Artigo Destaque dos editores

O direito do mais fraco na tragédia grega.

Um estudo a partir da Tragédia "As Suplicantes", de Ésquilo

Exibindo página 2 de 2

Resumo:


  • As Suplicantes, de Ésquilo, é uma tragédia grega que aborda a fuga das Danaides para evitar casamentos forçados com seus primos, filhos de Egito, e a subsequente súplica por proteção em Argos.

  • Rei Pelasgos de Argos enfrenta um dilema entre acolher as suplicantes, cumprindo o dever religioso de proteção aos mais fracos, e evitar um conflito com os filhos de Egito, o que poderia levar a uma guerra.

  • A obra reflete a tensão entre o direito do mais fraco, como um dever religioso e um aspecto político, destacando a importância da justiça e do equilíbrio na sociedade grega arcaica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se que, na obra As Suplicantes, de Ésquilo, a súplica, após assembléia popular, foi reconhecido e compreendido pelos cidadãos como barreira contra a violência. Ao proteger a injustiça cometida contra as Danaides, os Argivos protegem também a eles próprios e a pólis deste mal e da ruína causada pela "peste" da injustiça.

Argos é representada na obra como uma cidade democrática, Pelasgo, o rei de Argos, deixa isso claro desde o momento em que anuncia que fará uma assembléia democrática na qual o povo decidirá se acolhe ou não as Danaides: "Por mim, nada posso prometer sem primeiro ouvir todos os Argivos" 47. Os cidadãos, na obra As Suplicantes, aceitam atender aos apelos das Danaides. Assim, a vontade divina se transfigura, por meio de uma decisão política (e não simplesmente por um dever religioso) em lei civil, incorporando-se à cidade. A concepção religiosa de justiça, que assegura ao mais fraco suplicar e obter proteção contra a violência do mais forte precisará, a partir de então, da chancela da pólis. Dito de outro modo: "A existência da justiça deixa de ser um voto piedoso e se inscreve na conduta política da cidade de Argos" 48. Assim, o direito do mais fraco é reconhecido pela pólis como um dever religioso, mas tambémcomo um requisito racional para a própria existência de uma sociedade politicamente organizada, na medida em que a tolerância à injustiça arrasta a pólis ao caos social.

Com a assembléia, através do voto, o povo reconhece o Direito do mais fraco como proteção contra os males advindos da injustiça. Assim como o povo Argivo, na obra As Suplicantes, reconheceu este direito, os leitores de Ésquilo também são levados à reflexão sobre o Direito do mais fraco.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. Poética. Tradução, prefácio, introdução, comentários e apêndices de Eudoro de Souza. 2. ed. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1990.

BEAUJON. Edmond. Le dieu des suppliants: poésie Grecque et Loi de l’Homme. Neuchâtel: Office de Publicité, 1960.

ÉSQUILO. As suplicantes. In:______. Teatro Completo. Trad. Virgílio Martinho. Lisboa: Estampa, 1975.

HESÍODO. Os trabalhos e os dias. Tradução, introdução e comentários de Mary de Camargo Neves Lafer. 4. ed. São Paulo: Iluminuras, 2002.

JAEGER, Werner Wilhelm. Sólon: começo da formação política de Atenas. In: _________. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Pereira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

JAEGER, Werner Wilhelm. O drama de Ésquilo. In: _________. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Pereira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

JURADO, Enrique Angel Ramos. Introducion. In: ESQUILO. Tragedias. Tradução, introdução e notas de Enrique Angel Ramos Jurado. Madrid: Alianza, 2001.

NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. Tradução, notas e prefácio de Jacó Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

PICCO, Frédéric. La tragédie grecque: la scéne et lê tribunal. Paris: Michalon, 1999.

PODLECKI, Anthony J. The political background of Aeschylean tragedy. 2. ed . Londres: Bristol, 2000.

VERNANT, Jean-Pierre. Tensões e Ambigüidades na Tragédia Grega. In: VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e Tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Perspectiva, 2005.


