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A constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança

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13/12/2010 às 08:55
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5 DO POSICIONAMENTO DO STF ACERCA DA MATÉRIA

Antes de mais nada, frisa-se desde já, que, em razão da extensão do inteiro teor do julgamento do HC 84.219, optou-se em trazer à lume citações tão somente dos pontos cruciais, sem que isso desmereça, de forma alguma, os demais tópicos do histórico julgado, sobre os quais, na medida do possível, tentar-se-á tecer breves comentários mais adiante, quando das considerações sobre a decisão do STF.

Por ora, portanto, valem as transcrições do informativo 369 do STF, do resumo do andamento processual bem como da ementa acompanhada da decisão.

Assim, a bem de embasar melhor a presente obra monográfica, insta observar o Informativo Jurisprudencial de número 369 do STF, in verbis:

1889 – MEDIDA DE SEGURANÇA – INTERNAÇÃO EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO – LIMITE TEMPORAL DE TRINTA ANOS – ARTIGOS 75, DO CÓDIGO PENAL E 183, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL – REMOÇÃO DO PACIENTE PARA HOSPITAL PSIQUIÁTRICO DA REDE PÚBLICA, CESSADA A CUSTÓDIA – JULGAMENTO NÃO CONCLUÍDO.

"A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende a extinção de medida de segurança aplicada à paciente, diagnosticada como doente mental pela prática do delito de homicídio, cujo cumprimento, em hospital de custódia e tratamento, já ultrapassara trinta anos. A impetração é contra decisão do STJ que indeferira a mesma medida, sob o fundamento de que a lei penal não prevê limite temporal máximo para o cumprimento da medida de segurança, somente condicionada à cessação da periculosidade do agente. Sustenta-se, na espécie, com base no disposto nos artigos 75 do CP e 183 da LEP, estar a medida de segurança limitada à duração da pena imposta ao réu, e que, mesmo persistindo a doença mental e havendo necessidade de tratamento, após a declaração da extinção da punibilidade, este deve ocorrer em hospital psiquiátrico, cessada a custódia. O Min. Marco Aurélio, relator, deferiu o writ para que se implemente a remoção da paciente para hospital psiquiátrico da rede pública, no que foi acompanhado pelos Ministros Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Considerou que a garantia constitucional que afasta a possibilidade de ter-se prisão perpétua se aplica à custódia implementada sob o ângulo de medida de segurança, tendo em conta, ainda, o limite máximo do tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade a que alude o art. 75 do CP, e o que estabelece o art. 183 da LEP, que delimita o período da medida de segurança ao prever que esta ocorre em substituição da pena, não podendo, dessa forma, ser mais gravosa do que a própria pena. Com base nisso, concluiu que, embora o §1º do art. 97 do CP disponha ser indeterminado o prazo da imposição de medida de segurança, a interpretação a ser dada a esse preceito deve ser teleológica, sistemática, de modo a não conflitar com as mencionadas previsões legal e constitucional que vedam a possibilidade de prisão perpétua. Após, pediu vista dos autos o Ministro Sepúlveda Pertence. (CP: "Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos. ... Art. 97. ... §1º A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de um a três anos."; LEP: "Art. 183. Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança."). (STF – 1ª T. – HC n° 84.219-SP – Rel. Min. Marco Aurélio – j. 09.11.04 – Informativo do STF nº 369 – 08 a 12.11.04, pág. 3).

Feito isto, e visando a perfeita noção e entendimento do caso em questão, indispensável se torna trazer à lume o acompanhamento processual seguido das manifestações dos ministros da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal através de uma breve, porém determinante, análise histórica do julgamento do HC 84.219, in verbis:

Data:

