assumir a identidade das posições emitidas, haja vista a hipótese de responder por eventuais danos causados a terceiros" [58].

A jurisprudência da Suprema Corte Federal, sob a relatoria do Ministro Celso Mello, traz o delineamento jurídico e histórico do instituto da vedação ao anonimato no sistema constitucional brasileiro, valendo transcrição:

O veto constitucional ao anonimato, como se sabe, busca impedir a consumação de abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento, pois, ao exigir-se a identificação de quem se vale dessa extraordinária prerrogativa político-jurídica, essencial à própria configuração do Estado democrático de direito, visa-se, em última análise, a possibilitar que eventuais excessos, derivados da prática do direito à livre expressão, sejam tornados passíveis de responsabilização, a posteriori, tanto na esfera civil, quanto no âmbito penal. Essa cláusula de vedação — surgiu, no sistema de direito constitucional positivo brasileiro, com a primeira Constituição republicana, promulgada em 1891 (art. 72, n. 12), que objetivava, ao não permitir o anonimato, inibir os abusos cometidos no exercício concreto da liberdade de manifestação do pensamento, viabilizando, desse modo, a adoção de medidas de responsabilização daqueles que, no contexto da publicação de livros, jornais ou panfletos, viessem a ofender o patrimônio moral das pessoas agravadas pelos excessos praticados [59].

Após este breve estudo sobre a liberdade de opinião, passar-se-á ao estudo da liberdade de comunicação.

4.1.2. A Liberdade de Comunicação e o Direito de Resposta.

A liberdade de comunicação, espécie do gênero liberdade de expressão, é a "liberdade de interlocução entre pessoas ausentes indeterminadas", segundo a classificação proposta por Uadi Lammêgo Bulos [60]. Tal liberdade foi tratada pela Constituição, em seus arts. 220 a 224, sob a rubrica "Da Comunicação Social". Trata-se da liberdade para formação de opinião, onde os meios de comunicação, quer na imprensa escrita, radiofônica ou audiovisual, encontram sua guarida.

José Afonso da Silva, ao dissertar sobre os princípios da liberdade de comunicação, disseca o seu delineamento, sendo necessária a sua transcrição:

As formas de comunicação regem-se pelos seguintes princípios básicos: (a) observado o disposto na Constituição, não sofrerão qualquer restrição qualquer que seja o processo ou veículo porque se exprimam; (b) nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística; (c) é vedada toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística; (d) a publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade; (e) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens dependem de autorização, concessão ou permissão do Poder Executivo federal, sob controle sucessivo do Congresso Nacional, a que cabe apreciar o ato, no prazo do art. 64, §§ 2º e 4º (45 dias, que não correm durante o recesso parlamentar); (f) os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio [61].

Ultimamente, foi verificada a inconstitucionalidade da lei de imprensa (Lei nº 5250, de 09 de fevereiro de 1967), como limitadora ao pleno exercício da liberdade de comunicação. Em sede de Argüição de Preceito Fundamental, a Suprema Corte julgou inconstitucional a mencionada lei, tendo em vista a sua não-recepção pela Constituição de 1988. Tal acórdão, sob a relatoria do Ministro Carlos Brito, é destacado no excerto abaixo:

A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloqüente atestado de evolução político-cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. O § 5º do art. 220 apresenta-se como norma constitucional de concretização de um pluralismo finalmente compreendido como fundamento das sociedades autenticamente democráticas; isto é, o pluralismo como a virtude democrática da respeitosa convivência dos contrários. A imprensa livre é, ela mesma, plural, devido a que são constitucionalmente proibidas a oligopolização e a monopolização do setor (§ 5º do art. 220 da CF). A proibição do monopólio e do oligopólio como novo e autônomo fator de contenção de abusos do chamado "poder social da imprensa". [62]

Mais um avanço para a democracia solidária ocorreu com a decisão acima, onde o Supremo Tribunal Federal assumiu a condução da liberdade de imprensa de acordo com o desenvolvimento histórico moderno, onde os resquícios do regime ditatorial sobre a livre comunicação social foram, enfim, sepultados. E não poderia ser o contrário, o profissional de imprensa não é um profissional à margem da lei aplicável ao cidadão comum e a Constituição fixa dispositivos auto-aplicáveis ao setor, suficientes para dirimir os problemas do exercício da comunicação social. A partir desses princípios constitucionais é que devem ser delineadas as normas infraconstitucionais aplicáveis ao setor, bem como a aplicação do seu código de ética, segundo as novas condições inerentes à recente posição da Suprema Corte.

No entanto, o acórdão acima não foi uma carta branca ao abuso da atividade jornalística, pois a mesma Constituição, expressamente, previu o direito de resposta, além da indenização por dano material, moral e a imagem, estes últimos segundo o direito comum. Reservou-se comentários somente ao direito de resposta, vez que o tema indenização fugiria ao tema, tornando este trabalho enfadonho.

Assim, ao disciplinar o direito de resposta, a Constituição resguardou resguardar a sociedade contra o abuso da liberdade de comunicação. Sobre o tema, Uadi Lammêgo Bulos, leciona:

Pela Constituição de 1988 ficou garantido o direito de resposta, permitindo a defesa de quem se ache ofendido por notícia capciosa, inverídica, incorreta, atentadora da dignidade humana, através da imputação de fatos prejudiciais, não cometidos pelo ofendido, seja pela imprensa televisonada, escrita ou falada, seja por um assembléia, entidade, associação ou grupo de pessoas etc. O que justifica o direito de resposta é o respeito aos valores éticos e sociais do homem e da família, que constituem exigências deontológicos norteadores da atividade dos meios de comunicação e de todos quantos dela participem, sejam ou não profissionais do ramo [63].

Como bem destacado pela doutrina, o direito de resposta não é vinculado somente aos profissionais jornalistas, mas a toda e qualquer pessoa que pratiquem ato sujeito a direito de resposta. Oportuno também a menção ao conteúdo ético, vez que toda e qualquer atitude com tal amplitude deve ser pautado por valores e estes valores deverão ser condizentes com garantia oferecida à liberdade de expressão.

A Constituição, no entanto, estabelece limites ao exercício do direito de resposta, vez que vincula tal direito à proporcionalidade da resposta com o agravo a que se fará referência o pedido de réplica. Sobre o assunto, Alexandre de Moraes ensina:

A Constituição Federal estabelece como requisito para o exercício do direito de resposta ou réplica a proporcionalidade, ou seja, o desagravo deverá ter o mesmo destaque, a mesma duração (no caso de rádio e televisão), o mesmo tamanho (no caso de imprensa escrita) que a notícia que gerou a relação conflituosa. A responsabilidade pela divulgação do direito de resposta é da direção do órgão de comunicação, e não daquele que proferiu as ofensas [64].

Como mencionado pelo autor destacado, a responsabilidade pela veiculação do direito de resposta será da direção do órgão de comunicação e não daquele que proferiu a matéria questionada. No entanto, o custo de reprodução do direito de resposta, mesmo que o responsável pela reportagem ou escrito atacado fizer parte do corpo de profissionais do órgão de comunicação, poderão ser ressarcidos mediante responsabilidade de regresso [65]. Tal responsabilização ocorrerá de acordo com o direito comum, a par da possibilidade jurídica de transferência dos ônus sofridos e, também, segundo a apuração da responsabilidade imputável a cada qual dos envolvidos. Esta situação encontra amparo na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, em analogia ao direito de indenização, onde a Súmula nº 221 [66], ao responsabilizar tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo, abre a possibilidade do ressarcimento por direito de regresso.

Uma vez discorrido sobre a disciplina jurídica da liberdade de expressão segundo o Direito Brasileiro, passa-se a discorrer sobre a porção deontológica aplicável à liberdade de expressão, aliado ao fundamento da solidariedade.

4.2. A Liberdade de Expressão e seu Conteúdo Ético-Solidário.

Durante o decorrer deste trabalho, houve a preocupação em abordar o tema social aliado à ética, buscando elementos para fundamentar a seguintes diretrizes: 1) o correto entendimento sobre valores éticos e sua aplicação na hermenêutica social, pois quando se trata de liberdades que externam o âmbito do próprio indivíduo, necessário o entendimento da função social que deverá ser aplicado ao seu estudo; 2) as influências e elementos que explicam e moldam a concepção de solidariedade como decorrência dos valores éticos e sociais. Nesta última diretriz houve o estudo da liberdade, da igualdade e da fraternidade tendo em vista a proposta de abordagem sugerida para a solidariedade. Este enfoque baseou-se nestes três elementos por uma justa razão: o estudo da liberdade, qualquer seja a sua modalidade, perde sentido se dissociado da igualdade e da fraternidade, em face da necessária e constante dialética que deverá existir entre esses elementos solidários. Vale dizer, a liberdade enquanto essência não é explicada por si só, mas como um vetor que sofre influência direta da igualdade e da fraternidade.