Notas

  1. JURADO, Enrique Angel Ramos. Introducion. In: ESQUILO. Tragedias. Tradução, introdução e notas de Enrique Angel Ramos Jurado. Madrid: Alianza, 2001. p. 12.

  2. Na tetralogia das Danaides, Amimone é uma sátira, representada após as três tragédias anteriores que apresentam uma continuidade de fatos, como na trilogia, e são apresentadas no mesmo festival.

  3. Podlecki afirma que a primavera de 463 a. C. é a data mais provável, segundo estudos feitos a partir do papiro Oxyrhyncus, publicado em 1952: "[... ] parece-nos que o que há no papiro é evidência de que As Suplicantes foi produzida na primavera de 463." (PODLECKI, Anthony J. The political background of Aeschylean tragedy. 2. ed . Londres: Bristol, 2000. p. 42-43. Tradução livre do original: "[…] we seem to have in the papyrus is evidence that the Supliants was produced in the spring of 463."). O ano de 463 é também a data apontada por Jurado: "As Suplicantes é a primeira peça de uma tetralogia cuja seqüência era As Suplicantes, Egípcios, Danaides e Amimone. Já fizemos referência a sua cronologia, a que se tende a situar entre 467 e 458 a.C., concretamente em torno de 463 a.C." (JURADO, Enrique Angel Ramos. Introducion, p. 19. Tradução livre do original: "Las Suplicantes es la primera pieza de una tetralogía cuya secuencia era Las Suplicantes, Egipcios, Danaides y Amimone . Ya hemos hecho referencia a su cronología, que se tiende a situar entre 467 y el 458 a.C., concretamente en torno al 463 a.C.").

  4. "[...] quando nosso autor contava dezoito anos, em 507 a. C. assiste às reformas constitucionais de Clístenes que serão o fundamento da democracia" (JURADO, Enrique Angel Ramos. Intruducion. p. 10-11. Tradução livre do original: "Cuando contaba nuestro autor unos dieciocho años, em 507 a.C., asiste a las reformas constitucionales de Clístenes que serán el fundamento de la democracia.").

  5. O Rei Pelasgos, por exemplo, não é um Tirano mas um Rei consciente da importância de atender e ouvir o demos, o que será percebido pela sua escolha em fazer uma assembléia popular. Sobre a semelhança entre a Argos esquiliana e Atenas, ver: PODLECKI, Anthony J. The political background of Aeschylean tragedy, p. 57.

  6. VERNANT, Jean-Pierre. Tensões e Ambigüidades na Tragédia Grega. In: VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e Tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Perspectiva, 2005. p.10.

  7. ARISTÓTELES. Poética. Tradução, prefácio, introdução, comentários e apêndices de Eudoro de Souza. 2. ed. Lisboa: Imprensa nacional – casa da moeda, 1990. p. 254.

  8. NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo, p.28.

  9. NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo, p.28-29.

  10. VERNANT, Jean-Pierre. O Momento Histórico da Tragédia na Grécia: Algumas Condições Sociais e psicológicas. In: VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e Tragédia na Grécia Antiga, p.4.

  11. VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Introdução. In: VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e Tragédia na Grécia Antiga. p. XXI. (destaque meu).

  12. Palavra usada para designar a soberba, vaidade ou desmedida (ver: LAFER, Mary de Camargo Neves. Os mitos: comentários. In: HESÍODO. Os Trabalhos e os dias. Tradução, introdução e comentários de Mary de Camargo Neves Lafer. 4.ed. São Paulo: Iluminuras, 2002. p.82).

  13. PICCO, Frédéric. La tragédie grecque: la scéne et lê tribunal. Paris: Michalon, 1999, p.115. Tradução livre do original : "[...], la tragédie donne aux citoyen l’image de ce que serait um monde dans lequel les rapports entre les êtres ne sont plus régis par le droit mais par la violence.".

  14. VERNANT, Jean-Pierre. O Deus da Ficção Trágica. In: VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e Tragédia na Grécia Antiga, p.158.

