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A construção de sujeitos sociais.

A educação das crianças no Movimento dos Sem Terra

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23/12/2010 às 18:01
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"Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Somos todos iguais

Braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas

Campos, construções

Caminhando e cantando

E seguindo a canção..."

Geraldo Vandré

RESUMO

O presente trabalho de conclusão possui como área de concentração o Direito Constitucional, Sociologia Rural e Sociologia da Educação. A escolha do tema foi motivada pelo interesse em discutir a educação da criança, integrante de um movimento social, especificamente, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Compreender a Educação no Movimento e o seu processo educativo são fundamentais para entender a forma, como esses sujeitos, adquirem emancipação social. O objetivo foi analisar de que forma o MST se propõe a oferecer às crianças o acesso à educação, discutindo se a educação oferecida promove o pleno desenvolvimento do indivíduo enquanto sujeito da sua própria experiência. Como hipótese analisou-se que o processo educativo adotado pelo MST contribui para a formação e a emancipação social. Este processo é significativo, ou seja, reconheçe a história particular de cada criança e, também, do grupo social, cujo objetivo é a construção de um coletivo, que atenda as necessidades de cada uma das crianças. A educação chama a atenção para uma nova conjuntura globalizada, pois amplia a necessidade por conhecimento e pela libertação social, especialmente das massas menos favorecidas. O primeiro capítulo considera os aspectos históricos da educação, evidenciando que o ensino no Brasil estava sob responsabilidade das ordens religiosas até a metade do século XVIII e que apenas uma pequena minoria tinha acesso a educação, acesso este que, desde os seus primórdios, nunca foi igualitário. Destacando também o direito à educação no Brasil através de suas constituições. Abordou-se também, o direito da criança à educação, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, reconhecendo as crianças como categoria social diferenciada. No segundo capítulo destacou-se a origem dos Movimentos sociais, especialmente o MST. Os movimentos sociais referem-se a ação dos homens na história, a qual envolve um fazer e um pensar coletivo, por meio de um conjunto de idéias que motivam e dão fundamento à ação. Também abordou-se a evolução do Movimento Sem Terra e a luta pela escola e evidencio-se que a relação do MST, com a educação é uma relação baseada na luta e na busca da cidadania e da humanização do sujeito. No terceiro capítulo abordou-se o processo pedagógico do movimento como formador de sujeitos socias. Discutindo a pedagogia diferenciada utilizada no Movimento. Abordou-se também a educação libertadora e os Direitos Humanos como instrumentos de emancipação social e que os direitos humanos, procuram proteger o individuo, independente de seu país, grau de desenvolvimento da sociedade em que vive ou sua própria condição social. Evidenciando-se que para compreender o que significam os direitos humanos, basta saber que, tais direitos correspondem às necessidades essenciais para a pessoa humana, necessidades que são iguais para todos os seres humanos e que devem ser atendidas para que a pessoa possa viver com dignidade. Por último, destacou-se o papel da luta social como princípio educativo, evidenciando que os sem terra se educam no próprio contexto do movimento e sua atuação desencadeia uma identidade que é lhe própria, fecunda e desafiadora.

Palavras-chave: Movimento dos Sem Terra.

Educação. Direitos Humanos.

ABSTRACT

The present conclusion work has as concentration area the Contitutional Law, The Rural Sociology and the Educational Sociology. The theme chosen was raised by the interest in discussing the education of a child belonging to a social movement, more specifically the Landless workers’ movement. Comprehending that the education in the movement and the educational process are fundamental to understand the way how theses ones obtain social emancipation, becoming subjects. The aim was to analyze how the Landless workers’ movement (LWM) offer the children an approach to education, discussing if the offered education promotes the complete development of the individual while subject of his own experience. It was pointed out as hypothesis that the educational process adopted by the LWM contributes to the formation and to the social emancipation.This process is significative,in other words, it recognizes the particular history of each child and,also,of the social group, whose purpose is the construction of a collective that takes into account the needs of each one of the children. The education calls the attention for a new conjuncture, because it increases the need for knowledge and for social liberation, especially of the least favored crowds.The first chapter considers the historical aspects of education, showing that the teaching in Brazil was under the responsibility of religious orders until half of the century XVIII and that only a small minority had access to education, this access which, since their beginnings,never was egalitarian.The right to education in Brazil through its Constitutions was also contrasted.The child’s right to education according to the Statute of the Child and Adolescent was also approached, recognizing the children as differentiated social category. In the second chapter,the origin of social movements, specially the LWM was pointed out.The social movements refers to the action of men in history, which involves a do and a collective thinking, by means of a set of ideas that motivate and give grounds for the action.The development of the Landless Movement and the fight for school were discussed and it was evidenced that the LWM relation with the education is a relation based on fight, in search for citizenship and for the subject humanization. In the third chapter, the pedagogical process of the movement as a former of social subjects was studied, discussing the differentiated pedagogy used in the movement. It was about the liberating education and the Human Rights as instruments of social emancipation,since the Human Rights must protect the individual independent of his country, degree of development of the society where he lives or his own social condition.It was evidenced that to comprehend the meaning of the Human Rights,it is necessary to know that such rights correspond to the essential needs of the human person,needs that are equal for all human beings and that must be carried out in order that the person can live with dignity.Finally, the role of the social fight as educational principle was highlighted, evidencing that the landless educate themselves in the context of the movement itself and their activity initiates na identity that is personal, productive and challenging.

Key Words: Landless Workers’ Movement. Education.


1 INTRODUÇÃO

O presente estudo trouxe à discussão a questão da emancipação social da criança acampada, através da educação nos movimentos sociais, especificamente, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Neste sentido, este estudo tem o fito de verificar de que forma o processo pedagógico adotado pelo movimento contribui para a formação desses sujeitos sociais, eis que desde a criação do movimento, na década de 80, encontram-se comprometidos com a transformação e a emancipação social das crianças.

A delimitação do tema questiona a educação da criança acampada, no Movimento dos Sem Terra aliado à emancipação social do sujeito e os vínculos com os Direitos Humanos. Esta investigação, assim, teve como problema de pesquisa questionar em que medida o processo pedagógico adotado pelo MST contribui para a formação da criança enquanto sujeito social.

Destarte, a hipótese levantada para tal problema foi a de que o processo pedagógico adotado pelo MST contribui para a formação de sujeitos sociais comprometidos com a transformação e a emancipação social. Este processo é significativo, ou seja, reconhece a história particular de cada criança e, também, do grupo social, cujo objetivo é a construção de um projeto coletivo.

