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A constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança

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13/12/2010 às 08:55
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3 DOENÇA MENTAL SUPERVENIENTE À CONDENAÇÃO

O tópico em apreço encontra-se devidamente esculpido no artigo 183 da LEP, Lei de Execuções Penais, cuja leitura revela que:

Quando no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança.

Sobre o tema, faz-se por interessante remeter a atenção ao que foi dito linhas atrás sobre o sistema atualmente adotado no Brasil, no sentido de que, no que diz respeito ao novo sistema adotado após a Reforma de 1984, rende-se atenção ao alerta feito por Luiz Flávio Gomes, "[...] não é correto dizer que hoje adotamos o sistema vicariante. Nosso sistema é o alternativo". (2007, p.900). Explica seu posicionamento alegando que "Hoje vigora o sistema alternativo (que a doutrina brasileira chama equivocadamente de vicariante), ou seja, ou se aplica pena ou medida de segurança (as duas conseqüências jurídicas não podem ter incidência concomitante em razão de um fato criminoso).". (2007, p.900).

Em outras palavras, oportunas são as lições de Cezar Roberto Bitencourt, in verbis:

Atualmente, o imputável que praticar uma conduta punível sujeitar-se-á somente à pena correspondente; o inimputável, à medida de segurança, e o semi-imputável, o chamado fronteiriço, sofrerá pena ou medida de segurança, isto é, ou uma ou outra, nunca as duas, como ocorre no sistema duplo binário. (2007, p. 689).

Voltando-se à análise do artigo 183 acima transcrito, nota-se que o referido dispositivo legal possibilita ao magistrado, seja de ofício, ou a requerimento do MP ou de autoridade administrativa, converter a pena privativa de liberdade no desenrolar de sua execução nos casos em que sobrevenha doença mental ou perturbação da saúde mental do sentenciado, conforme expressa disposição legal.

Sobre a matéria e com vistas a melhor complementar o entendimento acima, vale observar as lições de Julio Fabbrini e Renato N. Fabbrini segundo os quais:

Na conversão devem ser aplicadas as normas gerais sobre a imposição da medida de segurança e de sua execução, sendo imprescindível perícia médica. Em princípio a medida de segurança a ser imposta por meio dessa substituição é a internação em hospital psiquiátrico mas, se o condenado praticou crime apenado abstratamente com detenção, permite-se a conversão para tratamento ambulatorial. Deve o juiz fixar o prazo mínimo de internação, entre um e três anos, nos termos do art. 97, §1º, já que a Lei de Execução Penal não prevê, no caso, prazo especial. Evidentemente, a conversão somente pode ocorrer durante o prazo da pena. Terminada esta, é inadmissível a conversão e a internação passa a constituir constrangimento ilegal. A conversão é irreversível, ao contrário do que ocorre com a simples transferência (art. 41 do CP e art. 108 da LEP). (2006, p.745).

Como se nota, há doutrinadores, como os supramencionados, que defendem a ocorrência da conversão tão somente durante o prazo da pena, sendo que findo esta não mais se admite a conversão passando a internação, com isso, à condição de constrangimento ilegal, como acima sustentado. Ocorre que, a questão aqui tratada encontra veemente controvérsia como se restará doravante demonstrado nas linhas que se sucedem.

Ainda no que tange à citação acima, faz-se por bem trasladar o julgado abaixo porquanto o mesmo ilustre o raciocínio dos aludidos autores, como se observa:

Conversão da pena de reclusão em medida de segurança de internação – TACRSP

: Em se tratando de condenado à pena de reclusão a quem sobrevém doença mental no curso da execução (art. 41 do CP), a substituição da pena nos termos do art. 183 da LEP deve ser por medida de segurança detentiva, ou seja, deve consistir em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, nos termos dos arts. 96 e 97, caput, do CP. (RJDTACRIM 11/21).

Isto exposto, e em se tratando do aludido artigo 183 da LEP, cabe ainda tecer algumas ponderações pertinentes à matéria na medida em que como bem assevera Guilherme de Souza Nucci:

É preciso distinguir duas hipóteses: a) se o condenado sofrer de doença mental, não se tratando de enfermidade duradoura, deve ser aplicado o disposto no art. 41 do Código Penal, ou seja, transfere-se o sentenciado para hospital de custódia e tratamento psiquiátrico pelo tempo suficiente à sua cura. Não se trata de conversão da pena em medida de segurança, mas tão-somente de providencia provisória para cuidar da doença do condenado. Estando melhor voltará a cumprir sua pena no presídio de onde saiu; b) caso a doença mental tenha caráter duradouro, a transferência do condenado não deve ser feita como providência transitória, mas sim definitiva. Por isso, cabe ao juiz converter a pena em medida de segurança, aplicando-se o disposto no art. 97 do Código Penal. (2007, p.483).

