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A construção de sujeitos sociais.

A educação das crianças no Movimento dos Sem Terra

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23/12/2010 às 18:01
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4 O PROCESSO PEDAGÓGICO DO MOVIMENTO COMO FORMADOR DE SUJEITOS SOCIAIS

Partindo de uma breve revisão da construção da identidade da criança acampada como um sujeito social, esta seção discute a pedagogia diferenciada aplicada nas escolas do Movimento, a qual busca o equilíbrio entre os conteúdos consagrados cono tradicionais e os que refletem as realidades locais. Desta forma, pode-se garantir a qualidade do ensino, estimulando iniciativas que permitem recriar a pedagogia como verdadeira ferramenta na aplicabilidade da educação no campo e para o fortalecimento da escola. Dallari (2004) explica que a educação é um processo de aprendizagem através do qual as pessoas se preparam para a vida. Nesse sentido, a educação proporciona o desenvolvimento individual da criança e de seu grupo.

4.1 A pedagogia diferenciada do Movimento dos Sem Terra

A presente seção, dedica-se a análise pedagógica da educação feita nos escolas do MST, cujo processo faz-se diferente, voltada à construção de um sujeito social. ( FREIRE; NOGUEIRA, 1991, p. 19) "entendo a educação popular como esforço de mobilização, organização e capacitação de classes populares; capacitação científica e técnica." Entende-se, então, que educação popular é uma educação criativa, dinâmica e emancipadora, que objetiva a formação de seres atuantes, que participem do processo político e que procurem formar um sujeito coletivo. ( RODRIGUES, 2004)

Compreender a pedagogia do Movimento não é colocar o acampamento como protagonista da história por falta de condições estruturais adequadas, segundo a concepção da infância moderna. O acampamento é o pano de fundo histórico, o ambiente de vivência, e precisa ser visto como o contexto no qual as crianças estão inseridas. Sua características precisam ser observadas e colocadas como fatores importantes na construção da Infância Sem Terra (FERREIRA, 2006, p. 06)

A educação é popular quando, enfrentando a distribuição desigual de saberes, incorpora um saber como ferramenta de libertação. Desta forma, para Rodrigues (2004, p. 65)

[...] o fato é que a educação popular pode ser entendida como uma atividade específica (...) ela, por outro lado, não requer ser realizada no interior do sistema educativo formal, separada do conjunto de práticas sociais dos indivíduos. Muito ao contrário, a educação popular vem sendo desenvolvida no interior das práticas sociais e políticas e é aí precisamente onde podem residir a sua força e sua incidência.

Verifica-se que falar sobre educação é falar sobre uma alternativa política e social para que um país encontre a dimensão de sua grandeza e encontre a sua dignidade. Segundo Rezende e Valdes (2006, p. 1214) "a pedagogia por sua vez, dedica-se ao estudo do método de ensino mais indicado para promover a aprendizagem de conceitos novos e cada vez mais complexos, considerados importantes para o desenvolvimento do pensamento." Nesse sentido, vislumbra-se a idéia de Chalita (2002) de que a educação pepara o ser humano para o equilíbrio de aceitar que não deve haver prevalececimento das vontades individuais de cada sujeito e que o bom senso determinará o ponto consensual entre todos.

Ao final dos anos 80 e ao longo da década de 90, surgiram as primeiras escolas no campo, em especial, nos assentamentos do MST, organizadas pelo próprio movimento. Essas escolas trouxeram novidades relacionadas à educação, sua metodologia e organização. Neste sentido, afirma Gohn ( 2001, p. 97) que "a experiência educacional dos sem-terra chegou a ganhar prêmio do UNICEF." Contudo cabe esclarecer que isso fez refletir sobre as condições de transmissão do conhecimento. Gohn (2001) explica que, muitas vezes, este acontece sob condições totalmente adversas aos padrões tradicionais de escola, eis que a educação é dada num cenário de pobreza e de dificuldades, onde a criança aprende a valorizar suas origens e buscar a transformação do meio social em que vive. Desta forma, com vontade política, determinação e muito trabalho, aliados à luta social, é possível desenvolver educação com qualidade e contextualizada para todos, independentemente da situação sócio-econômica de cada família.