Como objetivo geral do estudo, busca-se analisar de que forma o MST se propõe a oferecer às crianças o acesso à educação de forma adequada, discutindo se a educação oferecida promove o pleno desenvolvimento do indivíduo enquanto sujeito da sua própria experiência.

A justificativa inicialmente considerada é a de que o tema proposto é de suma importância na medida em que a educação constitui-se em tema fundamental. Assim, refletir sobre o acesso à ela é refletir sobra a real efetivação desse direito. A educação chama a atenção nessa conjuntura globalizada, pois amplia a necessidade por conhecimento e pela libertação social, especialmente dos menos favorecidos. Neste sentido, esta pesquisa tem como finalidade fazer uma reflexão acerca da educação no movimento "sem terra", bem como o acesso a ela. O presente estudo, desta forma, garante a sua importância pois se destina a discutir a herança educacional que o MST deixará para seus integrantes, bem como para seus descendentes.

Como método de abordagem optou-se pelo método dedutivo que busca, a partir de pressupostos gerais chegar a conclusões de caráter particular. Como método de procedimento utilizou-se a pesquisa bibliográfica que se preocupa em explicar a temática abordada através de referenciais e marcos teóricos publicados em documentos, livros, textos e doutrinas.

O presente trabalho foi estruturado em cinco seções, incluindo esta seção introdutória e a seção conclusiva do trabalho. Na segunda seção trata-se da história da educação e sua evolução no Brasil e da análise da historicidade da educação brasileira desde a época do Brasil império até aos dias atuais. Demonstram-se aí os fatos mais importantes dessa evolução até chegarmos a positivação destes na legislação pátria.

Após, referem-se os direitos da criança, destacando-se que durante toda a história nunca foi vista como um ser humano ou como um cidadão completo. Posteriormente, são abordadas as questões sobre a gênese da Declaração Universal dos Direitos da Criança, e da criação, no Brasil, do Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação que reconhece as crianças como sujeitos de direitos, destacando que a educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal.

Na terceira seção trata-se dos movimentos sociais, especificamente o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Primeiramente aborda-se a origem do movimento e o significado de sua criação, no sentido de que o MST é o mais importante movimento social no Brasil contemporâneo, pois é o que apresenta maior grau de articulação interna. Após, trata-se da evolução do movimento e da luta pela escola, demonstrando que a relação do MST com a educação é uma relação baseada na luta e na busca pela cidadania, eis que o direito coloca a educação no terreno dos grandes valores da vida e da formação humana. Ainda, procura-se enfatizar que o movimento dos sem terra, acredita no poder da força comunitária para construir a história do campo. O estudo, também, procura demonstrar de forma sucinta, a criação da primeira escola no campo, fundada pelo MST.

Na quarta seção dedica-se ao estudo mais aprofundado do processo pedagógico do movimento como formador de sujeitos sociais, feita através da pedagogia diferenciada, utilizada no movimento como prática de ensino no movimento. É caracterizada a pedagogia e a escola como instrumentos necessários para a transmissão de conhecimentos e formação social. Posteriormente, aborda-se a luta social como princípio educativo, eis que o papel da coletividade exerce influência no contexto educativo, no interior do movimento social, levando à constituição da "identidade sem terra" nas pessoas e para além delas.

Por fim, em seção conclusiva, faz-se uma análise dos pontos importantes abordados durante todo o trabalho, agrupando as idéias centrais e discutindo os resultados obtidos com a pesquisa.


2 ANÁLISE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO

Fazer uma análise sobre a história da educação, exige uma profunda reflexão. Neste sentido, explica Rayo (1998) que a partir da teoria, da experiência e da prática, responde-se a uma nova forma de pensar o mundo e seus valores; a desaprender os valores de uma cultura que nem sempre respondeu à solidariedade, à justiça e a tolerância.

2.1 A Evolução da Educação no Brasil

O ensino no Brasil estava sob a responsabilidade das ordens religiosas até a metade do século XVIII, sendo que na época da escravidão, apenas uma pequena minoria tinha acesso à educação, acesso este que, desde os seus primórdios, nunca foi igualitário.

A renascença foi prolífica em tratados sobre educação. Os do primeiro período reeditam as idéias de Platão, Aristóteles e Quintiliano: o fim da educação é produzir o homem perfeito, capaz de compartilhar plenamente das atividades sociais. O ideal de homem educado era procurado entre os vultos céleres da antiguidade: Demóstines, Aristóteles, César, Plínio e, sobretudo, Cícero. (COOMAN;PEETERS,1967, p.59)

Destaque-se o interesse pela educação durante a época do renascimento: educar tornava-se uma questão de moda e uma exigência, principalmente pela proliferação de colégios e manuais para alunos. Neste sentido, Aranha (2007, p.125) afirma que,

[...] enquanto os mais ricos ou da alta nobreza continuavam a ser educados por preceptores em seus próprios castelos, a pequena nobreza e a burguesia também queriam educar seus filhos e os encaminhavam para a escola, na esperança de melhor prepará-los para a liderança e a administração da politica e dos negócios. Já os interesses de segmentos populares, em geral, não eram levados em conta, restringindo-se a aprendizagem de ofício.

A direta influência da reforma foi decisiva para o estado criar escolas públicas, baseando-se na concepção de que cada cidadão deveria saber ler, a fim de poder interpretar as sagradas escrituras. Segundo Comman e Peeters (1967, p. 65) o conceito de educação mudou e deve-se à reforma protestante a idéia moderna da educação popular e a secularização do controle exercido sobre as escolas.

A Companhia de Jesus exerceu forte influência na história da educação brasileira, já que seu objetivo era o de catequizar, sendo o ensino jesuítico voltado às humanidades. Neste sentido, acrescenta Aranha (2007, p.127) que a "ordem jesuítica estabelecia uma rígida disciplina militar e tinha como objetivo inicial a propagação missionária da fé, a luta contra os infiéis e os heréticos." Para tanto, os jesuítas se espalharam pelo mundo, desde a Europa até a Ásia, África e América. No período que os jesuítas chegaram ao Brasil, avançava na Europa a marcha da reforma e da contra-reforma protestante.

Os jesuítas se consagraram pelo empenho na formação religiosa, intelectual e moral das crianças e dos jovens. Para tanto, instauraram rígida disciplina aplicada nos internatos para garantir proteção e vigilância. Aranha ( 2007, p. 190) afirma que "no século XVIII, por volta de 1759, após 200 anos de ação pedagógica jesuítica, o primeiro ministro de Portugal, Marquês de Pombal, expulsou os jesuítas do reino e de seus domínios, inclusive do Brasil." O mesmo aconteceu mais tarde em outros países, até que em 1773, o Papa Clemente XIV extinguiu a Companhia de Jesus. Restabelecida a Companhia em 1814, esta continuou a sofrer inúmeras perseguições durante o século XIX. Aranha (2007. p.191) fala que,

Após a expulsão dos jesuítas, os bens dos padres foram confiscados, muitos livros e manuscritos importantes destruídos. Segundo alguns historiadores, de início o desmantelamento da estrutura educacional montada pela Companhia de jesus foi prejudicial porque, de imediato, não se substituiu o ensino regular por outra organização, enquanto os índios, entregues à sua própria sorte, abandonaram as missões.

Destaque-se que no ano de 1772 teria sido implantado o ensino público oficial. Segundo Aranha (2007, p. 191), "a coroa nomeou professores, estabeleceu planos de estudo e inspeção, modificou o curso de humanidades, típico do ensino jesuítico, para o sistema de aulas régias de disciplinas isoladas, como ocorria na metrópole."

Conforme a historiografia tradicional, o Marquês de Pombal não obteve êxito ao tentar introduzir de imediato as inovações de sua reforma no Brasil. Segundo Piletti; Peletti (1997, p. 137) "Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, foi o primeiro-ministro de Portugal, de 1750 a 1777." Em seu governo, desmantelou a estrutura jesuítica de Portugal e de todos os seus domínios. Pombal declarou rompimento de Portugal com a Companhia de Jesus, pois alegava intenções de opor-se ao controle do governo português. Desta maneira acabou provocando o retrocesso de todo o sistema educacional brasileiro, já que no Brasil os Jesuítas integraram-se desde, o início à política colonizadora do rei de Portugal e foram responsáveis quase que exclusivamente, pela educação brasileira durante um longo período.

A reforma pombalina criada por Pombal, tinha como objetivo formar uma educação útil aos fins do Estado, que organizasse a escola de maneira que, antes de servir aos interesses da igreja, servisse aos imperativos da colônia. Piletti e Piletti, (1997, p. 137) apontam que foram criadas as aulas régias de latim, grego e retórica, que nem de longe chegaram a substituir o eficiente sistema de ensino organizado pela Companhia de Jesus.

Destaque-se que o Brasil sofreu várias influências no campo da educação e faz-se importante comentar que uma delas foi o Iluminismo. Este exerceu influência sobre a colônia, pois as idéias que circulavam em Portugal por meio dos intelectuais, também tiveram sua divulgação no Brasil. Para Guirardelli (2001), os reflexos e efeitos do Iluminismo e da Revolução Francesa brilharam e tornaram-se precursores do direito à educação.

Os iluministas propagavam a idéia de que a educação era promotora do desenvolvimento da sociedade e do progresso humano, tendo papel fundamental nestas transformações. (ARANHA, 2007, p. 192). Esta atuação dava-se não só pela atuação dos formados pela universidade de Coimbra, mas pela difusão de obras iluministas recomendadas por Pombal e, também, as que foram por ele condenadas. Para Aranha ( 2007, p. 192),

Já no final do século XVIII, em 1798, o bispo Azeredo Coutinho abriu o seminário de Olinda, em Pernambuco, sob a inspiração das idéias iluministas que absorvera como aluno da Universidade de Coimbra. Nesse seminário, destinado à formação de padres educadores, deu-se destaque ao ensino das ciências, das línguas vivas e da literatura moderna. Cuidou-se também de uma nova metodologia de ensino, distinta daquela tradicional baseada em castigos físicos e na memorização.

Durante o século XVIII, permanecia o contraste entre o Brasil e a Europa. O Brasil continuava com a sua aristocracia agrária escravista e a economia agroexportadora era submetida à política colonial da opressão. No panorama da educação, mantinha-se o analfabetismo e o ensino precário. Com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil em 1808 e com a Independência em 1822, a educação passou a ser preocupação fundamental do governo, todavia apenas para a elite dirigente do país. Segundo Piletti e Piletti (1997, p. 145) ,

Ao invés de procurar montar um sistema nacional de ensino, integrado em todos os seus graus e modalidades, as autoridades preocuparam-se mais em criar algumas escolas superiores e em regulamentar as vias de acesso a seus cursos, especialmente, através do curso secundário e dos exames de ingresso aos estudos de nível superior.

O problema da educação pública foi inaugurado pela Constituinte de 1823, pelo Imperador Dom Pedro I. Nela o imperador afirmava que: "[...] tenho promovido os estudos públicos, quanto é possível, porém, necessita-se de uma legislação especial." (FAVERO, 1996, p.36). Deste modo, refere o autor que Dom Pedro I aludia ao Colégio das Educandas, uma escola fundada por ele e que tinha a finalidade de ministrar educação para moças. A principal preocupação do governo era a formação da elite dirigente, o que levou o governo a concentrar seu apoio ao ensino secundário e superior.

Durante esta época, as elites não só enviavam seus filhos aos colégios particulares como, também, se utilizavam do poder do estado para criar em benefício próprio uma rede de ensino público para o atendimento de seus filhos. Monacorda (2006) explica que, para a criança pobre, existiam poucas e precárias escolas, localizadas no interior do país, onde os professores não possuiam sequer formação profissional. O Brasil, neste período, era uma sociedade exclusivamente agrária, que não exigia do cidadão muitos conhecimentos e os trabalhos manuais ficavam a cargo de escravos.

O estado esforçava-se para oferecer escolas gratuitas para os pobres, pois os ricos procuravam as escolas tradicionais religiosas. Ainda, a urbanização e a industrialização criaram o fenômeno das "crianças de rua", gerando a necessidade de escolas como forma de controle dos possíveis problemas sociais. Aranha (2007, p.201) afirma que,

Ao lado da expansão da rede escolar, outro objetivo dos educadores no século XIX era formar a consciência nacional e patriótica do cidadão. Até então a educação tivera um caráter geral e universal, mas agora se dava maior ênfase à formação cívica, certamente em razão das tendências nacionalistas da época.