Quando se fala em liberdade dentro de um grupo social, necessário um entendimento diverso daquele que seria aplicável ao indivíduo se tomado fora daquele grupo social. Este grupo foi fundamentado dentro de um pacto social segundo os parâmetros defendidos por Rousseau [67]. No entanto, a Sociedade evoluiu e exige que o conceito de liberdade seja reajustado para promover a pacificação, sob pena de ruir o sistema social frente a "lei do mais forte".

A noção de liberdade deve estar contida em um novo prisma que contém os conceitos de igualdade e fraternidade, para que, em termos ideais, estes três institutos se tornem um só, ou seja, a Solidariedade. Não basta ser livre, pois esta liberdade deve ser moderada pela igualdade e justificada pela fraternidade para que se alcance a Solidariedade [68].

Ser realmente livre é ser reconhecida tal liberdade pelo sistema de direito e que esta liberdade seja isonômica a todos os demais integrantes da Sociedade. Contudo, para a concretude do conceito de liberdade, o indivíduo, enquanto membro de uma entidade coletiva, deverá defender a liberdade de todos para que, dentro do ciclo social, sua própria liberdade exista. Isto é verdade, pois se todos os indivíduos negarem a liberdade alheia, a liberdade de todos, por uma conseqüência lógica, será negada quando do fechamento daquele ciclo social. [69]

A liberdade de expressão, dentro desse contexto, possui papel crucial, uma vez que será por meio dela que a liberdade de todos será defendida, sendo, portanto, uma liberdade para tornar efetivas as liberdades em geral. Todo o desenvolvimento social, direta ou indiretamente, encontrou sua gênese nas idéias e sua aplicação na divulgação desse pensamento. A liberdade de expressão, dessa forma, é o meio pelo qual o resultado desenvolvimento encontrou efetivação. No entanto, como toda a liberdade sofre limitações, estas poderão ocorrer e tais situações deverão ser pontuadas pela Suprema Corte, Corte esta que já se manifestou sobre o tema, aplicando limitadoras à liberdade de expressão por razões de semelhante impacto constitucional, como a dignidade da pessoa humana [70].

Seguindo o mesmo raciocínio, a liberdade de expressão foi, de um lado, a fomentadora da divulgação das idéias e do desenvolvimento, e de outro, o fiscal contra o retrocesso e a favor da atualização de posições que, mesmo oportunos no passado, necessitam de mudança. Assim, a liberdade de expressão não é somente berço do desenvolvimento, mas também é responsável pela sua manutenção, quando exercida dentro de termos razoáveis e proporcionais aos demais direitos e garantias constitucionais.

Assim, passar-se-á a discorrer sobre a conclusão do tema, com base no apurado e defendido no bojo deste trabalho.

5. CONCLUSÃO

De toda a exposição feita, conclui-se que é necessário compatibilizar os direitos e harmonizar o seu exercício em prol da coletividade, ou seja, segundo a função social que deve imperar entre iguais. A liberdade de expressão no Estado Democrático de Direito é a pedra fundamental do desenvolvimento social sustentável, onde se mantém o que possui relevo e se atualiza o que não é mais aceitável.

No entanto, também deve ser enfatizado que a todo direito corresponde uma obrigação, ambas segundo limites razoáveis e proporcionais. Não se advoga a moderação frente ao inaceitável, mas sim a permanente busca da paz social. Se existem injustiças, essas devem ser corrigidas. Se existe corrupção, essa deve ser combatida. Enfim, se existe espaço para o melhor, não se deve contentar com o pior.

A liberdade de expressão, enquanto elemento de contribuição para o satisfatório convívio social, é sempre uma bandeira que deve ser defendida com vigor. O que deve ser combatido é a manipulação da opinião pública para que famílias sejam levadas ao desajuste, onde crianças sejam levadas ao que se conhece como geração perdida.

Isto não significa que a liberdade de expressão seja relegada a grilhões de censura prévia, mas meramente que o bom senso reine quer no âmbito jurídico, no moral, no ético e também no social. Da mesma forma que a expressão é livre, a opção por consumir esta ou aquela forma de comunicação também deverá sê-lo e este consumidor deverá ser defendido contra eventuais abusos. Neste papel, existem organismos capazes como a sociedade civil organizada, o Ministério Público e principalmente o Poder Judiciário, detentor do papel estatal de fazer cumprir a regra de direito.

A igualdade deve ser o fator de limitação de qualquer liberdade. Todos devem saber que a liberdade do indivíduo cessa quando atravessado o limite da liberdade de seu próximo ou da coletividade enquanto entidade socialmente reconhecida. Nesta seara deve ser limitada a liberdade de expressão enquanto entidade legítima.

A fraternidade, por sua vez, deve ser também levada em consideração para a harmônica convivência em sociedade, pois o que é bom para si, também deverá sê-lo para o seu semelhante, resguardadas as peculiaridades que autorizam discriminações legítimas. A lei da maior vantagem e também a lei do mais forte não devem pautar as negociações para a aplicação dos sistemas afetos à liberdade de expressão, mas sim a proteção das minorias, das famílias, da dignidade da pessoa humana, enfim, da situação ideal de liberdade com responsabilidade. Esta também deve ser uma bandeira que merece ser defendida.

Não se deve vedar o exercício de uma liberdade prevendo possíveis agressões. Um sistema deve funcionar livremente apesar da possibilidade de falhas, pois tais falhas serão corrigidas se e se somente se ocorrerem, com a devida punição dos responsáveis. Assim é que se vive em uma sociedade democrática de direito.

