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O termo de ajustamento de conduta ambiental e o princípio da obrigatoriedade

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07/12/2010 às 19:16
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2 PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE

2.1 Conceito e Anotações Gerais

Conseqüência do Princípio da Legalidade, que norteia toda a atuação estatal, o Princípio da Obrigatoriedade, nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci, traduz-se como:

[...] não ter o órgão acusatório, nem tampouco o encarregado da investigação, a faculdade de investigar e buscar a punição do autor da infração penal, mas o dever de fazê-lo. Assim, ocorrida a infração penal, ensejadora de ação penal pública incondicionada, deve a autoridade policial investigá-la e, em seguida, havendo elementos, é obrigatório que o promotor apresente denúncia. [25]

Nesse passo, Afrânio Silva Jardim defende que, uma vez tendo o Estado tomado para si a jurisdição, incumbe a ele invocá-la, diante de conduta que, em tese, configure ilícito penal, de modo que:

[...] não se justificaria que, como regra legal, pudessem os funcionários investidos no órgão público afastar a aplicação do Direito Penal legislado ao caso concreto, ao seu talante ou juízo discricionário, baseado em critérios de oportunidade e conveniência, nem sempre muitos claros ou definidos. [26]

De fato, verifica-se uma faceta verdadeiramente democrática na obrigatoriedade da ação penal pública, que acaba por afastar qualquer critério arbitrário da análise quanto à iniciativa de provocação da jurisdição penal, produzindo autêntico dever funcional de atuar ao órgão do Ministério Público, quando presentes as condições e pressupostos legalmente exigidos.

Aqueles que entendem que o princípio em comento é adotado expressamente pelo ordenamento pátrio, vislumbram na expressão "será promovida", contida no artigo 24 do Código de Processo Penal, sua validação, como Motauri Ciocchetti de Souza, para quem "[...] a própria Constituição Federal consagra, como garantia implícita, o princípio da obrigatoriedade" [27].

Ainda, como mecanismos de controle da aplicação conforme do princípio da obrigatoriedade, referido autor elenca o dever de motivação das manifestações do Ministério Público, a previsão do artigo 28 do Código de Processo Penal e a ação penal privada subsidiária da pública.

No entanto, é importante se ter em vista que não é retirada do Ministério Público a valoração jurídica dos fatos. No entanto, o jurista adverte que a garantia de liberdade de convicção conferida ao órgão do Parquet por força de sua independência funcional encontra seus contornos no princípio em estudo, pois lhe são vedadas motivações pessoais ou políticas.

Com efeito, é salutar o ensinamento de José Frederico Marques sobre o tema:

[...] não se deve inferir que, em todo o procedimento investigatório ou informativo, que lhe venha às mãos, deva o Ministério Público oferecer denúncia. A obrigação de propor a ação penal somente surge quando se forma a suspeita da prática de crime. O princípio da legalidade não subtrai do Ministério Público [...] o poder de apreciar os pressupostos técnicos do exercício da ação penal. E, nessa operação, não pode deixar de entrar, como de início salientamos, certa dose de fator subjetivo. [28]

Em suma, o órgão ministerial possui certa margem de liberdade para formar seu convencimento acerca da ocorrência da prática delituosa e de sua autoria. Caso entenda presentes os elementos necessários, o Ministério Público tem o dever de deduzir a pretensão punitiva em juízo. Caso não os visualize, deve requerer o arquivamento do inquérito ou das peças de informação. Nessa esteira, a certeira lição de Afrânio Silva Jardim:

Destarte, se falta uma condição para o regular exercício da ação ou se a lei cria outro obstáculo intransponível, não há obrigatoriedade no sentido de o Ministério Público manifestar a pretensão punitiva, muito pelo contrário, deve requerer o arquivamento. [29]

Desta feita, apenas a título complementar e devido à importância do tema para o deslinde do objeto central deste estudo, vale aduzir que, além da presença dos pressupostos processuais, exige-se a existência das condições da ação para o regular exercício da ação penal condenatória.

Entre as condições genéricas, a doutrina aponta o interesse de agir, que, nas ações condenatórias, confunde-se basicamente com a utilidade do provimento, legitimidade e, de forma clara, a partir da modificação legislativa promovida pela Lei n°. 11.719/2008, a justa causa, tida como suporte probatório mínimo. Nesses termos, leciona Eugênio Pacelli de Oliveira, que elucida que:

[...] a doutrina e jurisprudência já vinham admitindo a justa causa também como condição da ação (seja como condição específica, seja como genérica), já que, nos termos do art. 648, I, do CPP, sempre se admitiu o habeas corpus para trancamento de investigação ou de ação penal, sob o fundamento de ausência de justa causa, tanto para a solução de questões processuais (falta de prova mínima para lastrear a acusação, inépcia da inicial etc.) quanto para aquelas pertinentes ao próprio mérito da ação penal (prescrição ou qualquer outra causa extintiva da punibilidade, atipicidade manifesta etc.). [30]