09/11/2004 Andamento: vista ao ministro com a seguinte Observação: Sepúlveda Pertence. decisão: após os votos dos ministros Marco Aurélio, relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau deferindo o pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o ministro Sepúlveda Pertence, presidente. falou pelo paciente o Dr. Waldir Francisco Honorato Junior, procurador estadual. 1ª turma, 09.11.2004. mais adiante, Data: 16/02/2005 Andamento: adiado o julgamento Observação: Decisão: Após os votos dos Ministros Marco Aurélio, Relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau deferindo o pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente. Falou pelo paciente o Dr. Waldir Francisco Honorato Junior, Procurador Estadual. 1ª Turma, 09.11.2004.Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Sepúlveda Pertence, de acordo com o art. 1º, § 1º, in fine, da Resolução n. 278/2003. 1a. Turma, 14.12.2004.Decisão: Adiado o julgamento por indicação do Ministro Sepúlveda Pertence. 1a. Turma, 15.02.2005. Por fim, Data: 16/08/2005 Andamento: julg. primeira turma - deferido em parte com a importante Observação: DECISÃO: prosseguindo o julgamento, após a retificação de voto dos ministros Marco Aurélio, relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau, a turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus para que, cessada a aplicação da medida de segurança, se proceda na forma do art. 682, § 2º. do código de processo penal ao processo de interdição civil do paciente no juízo competente, na conformidade dos arts. 1.769 e seg. do código civil, nos termos do voto do ministro Sepúlveda Pertence, presidente. unânime. 1ª. turma, 16.08.2005.

Isto posto, cumpre apreciar o acórdão referente ao julgamento do HC 84219 aqui em apreço, tendo por relator o Min. Marco Aurélio, como se observa:

HC 84219/SP- SÃO PAULO

HABEAS CORPUS

Relator(a) Min. MARCO AURÉLIO

Julgamento: 16/08/2005

Órgão Julgador: Primeira Turma

Publicação

DJ 23-09-2005 PP-00016 EMENT VOL-02206-02 PP-00285

Parte(s)

PACTE.(S) : MARIA DE LOURDE FIGUEIREDO OU MARIA DE LOUDES FIGUEIREDO OU MARIA DAS GRAÇAS DA SILVA

IMPTE.(S) : PGE-SP - WALDIR FRANCISCO HONORATO JUNIOR

(ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA)

COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ementa

MEDIDA DE SEGURANÇA - PROJEÇÃO NO TEMPO - LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos.

Decisão

Após os votos dos Ministros Marco Aurélio, Relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau deferindo o pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente. Falou pelo paciente o Dr. Waldir Francisco Honorato Junior, Procurador Estadual.

1ª Turma, 09.11.2004. Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Sepúlveda Pertence, de acordo com o art. 1º, § 1º, in fine, da Resolução n. 278/2003. 1a. Turma, 14.12.2004.

Decisão: Adiado o julgamento por indicação do Ministro Sepúlveda Pertence. 1a. Turma, 15.02.2005.

Decisão: Prosseguindo o julgamento, após a retificação de voto dos Ministros Marco Aurélio, Relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau, a Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus para que, cessada a aplicação da medida de segurança, se proceda na forma do art. 682, § 2º. do Código de Processo Penal ao processo de interdição civil do paciente no juízo competente, na conformidade dos arts. 1.769 e seg. do Código Civil, nos termos do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente. Unânime. 1ª. Turma, 16.08.2005.

Indexação

- PREVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, VEDAÇÃO, SANÇÃO PENAL, CARÁTER PERPÉTUO, EQUIVALÊNCIA, INDETERMINAÇÃO, LIMITE TEMPORAL, CUSTÓDIA, MEDIDA DE SEGURANÇA.

-(FUNDAMENTAÇÃO COMPLEMENTAR), (MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE), NECESSIDADE, APLICAÇÃO, MEDIDA DE SEGURANÇA, IDENTIDADE, LIMITAÇÃO, TEMPO, CUMPRIMENTO, PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, CONTEÚDO, SANÇÃO PENAL, PRESSUPOSIÇÃO, RECONHECIMENTO, INJUSTO PENAL, DECORRÊNCIA, FATO, TIPIFICAÇÃO, CRIME. CARACTERIZAÇÃO, ESPÉCIE, EXERCÍCIO, PODER PUNITIVO ESTATAL, LIMITAÇÃO, LIBERDADE. POSSIBILIDADE, RECONHECIMENTO, EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, MEDIDA DE SEGURANÇA, DESNECESSIDADE, CONFIGURAÇÃO, PENA, NATUREZA CORPORAL, INDEPENDÊNCIA, REPROVABILIDADE, FATO.

Exposto isto, urge tecer algumas considerações sobre a histórica decisão do Supremo Tribunal Federal. Antes, porém, é de bom tom, ao menos, transcrever alguns acórdãos citados no referido julgado, dos quais certamente se valeram os ministros para formar suas conclusões sobre a matéria posta em comento.