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Notas

  1. A realidade social do Direito, na qual vivemos em razão da qual elaboramos nossas cogitações, formulamos juízos e teorias, deve ser estudada segundo esses dois prismas correlatos: em suas estruturas ônticas, e em consonância com as categorias racionais que tornam possível a sua compreensão. Neste campo de indagações, é possível, com efeito, assumir duas posições distintas, embora correlatas: — ou nos colocamos do ponto de vista do sujeito, ou do ponto de vista do objeto, a parte objecti ou parte subjecti, visando, sempre, porém, à unidade de composição e de processo que aqueles pontos de vista implicam. Se nos pomos sob o ângulo visual do objeto, vemos o Direito como uma realidade ontológica, ou melhor, ôntica, cuja consistência nos cabe indagar. Trata-se, em suma, de responder, em um crescendo, a esta série de perguntas: —Em que consiste o Direito? Qual a estrutura da realidade jurídica e sua situação no mundo da cultura? Quais os seis elementos componentes? Que é que marca a unidade dessa realidade, que temos em conta de jurídica? Que é que, em suma, nessa realidade a torna ‘compreensível’ como jurídica? Já ponderamos que a realidade é muito mais complexa do que parece a primeira vista, sendo dispensável repisar os dados do que denominamos Teoria dos Objetos. Só nos cabe, agora, determinar a que espécie de objeto se refere a Ciência do Direito. (REALE, 1998, p. 301/302)
  2. Merece destaque a lição de Carnelutti, ao dissertar sobre a boa-fé, merecendo transcrição: "Recomendada pelo direito, a boa-fé é também por ele premiada, no sentido de que dentro de certos limites pode suprir as deficiências de forma do ato. Quem mostrar querer conformar-se com os seus preceitos pode ser tratado, dentro de certos limites, como se de fato com eles se houvesse conformado mesmo que fisicamente assim não tenha acontecido. A boa vontade sob este aspecto faz milagres no campo do direito; e assim se compreende que seja esta uma das zonas em que o direito mais se aproxima da moral; se a poena merae cogitationis está excluída do direito, o mesmo não acontece com o praemium. Eis como ao leitor refletido, designadamente se antolhará, aqui, o tratamento do possuidor igual ao do adquirente, no ponto de vista da fides. A mesma forma produz efeitos diversos pelo simples fato de o agente estar ou não de boa-fé. A paz aos homens de boa vontade aparece assim também no campo do direito. Não exagerava quando poucas linhas atrás falei dos milagres jurídicos da vontade; e o exemplo que mais maravilha nos causa é, sem dúvida, o expresso no aforismo no aforismo possession vaut titre, o qual, em estritas contas, significa que, por esse milagre, o não-direito se torna direito de um para outro momento. Tudo isso é de todos sabido, mas no que se não pensa é que isso é como que a face de uma medalha em cujo cunho estão escritos os nomes de culpa e dolo". (CARNELUTTI, 1999. P. 432/433).
  3. Na Ontognoseologia, porém, ora o problema é posto do ponto de vista do sujeito, ora do ponto de vista do objeto, sendo estas duas considerações complementares, não podendo ser separadas. Só podem ser distintas como aspectos ou momentos de um único processo. Poder-se-ia dizer — e o "símile" tem as mesmas raízes — que entre aqueles dois termos ocorre o mesmo que foi assinalado por Hans Freyer entre eles "relações de vida" e "conexões de sentido", ou em outras palavras, entre "vida" e "sentido" como dimensões da realidade espiritual: — "Sua diferença só pode ser pensada dialeticamente, isto é, de maneira tal que em ambos os momentos se encontre contida a unidade do todo e, sem embargo, se mantenha entre eles a clara contraposição". E ambos os casos, mais do que contraposição, o que é uma "implicação" segundo um processo dialético de polaridade que, consoante explicação anterior, é essencial à compreensão de todo o "mundo da cultura". (REALE, 1998, p. 301)
  4. O Direito é uma realidade, digamos assim, trivalente ou, por outras palavras, tridimensional. Ele tem três sabores que não podem ser separados um dos outros. O Direito é sempre fato, valor e norma, para quem quer que o estude, havendo apenas variação de ângulo ou prisma de pesquisa. A diferença é, pois, de ordem metodológica, segundo o alvo que se tenha em vista atingir. É o que com acume Aristóteles chamava de ‘diferença específica’, de tal modo que o discurso do jurista vai do fato ao valor e culmina na norma; o discurso do sociólogo vai da norma para o valor e culmina no fato; e, finalmente, nós podemos ir do fato a norma, culminando no valor, que é sempre uma modalidade do valor do justo, objeto próprio da Filosofia do Direito. (REALE, 2000, p. 121)
  5. Tanto os valores jurídicos quanto os tutelados pelo Direito possuem um núcleo imutável e uma parte suscetível de variação e que evolui historicamente. Como o Direito é uma ordem racional que se refere ao ser humano em sociedade e não possui conteúdo puramente convencional, já que expressa fundamentalmente a natureza de seus destinatários, há de apresentar um acervo de princípios, regras básicas e valores permanentes. Paralela e secundariamente esse substrato jurídico se desdobra em elementos mais específicos que vão reger diretamente a realidade social. As alterações que se processam no meio social em decorrência dos avanços científicos e tecnológicos impõe uma revisão nos valores sociais. A própria Moral positiva não se acha infensa a transformações. Conforme Evandro Agazzi adverte, a reflexão moral deve acompanhar o surto de progresso, sob pena de ser tomada a sério. No âmbito da Moral, o desenvolvimento implica, de um lado, na consideração e a análise dois novos fatos e, de outro, na adoção de outros valores que se sintonizem com a realidade. O senso moral não pode ficar alheio diante do fenômeno de transplante de órgãos animais, de métodos anticoncepcionais, da inseminação artificial. (NADER, 1992. p. 54).
  6. A questão do fundamento, da vigência e da eficácia do Direito põe-se no âmago de todas as formas de pesquisa da juridicidade, apresentando aspectos filosóficos e técnico-científicos, o que se compreende quando se lembra que aqueles termos, em última análise, correspondem, respectivamente, a estas perguntas: a) Que é que torna eticamente legítima a obrigatoriedade do Direito? b) Que é que condiciona logicamente a validade das regras jurídicas? C) Que é que torna uma norma jurídica socialmente existente? Dos três problemas cuida a Filosofia do Direito, sem perda da compreensão unitária da experiência jurídica, como já tivemos ocasião de em mais de uma passagem deste livro, mas não são eles menos essenciais às ciências particulares, de maneira que estamos diante de um tema que é ponto essencial de conexão entre a especulação filosófica e a investigação positiva". (REALE, 1998. P. 586). O autor ainda continua: "Acontece, porém, com esta ordem de estudos, algo mais delicado. Se o problema filosófico do fundamento do Direito pode ser desenvolvido com abstração das cogitações sobre os fundamentos particulares e empíricos apreciados in concreto pela Política do Direito — à qual cabe resolver sobre a norma adequada ou conveniente, conforme variáveis exigências espácio-temporais —, já será mais difícil extremar uma pesquisa de Epistemiologia Jurídica ou de Cultura Jurídica daquelas que, por serem meras generalizações conceituais no plano empírico, cabem mais à Teoria Geral do Direito e à Sociologia. (NADER, 1992. p. 588)
  7. Pelo fato de o homem não bastar a si próprio, investiga a natureza na busca de objetos que supram as suas carências. Por não se contentar com a satisfação de suas necessidades primárias, concebe inventos e constrói o mundo cultural. Procura adaptar o mundo exterior à sua vida, ao mesmo tempo em que cuida de sua própria adaptação à realidade objetiva. Nessa pesquisa de recursos, o homem classifica os objetos em positiva e negativamente valiosos, tanto que favoreçam ou contrariem os fins a que visa alcançar. (NADER, 1992. P. 48)
  8. Em relação ao objeto, o homem pode emitir juízo de realidade e juízo de valor. Pelo primeiro, o sujeito cognoscente procura conhecer o objeto, inteirando-se de sua peculiaridades e características. Ao pesquisador não importa, nesse processo, as reações que o objeto lhe proporciona, nem estão em jogo as suas em jogo as suas preferências. Há de constatar a realidade tal como ela se lhe apresenta. Conhecido o objeto, é natural que o homem proceda ao juízo de valor, momento em que considera tanto as propriedades ou qualidades que são oferecidas por aquele, quanto as suas próprias necessidades. No universo das coisas, segundo García Morente, nada há que seja indiferente ao homem, pois todas possuem valor, positivo ou negativo. Pensamos que a assertiva é verdadeira desde que consideremos os interesses do gênero humano, não o indivíduo concreto. Este, diante de um objeto, pode apresentar três reações distintas: sentimento de aprovação, de rejeição, de indiferença. Um aparelho ortopédico, consultado o interesse do gênero humano, é objeto que encerra valor positivo. Em face, porém, de um indivíduo em particular, que dele não necessita, é algo diferente. Não obstante nos seja familiar a noção de valor, complexa e difícil é sua teorização, a começar pelo problema de sua definição, que não é possível pelo método lógico, segundo o qual defitio fit per genus proximun et diferentiam specificam. Isto porque a idéia de valor é considerada conceito-limite, carecendo de outros conceitos em que se possa fundar. Tanto quanto se diz que ‘ser é o que é’ pode-se afirmar que ‘valor é o que vale’, consoante Lotze e Miguel Reale. O conceito de ser e valor são irredutíveis. (NADER, 1992. p 48/49)