Impõe-se explicar, igualmente, que grande parte dos estudiosos pensa que a justa causa se confunde com o interesse de agir, pois entrevêem na plausibilidade do pedido o interesse processual penal, o qual somente seria idôneo se possuísse arrimo probatório mínimo, como Fernando da Costa Tourinho Filho, que alerta também que a reforma processual esvaziou a possibilidade jurídica do pedido, vista como a narrativa de um fato que constituísse crime pelos doutrinadores, porque:

[...] o legislador deslocou as expressões ‘se o fato evidentemente não constituir crime’ e ‘estar extinta a punibilidade’, que, anteriormente, elencavam as causas que autorizavam a rejeição da denúncia ou queixa, para o art. 397, o qual autoriza o Juiz a proferir um julgamento antecipado de mérito, logo, para o legislador, ela perdeu o sentido que a doutrina majoritária lhe dava de condição genérica da ação penal. [31]

Por fim, ressalte-se que existem condições específicas de procedibilidade, tais como requisição do Ministro da Justiça, que podem afetar o regular exercício do poder de punir estatal.

Para concluir as anotações gerais acerca do princípio da obrigatoriedade, consigne-se que este vigora antes do oferecimento da denúncia. Após este momento, fala-se em indisponibilidade da ação penal pública, "[...] verdadeiro sucessor da obrigatoriedade em termos temporais do iter procedimental" [32], conforme destaca Motauri Ciocchetti de Souza, que veda ao Ministério Público desistir da ação penal.

Insta mencionar, por oportuno, que os crimes ambientais previstos na Lei n°. 9.605/1998 são de ação penal pública incondicionada, conforme dicção de seu artigo 26, o que será de suma importância para o deslinde da próxima seção.

Esclarecidos esses pontos principais, passa-se a discorrer sobre o princípio da oportunidade e suas implicações.

2.2 Princípio da Oportunidade

O Princípio da Oportunidade é o oposto do da obrigatoriedade, de acordo com o límpido ensinamento de José Frederico Marques:

Dois são os princípios políticos que informam, nesse assunto, a atividade persecutória do Ministério Público: o princípio da legalidade (legalitätsprinzip) e o princípio da oportunidade (opportunitätsprinzip). Pelo princípio da legalidade, obrigatória é a propositura da ação penal pelo Ministério Público, tão-só ele tenha notícia do crime e não existam obstáculos que o impeçam de atuar. De acordo com o princípio da oportunidade, o citado órgão estatal tem a faculdade, e não o dever ou a obrigação jurídica de propor a ação penal, quando cometido um fato delituoso. Essa faculdade se exerce com base em estimativa discricionária da utilidade sob o ponto de vista do interessa público, da promoção da ação penal. [33]

Exemplo clássico de país que adota o princípio da oportunidade são os Estados Unidos, por meio da plea bargaining,em que é facultado à acusação pactuar livremente com o acusado, em troca de sua confissão de culpa. Observa Eduardo Araújo da Silva que "[...] não é apenas facultado ao órgão da acusação decidir se deve ou não orientar-se por motivos de oportunidade, mas também como, quando e em que casos deve proceder dessa forma" [34].

No Brasil, adota-se o princípio em comento na ação penal privada, em que compete ao ofendido ou seu representante legal promover a ação se assim o desejar. Justifica-se que assim aja o legislador porque, muitas vezes "[...] a publicidade interna e externa do processo faz com que haja mais desvantagem [...] em suportar um pequeno revés, uma pequena ofensa, do que ingressar, muitas vezes, com uma ação temerária" [35], no comentário de Ionilton Pereira do Vale.

Por fim, não se pode olvidar de que vige, após o oferecimento da queixa-crime, o princípio da disponibilidade da ação penal privada, como bem ressalta o autor supramencionado.

Convém alertar, ademais, que na ação penal pública condicionada, "[...] se trata da incidência de ambos os princípios, ou seja, oportunidade para o oferecimento da representação, obrigatoriedade quando o Ministério Público a obtém" [36], nas palavras precisas de Guilherme de Souza Nucci.

Concebidos os dois princípios de forma estanque, cabe agora tecer algumas considerações acerca da denominada oportunidade regrada.

2.3 Oportunidade Regrada

É cediço que o processo tradicional, sobretudo o penal, passa por uma crise sem precedentes, como já foi exposto, oriunda da massificação da criminalidade.

Por conseguinte, tende-se a buscar soluções para desafogar o Judiciário, definindo-se áreas prioritárias de atuação e simplificando-se o procedimento para as condutas de pequeno e médio potencial ofensivo, em que há "[...] espaços naturalmente predispostos para soluções de consenso" [37], de acordo com a instrução de Eduardo Araújo da Silva.

De fato, observa-se que o modelo condenatório, aliado ao princípio da obrigatoriedade da propositura da ação penal pública, muitas vezes poderia criar barreiras quase intransponíveis para a solução do problema, para o que já se atentava a doutrina tradicional, seja para admitir algumas atenuações à aplicabilidade do princípio, seja para criticar a busca de resoluções por meio do processo penal.