5.1 ACÓRDÃOS CITADOS NA DECISÃO PRINCIPAL

Estudando-se o julgamento do HC 84219, é possível, notar a título de complementação, que a decisão em apreço, no intuito de explicar as diferenças e semelhanças entre pena e medida de segurança, dentre outras coisas, lançou mão de alguns acórdãos os quais merecem atenção em razão da pertinência temática. Embora pareçam, num primeiro plano, desnecessárias, não resta dúvida de que, por complementar o entendimento da matéria em questão, valem as transcrições:

EMENTA: HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. LEI 7.209, DE 1984. IMPOSIÇÃO CONCOMITANTE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PELO CRIME COMETIDO COM A MEDIDA DE SEGURANÇA. DESCABIMENTO.

Quando da condenação do paciente, já se encontrava em vigor a lei n. 7.209, de 1984. Não cabia, assim, a imposição cumulativa da pena de reclusão, pelo crime cometido, e a medida de segurança, pelo que, já tendo sido cumprida aquela, e esta última não podendo subsistir, concede-se a ordem em maior extensão, para que seja solto o paciente, que requerera o 'writ' para ficar seu regime prisional aberto ou semi-aberto. (HC 65732 - SP, SEGUNDA TURMA, rel. Min. Aldir Passarinho, j. 04.03.1988).

EMENTA: HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO: INOCORRENCIA. MEDIDA DE SEGURANÇA: CANCELAMENTO, EM FACE DA LEI NOVA QUE A ABOLIU. 1. Não configurada a prescrição da pretensão punitiva, segundo a pena concretizada no acórdão impugnado, denega-se o "habeas corpus". 2. Concede-se, porem, a ordem, de oficio, nos termos do art. 193 do R.I.S.T.F., para se cancelar a condenação a medida de segurança, porque a nova parte geral do Código Penal, que entrou em vigor após a prolação do julgado condenatório, não a prevê para os plenamente imputáveis, como e o caso do paciente. (HC 68450 - SP, PRIMEIRA TURMA, rel. Min. Sydney Sanches, j. 12/03/1991).

EMENTA: HABEAS-CORPUS. ABSOLVIÇÃO POR INIMPUTABILIDADE. APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO: ALEGAÇÃO DE QUE DEVE PAUTAR-SE PELA PENA MINIMA COMINADA AO DELITO. Se a data da absolvição por inimputabilidade não tinha ocorrido a prescrição da ação, e legitima a aplicação da medida de segurança. Em tais casos, a prescrição da ação e regulada pelo art. 109 do Código Penal. "Habeas-corpus" conhecido, mas indeferido. (HC 69904 - SP, SEGUNDA TURMA, rel. Min. Paulo Brossard, j. 15/12/1992).

EMENTA: HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. CANCELAMENTO. É DE CANCELAR-SE, DESDE LOGO, A MEDIDA DE SEGURANÇA IMPOSTA AO PACIENTE COM BASE NA LEGISLAÇÃO ANTERIOR, SEGUNDO CRITÉRIOS REVOGADOS PELA LEI 7.209/84. 'HABEAS CORPUS' CONCEDIDO, EM PARTE. (HC 62947 - SP, PRIMEIRA TURMA, rel. Min. Rafael Mayer, j. 16/08/1985).

Como se nota da transcrição dos acórdãos acima, o julgamento do HC 84219 fez importantes citações pertinentes às mudanças que se sucederam à época.

Por sua vez, analisar-se-á, a seguir, a decisão em comento tecendo, para tal, algumas considerações, as quais, se de todo não pacífica, ao menos possui a intenção de, pautada na razoabilidade e proporcionalidade, conferir aos inimputáveis tratamentos dignos à sua especial condição.

5.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A DECISÃO DO STF

Entende-se indubitavelmente louvável a tese de que os limites constitucionais e legais previstos à pena também devem incidir nas medidas de segurança, sob pena de configuração de inconstitucionalidade. Assim sendo, por analogia ao artigo 75 CP (limites das penas), as medidas de seguranças, também deverão estar limitadas a um período, seja ele o máximo de 30 anos (como entende o STF), seja ele o prazo máximo cominado abstratamente para o fato ilícito cometido, sendo esta última, no entender deste trabalho, merecedora de maior aceitação porquanto mais benéfica ao inimputável, como restará doravante explicado.