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Note-se que, desde o século XVIII, buscava-se o ideal de escola pública, gratuita e universal sob a responsabilidade do estado. Assim, cada vez mais a educação assume um caráter político, devido a sua importância na formação do cidadão, além de constituir-se um forte instrumento de cultura e formação da cidadania. Para Aranha (2007, p. 245) "a escola representava a esperança de democratização da sociedade." Peeters e Cooman (1967, p. 145) explicam que, os livros escolares eram desconhecidos até bem pouco tempo. O Ministro Paulino de Souza, em 1870 no relatório encaminhado às Câmaras, lamenta o completo abandono da instrução no Brasil. Neste sentido falam Peeters e Cooman (1967, p. 146):

Em 21 de outubro de 1875, foi dado novamente impulso à criação de escolas normais e em 1880 fundou-se a de São Paulo, a qual apenas funcionou como escola noturna frequentada por moços e moças que trabalhavam durante o dia, de maneira que foi escasso o proveito. Aliás, faltavam professores de carreira, e foi mister recorrer a advogados, médicos, engenheiros, etc..., talvez muito competentes no exercício da sua profissão mas desprovidos de treino pedagógico e muito empenhados nos seus próprios afazeres.

Posto isso, compreende-se que naquele período havia preocupação com a criação de escolas, mas, ainda haviam problemas com a deficiência de números de professores qualificados para trabalhar a questão pedagógica e exercer a função de ensinar.

É importante destacar que no decorrer do século XIX com a expansão das escolas públicas, Rui Barbosa pleiteou, em 1882, a liberdade de ensino, a laicidade da escola pública e a intrução primária obrigatória." Diante disso, aumentou o cuidado com o método de ensino, que se baseava na compreensão da natureza infantil, aplicando-se a ele a psicologia da educação. Neste sentido, sobre a educação da criança, pode-se dizer que

O primeiro atentado que contra ela, contra a sua existência normal, contra os seus direitos indefesos cometem o mestre e o método é esquecerem no aluno a existência de um corpo com as mais imperiosas de todas as necessidades. A escola olvida, ignora que a educação não atua sobre elementos impalpáveis, que a sua influência se exerce contínua e diretamente sobre a saúde do organismo. (BARBOSA, 1883, apud PILETTI; PILETTI, 1997, p. 155)

Pode-se dizer que no século XIX não havia, ainda, uma política de educação sistemática e planejada. Aranha (2007) aponta que quando a família real chegou ao Brasil, existiam as aulas régias do tempo de Pombal, o que obrigou o rei a criar escolas, sobretudo superiores, afim de atender as necessidades do momento. Com a queda da monarquia em 1989, começou a Primeira República, que durou até 1930. Segundo Cotrim (1999, p. 229) "em 15 de novembro de 1890 reuniram-se na cidade do Rio de Janeiro a Assembléia Constituinte, para elaborar, então, a primeira Constituição da República brasileira." Dessa forma,

Competia à Assembléia apreciar o anteprojeto constitucional, elaborado por juristas nomeados em dezembro de 1889. Destacaram-se na redação desse documento Rui Barbosa e Saldanha Marinho. O Anteprojeto constitucional tinha como modelo a Constituição dos Estados Unidos. (COTRIM, 1999, p. 229)

Com a constituição do Brasil em República, cresceu a autonomia dos estados e, com isso, o governo federal acabou se desinteressando pela instrução primária, ocasionando, assim, um lento desenvolvimento da educação popular durante o primeiro decênio da República.

Neste contexto, os Estados Unidos, acabou impondo padrões de consumo de bens materiais e, também, impondo novos padrões de consumo de bens culturais que influenciaram no Brasil. Entre estes estavam as teorias pedagógicas e do Movimento da Escola Nova, que enfatizava a importância da liberdade da criança e do interresse do educando para um melhor resultado na prática do ensino-aprendizagem. Segundo Aranha (2007, p. 303),

[...] foi publicado um manifesto dos pioneiros da Educação Nova, assinado por 26 educadores, entre eles Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. O documento defendia a educação obrigatória, pública, gratuita e leiga como dever do estado, a ser implantada em programa de âmbito nacional. Um dos objetivos fundamentais expressos no Manifeto que certamente fora redigido sob a inspiração de Anísio Teixeira- era a superação do caratér discriminatório e antidemocrático do ensino brasileiro, que destinava a escola profissional para os pobres e ensino acadêmico para a elite.

Entre 1930 e 1937, o país viveu um dos períodos de maior radicalização política de sua história. Durante este período, originou-se a Reforma Francisco Campos, que Peeters e Cooman (1967, p. 140) explicam que "pôs fim ao monopólio do estado e reconheceu nela condições para aprovação dos estabelecimentos particulares." Também, em 1942, conhecida sob o nome de Lei Capanema, respondeu às aspirações da corrente que pleiteava o retorno aos estudos clássicos e formadores de personalidade.

Xavier, Ribeiro e Noronha (1994) apontam que em 1930, o governo provisório de Getúlio Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde, importante para o planejamento das devidas reformas e para a estruturação da universidade. Também, foi o período que Francisco Campos foi nomeado para o cargo de ministro.

Pela primeira vez uma ação planejada pleiteava a organização nacional, já que as que ocorreram anteriormente, tinham sido apenas estaduais. Neste sentido Aranha (2007, p.305) diz que os decretos que efetivavam a reforma Francisco Campos, além dos que dispunham sobre o regime universitário, tratavam da organização da Universidade do Rio de Janeiro, da criação do Conselho Nacional de Educação do ensino secundário e comercial.

Na vigência do Estado Novo, destaca Aranha (2007, p.307) que "durante a ditadura Vargas, o Ministro Capanema empreendeu outras reformas do ensino, regulamentadas através de decretos-leis assinados de 1942 a 1946, que foram denominadas de Leis Orgânicas do Ensino." Após o Estado Novo, regulamentou-se então, a reforma do ensino primário, com introdução de diversas modificações no campo da educação, a saber: a criação do ensino supletivo de dois anos, importante para a redução do analfabetismo, pois atendia adultos e, também, adolescentes que não tinham ainda se escolarizado.

O Estado Novo constituiu-se em uma ditadura. Conforme Guirardelli (2001, p. 83) foi "um regime sem o funcionamento do Congresso Nacional, sem partidos legais, sem eleições. Desenvolveu-se, o fortalecimento do Estado no sentido de melhor servir aos interesses do capitalismo." Verifica-se que o Estado Novo, além das leis orgânicas do ensino, chamadas de Reforma Capanema, forjou algumas entidades que passaram a ter importância nos processos de educação formal do país.