  15. NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. Tradução, notas e prefácio de Jacó Guinsburg. São Paulo: Cia. das letras, 1992. p.31. (itálico do original).

  16. Eis ai o enquadramento trágico: a tragédia só se realiza quando o métron é ultrapassado. No fundo, a tragédia grega, como encenação religiosa, é o suplício do leito de Procrusto contra todas as démesures. E mais que isso: como obra-de-arte, a tragédia é a desmitificação das bacchanalia. Eis aí por que o Estado se apoderou da tragédia e fê-la um apêndice da religião política da polis. BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro Grego: tragédia e comédia. 8.ed. Petrópolis: Vozes,1985, p.12. (itálico do original).

    Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
    Publique seus artigos
  17. "[...] a Némesis é também a intuição que adverte o homem de não tolerar certos excessos e de reagir a tempo" BEAUJON. Edmond. Le Dieu des Suppliants: poésie Grecque et Loi de l’Homme. Neuchâtel :Office de Publicité. 1960. p.79. Tradução livre do original: Tradução livre de: "la Némésis est aussi l’intuition salutaire que avertit l’homme de ne pás tolérer certains excès, et de réagir à temps".

  18. VERNANT, Jean-Pierre. Tensão e Ambigüidades da Tragédia Grega, p. 10.

  19. Segundo Aristóteles (ARISTÓTELES. Poética, p.111-113) os elementos são: caracteres e fatos; espetáculo cênico; melopéia e elocução; pensamento; caráter; e mito. Caracteres e fatos porque a tragédia imita uma ação e por isso precisa de atores e fatos. Espetáculo porque os fatos são executados por atores, logo não são reais, mas fantasias para expectadores. Melopéia e Elocução "pois estes são os meios pelos quais os actores efectuam a imitação" (p.110). Pensamento e Caráter porque estes são os que irão determinar a ação, sendo a ttagédia imitação de ação o pensamento e o caráter são elementos essenciais da tragédia. E o Mito, que " é o princípio e ocmo que a alma da tragédia" (p112).

  20. Ver ARISTÓTELES. Poética, p.111.

  21. As obras dos dramaturgos atenienses exprimem e elaboram uma visão trágica, um modo novo de o homem se compreender, se situar em suas relações com o mundo, com os deuses, com os outros, também consigo mesmo e com seus próprios atos. (VERNANT, Jean-Pierre. O SujeitoTtrágico: historicidade e transitoriedade, p.214.)

  22. VERNANT, Jean-Pierre. Tensão e Ambigüidades da Tragédia Grega, p.23.

  23. Através de uma figura chamada "Corifeu", que é o representante do Coro e o único ator que, além de participar do Coro, também dialoga com os personagens. O Coro, por sua vez, é um personagem coletivo, e nesta peça é o conjunto das 50 filhas de Danao.

  24. ÉSQUILO. As suplicantes. In:______. Teatro Completo. Trad. Virgílio Martinho. Lisboa: Estampa, 1975. p.26.

  25. ÉSQUILO. As suplicantes, p. 27. (destaque meu).

  26. PICCO, Frédéric. La tragédie grecque: la scéne et lê tribunal. p. 52. Tradução livre do original: "La supplication suppose une action fondée sur um devoir religieux voulu par Zeus lui-même".

  27. BEAUJON. Edmond. Le Dieu des Suppliants: poésie Grecque et Loi de l’Homme. p.57. Tradução livre do original: "La supplication met em présence trois personnes: celle que suplie, celle à que s’adress la prière, et la divinité qui prend sur elle les droits et la majesté du suppliant : c’est Zeus".

  28. ÉSQUILO. As suplicantes, p. 27.

  29. ÉSQUILO. As suplicantes, p.28. (destaque meu).

  30. ÉSQUILO. As suplicantes, p 26-27.