Ocorre que, como abordado em linhas anteriores, o tema ora vislumbrado é objeto de algumas discordâncias, sendo que mais uma vez a problemática gira em torno da duração da medida de segurança. Assim, quarto são as correntes, quais sejam: A) Duração indefinida, com fulcro no próprio artigo 97, § 1º do CP; B) Igual duração da pena privativa imposta, vale dizer, entende-se aqui que o condenado deva sujeitar-se, internado, ao que falta da pena determinada. C) Duração delineada pelo máximo de 30 anos, sendo esta a linha demarcatória assentada para as penas privativas de liberdade. D) Duração do máximo em abstrato prenunciado como pena para o ato infracional proveniente da medida de segurança.

A referida discordância em razão da omissão legislativa também pode ser vista nos julgados que se seguem, sendo que a favor da limitação:

TJSP

: Substituição de pena corporal por medida de segurança em razão de superveniência de doença mental. Medida de segurança que não pode ultrapassar o período da pena corporal imposta se já vencida. Inteligência dos arts. 682, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal (anterior à mudança da Parte Geral) e art. 183, da Lei de Execuções Penais. Ordem Concedida. (JTJ 289/650).

TACRSP: A ‘medida de segurança substitutiva’ aplica-se a quem foi julgado imputável e substitui a pena imposta, na hipótese de superveniência de doença mental durante sua execução, não podendo sua duração, em respeito à coisa julgada, ser maior que o tempo da pena. (RJDTACRIM 26/232).

TACRSP: Na superveniência de doença mental durante a execução da pena, a Medida de Segurança substitutiva, prevista no art. 41 do CP, não pode ir além da reprienda estabelecida como retribuição pelo crime cometido, sendo certo que, se encerrando o prazo da pena, persistir a necessidade de tratamento, deverá o condenado ser encaminhado ao Juízo Cível competente, nos termos do art. 682 do CPP. (RJDTACRIM 25/429).

Assim, ao que tudo indica, filia-se a este raciocínio Lara Gomides de Souza ao ministrar que:

No entanto, se se tratar de semi-imputável que na sentença recebei uma pena substituída por medida de segurança, o máximo que poderá perdurar a medida é a pena substituída, porque nesta pena já está reconhecida a intervenção máxima do Estado. Destarte, se o semi-imputável recebeu uma pena de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses pela prática de um crime de roubo qualificado, o tratamento não poderá ser superior à pena tributada.

Assim também, se no curso da execução da pena houver a substituição por medida de segurança, a duração desta está limitada a pena imposta da sentença condenatória transitada em julgado, em respeito à coisa julgada, descontando-se o período de resgate da pena. Nesse sentido, se lhe foi imposta uma pena de 06 (seis) anos, estando o sentenciado em cumprimento de pena, tendo já resgatado dois anos da referida sanção, somente poderá ser submetido a uma medida de segurança pelo prazo de 04 (quatro) anos. (2008, p.4).

Em sentido contrário, ou seja, contra a limitação, observa-se o seguinte julgado:

TACRSP

: Sobrevindo doença mental ao sentenciado, durante a execução da pena, a medida de segurança substitutiva desta, que tem a mesma natureza daquela que é imposta no processo de conhecimento, deve durar até que cesse sua periculosidade. Nesse caso, o término da pena não pode ser utilizado como marco final da medida, devendo prevalecer o prazo referido no § 1º, do art. 97 do CP. (RT 762/654 E RJTACRIM 42/33).

Ora, como se percebe, mais uma vez o legislador pecou ao deixar obscura a linha fronteiriça para o cumprimento das medidas, quando do advento da conversão. Assim, ao disciplinar de tal maneira o artigo 183 da LEP, deixou o legislador margem para interpretação, ocasionando, com isso, diferentes entendimentos doutrinários sobre a matéria. No entender do presente trabalho, por tal omissão pecou o legislador, como o pecou ao dispor, no art. 97 do CP que a duração da medida de segurança será por tempo indeterminado, como se tem aqui dito. Seja por ter se omitido no art. 183 da LEP, seja pela indeterminabilidade da duração da medida presente no artigo 97, o fato é que melhor teria sido se o legislador tivesse disciplinado a matéria, de forma mais transparente e sob o manto dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, sob pena de, respectivamente, obscuridade e inconstitucionalidade como defendido nesta monografia.

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Sobre o tema, vide o que profere Guilherme de Souza Nucci:

Afinal, não mais sendo adotado o sistema do duplo binário (pena mais medida de segurança), cabe a verificação de imputabilidade no momento do crime, e não depois. Caso fosse considerado inimputável à época do crime, receberia por tal fato medida de segurança, podendo cumpri-la indefinidamente. A situação ora aventada, portanto, é diferente: num primeiro caso, já que cometeu um crime no estado de imputabilidade, recebeu pena. Este é o pagamento à sociedade pelo mal praticado. Ficando doente, merece tratamento, mas não por tempo indefinido. Num segundo caso, uma vez que praticou o delito no estado de inimputabilidade, recebeu medida de segurança. Pode ficar detido até que se cure. O injusto cometido tem ligação direta com a medida de segurança aplicada, justificando-se, pois, a indeterminação do término da sanção penal. (2007, p.483-484).