Entre aqueles que vislumbravam a possibilidade de suavização, está José Frederico Marques, que acreditava que, nas infrações de pequena gravidade:

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[...] uma certa mitigação ao princípio da obrigatoriedade se contém no artigo 28 do Código de Processo Penal, como bem demonstrou Euclides Custódio da Silveira. Fala o texto citado em ‘razões invocadas’ para pedir o arquivamento pelo órgão do Ministério Público, - razões que o juiz examinará se são procedentes ou improcedentes. Não esclarecendo a regra legal quais essas razões, nada impede que o Promotor Público invoque motivos de oportunidade que, se forem relevantes, podem ser atendidos ou pelo juiz, ou pelo chefe do ‘parquet’. [38]

Já Afrânio Silva Jardim assevera categoricamente que não se pode perder de vista a subsidiariedade da tutela penal em relação às demais esferas do Direito. Nessa esteira, como o Direito Penal é a ultima ratio do ordenamento jurídico, caberia ao legislador eliminar a tipicidade das condutas que considerasse insignificantes, "[...] sem romper com o princípio da legalidade da atuação dos órgãos públicos, ainda que isto tivesse, na espécie, algum efeito prático" [39].

O doutrinador em tela também critica a expressão obrigatoriedade mitigada, utilizada por uma parcela de autores, ao supor que atenuar o princípio iria de encontro à sua natureza, o que não significaria que a lei não pudesse prever situações nas quais poderia haver atuação discricionária do órgão acusador, com verdadeira adoção do princípio da oportunidade, como ocorrido na Alemanha.

Com efeito, parece mais acertada a expressão oportunidade regrada (pelos parâmetros legais), usada com freqüência atualmente, sem que isso descaracterize a adoção do princípio da obrigatoriedade pelo ordenamento pátrio, mormente quando a "[...] Constituição brasileira, atenta a essa tendência, contempla a transação, em matéria penal, para as denominadas infrações de menor potencial ofensivo (art. 98, inc. I), no que foi secundada pela lei n. 9.099/95" [40], como anotam Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco.

É relevante explicitar que proposta de transação penal, prevista no artigo 76 da Lei n°. 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais, exige o preenchimento de requisitos de ordem objetiva e subjetiva, os quais, uma vez presentes, impõem a proposta de transação, segundo a mais abalizada doutrina, entre elas a de Eugênio Pacelli de Oliveira:

[...] tratando-se de infração penal de menor potencial ofensivo, o Ministério Público deixou de ser obrigado à propositura da ação penal, exigência inerente ao modelo condenatório, para se ver igualmente obrigado a propor a transação penal, desde que o alegado ou apontado autor do fato preencha as condições previstas nos art. 76, § 2º, I, II e III, da mencionada lei. [41]

Destarte, assinala a doutrina que há discricionariedade apenas no que se refere à escolha da modalidade de sanção e sua forma de cumprimento, nos dizeres precisos de Ionilton Pereira do Vale, que deixa assentado haver "[...] discricionariedade regrada, mitigada ou contida, tendo em vista a própria lei regulamentar os limites da transação: imposição de multa ou pena não privativa de liberdade" [42].

Ademais, vale acrescentar que, se o órgão acusador entender que os requisitos para a proposta de transação não foram preenchidos, há a possibilidade de o magistrado exercer "[...] sua anômala função fiscalizadora (art. 28 do CPP)" [43], submetendo o caso concreto à apreciação da cúpula da instituição, conforme afirmação de Eduardo Araújo da Silva.

Insta consignar que o doutrinador citado, bem como uma parcela de autores, defende ser a transação uma faculdade regrada, cabendo ao Ministério Público definir sua política criminal dentro dos parâmetros fixados em lei, o que, contudo, não parece ser a compreensão mais difundida, como foi acima exposto.

Desta feita, conclui-se que a obrigatoriedade de agir do Parquet vige como regra geral no sistema processual penal pátrio, tendo-se apenas aberto algumas hipóteses de exceção ao sistema condenatório, com a edição da Lei n°. 9.099/1995.

Por fim, sem olvidar da suspensão condicional do processo, instituto despenalizador igualmente previsto na lei em tela, julga-se a propósito trazer à lembrança que a maioria dos crimes ambientais previstos na Lei n°. 9.605/1998 abstratamente as comporta, tendo em vista as penas a eles cominadas, nos termos dos artigos 27 e 28 da referida lei.

Fixadas essas premissas, na próxima seção, tratar-se-á a respeito de como o ajuste de conduta ambiental pode reverberar ou não sobre o princípio da obrigatoriedade, tema central deste trabalho.

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Sobre a autora
Ariane Maria Hasemann

Analista Judiciário - Área Judiciária

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HASEMANN, Ariane Maria. O termo de ajustamento de conduta ambiental e o princípio da obrigatoriedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2715, 7 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17990. Acesso em: 22 dez. 2024.

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