  9. A hermenêutica jurídica é uma forma de passar dogmaticamente o direito que permite um controle das conseqüências possíveis de sua incidência sobre a realidade antes que elas ocorram. O sentido das normas vem, assim, desde o seu aparecimento, ‘domesticado’. Mesmo quando, no caso de lacunas, integramos o ordenamento (por eqüidade, por analogia etc.) dando a impressão de que o intérprete está se guiando pelas exigências do próprio real concreto, o que se faz, na verdade, é guiar-se pelas próprias avaliações do sistema interpretado. Esta astúcia da razão dogmática põe-se, assim, a serviço do enfraquecimento das tensões sociais, na medida em que neutraliza a pressão exercida pelos problemas de distribuição de poder, de recursos e de benefícios escassos. E o faz, ao torná-los conflitos abstratos, isto é, definidos em termos jurídicos e em termos juridicamente interpretáveis e decidíveis. Quem desvia o dinheiro depositado pelo cliente no banco vê, de repente, que muitas das justificações subjetivas para o seu ato não lhe oferece acima de suas posses não tem, para o conflito neutralizado pela hermenêutica, o sentido objetivo que o direito reclama (embora, em pequena escala, lhe parece objetivo: no seu círculo de relações seria compreensível ainda que não justificável). Deste modo a hermenêutica possibilita dimensão harmoniosa — o mundo do legislador racional — na qual, em tese se tornam todos decidíveis. Ela não elimina, assim, as contradições, mas as torna suportáveis. Portanto, não as oculta propriamente, mas as disfarça, trazendo-as para o plano das suas conceptuações. Repete-se, pois, na hermenêutica, o que ocorre com a dogmática analítica. Enquanto esta, porém, exerce sua função ao isolar o direito num sistema, o saber interpretativo conforma o sentido do comportamento social à luz da incidência normativa. Ela cria assim condições para a decisão. Mas não diz como deve ocorrer a decisão. Para isso existe um terceiro modelo dogmático que toma a própria decisão como seu objeto privilegiado. (FERRAZ JR. 1994, P. 307/308).
  10. A bilateralidade atributiva distingue sempre o Direito, porque a relação jurídica não toca apenas a um sujeito isoladamente, nem ao outro, mesmo quando se trate do Estado, mas sim ao nexo de polaridade e de implicação dos dois sujeitos. Existe conduta jurídica, porque existe medida de comportamento que não se reduz nem se resolve na posição de um sujeito ou na de outro, mas implica concomitantemente e complementarmente a ambos. Diríamos então que, assim como na Teoria do Conhecimento sujeito e objeto se exigem reciprocamente, também na Teoria do Direito dois ou mais sujeitos se exigem, constituindo, através dessa exigência, a experiência jurídica propriamente dita. Como já descrevemos alhures, o Direito é, em última análise, o Espírito como intersubjetividade objetiva. Se dizemos que uma conduta jurídica não se caracteriza, nem se qualifica somente pela perspectiva ou pelo ângulo deste ou daquele outro sujeito, mas pela implicação de ambos, compreende-se a possibilidade daquilo que chamamos de exigibilidade. Tratando-se de uma condita que pertence a duas ou mais pessoas, quando uma falha (voluntariamente ou não), à outra é facultado exigir. Da atributividade é um elemento resultante da bilateralidade, um seu corolário imediato. Em suma, o Direito é coercível, porque é exigível, e é exigível porque bilateral atributivo. O conceito de bilateralidade atributiva põe em realce o duplo aspecto ou os dois momentos incindíveis do Direito, o subjetivo e o objetivo, sendo aquele a expressão necessária do comando jurídico, o qual, no dizer preciso de Miceli, ‘não pode disciplinar as atividades, acordando a cada qual uma esfera autônoma, senão impondo, ao mesmo tempo, implícita ou explicitamente, a cada um o respeito da esfera autônoma dos demais’. É lição aliás tradicional serem o Direito e o dever jurídico conceitos que se pressupõe e se completam, embora desse ensinamento fundamental não raro se olvide ao determinar-se conceitualmente o Direito. (REALE, 1998. p.691/692).
  11. O tema sobre o dever é duplo; um se relaciona com a natureza do bem e do mal; outro encerra os preceitos que devem mediar todas as nossas ações. No primeiro entram todas as análises desse gênero: se todos os deveres são absolutos, quais os mais importantes, e todas as questões similares. Os preceitos dados sobre deveres não estão sujeitos também a natureza do bem e do mal; contudo, essa relação e menos visível porque parece ligar-se às instituições sociais. Destes preceitos quero discorrer neste trabalho. Há ainda outra divisão do dever: o dever medíocre e o dever perfeito. O dever perfeito, se se quiser, podemos chamá-lo eqüidade. O dever medíocre é aquele a que se pode dar uma razão admissível. Segundo Panetius, examinam-se três fatos diversos quando se quer tomar uma decisão prática. O primeiro, se o que se apresenta é honesto ou desonesto; sobre isso o pensamento muitas vezes se confunde. Em segundo lugar, procura-se saber se a decisão aumenta as coisas agradáveis e as comodidades da vida, as riquezas, os recursos, o poder, o crédito, enfim, se há conveniências para si e para os outros; esta segunda relação se atrela à utilidade. Por último, trata-se de saber se aquilo que parece útil no aspecto, não se opõe ao honesto, quando a honestidade nos detém de um lado e o interesse de outro, nessa dúvida o espírito se encontra nos dois sentidos. Nessa divisão há duas omissões, e omissão é grande defeito numa divisão: não se examina somente se há honestidade ou desonestidade, mas de duas coisas honestas qual a mais honesta, assim como de duas coisas úteis, qual a mais útil. Aquilo que Panetius entendia dividir em três partes, comporta cinco. Assim, convém tratar do honesto, mas sob duplo ponto de vista; depois do útil, também num duplo ponto de vista; enfim, comprovar o honesto e o útil. (CÍCERO, 2001. p. 33/34).
  12. São assim qualificadas todas as doutrinas que partem da sociedade para chegar ao indivíduo, do direito objetivo para o direito subjetivo, da norma social para o direito individual. E, ainda, todas as doutrinas que consideram a validade de uma norma que se impõe ao homem enquanto ser social, derivando os seus direitos subjetivos das suas obrigações sociais. Enfim, todas as doutrinas que concebem o homem como um ser social exatamente por estar submetido a uma regra social que lhe impõe obrigações com relação aos outros homens e cujos direitos derivam das mesmas obrigações, isto é, dos poderes que possui para realizar livre e plenamente os seus deveres sociais. (DUGUIT, 2009. p. 35).
  13. Conferir CASALI, 1997. pp. 61 a 77.
  14. Segundo Paulo Nader: O Direito é um processo elaborado, não produto espontâneo da natureza, o valor é um dos seus componentes básicos (...). Ao disciplinar o convívio social em qualquer aspecto, o Direito apresenta um juízo de valor (...). A formação da ordem jurídica, que visa a conservação e postulados éticos, e o Direito criado não apenas é irradiação de princípios morais como também força aliciadora para a propagação e respeito desses princípios. (NADER, 1992. P. 53. n. 22).
  15. Conferir FACHIN, 1999. pp. 14 a 40.
  16. Em cada norma jurídica vislumbramos dupla incidência valorativa: o valor humano e jurídico. A norma refere-se a algo que o homem estima e o faz consagrando valores jurídicos, como justiça e segurança. (NADER, 1992. P. 53).
  17. O vínculo jurídico é o elemento substancial da obrigação. Em torno dele travam-se várias discussões, na doutrina, principalmente a sua substituição, em algumas definições, pelo de relação jurídica. Fundamentalmente, porém, esse vínculo concebido até certa época, como não só de relação, mas também de sujeição, dando-lhe um cunho unitário, foi posto abaixo pela chamada teoria dualista das obrigações. A partir, principalmente, de Brinz, veio-se demonstrando que o vínculo obrigacional se reúnem dois fatores: o débito (Schuld) e a responsabilidade ou garantia (Haftung). Normalmente, ambos os fatores estão conjugados, como por exemplo no cumprimento espontâneo da obrigação. Sobre tal aspecto o sujeito passivo deve; não cumprindo, surge a responsabilidade, que habilita o credor a exigir o cumprimento da prestação, inclusive por constrição judicial. Também, aponta-se casos, em que a dívida pode existir sem responsabilidade, e outros em que há responsabilidade sem dívida. Neste último caso, por exemplo, está a fiança, em que o débito (Schuld) é do afiançado e a responsabilidade e a responsabilidade (Haftung) é do fiador; no primeiro caso, estariam as dívidas de jogo, o contrato diferencial, os débitos prescritos etc. (BUGARELLI, 1981. p. 26).
  18. A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito Positivo — do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial. É teoria geral do Direito, não interpretação de particulares normas jurídicas, nacionais ou internacionais. Contudo, fornece uma teoria da interpretação. (KELSEN, 1998. p. 01. nº 01).
  19. Betioli, citando Hermann Post sintetiza com clareza a ciência jurídica ensinando: "É o Direito um conjunto sistematizado de princípios, que constituem a chamada ‘Ciência do Direito’. Esta definição enfoca o Direito como setor do conhecimento humano que investiga e sistematiza os fenômenos jurídicos. Hermann Post assim definiu a realidade jurídica: ‘Direito é a exposição sistematizada de todos os fenômenos da vida jurídica e a determinação de suas causas’". (BETIOLI, 1995. p. 84. n. 33.1).
  20. Kelsen continua: "De um modo inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se confundido com a psicologia, com a ética e a teoria política. Esta confusão podem porventura explicar-se pelo fato de estas ciência se referirem a objetos que indubitavelmente têm estreita conexão com o Direito". (KELSEN, 1998, P. 01)
  21. KELSEN, 1998, p. 246.
  22. KELSEN, 1998, p. 215.
  23. KELSEN, 1998, p. 261.
  24. KELSEN, 1998, p. 284.
  25. Miguel Reale em Prefácio à 1ª. Edição da obra Teoria Tridimensional do Direito afirma: Nenhuma teoria jurídica é válida se não apresenta pelo menos dois requisitos essenciais, entre si intimamente relacionados: o primeiro consiste em atender à exigência da sociedade atual, fornecendo-lhe categorias lógicas adequadas à concreta solução de seus problemas; o segundo refere-se à sua inserção no desenvolvimento geral das idéias, ainda que os conceitos formulados possam constitui profunda inovação em confronto com as convicções dominantes (REALE, 2000, p. 05).