É deste período a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), do instituto Nacional do livro, do serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, do Serviço Nacional de Aprendizagem (SENAI), do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). A criação dessas instituições e a decretação da Reforma Capanema esboçaram um sistema educacional para o país, até então inexistente. (GUIRARDELLI, 2001, p.83)

Verifica-se que o SENAC e o SENAI, ofereciam aos alunos salários para poder estudar e treinamento profissionalizante nas empresas, o que tornava o projeto atrativo para as classes populares. Para Guirardelli (2002, p. 88),

Nos anos finais do regime, Vargas deu uma guinada à esquerda. Sempre buscando apoio popular, concedeu anistia aos presos políticos, permitiu a legislação do Partido Comunista, reconheceu a URSS e estabeleceu relações diplomáticas com esse país. Os chefes militares que lhe deram apoio durante o Estado Novo passaram a ver tais manobras com maus olhos e, procurando evitar o continuismo, trataram logo de depor o presidente antes das eleições da ANC.

No período de 1945 a 1964, com a queda da ditadura de Vargas, houve um processo de redemocratização do Brasil, (ARANHA, 2007, p. 309). O país inclina-se ao Estado de Direito, com governos eleitos pelo povo e marcados pela esperança de um progresso acelerado.

A Constituição de 1946 era considerada liberal e regularizou a vida do país, pois procurou garantir o desenrolar das lutas político-partidárias, estabelecendo assim, uma certa democracia. Segundo o entendimento de Guirardelli, (2001, p.110) "nem todos os partidos políticos puderam ter existência legal. O Partido Comunista, após 1947, não recuperou mais o seu registro e teve de contentar-se com a semilegalidade dos períodos de menor repressão."

Destaque-se que a primeira lei brasileira a estabelecer as Diretrizes e Bases da Educação Nacional em todos os níveis, desde o primário ao superior explicam que "foi a Lei nº 4.024 , de 20 de dezembro de 1961. E que quando publicada, já se encontrava ultrapassada, pois esta Lei, chegou ao Congresso em 1948, onde foi discutida por 13 anos." Piletti; Piletti ( 1997, p. 189) Embora o anteprojeto de lei fosse avançado na época da sua criação, verifica-se que ele envelhecera, a espera dos debates e confronto de interesses.

Com esta lei, pode-se verificar que os currículos deixaram de ser tão rígidos, permitindo aos estabelecimentos educacionais optar por uma maior variedade no ensino, em relação às matérias optativas. Segundo Piletti e Piletti, (1997, p. 191) três partes compunham os currículos: a) uma nacional, constituída por disciplinas obrigatórias indicadas pelo Conselho Federal de Educação: Português, História, Geografia, Matemática, Ciências e Educação Física. b) uma regional, abrangendo disciplinas também obrigatórias, fixadas pelos Conselhos de Educação dos Estados. c)uma própria dos estabelecimentos, cujas disciplinas seriam escolhidas pelas escolas a partir de uma lista elaborada pelos Conselhos de Educação dos estados.

Durante a época, em que prosseguia a discussão acerca das diretrizes e bases da Educação, desenvolveu-se no país uma intensa campanha pela escola pública. Toda a sociedade se empenhou: educadores, órgãos de imprensa, sindicatos e outras categorias profissionais. Esta campanha buscava tornar realidade o preceito constitucional que garantia educação para todos. (PILETTI ; PILETTI 1997, p. 191) Para que todos tivessem acesso à educação, seria necessário ampliar o número de escolas públicas e gratuitas, já que as particulares eram pagas e, dessa forma, só acessíveis a determinadas classes sociais.

Vê-se que, de 1946 a 1964, houve grande atuação de diversos movimentos de educação popular, especialmente destinados à alfabetização de adultos. Destaque-se alguns destes movimentos: a Campanha de Educação de Adultos, o Movimento de Educação de Base e o Programa Nacional de Alfabetização foram patrocinados pelo governo federal. O Ministério da Educação era o responsável pelo financiamento das unidades de ensino, por orientar os trabalhos de alfabetização e pela mobilização da opinião pública tanto dos governos estaduais como municipais, no sentido de aderirem à campanha.

Verifica-se que o Programa Nacional de Alfabetização de Adultos iniciou suas atividades em julho de 1963, mas foi oficialmente instituído em 1964. A alfabetização de adultos se faria mediante o uso do " Sistema Paulo Freire". (PILETTI ; PILETTI 1997, p. 194) O próprio Paulo Freire foi nomeado coordenador do Programa Nacional de Alfabetização neste período. Entretanto, quando no dia 1ª de abril os militares tomaram o poder, extinguiu-se o Programa e os seus coordenadores foram presos ou exilados. A idéia básica deste método de ensino era a adequação do processo educativo às características do meio. Dessa forma, o programa localizava e recrutava os analfabetos que residiam nas áreas escolhidas para a realização dos trabalhos de alfabetização.

Nesta metodologia, o ensino dava-se através das próprias experiências e vivências do educando. Eram colhidas entrevistas com os adultos e com as pessoas mais antigas do lugar. Registravam estas experiências que, futuramente, auxiliariam no processo de aprendizagem . Neste sentido, Piletti e Piletti (1997, p. 194) apontam que

Durante toda a década de 1950 Paulo Freire vinha acumulando experiências no campo da alfabetização de adultos em áreas urbanas e rurais próximas a Recife, experimentando novos métodos, técnicas e processos de comunicação. A partir de 1961, o método já praticamente estruturado foi posto em prática no Recife. Em 1962, estendeu-se a João Pessoa ( Paraíba) e a Natal ( Rio Grande do Norte), onde se desenvolveu a campanha "De pé no chão também se aprende a ler". Mas, a experiência que deu divulgação nacional ao método foi a realizada em Angicos, no Rio Grande do Norte, cujo encerramento contou com a presença do Presidente da República.

A partir de 1964, a educação no Brasil passou a sofrer com o autoritarismo que se instalou no país, provocando reformas em todos os níveis de ensino. Neste sentido, Piletti e Pilletti ( 1997, p. 200) afirmam que várias reformas foram efetuadas em todos os níveis de ensino, impostas de cima para baixo, sem a participação dos maiores interessados: alunos, professores e outros setores da sociedade.

Após 1964, verifica-se que as vagas no ensino superior, na década de 70, estavam limitadas. Muitos jovens passavam no vestibular, mas não podiam ingressar na universidade por falta de vagas. Esta era uma das maiores reivindicações dos estudantes. Além das vagas, os estudantes protestavam pela ampliação do corpo docente, aumento das verbas para a educação e ensino superior. Neste sentido, destacam Xavier, Ribeiro e Noronha (1994, p. 235) que,

No entanto, mesmo sob rigorosa repressão e na ilegalidade, a UNE, realizou clandestinamente seus congressos até 1968, ano em que o CCC ( Comando de Caça aos Comunistas) passou a radicalizar a repressão. Essa organização paramilitar de extrema-direita, entre outros feitos, atacou e destruiu as instalações da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, episódio que ficou conhecido como a Batalha da Rua Maria Antônia.

Explica Gohn, (2001, p. 58) que contrastando com as perdas, "tivemos alguns ganhos no plano sócio-político. A sociedade como um todo aprendeu a se organizar e a reivindicar." Neste sentido, verifica-se que a história da educação no Brasil, sempre foi questão de discussão entre as diferentes classes sociais e que com o passar dos anos, alunos e professores continuam a lutar pelo que entendem ser o ideal de educação.

2.2 O direito à educação no Brasil através de suas constituíções

Existem certos direitos que são protegidos por lei. As Constituições de quase todos os países, fazem referência a estes direitos e, pode-se destacar alguns destes, chamados de Direitos Sociais, pois são garantidos a qualquer cidadão. Entre eles tem-se: o direito à vida, à liberdade, à segurança, à propriedade, ao trabalho e a educação, dentre outros. A proteção aos direitos e às garantias do cidadão estende-se desde a igualdade entre os homens e mulheres, em direitos e obrigações, até a liberdade de pensamento, credo e ideologia. Desta forma, o objetivo é garantir à pessoa humana seu pleno desenvolvimento social. Segundo Chalita (2001, p. 107) "o pleno desenvolvimento da pessoa humana significa o desenvolvimento, não apenas do aspecto cognitivo ou da mera instrução, mas do ser humano de forma integral." Diante disso, a questão da educação está na ordem do dia na realidade brasileira e no tema desta pesquisa. Posto isto, far-se-á agora uma rápida abordagem sobre como era postulado o direito à educação em cada Constituição promulgada no Brasil. A primeira constituição promulgada no Brasil foi a de 1824, e imposta por Dom Pedro I.

A dissolução da Assembléia Constituinte de 1823, levou os grandes proprietários de terra a temerem que o autoritarismo de D. Pedro I aumentasse de proporções e viesse a prejudicar seus interesses econômicos. Para acalmar os ânimos mais exaltados, o imperador apressou-se em em convocar uma comissão de dez membros, todos brasileiros natos, incumbindo-a em elaborar um novo projeto de Constituição para o país. A comissão nomeada pelo imperador trabalhou durante quarenta dias até concluir o texto final do anteprojeto constitucional. Esse documento foi enviado à apreciação de diversar câmaras Municipais e, que de modo geral, foi aceito. D. Pedro I decidiu, então, outorgar a nova Constituição à nação, pelo decreto imperial de 25 de março de 1824. (COTRIM, 1999, p. 166)

A Constituição imperial de 1824, tinha características essencialmente européias, destacando-se a existência de um quarto poder nesta constituição, chamado de Poder Moderador. Sobre este quarto poder, explica Cotrim (1999, p. 167), que era exclusivo do imperador, sendo definido como a "chave mestra" de toda a organização política. Neste período, estava acima de todos os demais poderes. Percebe-se, neste período, a pouca valorização da educação como direito, onde a educação formal era privilégio apenas de famílias nobres ou burguesas.

Desde que o Brasil se tornou independente, foi um dos primeiros do mundo a promulgar a gratuidade da educação, Assim, Peeters e Cooman (1967, p. 145) afirmam que a Constituição promulgada por D. Pedro I, artigo 179, dizia que " a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos". Neste sentido, Cotrim (1996, p. 303) apresenta este artigo:

Artigo 179. A inviolabolidade dos direitos Civis e Políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do império, pela maneira seguinte: [...] XXXII- A instrucção primária, é gratuita a todos os cidadãos. XXXIII- Collégios e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Sciencias, Bellas Letras, e Artes.

Um novo projeto de lei em 1827, criou pedagogias em todas as vilas e povoações mais populosas do país. O ato Adicional de 1834, deixava para as Províncias o cuidado de implantar o ensino primário e secundário. Algumas províncias ciaram escolas normais e a primeira delas foi a da cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, em 1835.

A Constituição de 1891, foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891, tornando-se a primeira constituição brasileira da República. Suas principais mudanças implicavam que o ensino religioso das escolas seria banido, proibindo, também, a assistência religiosa em quartéis, hospitais e prisões. A igreja Católica reagiu de forma negativa a esta novidade, que estabelecia a separação da Igreja e do Estado e a laicização do ensino nos estabelecimentos públicos.

Em 31 de dezembro de 1927, Julio Prestes sancionou a lei nº 1884. Esta lei abria mão do monopólio oficial da educação e permitia escolas normais livres. Entre 1920 a 1930, começou a ser introduzida no país a "Escola Nova". Neste sentido, Guirardelli Jr. (2002, p. 25) diz que

A divulgação da pedagogia nova ocorreu no interior da crescente influência cultural norte-americana sobre o Brasil, principalmente após a Primeira Guerra Mundial. Antes da Guerra, o Brasil, como vários paises com economia baseada na monocultura e na exportação, ficava suscetível ao controle dos banqueiros ingleses que, em troca de financiamentos para as lavouras, mantinham o país sob controle econômico e sujeito ao pagamento de altos juros de uma dívida externa crescente. Após a Guerra, com a Inglaterra vencedora mas cambaleante, os Estados Unidos ocuparam o espaço deixado pelos ingleses no cenário financeiro e mercantil internacional.

A Lei 4024/ 61, que trata das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, constituiu um primeiro plano, para a plena democratização do ensino brasileiro. Segundo Xavier, Ribeiro e Noronha ( 1994, p. 221),

A proposta de conteúdo comum obrigatório (universialização do ensino) para todo o país, uma legislação que institucionalizasse os anseios de uma organização escolar fundada em diretrizes e bases para a educação nacional, reflete avanços normativos, que vinham sendo buscados desde os anos 20 e que foram introduzios na lei nº 4.024/61 e, posteriormente, na lei nº5.692/71.

No dia 16 de julho de 1934, foi promulgada a Constituição de 1934, a primeira a incluir um capítulo especial sobre educação, (PILETTI; PILETTI, 1997, p.176) Estabeleceu, então, alguns pontos importantes, como a educação como um direito para todos, a obrigatoriedade de escola primária integral, a gratuidade do ensino primário, a assistência aos estudantes necessitados.

Artigo 150. Compete à União: a) fixar o plano nacional de educação, comprenhensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados, e coordenar e fiscalizar a sua excução, em todo o território do paiz.[...] c) organizar e manter, nos territórios, systemas educativos apropriados aos mesmos. ( COTRIM, 1996, p.305)

Nesta constituição ficou esclarecido que a educação religiosa aconteceria de forma facultativa e de acordo com a religião de cada criança, com autorização dos pais ou dos responsáveis e a responsabilidade pela educação seria solidária: entre a família e os poderes públicos. Neste sentido, Romanelli (1978, p. 142) afirma que

A constituição de 1891, em vigor atá 1934, pelo seu artigo 72, paragrafo 6, declarava que: " será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos". Já a constituição de 1934, pelo seu artigo153, declarava: o ensino religioso será de frequência facultativa, e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais. Modificando um pouco o teor da prescrição, a Constituição de 1937 determinava, pelo seu artigo 183: " O ensino religioso poderá ser contemplado com matéria de curso ordinário das escolas primárias normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem por frequeência compulsória por parte dos alunos.

Destaca-se que a constituição de 1934 estabelecia que o presidente da República seria eleito de forma indireta, escolhido pelos membros da Assembléia Constituinte, para um mandato de quatro anos. O primeiro presidente brasileiro eleito pela constituinte foi Getúlio Vargas, que logo após ser eleito, iniciou seu mandato constitucional.

Note-se que a Constituição de 1937, promulgada por Getúlio Vargas, extinguiu a igualdade dos cidadãos perante a lei. O incentivo dado às classes menos favorecidas, quando o assunto se referia à educação, era a de que procurassem a escola pública profissionalizante, especialmente, para o aprendizado de alguma atividade profissional, conforme ditava o texto constitucional.

Artigo 15. [...] IX- fixar bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude. [...] artigo 129. À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos municípios, assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais. O ensino prevocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensinoprofissionais e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.( COTRIM, 1999, p.308)

Segundo Guirardelli (2002, p.82) a Carta de 1937 não determinava ao Estado tarefas no sentido e fornecer à população uma educação geral, através de uma rede de ensino público e gratuito. Pelo contrário, a intenção desta constituição era a de manter um explícito dualismo educacional: os ricos proveriam seus estudos através do sistema público ou particular e os pobres, deveriam procurar as escolas profissionalizantes.

Verifica-se que o Ensino Superior, a partir da década de 30, também sofreu modificações. Segundo Guirardelli (2001, p. 175) "a reforma universitária, incluída nas Reformas de Base do período janguista, direcionava-se no sentido de democratização do ensino superior." Com isto, percebe-se a vontade dos governantes em democratizar o acesso ao ensino superior.

Já a Constituição de 1946, promulgada em 18 de setembro de 1946, consagrou as liberdades expressas na Constituição de 1934 que, durante a vigência da Constituição de 1937, haviam sido retiradas. Destaque-se que esta Constituição era bastante avançada para a época, pois marcou um avanço da democracia e direitos individuais do cidadão brasileiro.

Na área da educação, verifica-se o avanço da participação popular. O ensino técnico-profissional conseguiu sua equivalência com o secundário e gerou um debate nunca visto. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), foi discutida durante treze anos no Congresso Nacional. Dessa forma Piletti e Piletti ( 1997, p. 187) afirmam que,

A Constituição de 1946 estabeleceu como regra " o ensino ministrado pelos poderes públicos", embora livre a iniciativa popular, dentro dos limites da lei. Manteve também, o ensino religioso obrigatório para os estabelecimentos e ministrado segundo a confissão religiosa dos alunos. Apesar da mudança de regime e da nova constituição, a legislação educacional herdada do Estado Novo vigorou até 1961, quando teve início a vigência da Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional. Este fato, contudo, não impediu que numerosas campanhas fossem organizadas, visando à ampliação e à melhoria do atendimento escolar, refletindo na expansão do número de matrículas.

Verifica-se que o texto constitucional desta constituição específica, não sofreu muitas inovações e que o ensino religioso nas escolas públicas foi a questão mais debatida. A Constituição de 1967, entrou em vigor em 15 de março de 1967. Nessa fase, há de se observar que o que foi estruturado na Constituição de 1946, nesta já não estava garantido. O estado estava passando por um momento conturbado e desorganizado. Os interesses em relação ao ensino e a valorização do cidadão, cairam no esquecimento e pouco foi feito para a efetivação desse direito. Destaque-se nesta Constituição o que segue:

Artigo 8º, Compete à União: [...] XIX- estabelecer planos de educação e de saúde.[..] Artigo 168- A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana.( FÁVERO, 2000, p. 310)

Percebe-se que os dispositivos constitucionais que tratam da educação, são apenas dois artigos e estes reafirmam o direito de todos à educação. Por fim, foi promulgada em 05 de outubro de 1988, a sétima carta constitucional do país, consagrando o Brasil como Estado Democrático de Direito. Isto significa dizer que o povo pode participar da formação do governo, elegendo-os diretamente ou por meio de representantes eleitos. Verifica-se que no Brasil, a formação colonial e a sucessão de períodos ditatoriais, durante a curta história republicana impediu, que durante séculos, o povo brasileiro exercesse sua cidadania. O direito a educação constitui um dos direitos sociais previstos no artigo 6º e artigo 205 da Constituição Federal de 1988, conforme pode ser visto abaixo:

Art.6º São direitos sociais a educação, a saúde,o trabalho, a moradia, o laser, a segurança, a previdencia social, à maternidade e a infância, a assistencia aos desamparados, na forma desta constituição. [...] Art.205 A educação, direito de todos e dever do estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 2007, p.15)

Na Declaração Universal dos Direitos da Criança, também está previsto a garantia ao acesso à educação em seu Princípio VII. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente,

A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver suas aptidões e sua indiidualidade, seu senso de responsabilidade social e moral. ( BRASIL, 2007, p. 102)

Refletir sobre a garantia da educação é uma tarefa necessária. Em primeiro lugar, para ajudar a compreender a educação e a cidadania, pois como afirma Arroyo (2002, p. 34)é preciso entender a relação entre educação e cidadania e se está contribuindo para a garantia da cidadania dos trabalhadores, ou ao contrário, está contribuido para justificar e racionalizar a sua exclusão.