Para o aludido autor, como acima consignado, no que tange à conversão da pena em medida de segurança no curso da execução, faz-se por imprescindível a verificação de imputabilidade no exato momento do crime. Assim, partindo-se desta premissa, continua seu raciocínio da seguinte maneira:

Melhor seria exigir-se a clareza da lei. Não existindo tal nitidez, parece-nos mais lógico não interpretar a lei penal em desfavor do réu. Assim, tendo em vista que na época da infração penal o réu foi considerado imputável, recebeu do Estado, por conseqüência disso, uma pena, fixada em montante certo. Caso tenha havido conversão, é justo que a medida de segurança aplicada respeite o limite estabelecido pela condenação, ou seja, cumprirá a medida de segurança pelo prazo máximo da pena. Terminado esse prazo, continuado doente, torna-se um caso de saúde pública, merecendo ser interditado, como aconteceria com qualquer pessoa que sofresse de enfermidade mental, mesmo sem praticar crime. (2007, p.484).

Com vistas a embasar seu posicionamento traz alguns julgados neste sentido, dentre eles:

TJSP: A medida de segurança imposta em substituição à pena privativa de liberdade, em face da superveniência de doença mental no curso da execução não guarda relação com o crime praticado razão pela qual não pode perdurar além do limite temporal previsto na sentença penal condenatória transitada em julgado, sob pena de ofensa à coisa julgada. (Ag. Em Execução 453.792.3/3, 5ª C., rel. Tristão Ribeiro, 18.05.2006, v.u.).

Como restará demonstrado mais adiante, o autor acima em comento, sustenta ser constitucional o prazo indeterminado para a medida de segurança, ou seja, no que diz respeito ao objeto principal desta monografia, entende o autor ter sido inteligente o § 1º do artigo 97 ao trazer internação do paciente por prazo indeterminado. Porém, no que tange a matéria ora em análise, qual seja, a conversão da pena em medida de segurança no curso da execução, é de se notar, das palavras acima transcritas, que o autor entende ser justo que a medida de segurança imposta ao paciente observe o limite determinado quando da prolação da sentença condenatória, vale dizer, deverá cumprir a medida pelo prazo máximo da pena. Assim, ancorado na verificação de imputabilidade no momento do crime, defende-se o referido doutrinador acrescentado que:

[...] não há contradição com o que defendemos no início deste capítulo, ou seja, não ser inconstitucional a medida de segurança ter duração indefinida. O que se busca é analisar a situação do criminoso no momento em que pratica o delito, para evitar o malfadado duplo binário. Se era inimputável, pode receber medida de segurança por tempo indefinido, já que essa é a sanção merecida pelo que praticou. Sendo imputável, cabe-lhe a aplicação de uma pena, que não deve ser alterada no meio da execução por uma medida indeterminada. Afinal, de uma pena com limite pré-fixado, com trânsito em julgado, passaria o condenado a uma sanção sem limite, não nos parecendo isso correto. (2007, p.484).

Mais uma vez, alicerça seu posicionamento trazendo julgado, desta feita, do STJ, como se observa:

STJ: Mister se faz ressaltar a diferença entre a medida de segurança prevista no Código Penal aos inimputáveis e a medida de segurança substitutiva, trazida pelo art. 183 da Lei de Execução Penal. Para os inimputáveis a lei prevê que a medida de segurança terá tempo indeterminado, durando enquanto perdurara periculosidade do réu.   

Ao passo que, a medida de segurança substitutiva, é aplicada a quem foi julgado como imputável e no decorrer da execução da pena foi acometido por doença mental, estando portanto, adstrita ao restante do tempo do cumprimento da pena. (HC 12.957 – SP, 5ª T., rel. Feliz Fischer, 08.08.2000, v.u., DJ 04.09.2000).

A este respeito, já tecemos algumas críticas contrárias, o que será ratificado e melhor embasado mais adiante, em momento oportuno. Mas, desde já, registra-se que, ao que melhor se coaduna com os direitos fundamentais, em hipótese alguma deveria ser admissível imposição de pena ou medida de segurança com duração indeterminada, seja em se tratando de conversão da pena em medida no curso da execução consoante artigo 183 da LEP, seja em relação à duração do artigo 97 do Código Penal. Do contrário, restará patente a violação aos preceitos constitucionais, sobretudo a dignidade da pessoa humana, e princípios como o da proporcionalidade, igualdade e da não-perpetuação da pena.

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Sobre o autor
Márcio Fortuna Alves

Advogado graduado pela UCSAL. Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito/ Jus PODIVM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Márcio Fortuna. A constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2721, 13 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18014. Acesso em: 23 dez. 2024.

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