  31. HESÍODO. Os trabalhos e os dias, p. 39-41.

  32. Hesíodo refere-se a Zeus, Filho do deus Cronos (criador de todos os deuses), por isso também chamado Cronida.

  33. HESÍODO. Os trabalhos e os dias, p. 41.

  34. HESÍODO. Os trabalhos e os dias, p. 41.

  35. JAEGER, Werner Wilhelm. Sólon: começo da formação política de Atenas, p. 176. (destaque do autor).

  36. JAEGER, Werner Wilhelm. Sólon: começo da formação política de Atenas. In: _________. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Pereira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 179.

  37. Sólon, Solons Eunomie, p.79 apud JAEGER, Werner Wilhelm. Sólon: começo da formação política de Atenas, p. 179.

  38. JAEGER, Werner Wilhelm. Sólon: começo da formação política de Atenas, p. 179.

  39. ÉSQUILO. As Suplicantes, p. 22.

  40. "Tu és a cidade. Tu és o povo. Monarca a quem ninguém julga, és o senhor do altar, o lar comum da pátria. Aqui, os únicos sufrágios são os movimentos da tua cabeça; o único ceptro, aquele que tens no teu trono. Só tu decides por todos; guarda-te pois de cometeres um sacrilégio." (ÉSQUILO. As suplicantes, p. 28.).

  41. ÉSQUILO. As suplicantes, p. 27 (destaque meu). Esta atitude surpreende as estrangeiras, que não conheciam a democracia, o governo do povo. É fora do comum, para quem não está familiarizado com a democracia, um monarca consultar o povo sobre uma decisão: "É mesmo um lugar incomum, esta pré-histórica Argos, onde o Rei não irá agir sem consultar o povo" (PODLECKI, Anthony J. The political background of Aeschylean tragedy, p. 46. Tradução livre do original "It is indeed an unusual place, this prehistoric Argos, where the king will not act without consulting the citzens.".).

  42. Ver: PODLECKI, Anthony J. The political background of Aeschylean tragedy, p. 57.

  43. PICCO, Frédéric. La tragédie grecque: la scène et le tribunal, p. 62.

  44. Sólon, Solons Eunomie ,p.79 apud JAEGER, Werner Wilhelm. Sólon: começo da formação política de Atenas, p. 181.

  45. JAEGER, Werner Wilhelm. O drama de Ésquilo. In: _________. Paidéia: a formação do homem grego. p. 302.

  46. "O povo de Argos recebeu oficialmente um conjunto de suplicantes e encarregaram-se de protegê-las mesmo pelo preço de uma guerra sangrenta" (PODLECKI, Anthony J. The political background of Aeschylean tragedy, p.52. Tradução livre do original: "the Argive people officially receive a band of suppliants and undertake to protect them even at the price of bloody war.".).

  47. ÉSQUILO. As suplicantes, p. 27.

  48. PICCO, Frédéric. La tragédie grecque: la scène et le tribunal, p. 62.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Gabriel de Oliveira Pereira

Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2007 - 2008). Foi pesquisador do CNPq como I.C. com o professor Décio Krause no tema de Filosofia da Não-Individualidade: problemas lógicos e ontológicos em física quântica. Porém não concluiu a pesquisa. Trabalhou três anos como professor ACT (Admitido por Caráter Temporário) pelo Estado de Santa Catarina. Foi colaborador na Faculdades Estácio de Sá de Santa Catarina como Técnico de Laboratório de Rádio nos cursos de Jornalismo e Publicidade & Propaganda. Desde 2009 é aluno bolsista do Mestrado em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Alessandra Knoll

Bacharel em Direito. Participou do ProBIC, Programa de Bolsas de Iniciação Científica, apoiado pelo Fundo de Apoio à Pesquisa (FAP) da Univali. Participou da produção do um livro pareceres normativos no âmbito Constitucional (de Luiz Henrique U. Cademartori, editora Conceito), no papel de revisora geral e sendo responsável pela sistematização. É acadêmica de Administração na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). pós graduada em Gestão de Pessoas, na mesma instituição.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Gabriel Oliveira ; KNOLL, Alessandra. O direito do mais fraco na tragédia grega.: Um estudo a partir da Tragédia "As Suplicantes", de Ésquilo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2720, 12 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18023. Acesso em: 27 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos