1. Introdução
A Previdência Complementar Fechada é aquela operada por fundações privadas ou sociedade civil, sem fins lucrativos, instituída mediante contrato, de filiação facultativa e acessível apenas a grupo de empregados de uma empresa ou grupo de empresas integrantes de um grupo, servidores públicos ou associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial.
A competência para conhecer e julgar ações judiciais propostas por participantes ou assistidos em razão de plano previdenciário patrocinado por empresa privada é matéria que suscita acesa polêmica, com soluções divergentes no âmbito dos Tribunais pátrios, o que determina indesejável insegurança jurídica.
Segmento da doutrina e da jurisprudência defende a competência da Justiça Estadual para apreciar tais ações, sob o argumento principal de que o art. 202, §2º, da Constituição Federal estabelece que as contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes.
A outra corrente sustenta a competência da Justiça do Trabalho, por se tratar de controvérsia decorrente da relação de emprego, na medida em que para a filiação ao plano de previdência fechada patrocinado por empresa privada é indispensável que o participante tenha vínculo de emprego com a patrocinadora.
Trata-se de matéria complexa, de irrefutável proeminência, na medida em que a indefinição acerca da competência, matéria que diz respeito aos pressupostos processuais, pode provocar severos prejuízos à desejada celeridade no andamento dos processos, máxime diante da possibilidade de reforma da decisão, nas instâncias superiores, após submetido o feito às vicissitudes próprias da fase de instrução e julgamento em primeiro grau.
A controvérsia que grassa a respeito do tema justifica a necessidade do presente estudo, que busca aprofundar a reflexão e lançar luzes, ainda que modestas, sobre assunto que, não obstante polêmico e espinhoso, necessita caminhar em busca da desejada pacificação.
2. Previdência Complementar Fechada
A Previdência Complementar Fechada é aquela operada por fundações privadas ou sociedade civil, sem fins lucrativos, instituída mediante contrato, de filiação facultativa. É denominada fechada porque acessível apenas a indivíduos integrantes de um grupo: a) de empregados de uma empresa ou grupo de empresas (LC 109/2001, art. 31, I); b) servidores públicos (LC 109/2001, art. 31, I); associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial (LC 109/2001, art. 31, II).
As relações jurídicas no âmbito da previdência complementar dependem de quatro contratos básicos, quais sejam, o estatuto da entidade fechada de previdência complementar; o convênio de adesão; a inscrição do participante e o regulamento do plano de benefícios.
As cláusulas principais que os estatutos devem conter estão previstas na Resolução CGPC nº 08/2004.
Os planos de benefícios das entidades fechadas poderão ser instituídos por patrocinadores e instituidores.
Os patrocinadores são pessoas jurídicas de direito privado, ou seja, empresa ou grupo de empresas (LC 109/2001, art. 31, I) ou de direito público que decidem oferecer um plano de previdência para seus empregados ou servidores.
Incumbe ao patrocinador o custeio do plano de benefícios, de forma exclusiva ou em concurso com os participantes ou, eventualmente, os assistidos. Na primeira hipótese tem-se o plano não contributivo e, na segunda, o plano contributivo.
Os instituidores são as "pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial" (LC 109/2001, art. 31, II).
Nos termos do disposto no art. 13 da LC 109/2001, a formalização da condição de patrocinador ou instituidor de um plano de benefício dar-se-á mediante convênio de adesão a ser celebrado entre o patrocinador ou instituidor e a entidade fechada, em relação a cada plano de benefícios por esta administrado e executado. O convênio de adesão "é o instrumento contratual que vincula um patrocinador ou instituidor a um plano de benefícios administrado por entidade fechada de previdência complementar" [01]
O ingresso e permanência dos participantes nos planos de previdência é voluntário, tal como se encontra expresso no §2º, do art. 16, da LC 109/2001, sendo necessária a inscrição, mediante contrato de adesão, cujas cláusulas estão expressas no regulamento do plano de benefícios.
O participante, conforme previsto no art. 8º, da LC 109/2001, é "a pessoa física que aderir ao plano de benefícios" (inciso I), enquanto o assistido é "o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada" (inciso II)
Os planos de benefícios devem ser, obrigatoriamente, ofertados a todos os empregados dos patrocinadores ou associados dos instituidores (LC 109/2001, art. 16), exigência que se coaduna com o princípio constitucional da universalidade de atendimento.
Segundo o parágrafo único, do art. 7º, da Lei Complementar acima mencionada, "O órgão regulador e fiscalizador normatizará planos de benefícios nas modalidades de benefício definido, contribuição definida e contribuição variável, bem como outras formas de planos de benefícios que reflitam a evolução técnica e possibilitem flexibilidade ao regime de previdência complementar".
No plano de benefício definido (plano BD, como é chamado) são conhecidos previamente os valores dos futuros benefícios de aposentadoria, sendo as contribuições adaptadas ao benefício contratado. Há, entretanto, o risco de as metas fixadas para capitalização dos recursos do participante não serem alcançadas, o que pode gerar déficit e possível comprometimento do pagamento dos benefícios, situação que determinou sensível redução da presença desta modalidade de plano no mercado de previdência privada
Quanto ao benefício na modalidade de contribuição definida (plano CD), sabe-se o valor da contribuição, mas o valor do benefício dependerá das contribuições acumuladas e dos rendimentos que venham a ser obtidos com as aplicações.
No plano de benefício na modalidade contribuição variável, mesclam-se as regras das modalidades contribuição definida e benefício definido.
Os planos de benefícios deverão prever necessariamente os institutos de benefício proporcional diferido, portabilidade, resgate e autopatrocínio (LC 109, art. 14).
O benefício proporcional diferido (também conhecido como vesting) tem sua origem no sistema previdenciário dos Estados Unidos da América. Permite ao participante, ocorrendo a cessação do vínculo de emprego com o patrocinador ou associativo com o instituidor, antes da aquisição do direito ao benefício pleno, permanecer no plano de benefícios, sem o desembolso de contribuições, com direito a receber, quando satisfeitas as condições de elegibilidade previstas no regulamento do plano, benefício proporcional às reservas constituídas. A doutrina afirma, a propósito:
[...] Com a cessação desse vínculo, o participante continuará vinculado ao plano, sem efetuar novas contribuições, mantendo o caráter previdenciário das reservas constituídas. Convém esclarecer que o benefício não será concedido quando da cessação do vínculo empregatício ou associativo, mas no momento do cumprimento dos seus requisitos de elegibilidade, em valor proporcional às reservas constituídas até a data do desligamento do emprego ou do rompimento do vínculo associativo. "Por esse instituto, o participante desliga-se do patrocinador ou instituidor, mas não do plano de previdência. Em face da interrupção das contribuições, calcula-se um benefício proporcional que será concedido quando satisfeitas as condições de elegibilidade previstas no regulamento do plano. O participante fica vestido do direito a um benefício proporcional, que ficará congelado (sem receber novas contribuições) até o momento de sua percepção". [02]
A portabilidade é definida no art. 9º da Resolução MPS/CGPC nº 06/2003 como "o instituto que faculta ao participante transferir os recursos financeiros correspondentes ao seu direito acumulado para outro plano de benefício de caráter previdenciário operado por entidade de previdência complementar ou sociedade seguradora autorizada a operar o referido plano". Em razão de que a portabilidade implica retirada de valores do plano de benefícios, com potencial risco de comprometimento de seu equilíbrio econômico-financeiro e atuarial, está sujeita a condições, quais sejam: a) cessação do vínculo empregatício do participante com o patrocinador; b) não haver preenchido os requisitos de elegibilidade ao benefício pleno; c) cumprimento da carência de até três anos de vinculação do participante ao plano de benefícios.
O resgate está definido no art. 19 da Resolução nº 06/2003 acima mencionada como a faculdade concedida ao participante de receber o valor decorrente do seu desligamento do plano de benefícios. Representa o direito do participante de sacar a totalidade das contribuições por ele vertidas ao plano, descontadas as parcelas do custeio administrativo. Somente poderá ser requerido pelo participante que se desligar da patrocinadora e da entidade. Tratando-se de plano de benefícios estipulado por patrocinador, o regulamento do plano deverá necessariamente estabelecer a cessação do vínculo de emprego como condição para o resgate.
O autopatrocínio está previsto no art. 27 da Resolução CGPC nº 06/2003 como "a faculdade do participante manter o valor de sua contribuição e do patrocinador, no caso de perda parcial ou total da remuneração recebida, para assegurar a percepção dos benefícios nos níveis correspondentes àquela remuneração ou em outros definidos em normas regulamentares". Entende-se a cessação do vínculo de emprego com o patrocinador como uma das formas de perda total da remuneração. O autopatrocínio permite a permanência do participante no plano de benefício, não obstante a cessação do vínculo empregatício ou associativo, devendo, entretanto, assumir a própria contribuição e a do patrocinador. As regras do autopatrocínio devem ser fixadas no regulamento do plano.
No que concerne às alterações nos regulamentos, o art. 17 da LC 109/2001 estabelece que "aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante".
3. A Previdência Complementar Fechada e a Competência da Justiça do Trabalho
No presente estudo busca-se examinar a que órgão judiciário deve ser atribuída a competência para conhecer e julgar litígios envolvendo a previdência complementar fechada, nas situações em que a adesão do participante ao plano se deu em razão de sua condição de empregado de uma empresa ou grupo de empresas, matéria a respeito da qual grassa acesa polêmica no meio jurídico.
Convém esclarecer que eventual litígio entre participante e entidade aberta é, sem dúvida, da competência da Justiça Comum, na medida em que, na previdência aberta, não se exige a condição de empregado para adesão ao plano de previdência, que é oferecido pelo mercado a todas as pessoas indistintamente. Não há, portanto, como enquadrar tais demandas em qualquer das hipóteses previstas no art. 114, da Constituição Federal, que disciplina a competência da Justiça do Trabalho.
Entretanto, no que respeita aos litígios entre participantes ou assistidos e a operadora de plano previdênciário patrocinado por empresa privada, a matéria mostra-se complexa, com soluções divergentes no âmbito da jurisprudência, o que determina indesejável insegurança jurídica.
3.1. O tratamento constitucional da competência da Justiça do Trabalho
Exame do texto relativo à competência da Justiça do Trabalho, nas várias Constituições que se sucederam desde a instituição desta justiça especializada, permite aferir que a EC 45/2004 rompeu o paradigma que ditava os limites da atuação da Justiça obreira, circunscrita aos litígios derivados da relação de trabalho subordinado e, apenas excepcionalmente, alcançando controvérsias decorrentes da relação de trabalho, para o que era exigida lei específica, a exemplo do que acontecia com a pequena empreitada e com os trabalhadores avulsos.
Com efeito, desde a Constituição de 1934, todos os textos faziam alusão expressa a controvérsias entre empregados e empregadores. A competência material da Justiça do Trabalho era definida a partir da qualidade jurídica ostentada pelos sujeitos do conflito intersubjetivo de interesses, quais sejam, empregado e empregador agindo nesta condição.
Situação diversa, contudo, é verificada no novo texto em vigor desde 31.12.2004.
Com efeito, a partir da EC 45, o art. 114, inciso I, passou a ter a seguinte redação:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (sublinhou-se).
[...]
A EC 45/2004 não manteve as expressões empregado e empregador, reiteradamente utilizadas nos textos anteriores, e sim afirmou que à Justiça do Trabalho compete processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho. O critério definidor da competência, no que respeita ao inciso I, do art. 114, da Constituição Federal, é o fato de se tratar de ação decorrente de uma relação de trabalho em sentido lato. Colaciona-se a respeito o entendimento da doutrina:
Com a publicação da Emenda Constitucional nº 45/2004, a significativa alteração na competência material específica da Justiça do Trabalho foi a extinção da restrição competencial em razão das pessoas que antes existia. Não se manteve a necessidade de que as partes litigantes fossem empregado e empregador, mas apenas que a controvérsia tenha nascido de uma relação de trabalho lato sensu, pouco importando quem sejam os ocupantes dos pólos da ação.
Logo, verificamos que a redação anterior, nada obstante também utilizasse o termo "relação de trabalho", anteriormente o qualificava, impingindo a limitação de que a relação jurídica devia se dar entre trabalhadores e empregadores, forçando a conclusão de que somente as relações de emprego, nos moldes da CLT, eram da competência específica da Justiça do Trabalho. Dependia-se de legislação ordinária posterior para estender a competência trabalhista para outras diversas controvérsias decorrentes da relação de trabalho, desta feita de forma ampla, como de fato fez no art. 643 da CLT quanto aos avulsos, pequena empreitada etc.
O "calcanhar de Aquiles" da antiga redação era a exigência de que a ação tivesse o empregador em um dos pólos, obstáculo, de lege lata, insuperável, uma vez que não havia possibilidade de se colher da regra constitucional competência natural para outras ações que não aquelas que tivessem o empregador na ação.