  26. REALE, 2000, p. 121.
  27. Conforme as linhas Paulo Nader sobre o jusnaturalismo, ou seja, Direito Natural, em relação à Moral, fixa alguns pontos da seguinte forma: "O Direito Natural é referência para o legislador e para consciências individuais. (...) O sentimento de respeito aos ditames jusnaturalistas e morais é imanente à pessoa humana e se revela a partir dos primeiros anos de existência. Embora afins, as duas ordens não se confundem. Mais abrangente, a Moral visa a realização do bem, enquanto o Direito Natural se coloca em função de um segmento daquele valor: o resguardo das condições fundamentais da convivência. O homem isolado mantém-se portador de deveres morais sem sujeitar-se aos emanados do Direito Natural, pois estes pressupõem vida coletiva. (NADER, 1992, p 156).
  28. É inegável que o homem não segue apenas o que deseja ou quer; ao contrário, subordina sua conduta, em muitas e muitas ocasiões, a algo que contraria suas tendências naturais ou espontâneas. O valor de um ato resulta, bastas vezes, da não-satisfação de um desejo, do superamento daquilo que seria inclinação imediata de nosso ser. Certos valores brilham como uma luz dominadora em dadas conjunturas, levando indivíduos e povos a vencer algo que, no fundo, seria a sua tendência "natural". O homem eleva-se ao mundo do valioso graças a seu autodomínio, à sua capacidade única de superar, não só as inclinações naturais dos instintos, como estímulos rudimentares da vida afetiva. Sob esse prisma, o mundo do valioso é o do superamento ético. (REALE, 1998, p. 200).
  29. NUNES, 1999, p. 242.
  30. Sobre a supremacia constitucional, Silva ensina: "Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos. Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal". (SILVA, 2004, p. 46)
  31. CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 1995, p. 100.
  32. Idem. A doutrina de Cintra, Grinover e Dinamarco, quando trata da função interpretativa, em relação com a função integradora, compondo um perfeito paralelo para a aplicação perante a técnica jurídica, ensina: No desempenho de sua função interpretativa, o intérprete freqüentemente desliza de maneira quase imperceptível para a atividade própria da integração comunicam-se funcionalmente e se completam mutuamente para os fins de revelação do direito. Ambas têm caráter criador, no campo jurídico, pondo em contato direto as regras de direito e a vida social e assim extraindo das fontes a norma com que regem os casos submetidos a exame. (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 1995, p. 101)
  33. O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele, como, por exemplo, os princípios da função social da propriedade, da defesa do consumidor ou do meio ambiente (art. 170, III, V e VI), ou tantos outros. Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social. Para o Direito Administrativo interessam apenas os aspectos de sua expressão na esfera administrativa. Para não deixar sem referência constitucional algumas aplicações concretas especificamente dispostas na Lei Maior e pertinentes ao Direito Administrativo, basta referir os institutos da desapropriação e da requisição (art. 5º , XXIV e XXV), nos quais é evidente a supremacia do interesse público sobre o interesse privado. (MELLO, 2004, p. 87).
  34. Kelsen explica esta situação como a função criadora de Direito, conforme o transcrito a seguir: Como assinalamos, a criação de uma norma jurídica tende a ser determinada em duas direções deferentes. A norma superior pode determinar: 1) o órgão e o processo pelo qual uma norma superior de ser criada, e 2) o conteúdo da norma inferior. A norma superior é "aplicada" na criação da norma inferior mesmo a norma superior determine apenas o órgão, isto é, o indivíduo pela a norma inferior deve ser criada, e isso, novamente, quer dizer que ela autoriza esse órgão a determinar, de acordo com a sua própria vontade, o processo de criação da norma inferior e o conteúdo dessa norma. A norma superior deve, pelo menos, determinar o órgão pelo qual a norma inferior deve ser criada. Porque uma norma cuja criação não é determinada, de modo algum, por outra norma não pode pertencer a ordem jurídica alguma. O indivíduo que cria uma norma pode ser considerado o órgão de uma comunidade jurídica, e a sua função criadora de norma não pode ser imputada à comunidade, a menos que, ao executar a função, ele aplique uma norma da ordem jurídica que constitui a comunidade. Para ser ato da ordem jurídica ou da comunidade por ela constituída, todo ato criador de Direito deve ser um ato aplicador de Direito, i.e., ele deve aplicar uma norma que precede o ato. Portanto, a função criadora de norma tem de ser concebida como uma função aplicadora de norma, mesmo se o seu elemento pessoal, o indivíduo que tem de criar a norma inferior, for determinado pela norma superior. Esta norma superior determinando o órgão é aplicada por todos os atos desse órgão. Que a criação de Direito seja, ao mesmo tempo, aplicação de Direito é uma conseqüência imediata do fato de que todo ato criador de Direito deve ser determinado pela ordem jurídica. Essa determinação pode ser de diferentes níveis. Não pode ser tão fraca a ponto de o ato deixar de ser uma aplicação. Nem pode ser tão forte a ponto de o ato deixar de ser uma criação de Direito. Na medida em que uma norma é estabelecida através do ato, ela é um ato criador de Direito, mesmo se a função do órgão criador de Direito for determinada em alto grau por uma norma superior. Contudo, também nesse caso existe um ato criador de Direito. A questão de saber se um ato é criação ou aplicação de Direito é, na verdade, de todo independente da questão de saber em que grau o órgão atuante é obrigado pelo ordem jurídica. Apenas os atos pelos quais não se estabelece norma alguma podem ser mera aplicação. De tal natureza é a execução de uma sanção num caso concreto. Esse é um dos casos limítrofes mencionados acima. O outro é o da norma fundamental. Ela determina a criação da primeira constituição; mas, sendo pressuposta pelo pensamento jurídico, a sua pressuposição não é, ela própria, determinada por nenhuma norma superior e, portanto, não é aplicação de Direito. (KELSEN, 2000, p. 194).
  35. Reale salienta a questão com lucidez, conforme transcrito a seguir: "O Direito se funda em princípios, uns de alcance universal nos domínios da Lógica Jurídica, outros que se situam no âmbito de seu "campo" de pesquisa, princípios este que são de importância, não apenas no plano da Lógica normativa, mas também para a prática da advocacia. Lembremo-nos de que, na Lei de Introdução ao Código Civil, encontramos um artigo mandando aplicar os princípios gerais de Direito, quando haja lacuna na lei por falta de previsão específica do legislador. Naqueles casos em que o magistrado não encontra lei correspondente à hipótese sub judice, não só pode recorrer à analogia, operando de caso particular para caso particular semelhante, ou ao direito revelado através dos usos e costumes, como deve procurar resposta nos princípios gerais de Direito. Isto quer dizer que o legislador solenemente reconhece que o Direito possui seus princípios fundamentais. Na realidade, não precisava dizê-lo, porque é uma verdade implícita e necessária. O jurista não precisaria estar autorizado pelo legislador a invocar princípios gerais, aos quais deve recorrer sempre, até mesmo quando encontra a lei própria ou adequada ao caso. Não há ciência sem princípios, que são verdades válidas para um determinado campo do saber, ou para um sistema de enunciados lógicos. Prive-se uma ciência de seus princípios, e tê-la-emos privado de sua substância lógica, pois o Direito não se funda sobre normas, mas sobre os princípios que as condicionam e as tornam significantes". (REALE, 1998, p. 61).
  36. Sob a rubrica de sociologismo jurídico — expressão que preferimos a realismo jurídico, empirismo jurídico etc. — reunimos todas as teorias que consideram o Direito sob prisma predominantemente, quando não exclusivo, do fato social, apresentando-o como simples componente dos fenômenos sociais e suscetível de ser estudado segundo nexos de causalidade não diversos dos que ordenam os fatos do mundo físico (REALE, 1998, p. 434).
  37. AZEVEDO, 2001, p. 43
  38. Contemplo os homens chegados ao ponto em que os obstáculos danificadores de sua conservação no estado natural superam, resistindo, as forças que o indivíduo pode empregar, para nele se manter; o primitivo estado cessa então de poder existir, e o gênero humano, se não mudasse de vida, certamente pereceria. Como os homens não podem criar novas forças, mas só unir e dirigir as que já existem, o meio que têm para se conservar é formar por agregação uma soma de forças que vença a resistência, com um só móvel pô-las em ação e fazê-las obrar em harmonia. Essa soma de forças só pode vir do concurso de muitos; mas como a força e a liberdade de cada são os primeiros instrumentos de sua conservação, como há de empenhá-los sem se arruinar, e cuidando como deve em si mesmo? Esta dificuldade introduzida em meu assunto pode assim enunciar-se: ‘Achar uma forma de sociedade que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada sócio, e pela qual, unindo-se cada um a todos, não obedeça todavia senão a si mesmo e fique tão livre como antes’. Tal é o problema fundamental que resolve o contrato social. A natureza do ato determina de tal sorte as cláusulas do contrato, que a menor modificação as tornaria vãs e nulas; de modo que, não tendo sido talvez nunca formalmente anunciadas, são por toda a parte as mesmas, por toda a parte admitidas tacitamente e reconhecidas, até que, violado o pacto social, cada um torne a entrar em seus primitivos direitos e retome a liberdade natural, perdendo a liberdade de convenção, à qual sacrificou a primeira. Esses artigos quando bem entendidos se reduzem todos a um só: alienação total de cada sócio, com todos os seus direitos, a toda a comunidade; pois, dando-se cada um por inteiro, para todos é igual condição, e, sendo ela para todos igual, ninguém se interessa em torná-la aos outros onerosa. Ademais, fazendo-se a alienação sem reserva, a união é a mais perfeita possível, e nenhum sócio tem de reclamar, portanto, se restassem alguns direitos aos particulares, como não haveria então superior comum que pudesse decidir entre eles e o público, sendo cada um, neste ou naquele ponto, seu próprio juiz, pretenderia logo sê-lo todos; o estado natural substituiria, e a sociedade se tornaria tirânica ou ilusória. Cada um, enfim, dando-se a todos, a ninguém se dá; e como em todo sócio adquiro o mesmo direito que sobre mim lhe cedi, ganho o equivalente de tudo quanto perco e mais forças para conservar o que tenho. Se afastarmos pois do pacto social o que não é da sua essência, achá-lo-emos reduzido aos termos seguintes: cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebendo enquanto corpo cada membro como parte indivisível do todo. Imediatamente, em lugar da pessoa particular e cada contratante, esse ato de associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos são os votos da assembléia, o qual desse mesmo ato recebe a sua unidade, o Eu comum, sua vida, e vontade. A pessoa pública, formada assim pela união de todas as outras, tomava noutro tempo o nome de cidade, e hoje se chama república, ou corpo político, o qual é por seus membros chamado Estado quando é passivo, soberano se ativo, poder se o comparam a seus iguais. A respeito dos associados, tomam coletivamente o nome de povo, e chamam-se em particular cidadãos, como participantes da autoridade soberana, e vassalos, como submetidos às leis do Estado. Esses termos porém se confundem muitas vezes e se tomam um por outro; basta sabê-los distinguir quando se empregam com toda a sua precisão. (ROUSSEAU, 2000, p. 29/30)
  39. Portanto, é de absoluta clareza a exigência premente, na construção do Estado, do respeito à solidariedade, que deve informar toda e qualquer ação estatal, ainda que de modo indireto. Sem a noção de solidariedade, sem a busca dessa solidariedade — em composição, é evidente, com outros valores e objetivos —, o Estado brasileiro não teria sentido ou razão de ser. Essa opção radical pela solidariedade reflete-se, de modo muito firme, por quase todas as disposições constitucionais. (SOBRINHO, 2006, p. 02).
  40. Partimos do fato incontestável de que o homem vive em sociedade, sempre viveu e só pode viver em sociedade com seu semelhante. Admitimos que a existência da sociedade é um fato primitivo e humano, e não, portanto, produto da vontade humana. Conclui-se daí que todo homem, desde o seu nascimento, integra um agrupamento humano. A par com isso, o ser humano desenvolveu uma consciência clara de sua própria individualidade; ele concebe-se como criatura individual, com necessidades, tendências e aspirações próprias; compreende também que esses anseios não podem ser satisfeitos se não pela vida em comunidade como outros homens. Enfim, dimensionada conforme o momento da história humana, a consciência de uma ‘sociabilidade’ sempre esteve presente, enquanto dependência do homem em relação à comunidade; e também a consciência da sua ‘individualidade’. Não se trata de uma afirmação ‘a priori’, mas de verificação positiva. Considerando-se que grupos sociais sempre existiram e que os homens os integram sem perder a consciência de sua própria individualidade e dos laços de interdependência com os demais, indagamos: Que laços são esses? Eles são designados por uma expressão de largo uso, mas que parece bastante adequada, não obstante o descrédito em que os políticos a lançaram. A ‘solidariedade social’ é que constitui os liames que mantém os homens unidos. Esta solidariedade ou interdependência abrange toda a humanidade? Seguramente sim. Mas tais laços ainda são frágeis, pois a humanidade encontra-se muito dividida em amplo número de grupos sociais, e o homem, por sua vez, só se concebe como verdadeiramente solidário em relação àqueles pertencentes a seu grupo. A solidariedade humana pode absorver as solidariedades locais, regionais, ou nacionais, de forma que o homem possa se considerar um cidadão do mundo? É ainda possível realizar este anseio, que o ser humano vem praticando? Sim, porque os povos livres podem superar tudo isso. Mas, de qualquer modo, o homem procura sempre dirigir a sua solidariedade para os membros de um grupo determinado. A humanidade está dividida em considerável número de grupos sociais. Estes grupos, no decorrer dos séculos, organizaram-se tipicamente: a ‘horda’, que caracteriza os homens sem lar fixo, comuns; a ‘família, grupo mais integrado, pois à solidariedade nascida da defesa e subsistência acrescentam-se os laços de sangue e a comunidade de religião; a ‘cidade’, agrupamento de famílias com origens, tradições e crenças comuns; e finalmente a ‘nação’, manifestação, por excelência, das sociedades modernas civilizadas, cuja constituição realizou-se mediante fatores diversos, como estatuto da comunidade de direito, de idioma, de religião, de tradições, lutas, derrotas e vitórias. Entretanto, por mais diversas que as formas sociais tenham sido no passado e possam vir a sê-lo no futuro, por mais variados, que, conforme tempo e país, sejam os laços de solidariedade unindo os membros de um mesmo grupo social, consideramos que a solidariedade pode vincular-se a um dos seguintes elementos essenciais: os homens de um mesmo grupo social são solidários entre si — primeiramente porque têm necessidades comuns cuja satisfação reside na vida em comum; e em segundo lugar porque têm anseios e aptidões diferentes cuja satisfação efetiva-se pela troca de serviços recíprocos, relacionados exatamente ao emprego de suas aptidões. Dentro do esboço acima, conceitua-se a primeira como solidariedade ‘por semelhança’, enquanto a segunda, ‘por divisão de trabalho’. Estas duas manifestações de solidariedade podem ser expressas em formas bastante diversas, conforme o contexto social; uma pode predominar sobre a outra, mas quando se observa uma sociedade, identifica-se a solidariedade como força de coesão que a mantém, por similitude ou por divisão de trabalho; a sociedade apresenta-se tanto mais forte quanto mais estreitos forem os laços de solidariedade entre seus integrantes. Além disso, observa-se também que, com o progresso, a solidariedade por divisão de trabalho aumenta cada vez mais, permanecendo a solidariedade por similitude em segundo plano. Os homens tornam-se acentuadamente diferentes entre si, diferentes por suas aptidões, necessidades, aspirações e, em função disso, o intercâmbio de serviços adquire em caráter bastante complexo e freqüente; daí os laços de solidariedade se tornarem mais intensos. (DUGUIT, 2009, pp. 39 a 42).
  41. A palavra "liberdade" tem uma ampla conotação. Tem sido usada para designar a liberdade de pensamento, de decisão, de expressão, liberdade contratual, liberdade de associação, de locomoção, até no sentido moderno, cada vez mais utilizado na linguagem da militância política e social, assim definido por Sidney e Beatrice Webb: ‘Liberdade pessoa significa, no mínimo, poder de assegurar para si alimentação, moradia e vestuário suficientes’. É assim, em suma, a liberdade da necessidade, uma das famosas quatro liberdades de Roosevelt: ‘Os homens privados do necessário não são livres’. Nesse sentido, a luta pela liberdade real e concreta das pessoas abrange a luta contra a miséria, o subdesenvolvimento e as grandes desigualdades na repartição dos bens e encargos sociais, no mundo contemporâneo. A luta pela justiça é uma parte essencial da luta pela liberdade. É esse um dos fenômenos centrais da realidade política e social do mundo atual. Refiro-me às múltiplas manifestações da luta contra as graves desigualdades na distribuição das riquezas e do bem-estar no plano internacional e no plano interno dos países subdesenvolvidos. (MONTORO, 1995, p. 211).
  42. A questão da liberdade, de formas diferenciadas, sempre acompanhou a filosofia ocidental e isso porque ela emerge da própria experiência da vida do homem como ser-no-mundo: a experiência do ser inserido no mundo e interpelado a agir. O mundo é interpretado, no pensamento clássico, como um movimento eterno de forma circular, onde tudo se movimenta arrastado pelo motor imóvel, o centro do cosmos, puro pensamento em si mesmo. Todo ente é, em princípio, marcado por uma tendência natural que, em última instância, o empurra para o ser naturalmente perfeito, e é isso que constitui sua bondade. Esse movimento eterno do cosmos é a referência, também, para a ação humana: o ser humano é bom, quando, mediante uma deliberação sensata, descobre o verdadeiro caminho para a realização da ordem do todo em sua vida pessoal e social. Assim, ele é livre, quando realiza, em sua vida histórica, sua essência, que estabelece o lugar que ele ocupa no cosmos, a ordem imutável do real. (OLIVEIRA, 2002, pp. 11/12).
  43. A associação das noções "liberdade" e "igualdade" é característica da revolta contra as concepções do Antigo Regime segundo as quais o rei é, como representante de Deus na terra, o único detentor original de todos os poderes, beneficiando-se os súditos apenas das liberdades que lhes são outorgadas pelo poder régio. As liberdades assim conferidas são, de fato, apenas privilégios de conteúdo variável, que a boa vontade do Príncipe concede em troca dos serviços prestados ou esperados. Tenham sido arrancados ao poder régio ou dados espontaneamente, em sinal de indulgência e de encorajamento, esses privilégios em nada constituem o reconhecimento de um direito natural prévio qualquer. Se são concedidos a uns indivíduos é a título excepcional, distinguindo-os dos outros por um título de nobreza ou por um benefício. Com seus favores, o soberano recompensará os habitantes de uma cidade ou de uma província pelo auxílio financeiro ou militar que deles tiver obtido. A idéia de que são os homens, livres e iguais em direitos, que constituem o único fundamento da ordem política, em virtude de um contrato social, se desenvolve a partir de meados do século XVII, nutre o pensamento do Século das Luzes e culmina nas proclamações e nas declarações americanas e francesas do século XVIII, que caracterizam a ideologia individualista e burguesa dos direitos do homem e do cidadão. (PERELMAN, 1999, pp. 219/220).
  44. Mas a verdadeira dificuldade, nessa questão, resulta da oposição entre duas concepções de igualdade, a igualdade de tratamento e a igualdade de situações. A igualdade, tal como era concebida pela Revolução Francesa e no século XIX, era a igualdade de tratamento e se manifestava pela abolição de privilégios de toda a espécie; daí o princípio, geralmente admitido desde então nas democracias liberais, da igualdade de todos perante a lei. Mas, hoje, a idéia que se impõe cada vez mais é a de diminuir as desigualdades entre os membros de uma mesma sociedade, ou entre povos e Estados cujo desenvolvimento é desigual, concedendo privilégios aos que estão em estado de inferioridade. Conceder-se-ão facilidades, bolsas, uma ajuda especial aos que são desfavorecidos pela natureza ou pela sociedade. Nos de comércio entre Estados, serão concedidos verdadeiros privilégios aos Estados cuja economia é frágil ou pouco desenvolvida. Preocupar-se-á menos com a justiça concebida como igualdade de tratamento do que com justiça concebida como tendente a diminuir desigualdades, muito gritantes, das situações. (PERELMAN, 1999, p. 218).
  45. Relativamente ao processo civil, verificamos que o princípio da igualdade significa que os litigantes devem receber do juiz tratamento idêntico. Assim, a norma do art. 125, n. I, do CPC teve recepção integral em face do novo texto constitucional. Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. (NERY JR, 2004, p.43).
  46. É do homem que tenho de falar; e a questão que examino me ensina que vou falar a homens; com efeito, não se propõem semelhantes questões quando se teme honrar a verdade. Defenderei, pois, com confiança, a causa da humanidade perante os sábios que a tal me convidam, e não ficarei descontente comigo se me tornar digno do meu assunto e dos meus juízes. Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade: uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades dos espíritos, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste esta nos privilégios que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles. Não se pode perguntar qual é a fonte da desigualdade natural, porque a resposta se encontraria enunciada na simples definição da palavra. Ainda menos se pode procurar se haveria alguma ligação essencial entre as duas desigualdades, pois isso equivaleria a perguntar, por outras palavras, se aqueles que mandam valem necessariamente mais do que os que obedecem, e se a força do corpo e do espírito, a sabedoria ou a virtude, se encontram sempre nos mesmos indivíduos em proporção do poder ou da riqueza: questão talvez boa para ser agitada entre escravos ouvidos por seus senhores, mas que não convém a homens razoáveis e livres, que buscam a verdade. (ROUSSEAU, 2004, p. 31/32).
  47. MELLO, 2003, p. 21.
  48. SILVA, 2001, p.100
  49. A lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a uma tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. A discriminação, no julgamento da concorrência, que exceda essa limitação é inadmissível. (BRASIL, 2008)
  50. Deve o direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter conclusões inconsistentes ou impossíveis. (MAXIMILIANO, 1957. p. 210. Grifos originais).
  51. Deixando, pois, todos os livros científicos, que só nos ensinam a ver os homens tais como foram feitos, e meditando sobre as primeiras e mais simples operações da alma humana, creio perceber dois princípios anteriores à razão, um dos quais interessa ardentemente ao nosso bem-estar e a conservação de nós mesmos, e o outro nos inspira um repugnância natural de ver morrer ou sofrer todo ser sensível, e principalmente os nossos semelhantes. Do concurso e da combinação que o nosso espírito é capaz de fazer desses dois princípios, sem que seja necessário acrescentar o da sociabilidade, é que me parecem decorrer todas as regras do direito natural; regras que a razão é, em seguida, forçada a restabelecer sobre outros fundamentos, quando, por seus desenvolvimentos sucessivos, chega ao extremo de sufocar a natureza. Dessa maneira, não se é obrigado a fazer dele um homem; seus deveres para com outrem não lhe são ditados unicamente pelas tardias lições da sabedoria; e, enquanto não resistir ao impulso interior da comiseração, jamais fará mal a outro homem, nem mesmo a nenhum ser sensível, exceto no caso legítimo em que, achando-se a conservação interessada, é obrigado a dar preferência a si mesmo. Por esse meio, terminam também as antigas disputas sobre a participação dos animais na lei natural; porque é claro que, desprovidos de luz e de liberdade, não podem reconhecer essa lei; mas, unidos de algum modo à nossa natureza pela sensibilidade de que são dotados, julgar-se-á que devem também participar do direito natural e que o homem está obrigado, para com eles a certa espécie de deveres. Parece, com efeito, que, se sou obrigado a não fazer nenhum mal a meu semelhante, é menos porque ele é um ser racional do que porque é um ser sensível, qualidade que, sendo comum ao animal e ao homem, deve ao menos dar a um direito de não ser maltratado inutilmente pelo outro. Esse mesmo estudo do homem original, de suas verdadeiras necessidades Ed dos princípios fundamentais dos seus deveres, é ainda o único bom meio que pode ser empregado para levantar essas multidões de dificuldades que se apresentam sobre os verdadeiros fundamentos do corpo político, sobre os direitos recíprocos dos seus membros e sobre mil outras semelhantes, tão importantes quanto mal esclarecidas. Considerando a sociedade humana como visão tranqüila e desinteressada, ela parece, a princípio, só mostrar a violência dos homens poderosos e a opressão dos fracos: o espírito se revolta contra a dureza de uns ou é levado a deplorar a cegueira dos outros; e, como nada é menos estável entre os homens do que essas relações exteriores que o acaso produz mais freqüentemente do que a sabedoria, e que se chama fraqueza ou poder, riqueza ou pobreza, o que estabelecem os homens parece fundado, à primeira vista, sobre montículos de areia movediça: é só examinando-os de perto, só depois de haver tirado o pó e a areia que rodeiam o edifício, que se percebe a base inabalável sobre a qual foi elevado, e que se aprende a respeitar os seus fundamentos. Ora, sem o estudo sério do homem, de suas faculdades naturais e dos seus desenvolvimentos sucessivos, não se chegará nunca ao ponto de fazer essas distinções e de separar, na atual constituição das coisas, o que fez a vontade divina e o que a arte humana pretendeu fazer. As pesquisas políticas e morais, às quais dá lugar a importante questão que examino, são, pois, úteis de todas as maneiras, e a história hipotética dos governos é para o homem um lição instrutiva a todos os respeitos. Considerando o que teríamos sido abandonados a nós mesmos, devemos aprender a abençoar aquele cuja mão benfazeja, corrigindo as nossas desordens que deveriam resultar e fazer nascer a nossa felicidade dos meios que parecia deverem cumular a nossa miséria. (ROUSSEAU, 2004. p. 28 a 30).
  52. SILVA. 2004, p. 112/113.
  53. SILVA. 2004, p. 117.
  54. SILVA. 2004, p. 119.
  55. BULOS, 2008, p. 131
  56. Apud MORAES, 2008. p. 45.
  57. SILVA, 2004, p. 240/241.
  58. BULOS, 2008, p. 132.
  59. STF, MS 24369/DF, rel. Min. Celso Mello, DJU de 16-10-2002, p.24, j. 10-10-2002 apud BULOS, 2008, p. 132.
  60. BULOS, 2008, p. 131.
  61. SILVA, 2004, p. 242/243.
  62. ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 30-4-09, Plenário, DJE de 6-11-09 apud BRASIL, 2010, p. 02
  63. BULOS, 2008, p. 135.
  64. MORAES, 2008, p. 51.
  65. A responsabilidade civil é da empresa exploradora do jornal que divulgou a matéria e não do autor desta. Só por via de regresso responde este pela ofensa irrogada em oficio seu, divulgado em órgão da imprensa. (BRASIL, 1987).
  66. Súmula STJ nº 261: "São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação" (BRASIL, 1999, p. 151).
  67. Conferir nota de rodapé 38 supra.
  68. Sobre o tema, Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, ensina: "No limiar deste século XXI, liberdade e igualdade devem ser (re)pensadas segundo o valor fundamental da fraternidade. Com isso quero dizer que a fraternidade pode constituir a chave por meio da qual podemos abrir várias portas para a solução dos principais problemas hoje vividos pela humanidade em tema de liberdade e igualdade. Vivemos, atualmente, as conseqüências dos acontecimentos do dia 11 de setembro de 2001 e sabemos muito bem o que significam os fundamentalismos de todo tipo para os pilares da liberdade e igualdade. Fazemos parte de sociedades multiculturais e complexas e tentamos ainda compreender a real dimensão das manifestações racistas, segregacionistas e nacionalistas, que representam graves ameaças à liberdade e à igualdade. Nesse contexto, a tolerância nas sociedades multiculturais é o cerne das questões a que este século nos convidou a enfrentar em tema de liberdade e igualdade" (MENDES, 2008, p.02).
  69. Gilmar Mendes ainda pontua: "Pensar a igualdade segundo o valor da fraternidade significa ter em mente as diferenças e as particularidades humanas em todos os seus aspectos. A tolerância em tema de igualdade, nesse sentido, impõe a igual consideração do outro em suas peculiaridades e idiossincrasias. Numa sociedade marcada pelo pluralismo, a igualdade só pode ser igualdade com igual respeito às diferenças. Enfim, no Estado democrático, a conjugação dos valores da igualdade e da fraternidade expressa uma normatividade constitucional no sentido de reconhecimento e proteção das minorias. A jurisdição constitucional no Brasil não está afastada dessa perspectiva. O Supremo Tribunal Federal brasileiro está atualmente em meio ao processo de julgamento de caso relativo ao polêmico tema das ações afirmativas de inclusão de minorias no sistema educacional superior. Discute-se, nesse caso, a constitucionalidade de programa governamental voltado à concessão a indivíduos afro-descendentes, indígenas e deficientes de bolsas de estudo em instituições privadas de ensino superior. Segundo a lei que institui o referido programa, para receber os recursos destinados pelo governo, as universidades brasileiras deverão reservar parte das bolsas de estudo para alunos que tenham cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral, devendo, ainda, parte das bolsas serem concedidas a negros, indígenas e pessoas portadoras de necessidades especiais. A questão da constitucionalidade de ações afirmativas voltadas ao objetivo de remediar desigualdades históricas entre grupos étnicos e sociais, com o intuito de promover a justiça social, representa um ponto de inflexão do próprio valor da igualdade. Diante desse tema, somos chamados a refletir sobre até que ponto, em sociedades pluralistas, a manutenção do status quo não significa a perpetuação de tais desigualdades. Se, por um lado, a clássica concepção liberal de igualdade como um valor meramente formal há muito foi superada, em vista do seu potencial de ser um meio de legitimação da manutenção de iniqüidades, por outro lado o objetivo de se garantir uma efetiva igualdade material deve sempre levar em consideração a necessidade de se respeitar os demais valores constitucionais. Não se deve esquecer, neste ponto, o que Alexy trata como o paradoxo da igualdade, no sentido de que toda igualdade de direito tem por conseqüência uma desigualdade de fato e toda desigualdade de fato tem como pressuposto uma desigualdade de direito. Assim, o mandamento constitucional de reconhecimento e proteção igual das diferenças impõe um tratamento desigual por parte da lei. O paradoxo da igualdade, assim, suscita problemas dos mais complexos para o exame da constitucionalidade das ações afirmativas em sociedades plurais. Cortes constitucionais de diversos Estados têm sido chamadas a se pronunciar sobre a constitucionalidade de programas de ações afirmativas nas últimas décadas. No entanto, é importante salientar que esse tema – que até certo ponto pode ser tido como universal – tem contornos específicos conforme as particularidades históricas e culturais de cada sociedade. De toda forma, é preciso enfatizar que, enquanto em muitos países o preconceito sempre foi uma questão étnica, no Brasil o problema vem associado a outros vários fatores, dentre os quais sobressai a posição ou o status cultural, social e econômico do indivíduo. Como já escrevia nos idos da década de 40 do século passado Caio Prado Júnior, célebre historiador brasileiro, "a classificação étnica do indivíduo se faz no Brasil muito mais pela sua posição social; e a raça, pelo menos nas classes superiores, é mais função daquela posição que dos caracteres somáticos". Isso não quer dizer que não haja problemas raciais no Brasil. O preconceito está em toda parte. Como diz Bobbio, ‘não existe preconceito pior do que o acreditar não ter preconceitos’. No entanto, é importante ter em mente que a solução para tais problemas não está na importação acrítica de modelos construídos em momentos históricos específicos tendo em vista realidades culturais, sociais e políticas totalmente diversas das quais vivenciamos atualmente no Brasil, mas na interpretação do texto constitucional tendo em vista as especificidades históricas e culturais da sociedade brasileira. É certo, assim, que o Brasil caminha para a adoção de um modelo próprio de ações afirmativas de inclusão social, tendo em vista as peculiaridades culturais e sociais da sociedade brasileira, que impedem o acesso do indivíduo a bens fundamentais, como a educação e o emprego. O modelo de ações afirmativas não deve levar em conta apenas a raça ou a cor do indivíduo, mas a sua situação cultural, econômica e social. Segundo esse modelo, as políticas públicas e privadas destinadas à integração dos grupos minoritários devem ser adequadas, necessárias e razoáveis para os fins a que se propõem". (MENDES, 2008, pp 05 a 07).
  70. O Supremo Tribunal Federal foi recentemente chamado a se pronunciar sobre a polêmica questão dos discursos do ódio (hate speech). O tema é, sem dúvida, um tanto paradigmático, pois nos leva a questionar a respeito dos próprios limites da liberdade de expressão, nos obriga a refletir sobre a necessidade de se diferenciar a tolerância do dissenso e a examinar a impossibilidade de se tolerar a intolerância, em vista de seu potencial disseminador do ódio em sociedades democráticas. No Habeas Corpus 82.424 – o denominado "caso Ellwanger" –, julgado em 17 de setembro de 2003, o STF apreciou a condenação de escritor e sócio de editora por delito de discriminação contra os judeus, consubstanciada na publicação, distribuição e venda ao público de obras de conteúdo anti-semita. Em tal oportunidade, foi trazida à análise do Tribunal questão relativa ao alcance do termo "racismo" empregado pelo constituinte no art. 5º, inciso XLII, da Constituição brasileira, o qual prescreve que o crime de racismo é inafiançável e imprescritível. Assim, a relevância da descoberta do sentido semântico da referida expressão estava justamente no exame da imprescritibilidade da punibilidade da conduta anti-semita atribuída ao paciente, concluindo-se que, do ponto de vista estritamente histórico, não há como negar o caráter racista do anti-semitismo. Lembro aqui que não é por outra razão que diversos instrumentos internacionais subscritos pelo Brasil deixam claro o compromisso com o combate ao racismo em todas as suas formas de manifestação, inclusive o anti-semitismo. Aceita a idéia de que o conceito de racismo contempla, igualmente, as manifestações de anti-semitismo, passou-se à pergunta sobre como se articulam as condutas ou manifestações de caráter racista com a liberdade de expressão positivada no texto constitucional. Tal indagação assume relevo ímpar, especialmente quando se considera que a liberdade de expressão, em todas as suas formas, constitui pedra angular do próprio sistema democrático. Talvez seja a liberdade de expressão, aqui contemplada a própria liberdade de imprensa, um dos mais efetivos instrumentos de controle do próprio governo. Para não falar que se constitui, igualmente, em elemento essencial da própria formação da consciência e da vontade popular. Nesse sentido, o cerne da questão está no fato de estarmos diante de um conflito entre dois direitos fundamentais de suma importância para qualquer sociedade democrática: a liberdade de expressão e o direito à não-discriminação. Para atingir a igualdade política, é preciso proibir a discriminação ou a exclusão de qualquer sorte que negue a alguns o exercício de direitos. Da mesma forma, para atingir a liberdade de expressão, é preciso evitar a censura governamental aos discursos e à imprensa. Como se vê, a discriminação racial levada a efeito pelo exercício da liberdade de expressão compromete um dos pilares do sistema democrático, a própria idéia de igualdade. Nesse contexto, ganha relevância a discussão a respeito da medida de liberdade de expressão permitida constitucionalmente, sem que isso possa levar à intolerância e ao racismo, em prejuízo da dignidade humana, do regime democrático, enfim, dos valores inerentes a uma sociedade pluralista. Não se pode atribuir primazia absoluta à liberdade de expressão, no contexto de uma sociedade pluralista, em face de valores outros como os da igualdade e da dignidade humana. Daí ter o texto constitucional brasileiro de 1988 erigido, de forma clara e inequívoca, o racismo como crime inafiançável e imprescritível (art. 5º, XLII), além de ter determinado que a lei estabelecesse outras formas de repressão às manifestações discriminatórias (art. 5º, XLI). É certo, portanto, que a liberdade de expressão não se afigura absoluta no texto constitucional brasileiro. Ela encontra limites também no que diz respeito às manifestações de conteúdo discriminatório ou de conteúdo racista. Trata-se de uma elementar exigência do próprio sistema democrático, que pressupõe a igualdade e a tolerância entre os diversos grupos. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal do Brasil considerou que, diante dos objetivos da preservação dos valores inerentes a uma sociedade pluralista, da dignidade humana e do ônus imposto à liberdade de expressão, essa liberdade não alcança a intolerância racial e o estímulo à violência, uma vez que inúmeros outros bens jurídicos de base constitucional restariam sacrificados na hipótese de se dar uma amplitude absoluta e intangível à liberdade de expressão. Trata-se de um caso emblemático de nossa jurisprudência constitucional na proteção da liberdade no Estado democrático de direito. (MENDES, 2008, pp. 02 a 05).
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Sobre o autor
Olsen Henrique Bocchi

Advogado militante na área de direito empresarial e posgraduando em direito pelo INBRAPE — Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Sócio-Econômicos em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB Subseccional Londrina-PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOCCHI, Olsen Henrique. A liberdade de expressão no Estado Democrátio de Direito.: Uma abordagem ética e solidária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2715, 7 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17981. Acesso em: 16 nov. 2024.

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