2.3 O direito da criança à educação segundo o ECA – Lei 8.069/90, de 13/07/90

Durante toda a história, a criança nunca foi vista como um ser humano ou como um cidadão completo. Segundo Porto, (1999, p. 27) "ela era vista apenas como se fosse um meio-adulto, com poucos deveres e, conseqüentemente poucos direitos", que não possuía opinião para assuntos relacionados à sua família. Neste sentido, a criança gozava de poucos direitos. Somente a partir do século XVI, quando as idéias liberais começaram a surgir, é que as crianças passaram a ser vistas e reconhecidas como uma categoria social diferenciada. Mas a legislação demorou até o século XX para reconheçê-los.

De início, todo o poder era conferido aos pais. Instituído de pátrio poder, os pais exerciam-no como bem entendessem. Segundo Porto (1999, p.27) os filhos não tinha direitos, pois os pais os representavam em todas as ocasiões. Posteriormente, passou-se a entender o poder como algo a ser usado somente em defesa dos filhos. Se utilizado contrariamente, o filho teria direito de recorrer à justiça.

A convenção das Nações Unidas é apresentada como instrumento de domesticação do poder parental e estatal, principalmente nas suas relações autoritárias, com a infância e a adolescência, como instrumento de mobilização da sociedade e de construção de uma cultura institucional que veja a criança e o adolescente como cidadãos e como alavancadores no processo de institucionalização de um sistema de garantia de direitos eficiente e eficaz. (NOGUEIRA NETO, 1999, p.29)

Verifica-se que a proteção dos direitos das crianças ganhou força em 1959 quando as Nações Unidas editaram a Declaração Universal dos Direitos da Criança. Em 1989, comemorando os 30 anos da declaração, os países que formam a ONU subscreveram a Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. No Brasil, o Congresso Nacional Brasileiro aprovou-a através do decreto legislativo 28 em 14 de setembro de 1990. Posteriormente, o Presidente da República promulgou a convenção, transformando-a em lei interna. (PORTO, 1999, p.28)

Desta forma analisa-se que a Constituição Federal artigo 24, XV e 30, II, (NETO,1999, p.39) serviu como base de sustentação dos principais dispositivos do Estatuto da Criança e Adolescente e fundamentou a campanha Criança Constituinte. Esta foi uma grande mobilização da sociedade civil com o objetivo de inserir no texto constitucional os princípios da Declaração dos Direitos da Criança, no sentido de dar efetivação aos princípios constitucionais garantidores da dignidade humana da criança. Assim, foi editada a Lei nº 8.069/90, (NETO, 1999, p. 39) promulgada em 13 de julho de 1990 conhecida como Estatuto da Criança e Adolescente. Neste sentido,

A democracia requer leis que garantam e promovam a dignidade da pessoa humana, assegurando seus direitos e o cumprimento dos deveres. O atual Estatuto responde ao anseio, há anos acalentado, de dotar o País de um instrumento válido para salvaguar a vida e garantir o desenvolvimento pleno das meninas e meninos do Brasil, especialmente dos 30 milhões de empobrecidos. (SILVA, 2000, p. 13)

O Estatuto reconhece as crianças e os adolescentes como cidadãos, possuidores de todos os direitos, iguais aos adultos, e de outros direitos especiais por serem sujeitos em desenvolvimento. Desta forma, concretizou um notável avanço democrático ao regulamentar as conquistas relativas às crianças e adolescentes. Destaque-se o artigo 3º e o art. 53 da lei 8.069/90 que fala sobre o direito da criança à educação:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei. Assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunida; des e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolivimento físico, mental, moral, espirirual e social, em condições de liberdade e dignidade. Art. 53 A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes: I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II- direito de ser respeitado por seus educadores, III-direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores, IV- direito de organização e participação em entidades estudantis, V- acesso à escola pública e gratuita próxima de sua esidência. PARÁGRAFO ÚNICO. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais. (BRASIL, 2007, p. 32)

Quanto ao direito à Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente, alterou este campo. Transformou uma série de conceitos antigos, cabendo ao Estado e ao sistema educacional promover a criança e ao adolescente, alocar meios para construir a cidadania das crianças e adolescentes e prepará-los para uma vida digna, onde possam gozar de seus direitos e garantias fundamentais.

São duas as palavras que resumem esse direito fundamental: acesso e permanência. Segundo Porto (1999, p. 59),

O acesso é o direito de ingressar na escola, e ele é garantido a todos, sem discriminação: aos alunos tidos como "normais", aos "fora de faixa", normalmente mal vistos pelas escolas; aos "desistentes", que por algum motivo abandonam a escola durante o ano letivo; aos "adolescentes que trabalham", e não podem estudar durante o dia; e aos "portadores de deficiência", que, para minorar seu sentimento de exclusão, devem ser preferencialmente educados na rede regular de ensino. Garantir a permanência na escola é provavelmente, uma tarefa mais difícil. Não precisamos ir muito longe para concluir que a falta de condições de permanência na escola decorre, de maneira direta, da falta de condições de vida do educando e de sua família.

Como sujeito de direito, a criança precisa aprender a ser cidadão, compreender que a vida em sociedade depende do respeito que todos devem ter para com os outros. Por isso, a educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, centrado na condição humana. A educação não é, pois, para a sociedade senão o meio de preparação das condições essenciais da própria existência.

[...]a educação é a aquisição de arte de utilizar os conhecimentos. É uma arte muito difícil de se transmitir. Sempre que se escreve um manual de verdadeiro valor educacional, pode-se estar quase certo de que algum crítico dirá que será muito difícil ensinar por meio dele. Naturalmente que será mais difícil. Se fosse fácil, o livro deveria ser queimado, pois não poderia ser educacional. (GADOTTI, 2005, p. 117)

Refletir sobre a garantia da educação é uma tarefa necessária, em primeiro lugar, para ajudar a compreender a forma como vem sendo colocada a educação nos assentamentos do MST, objetivo deste estudo, pois como afirma Arroyo (2002, p. 34) compreender a relação entre educação e cidadania contribui para a garantia da cidadania dos trabalhadores ou, ao contrário, contribui para justificar e racionalizar a sua exclusão social.

Diante do exposto acerca, da trajetória da educação no Brasil, passa-se agora à discussão acerca deste processo nos assentamentos do Movimento dos Sem Terra, buscando verificar como esta é praticada e como são constituídos os sujeitos sociais através deste processo educativo.

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Sobre a autora
Ana Paula Schmidt Favarin

Bacharel em Direito e Pós graduanda em Direito Previdenciario

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAVARIN, Ana Paula Schmidt. A construção de sujeitos sociais.: A educação das crianças no Movimento dos Sem Terra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2731, 23 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18098. Acesso em: 26 nov. 2024.

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