No entanto, a própria jurisprudência do TST já cuidou de expandir a competência da Justiça do Trabalho, de lege ferenda, antes mesmo da EC 45/2004, como, por exemplo, nas lides de "complementação de pensão requerida por viúva de ex-empregado", a teor da OJ 26 da SDI-1, mesmo que essa não fosse uma lide genuinamente entre trabalhador e empregador, mas era decorrente de uma relação de trabalho (rectius: relação de emprego). Assim também era quanto às ações que discutiam complementação de aposentadoria de ex-empregado em face de seu ex-empregador, inclusive admitindo-se no pólo passivo da ação a entidade fechada de previdência privada, a qual, como dito, não preenchia o requisito constitucional. [03]
O Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu a respeito decisão considerada paradigmática. Trata-se do Conflito de Jurisdição nº 6.959-6, em que foi suscitante o Juiz de Direito da 1ª Vara Cível de Brasília e suscitado o Tribunal Superior do Trabalho, em demanda onde empregados do Banco do Brasil S/A pretendiam que o empregador honrasse alegado compromisso de vender imóvel ocupado por força do contrato de trabalho. O STF conheceu do conflito e, por maioria, declarou competente a Justiça do Trabalho. A ementa foi lavrada nos seguintes termos:
Justiça do Trabalho: competência; Const., art. 114: ação de empregado contra o empregador, visando à observância das condições negociais da promessa de contratar formulada pela empresa em decorrência da relação de trabalho.
1. Compete à Justiça do Trabalho julgar demanda de servidores do Banco do Brasil para compelir a empresa ao cumprimento da promessa de vender-lhes, em dadas condições de preço e modo de pagamento, apartamentos que, assentindo em transferir-se para Brasília, aqui viessem a ocupar, por mais de cinco anos, permanecendo a seu serviço exclusivo e direto.
2. À determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho. [04]
A decisão acima determinou novo enfoque no exame do tema relativo à competência da Justiça do Trabalho, passando a partir de então, tanto as Cortes Trabalhistas como o Superior Tribunal de Justiça, este no exame de conflitos de competência, a de forma gradativa emprestar interpretação, notadamente ao inciso I, do art. 114, da Constituição Federal, em consonância com a orientação preconizada pelo Supremo Tribunal Federal.
3.2. A causa de pedir e o pedido como elementos definidores da competência material da Justiça do Trabalho
A causa de pedir e o pedido definem a natureza da demanda e, em consequência, determinam de que órgão judicial é a competência material para julgá-la, sendo irrelevante para este efeito qual o direito material aplicável. Tanto se extrai do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, acima mencionado.
Sobre a causa de pedir, afirma José Joaquim Calmon de Passos [05]:
A causa de pedir, portanto, é não só aquele fato matriz da relação jurídica que vinculou os sujeitos da lide, como por igual o fato de que derivou o dever de prestar do sujeito obrigado ou daquele a quem a ordem jurídica imputa o dever de determinado comportamento.
Pode-se, conseguintemente, dizer que a causa de pedir é a resultante da conjugação tanto do fato gerador da incidência originária, quanto daquele de que resultou a incidência derivada. Para alguns autores, a distinção se faz em termos de causa de pedir remota e causa de pedir próxima. Remota, a que se vincula ao fato matriz da relação jurídica. Próxima, a que se relaciona com o dever (lato senso) do titular da situação de desvantagem, ou daquele de quem se deve ou pode exigir determinado ato ou comportamento.
O pedido, por sua vez, constitui o objeto da ação, ou seja, aquilo que o autor pretende obter com a tutela jurisdicional que invocou.
Portanto, para a definição da competência material da Justiça do Trabalho cumpre averiguar do se os fatos de que resulta o litígio estão vinculados a uma relação de trabalho. Nas palavras do Ministro Sepúlveda Pertence, quando do julgamento do Conflito de Jurisdição nº 6.959-6, acima mencionado, "O fundamental é que a relação jurídica alegada como suporte do pedido esteja vinculada, como o efeito à sua causa, à relação empregatícia [...]". Cumpre acrescentar que neste mesmo julgamento o Ministro Moreira Alves, ao proferir seu voto, acompanhando o entendimento do Ministro Sepúlveda Pertence, assinalou já haver precedentes no Supremo Tribunal Federal no tocante a direito previdenciário e funcionários do Banco do Brasil, bem como com relação a pensões de viúvas de bancários. "Entendeu-se, então, que, embora essas questões versassem direito previdenciário, estavam elas vinculadas ao contrato de trabalho". Desta forma, assentando-se a causa de pedir remota na relação de trabalho, firma-se a competência da Justiça do Trabalho para apreciar a demanda.
3.3. Ações judiciais propostas por participantes ou assistidos em razão de plano previdenciário patrocinado por empresa privada
São múltiplas as ações judiciais propostas por participantes ou assistidos (empregados ou ex-empregados), em razão dos planos de previdência complementar fechada patrocinados pela empregadora. Os pedidos são variados, compreendendo revisão do valor dos benefícios, critérios de atualização dos salários de contribuição para fins de cálculo do valor do benefício, resgate das contribuições, portabilidade dos valores acumulados, base de cálculo das contribuições, dentre outros. No polo passivo, em geral são incluídas tanto a patrocinadora como a operadora do plano previdenciário e, rotineiramente, instala-se no processo discussão sobre a competência para dirimir tais questões.
Em razão de que o art. 202, §2º, da Constituição Federal, estabelece que "As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, [...] (destacou-se), segmento da doutrina e da jurisprudência entende que a competência para processar e julgar as lides entre participante ou assistido e entidade fechada de previdência complementar e, eventualmente, a patrocinadora (empresa privada) é da Justiça ordinária. Neste sentido decisão do Superior Tribunal de Justiça, que reflete o entendimento predominante no âmbito daquela Corte:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PREVIDÊNCIA PRIVADA. Os benefícios concedidos por entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes (CF, art. 202, §2º). Conflito conhecido para declarar competente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (CC 58023, Ministro Ari Pargendler, Segunda Seção, DJ 26.04.2006).
Diverso, contudo, é o entendimento que prepondera no Tribunal Superior do Trabalho, segundo se vê das ementas a seguir transcritas:
RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. Com a ampliação da competência operada pela EC 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a julgar -... as ações oriundas da relação de trabalho- (art. 114, I, da CF). Tratando a demanda de complementação de aposentadoria, sendo esta, comprovadamente, devida pela PETROS e decorrente do contrato de trabalho havido entre o reclamante e a embargante (Petrobras), indiscutível é a competência da Justiça do Trabalho, nos termos do aludido dispositivo constitucional. Ademais, de acordo com a jurisprudência desta Corte, é competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar controvérsias relativas à complementação de aposentadoria decorrente do contrato de trabalho, independentemente da transferência da responsabilidade pela complementação dos proventos a outra entidade, visto ser o contrato de adesão vinculado ao de trabalho. Recurso de embargos conhecido e não provido." (TST-E-ED-RR-116600-38.2005.5.05.0011, Min. Rel. Augusto César Leite de Carvalho, DEJT 28.6.2010)
RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO EMBARGADO PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI 11.496/2007. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. Nos termos do art. 114 da Constituição Federal, esta Justiça Especializada é competente para processar e julgar ações que versem sobre complementação de aposentadoria quando o direito postulado decorre da relação de emprego havida entre o reclamante e a empresa instituidora da entidade de previdência privada responsável pelo pagamento do benefício. Precedentes da SDI-I do TST e do STF. Recurso de embargos conhecido e não-provido, no tema." (TST-E-ED-RR-1200-80.2005.5.20.0003, Min. Rel. Rosa Maria Weber, DEJT 21.5.2010).
No Supremo Tribunal Federal a matéria pertinente à competência para apreciar as questões relativas à previdência privada teve a repercussão geral reconhecida em dois Recursos Extraordinários. O primeiro (RE 586453) foi interposto contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, que reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações que têm origem em conflito envolvendo plano de previdência complementar privada, instituído pelo empregador. A relatora, Ministra Ellen Gracie, em seu voto, entendeu que a competência, no caso, é da Justiça Comum, tendo em vista a inexistência de relação trabalhista entre o beneficiário e a entidade fechada de previdência. No segundo (RE 583050) o recorrente questiona decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que entendeu que o fato de a empresa ser patrocinadora da entidade de previdência privada não determina que a relação seja trabalhista, mas demonstra que a relação decorre de contrato de previdência, tendo afastado, assim, a aplicação do art. 114, da Constituição Federal, com o consequente reconhecimento da competência da Justiça Comum para processar e julgar a demanda. O relator, Ministro Cezar Peluso, em seu voto ressaltou que o Supremo Tribunal Federal tem assentado que compete à Justiça do Trabalho apreciar pedidos de complementação de aposentadoria no âmbito da Previdência Privada nas hipóteses em que a instância ordinária reconhecer, à luz da prova, que a relação jurídica decorre do contrato de trabalho. Colaciona-se ementa que reflete este posicionamento:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que compete à Justiça do Trabalho o julgamento das questões relativas à complementação de aposentadoria quando decorrentes de contrato de trabalho. 2. As questões sobre ocorrência de prescrição e do direito às diferenças pleiteadas demandariam o exame da legislação infraconstitucional e de cláusulas do regulamento pertinente. 3. Imposição de multa de 5% do valor corrigido a causa. Aplicação do art. 557, § 2º, c/c arts. 14, inc. II e III, e 17, inc. VII, do Código de Processo Civil (AI 702.330-AgR. Relatora Ministra Cármen Lúcia. Primeira Turma., DJ 06.02.2009).
Não obstante os respeitáveis argumentos esposados pelo segmento contrário, mostra-se mais razoável a corrente que sustenta a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações da espécie, na medida em que manifestamente decorrem da relação de trabalho, sendo irrelevante para este feito o direito material a ser aplicado, consoante já decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgado acima citado (CC 6.959-6). Com efeito, a experiência ensina que ações envolvendo participante ou assistido e a entidade fechada de previdência fechada e/ou a patrocinadora exigem, necessariamente, exame da relação trabalhista precedente, em razão de que o benefício previdenciário está umbilicalmente ligado à relação de emprego, sendo esta pressuposto da vinculação com a entidade de previdência fechada. Não há como afastar, assim, sua natureza de lide decorrente da relação de emprego, inclusive quando se trata de contrato extinto, pois os direitos relacionados ao vínculo laboral, mesmo após a aposentadoria, não deixam de manter correlação com ele.
O argumento de que a necessidade de examinar a legislação que disciplina a previdência complementar, com destaque para a Lei Complementar nº 109/2001, determinaria afastamento da competência da Justiça do Trabalho mostra-se especioso. Rotineiramente, os Juízes do Trabalho, nos feitos submetidos a seu exame, valem-se de legislação forânea, cumprindo evidenciar que ao assim agir estão a cumprir mandamento legal, consubstanciado no parágrafo único, do art. 8º, da Consolidação das Leis do Trabalho, que determina a aplicação subsidiária do direito comum. Exemplo de aplicação de legislação diversa da trabalhista típica é encontrado nas lides envolvendo acidentes de trabalho, propostas contra o empregador. Entretanto, durante mais de década, a contar da promulgação da Constituição Federal de 1988, recusou-se competência à Justiça do Trabalho para apreciar tais demandas, sob o argumento de que era necessária, ao julgamento, a aplicação do Direito Civil, entendimento equivocado que somente veio a ser afastado definitivamente com a edição da Súmula Vinculante nº 22, do Supremo Tribunal Federal, que consagrou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho. No mesmo equívoco incidem os defensores da tese de que a necessidade de exame, a par das normas trabalhistas típicas, também daquelas próprias da previdência complementar, afasta a competência da Justiça do Trabalho para apreciar as demandas propostas contra operadora de plano previdenciário patrocinado por empresa privada. Nada obsta – antes recomenda – que o Juiz do Trabalho, familiarizado que está com as peculiaridades próprias do Direito do Trabalho e suas implicações no contrato de trabalho, também venha a examinar eventuais litígios decorrentes de vinculação a entidade de previdência fechada, patrocinada pelo empregador, e a qual o empregado somente se filiou, ainda que de forma facultativa, em razão de precedente vínculo de emprego com a patrocinadora. Pueril também o argumento de que o magistrado trabalhista, influenciado pelo princípio da proteção que informa o Direito do Trabalho, encontraria dificuldade para aplicar as regras especiais previstas na LC 109/2001, a exemplo da possibilidade de alteração dos regulamentos, prevista no art. 17, pois tanto implica também afirmar que não poderia o Juiz de Direito, habituado às regras do Direito Civil, com destaque para a autonomia da vontade, apreciar demandas que envolvem relação de consumo, pois o Código de Defesa do Consumidor contém regras tão ou mais protetivas do consumidor do que aquelas da legislação trabalhista dirigidas ao trabalhador.
O dispositivo inserto no art. 202, §2º, da Constituição Federal, não tem o condão de afastar a competência da Justiça do Trabalho para apreciar demandas entre participante ou assistido e operadora de plano previdenciário patrocinado por empresa privada, na medida em que o elemento definidor da competência é o fato de se tratar de litígio decorrente de relação de trabalho. É de se salientar, a título exemplificativo, que a Constituição Federal, no art. 7º, inciso XI, estabelece como direito dos trabalhadores urbanos e rurais "participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração". Não obstante esta previsão, litígios envolvendo esta vantagem são rotineiramente apreciados pela Justiça do Trabalho. Tanto se dá porque a participação nos lucros, ou resultados, embora não integre o contrato de trabalho, nele se origina. O mesmo raciocínio merece ser aplicado às lides envolvendo participante e entidade fechada de previdência complementar, quando decorram da relação de emprego. O que pretendeu deixar claro o legislador, ao inserir na Constituição Federal o dispositivo supra mencionado (art. 202, §2º) foi retirar o caráter salarial das contribuições e benefícios pagos pelo empregador, em razão de sua condição de patrocinador do plano de previdência. A norma em questão, que é de natureza material e não processual, não retira, portanto, da Justiça do Trabalho a competência para o julgamento de demandas da espécie.
4. Conclusão
Existe acesa polêmica na doutrina e na jurisprudência acerca da competência para conhecer e julgar litígios envolvendo a previdência complementar fechada nas situações em que a adesão do participante ao plano se deu em razão de sua condição de empregado de uma empresa ou grupo e empresas.
Em razão de que o art. 202, §2º, da Constituição Federal estabelece que as contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho, segmento da doutrina entende que a competência para processar e julgar as lides entre participante ou assistido e entidade fechada de previdência complementar e da Justiça ordinária.
A corrente oposta, entretanto, sustenta que demandas da espécie decorrem da relação de emprego, na medida em para a filiação ao plano de previdência fechada patrocinado por empresa privada é indispensável que o participante tenha vínculo de emprego com a patrocinadora, havendo reiterados julgados do Tribunal Superior do Trabalho neste sentido.
Não obstante os respeitáveis argumentos esposados pelo segmento contrário, mostra-se mais razoável a corrente que sustenta a competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações em comento. Com efeito, tais demandas exigem, necessariamente, exame da relação trabalhista precedente, em razão de que o benefício previdenciário está umbilicalmente ligado à relação de emprego, sendo esta pressuposto da vinculação com a entidade de previdência fechada. Desta forma, não há como afastar-se sua natureza de lide decorrente da relação de emprego, inclusive quando se trata de contrato findo, pois os direitos relacionados ao vínculo laboral, mesmo após sua extinção, não deixam de com ele manter correlação.
REFERÊNCIAS
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MOLINA, André Araújo. Competência material trabalhista: critério científico para interpretação do inciso I do artigo 114 da CF/1988. Juris Síntese, São Paulo, nº 73, set./out. 2008. 1 CD Rom.
PAIXÃO, Leonardo André. A Previdência Complementar Fechada: uma visão geral. Disponível em: http://www1.previdencia.gov.br/docs/pdf/SPC-umavisão-geral.pdf. Acesso em 09.06.2010. Material da 2ª aula da Disciplina Sistemas de Previdência Complementar, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Previdenciário – Uniderp-Rede LFG.
PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. V. III, 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1992.
SANTOS, Maria Ferreira dos. Direito Previdenciário. 6ªed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
Notas
- PAIXÃO, Leonardo André. A Previdência Complementar Fechada: uma visão geral. Disponível em: http://www1.previdencia.gov.br/docs/pdf/SPC-umavisão-geral.pdf. Acesso em 09.06.2010. Material da 2ª aula da Disciplina Sistemas de Previdência Complementar, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Previdenciário – Uniderp-Rede LFG.
- DIAS, Eduardo Rocha. MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Curso de Direito Previdenciário. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 652.
- MOLINA, André Araújo. Competência material trabalhista: critério científico para interpretação do inciso I do artigo 114 da CF/1988. Juris Síntese, São Paulo, nº 73, set./out. 2008. 1 CD Rom.
- Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 16.11.2010.
- PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. V. III, 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1992, p. 205.