Todavia, atenta-se para a inexistência de regime jurídico que abranja tal situação. Em razão disso, após pedido de vistas, o Min. Sepúlveda Pertence baseado na inexistência de regime jurídico que trate a questão, decidiu também, por analogia, pela aplicação do artigo 682, § 2º do CPP. (situação em que o preso já iniciado o cumprimento da pena é submetido à medida de segurança e sua internação se estende até o final do tempo da pena que lhe restava).

Com isso, depois da retificação de voto dos supramencionados ministros, deferiu-se, em parte, o pedido de habeas corpus a fim de que, terminada a aplicação da medida de segurança, procedesse nos moldes do art. 682, § 2º do CPP ao processo de interdição civil do paciente no juízo competente, consoante os arts. 1.769 e seguintes do código civil, nos termos do voto do ministro Sepúlveda Pertence. Nota-se, pois, que vencido esse prazo cessará a medida de segurança assim como a jurisdição da justiça penal. Caso perdure a enfermidade, entende-se que deverá o paciente ser transferido para hospital da rede pública exterminando-se a intervenção da justiça penal.

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O que não se pode, é bem verdade, é incorrer no erro de, simplesmente, estar se transportando o problema da esfera penal para a esfera cível, como adverte parte da doutrina. Caso isto aconteça, mantida estaria a violação aos direitos humanos, mudando-se tão somente o cenário. Vale dizer, teme-se que tal desfecho não passe de uma simples transferência de problemas de uma esfera do Estado para outra, sob pena de se verem fadadas ao insucesso as intenções aqui pretendidas.

Assim, é que, é válida a preocupação, mas se tomadas as devidas precauções e adotadas as providências aqui sustentadas, não há porque temer o insucesso de tal mecanismo. Para tal, surgem as figuras de importantes iniciativas consubstanciadas em programas como o PAIPJ, CERSAM e CAPS, voltados, cada qual com sua peculiaridade, a ressocialização/reinserção dos indivíduos submetidos à medida de segurança, o que restará constatado no tópico que se segue.

Por ora, registra-se que, no entender desta monografia, as aludidas iniciativas, para melhor surtirem os efeitos a que se pretende, deverão, inclusive, ganhar terreno desde a internação dos agentes. Aliás, sobre isto, já restou comprovado, através de dados estatísticos, que os programas de assistência aos infratores portadores de doença mental possuem o condão de diminuírem sensivelmente o tempo de internação destes indivíduos. Com isso, reduzido o tempo de internação em razão do recebimento de tratamento adequado, parece não haver dúvidas, inclusive, acerca da possibilidade de, antes mesmo de completado o máximo da pena abstratamente cominada para o delito, o paciente recuperar-se e reatar os laços de convivência com a família e a sociedade.

Outra questão a ser pensada é a aplicação do Princípio da Igualdade, pois surgirá uma hipótese interessante quando ao imputável que cometer o crime mais gravoso no CP, a pena que lhe será imposta possuirá um limite máximo de cumprimento equivalente a 30 anos, enquanto que ao inimputável que praticasse o crime menos grave da lei penal estaria passível de cumprir uma sansão perpétua já que não há limite máximo legal da execução da medida de segurança mas tão somente tratou o legislador de definir o limite mínimo. Assim, para se evitar a inconstitucionalidade da pena perpétua bem como a violação do princípio basilar da igualdade, é que se torna indubitavelmente plausível a posição defendida pelo STF, já acima citada.

Porque, então, andou bem o STF ao impor limitações no que concerne ao prazo máximo de duração das medidas de seguranças? Para se responder a tal indagação faz-se por oportuno raciocinar através de um caso prático, senão veja-se: Na hipótese de um indivíduo imputável cometer, na forma do artigo 129, § 1º, inciso III, lesão corporal de natureza grave, resultando disso debilidade permanente de membro, sentido ou função, cumprirá até o máximo de cinco anos de reclusão, enquanto um inimputável que praticasse a mesma infração teria contra si imposta uma medida de segurança de internamento dotada de duração indeterminada, ou seja, persistiria a medida aplicada até que findo o estado de periculosidade, em observância ao § 1º do artigo 97 do CP. Em outras palavras, a medida de segurança desprovida de limite máximo prazal poderia durar, na prática, cinco, quinze, vinte e cinco anos, quiçá até um internamento marcado pela perpetuidade.

Ora, diante desta situação hipotética, resta de clareza solar ter acertado o Supremo ao impor restrições à duração das medidas de segurança, no caso, determinando que as mesmas ficassem jungidas ao período máximo de 30 anos das penas. Contudo, no entender da tese defendida nesta monografia, não obstante tenha dado um grande passo, poderia o Supremo Tribunal Federal ter ido mais além, o que se defenderá nas linhas abaixo.

É que, avançando-se um pouco mais, questiona-se qual limite prazal seria mais benéfico ao paciente, o prazo máximo de 30 anos tratado pelo STF, ou prazo máximo da pena abstratamente para o fato ilícito cometido? Mais uma vez, mister se faz lançar mão de um caso prático para melhor fundamentar a resposta.

Assim, partindo-se do exemplo supracitado, para aqueles que defendem o limite máximo presente no artigo 75 do CP, como o faz STF, causando o inimputável lesão corporal de natureza grave nos moldes do exemplo acima, o prazo máximo em que o mesmo ficaria submetido à medida de internação seria de 30 (trinta) anos. Por outro lado, admitindo-se que o período máximo de execução da medida seja o equivalente ao máximo da pena abstratamente cominada ao delito que a fundamentou, o inimputável que causasse a aludida lesão corporal cumpriria no máximo 5 (cinco) anos de internação, por ser esta a pena máxima correspondente. Nesta esteira de raciocínio Luiz Flávio Gomes citado por Cezar Roberto Bitencourt (2007, p.694):

Começa-se a sustentar, atualmente, que a medida de segurança não pode ultrapassar o limite máximo de pena abstratamente cominada ao delito, pois esse seria "o limite da intervenção estatal, seja a título de pena, seja a título de medida", na liberdade do indivíduo, embora não prevista expressamente no Código Penal, adequando-se à proibição constitucional do uso da prisão perpétua.

Ora, parece não haver dúvida que a fixação do prazo máximo pelo máximo de pena abstratamente cominada para o delito é solução claramente mais benéfica ao paciente, além de ser a mais condizente com os anseios da Constituição, tudo a se alcançar os direitos fundamentais da pessoa humana. Assim, no exemplo em comento, ao invés do inimputável cumprir a medida por um prazo máximo de 30 anos, ficaria tão somente jungido ao limite temporal de cinco anos de reclusão, referente ao período máximo de pena abstratamente cominada ao delito de lesão corporal grave resultante de debilidade permanente de membro, sentido ou função.

Destarte, ao se dizer linhas atrás que acertada foi a decisão do STF, o que se pretendeu foi deixar claro a necessidade de se limitar a duração máxima da execução de medidas de segurança. Contudo, após as elucidações aqui feitas, tornou-se evidente que tal limitação melhor se ajusta aos reais objetivos da Constituição, quando adotada através da fixação do período máximo pelo máximo de pena abstratamente cominada para o delito, como acima explicitado.

Em outras palavras, o fato é que a medida de segurança de internamento dos inimputáveis há de estar sujeita a prazo determinado de duração pois, assim, não restaria violada a liberdade do indivíduo em seu direito fundamental. Anula-se, com isso, a possibilidade de prisão perpétua a qual contraria o Estado Democrático de Direito.

Visto isto, impende responder, por conseguinte, outro questionamento que naturalmente viceja, qual seja: o que ocorrerá quando do término da medida de internamento se não cessada a periculosidade do sujeito? A pergunta encontra resposta no entendimento que se segue.

De fato, os interesses da coletividade também deverão ser preservados, devendo a mesma ser protegida nos casos em que cessada a medida de internamento persista o estado perigoso do indivíduo. Assim, com vistas a atender tanto aos interesses da coletividade bem como os dos inimputáveis é que se faz necessário lançar mão de medidas judiciais de cunho administrativo não-penais com fulcro a garantir o eficaz tratamento médico-psiquiátrico. Para tal, com espeque em dispositivos da legislação civil alocados no capítulo referente à curatela, mais precisamente na seção relativa aos interditos, o que se busca é distanciar o sujeito da máquina penal, colocando-o longe de toda e qualquer conseqüência negativa bem como dos reveses impregnados na sistemática criminal. Destarte, tem-se que estes indivíduos serão, então, amparados não mais pelo sistema penal (que se mostrara ineficiente), mas sim pelo sistema de terapia administrativo e civil.

Neste prisma, vide o que dispõem, em especial, os artigos do CC abaixo transcritos:

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:

I-aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

II- aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;

III- os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;

IV- os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;

V_ os pródigos.

Art. 1.776. Havendo meio de recuperar o interdito, o curador promover-lhe-á o tratamento em estabelecimento apropriado.

Art. 1.777. Os interditos referidos nos incisos I, III e IV do art. 1.767 serão recolhidos em estabelecimentos adequados, quando não se adaptarem ao convívio doméstico.

Parece inconteste que melhor teria sido se o legislador ao versar sobre a matéria o fizesse com transparência, sem deixar margens a distorções. Porém como não o fez, é preciso esquecer a omissão legislativa e buscar mecanismos idôneos a tratar os inimputáveis, visando sua adaptação e conseqüente reinserção no seio familiar e social, o que, muito embora para muitos seja tarefa quase impossível, já se restou comprovado ser plenamente viável através de eficazes programas como o PAI PJ, CERSAM e CAPS, como se notará adiante.

Assim sendo, findo o prazo em comento, e persistindo a enfermidade, entenda-se periculosidade, passa a ser, ao que parece, uma típica situação de saúde pública, devendo o indivíduo ser interditado nos mesmos moldes como ocorreria com qualquer outro enfermo mental que não cometera delito algum. Mais uma vez se justifica a aplicação de programas de assistência e proteção como os que aqui foram destacados.

É que, ideal seria se o paciente se reintegrasse socialmente no curso da execução da medida de segurança. Contudo, não se pode ignorar o peculiar estado de saúde que geralmente se encontram tais indivíduos, até mesmo porque também estão em questão os direitos de toda uma coletividade ávida por segurança. Assim, com o objetivo de atender a ambos os interesses é que, encerrada a medida de internamento e notando-se que o paciente ainda não está apto a reatar os laços com a sociedade, faz-se por necessário a manutenção do agente, até que possibilitada seja a reinserção, sob o cuidado dos aludidos programas de tratamento, auxílio e atenção aos portadores de doença mental, seja através de tratamentos domiciliares ou em estabelecimentos dignos e apropriados como centros de atenção e referência psicossocial, a depender de cada caso individualmente considerado.

Ademais, neste diapasão, nota-se a adoção pelo STF, por analogia, do artigo 682, § 2º do CPP, o que se verá mais adiante nas linhas que se sucedem.

Avançando um pouco mais na análise do julgado, é possível notar que a decisão em análise tende também a adotar o mecanismo acima referido. Assim, após pedido de vistas, o ministro Sepúlveda Pertence profere seu voto defendendo a aplicação análoga do artigo 682, § 2º do diploma processual penal, como se observa da transcrição:

Estou em que deve ser aplicado, por analogia, o art. 682, § 2º do C. Pr. Penal, na parte em que determina a comunicação ao "juiz dos incapazes", para que lá, dada vista ao Ministério Público, se proceda conforme o previsto para a interdição civil, nos termos do arts. 1.769 e seg. do Código Civil [...].

Os citados artigos, por sua vez, merecem a transcrição:

Art. 682 do CPP. O sentenciado a que sobrevier doença mental, verificada por perícia médica, será internado em manicômio judiciário, ou, à falta, em outro estabelecimento adequado, onde lhe seja assegurada a custódia.

[...]

§ 2º. Se a internação se prolongar até o término do prazo restante da pena e não houver sido imposta medida de segurança detentiva, o indivíduo terá o destino aconselhado pela sua enfermidade, feita a devida comunicação ao juiz de incapazes.

Art. 1.769 do CC. O Ministério Público só promoverá a interdição:

I_ em caso de doença mental grave;

II- se não existir ou não promover a interdição alguma das pessoas designadas nos incisos I e II do artigo antecedente;

III- se, existindo, forem incapazes as pessoas mencionadas no inciso antecedente.

No que concerne ao artigo 682, § 2º, remete-se o raciocínio ao que foi dito outrora, lembrando-se, também, da similitude substancial existente entre este artigo e o 183 da LEP, também já vislumbrado nesta obra quando da análise da superveniência de doença mental.

A decisão do STF, aqui objeto de estudo, traz, ainda, em seu bojo, interessante contribuição acerca do tema ao versar sobre legislações alienígenas, mais precisamente a de Portugal e República de Cabo Verde. Assim, através deste intercâmbio de conhecimentos jurígenos, vale a transcrição do que assevera, sobre o assunto, o ministro Sepúlveda Pertence em seu voto: "Certo, diversamente de outras constituições, tal como a de Portugal e da República de Cabo Verde, a Constituição Brasileira na foi expressa ao disciplinar a limitação temporal das medidas de segurança.".

Assim, em notas explicativas traz em seu voto os seguintes dispositivos alienígenas:

Artigo 30, 1 da Constituição Portuguesa

: Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.

Artigo 32 da Constituição da República de Cabo Verde: Em caso algum haverá pena privativa da liberdade ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.

Sem sombra de dúvidas, melhor teria sido se a legislação brasileira tratasse expressamente o assunto, dispondo, transparentemente, sobre a vedação de medidas de segurança com caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou indeterminada, como o fizeram as Constituições acima destacadas.

Ademais, também teceram considerações os autores Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fabio Machado Delmanto ao analisarem a decisão do STF, consoante transcrição a seguir contemplada:

Dignidade humana, o prazo máximo de 30 anos e o Supremo Tribunal Federal: Em julgamento, a nosso ver histórico e importantíssimo, o STF decidiu, em acórdão da lavra do Ministro Marco Aurélio (HC 84.219-4, j. 16.8.2005, empate), que a interpretação sistemática e teológica dos arts. 75 e 97 do CP e do art. 183 da LEP, " deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpetuas", ficando a medida de segurança jungida ao período máximo de 30 anos. Neste sentido, afirmou: "Observe-se a garantia constitucional que afasta a possibilidade de ter-se prisão perpetua. A tanto equivale a indeterminação da custódia, ainda que implementada sob o ângulo da medida de segurança. O que cumpre assinalar, na espécie, é que a paciente está sob a custodia do Estado, pouco importando o objetivo, há mais de trinta anos, valendo notar que o pano de fundo é a execução de título judiciário penal condenatória. O art. 75 do CP há de merecer o empréstimo dá maior eficácia possível, ao preceituar que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos. Frise-se, por oportuno, que o art. 183 da LEP delimita o período da medida de segurança, fazendo-o no que prever que esta ocorre em substituição da pena, não podendo, considerada a ordem natural das coisas, mostrar-se, relativamente à liberdade de ir e vir, mais gravosa do que a própria apenação. É certo que, o §1º do art. 97 do CP, dispõe sobre prazo da imposição da medida de segurança para inimputável, revelando-o indeterminado. Todavia, há de se conferir ao preceito interpretação teleológica, sistemática, atentando-se para o limite máximo de trinta anos fixado pelo legislador ordinário tendo em conta a regra primaria vedadora da prisão perpetua. A não ser assim, há de concluir-se pela inconstitucionalidade do preceito.". Ao acompanhar o voto do relator, o Ministro Sepúlveda Pertence complementou: "Certo, diversamente de outras Constituições, tal como a de Portugal e da República de Cabo Verde, a Constituição brasileira não foi expressa ao disciplinar a limitação temporal das medidas de segurança. Nem por isso, se valeu do que a doutrina alemã denomina ‘silêncio eloqüente’: ao vedar as penas de caráter perpetuo, quis a Constituição de 1988 (art. 5º, XLVII, b) se referir às sanções penais e, dentre elas, situam-se as medidas de segurança. Donde a afirmação de ZAFFARONI, BIERANGELI – que se alinham aos votos dos eminentes Ministros que me antecederam -, segundo a qual não ‘é constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento, se estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpetua, como coerção penal’ e, se ‘ a lei não estabelece o limite máximo, é o interprete que tem a obrigação de fazê-lo’ [Manual de Direito penal Brasileiro – Parte Geral, 5ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 812]." (2007, p. 277).

Com isso, procurou-se analisar, da melhor maneira possível, o conteúdo do importante e histórico julgado do Supremo Tribunal Federal, tecendo-se, para tal, algumas considerações sobre a matéria.

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Sobre o autor
Márcio Fortuna Alves

Advogado graduado pela UCSAL. Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito/ Jus PODIVM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Márcio Fortuna. A constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2721, 13 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18014. Acesso em: 23 dez. 2024.

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