A cultura deve ser protegida pelo Estado de muitas maneiras. O patrimônio cultural que constitui bagagem de um povo e sua memória, identidade e modos de ação, sua forma de criar e de resistir, tudo isso terá valor à medida que for difundido e protegido pelo conhecimento da comunidade, o que se dá, principalmente, por meio da educação. Não há justificativa aceitável para a opção por uma visão histórica eurocêntrica ou norte-americana em detrimento de tudo o que há para ser conhecido, estudado, difundido, protegido, amado da cultura do Brasil. Esse é um conceito fundamental para a educação, a difusão da cultura nacional e o respeito pela nossa história.( CHALITA, 2002, p.111)

Destaque-se que a educação visa preparar a criança para viver de maneira autônoma em sociedade. Para Dutra, Ferreira e Cláudio (2007) a sociologia da educação estuda este processo através de dois ângulos diferentes: de um lado, examinando como a educação é transmitida às pessoas e, de outro lado, examinando as instituições responsáveis pela sua transmissão. Também, imagina-se que a escola, por meio de habilidades ensinadas, seja capaz de igualizar as chances futuras de pessoas de origens sociais desiguais.Deve-se democratizar a informação em nossa sociedade, no sentido de promover a formação de opiniões e valores que são fundamentais para a organização social e política do sujeito. Conforme destaca Davis e Gatti (1993, p. 75)

[...] é no seio da escola que se encontra uma das muitas possibilidades de entrelaçamento dos processos individuais e histórico-sociais envolvidos na construção do conhecimento. Como é bem sabido, o papel da escola vai além da transmissão exclusiva de conhecimentos arbitrariamente selecionados. Por intermédio de práticas particulares de ensino, valores, hábitos, atitudes e comportamentos são também socializados. Este conjunto de ensinamentos pode ser reproduzido ou superado dependendo dos processos sociais e dos padrões de interação que o definem e lhe dão sentido.

Há no meio rural, uma mobilização no sentido de garantir a educação em uma escola diferenciada, uma escola que, segundo Caldart (2001, p. 140), "construa sua pedagogia vinculada a um movimento pedagógico mais amplo, reconhecendo-se como lugar de formação humana." No mesmo sentido, acrescenta Caldart (2001, p. 140)

[...] na experiência pedagógica do MST, a luta social aparece como base da educação dos "sem terra", exatamente porque aciona o movimento como princípio educativo, e mistura-se com outros processos básicos ou potencialmente formadores do ser humano: a relação com a terra, o trabalho,a construção de novas relações sociais de produção no campo, a vida cotidiana de uma coletividade, a cultura, a história, o estudo.

Note-se que esse movimento pedagógico organizado pelo MST, marca a educação no campo, pois difere dos moldes tradicionais de educação. Desta maneira, ensina Freire (2006, p. 28) "que a educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação."

Um aspecto problemático da questão aqui colocada é a de que, ao se falar de educação para a autonomia do sujeito, não se pode esquecer que a criança, em processos iniciais de socialização está, simultaneamente, formando a si mesma e sendo formada por estas ações educativas, onde a questão não se resume apenas em aprender a ler e escrever, mas, conforme a idéia do autor, proporcionar à criança uma alfabetização que construa sua relação com a sociedade. Neste sentido,

A alfabetização não é tratada meramente como uma habilidade técnica a ser adquirida, mas como fundamento necessário a ação cultural para a liberdade, aspecto essencial daquilo que significa ser um agente individual e socialmente constituído. Ainda da maior importância, a alfabetização para Freire é, inerentemente, um projeto político na qual homens e mulheres afirman seu direito e sua responsabilidade não apenas de ler, compreender e transformar suas experiências pessoais, mas também é recontituir sua relação com a sociedade mais ampla. (FREIRE; MACEDO, 1990, p. 07)

Verifica-se que esta pedagogia "diferenciada" age sobre aquilo que forma, produzindo um certo grau de liberdade de escolhas. Conforme Mogilka (1999) essa dialética entre a criança e aquilo que é externo ao seu eu é que permite compreender o seu desenvolvimento e estruturação.

A família, por sua vez, exerce uma importante influência sobre as crianças. É o primeiro contato social da criança com o mundo, a primeira tentativa de socialização. Todavia, torna-se insuficiente para a formação da criança como um sujeito social, pois "a família não dá conta das inúmeras formas de vivência de que todo o cidadão participa e há de participar para além dessa primeira socialização." ( CURY, 2006, p. 670). Por isso, é tão importante a instituição escolar na vida da criança, na medida em que desempenha a função de transmitir conhecimentos e valores. A escola desempenha funções importantes para a vida social do sujeito, faz parte da denominada socialização secundária. Segundo Cury (2006) a escola é uma esfera pela qual, junto com a família, a pessoa vai sendo influenciada para a vida social e formando sua personalidade.

Neste sentido, pode-se dizer que as crianças assumem um papel ativo, criativo e empreendedor, na construção da cidadania. Cidadão é aquele que tem participação na sociedade, ou seja, o ser humano é um cidadão quando tem participação integral na sociedade: participação na produção, acesso igualitário aos serviços essenciais, como educação, saúde, segurança. Segundo Boneti (1998, p. 37) "à medida que o Estado promove o desenvolvimento tecnológico, mas não democratiza o acesso a ele de forma a considerar as desigualdades de acesso, promove um processo de diferenciação social, o que pode levar a exclusão."

[...] a exclusão social, entende-se que manifesta-se no mesmo processo de seletividade, de participação da dinâmica produtiva da sociedade, faz com que o sujeito social perca também o direito ao atendimento igualitário nos serviços sociais básicos, como é o caso da educação, da saúde e da segurança, e perca o direito de ser diferente. Em síntese, a exclusão social, onde quer que ela se manifeste, resume-se na exclusão do direito à cidadania. ( BONETI, 1998, p. 39)

Destarte que, os sujeitos do Movimento, contestam a ordem social pelo conjunto, pois são mais do que uma categoria social de trabalhadores que não têm terra. São um nome que revela uma identidade, uma herança trazida e que pode ser deixada aos seus descendentes. São diferentes na educação de suas crianças, no jeito de ser da sua coletividade e que projeta valores. Estes não são os mesmos cultivados no formato atual de nossa atual sociedade. Nesse sentido, afirma Gehlen (1998, p. 137) que

Entende-se que é preciso imaginar soluções diversas para uma realidade complexa e plural. Porque, nos assentamentos, não pensar em modelos que valorizam e resgatem a experiência diversa dos agricultores, resguardando as identidades, valorizando-as, a despeito das diferentes expectativas de viabilidade competitiva e de mercados modernos? Pode-se pensar em modelo que valorize também a experiência acumulada pela tradição da subsistência familiar, com o objetivo primeiro de garantir qualidade de vida, reprodutibilidade ecológica e social e valorização da cidadania participativa desses "novos" agricultores.

A infância destas crianças é gerada sob desigualdades sociais, onde são rotulados e estigmatizados pela sociedade. Neste sentido importante analisar a afirmação de Di Pierro (1995, p. 07) que diz que

Em um país em que o acesso à educação é seletivo, guardando simetria com as profundas desigualdades geográficas e socioeconômicas, como é o caso do Brasil, a identidade político pedagógica da educação de jovens e adultos não foi construída com referência às características psicológicas ou cognitivas das etapas do ciclo de vida (juventude, maturidade, velhice), mas sim em torno de uma representação social enraizada, de um lado, no estigma que recai sobre os analfabetos nas sociedades letradas e, de outro, em uma relativa homogeneidade sociocultural dos educandos conferida pela condição de camponeses ou migrantes rurais (ou sua descendência) e trabalhadores de baixa qualificação pertencentes a estratos de escassos rendimentos.

A pedagogia pode ser feita em qualquer lugar onde o conhecimento possa ser produzido, em qualquer lugar onde exista a vontade de aprender e a vontade de ensinar. Destaque-se que os professores que lecionam para os sem-terra, recebem uma formação cuja base são os ensinamentos de Paulo Freire, unindo teoria e prática, partindo da realidade da criança. (PEREIRA et al, 2001, p. 37) "A formação dos professores se limita a um curso intensivo de três dias-oferecidos pelo MST. Este curso os prepara para ensinar aos alunos a origem, os motivos e objetivos do MST."

É desta maneira que as crianças aprendem a ter consciência de seus direitos desde a infância. Neste sentido para Torres (1987, p. 22) "a pedra fundamental do fenômeno educação popular foi colocada pelo pedagogo Paulo Freire, com seu método psicossocial de alfabetização e conscientização, que apontava para a libertação do oprimido", da forma que a pedagogia apontasse para um enfoque cultural e humanista do processo de ensino. Verifica-se que, segundo Freire e Betto (1988, p. 28-29) " a partir da aplicação do método, conscientizar é passar da consciência ingênua para a consciência crítica." Desta forma, pode-se entender que através deste método de ensino o sujeito aprende a ver o mundo e a refletir sobre ele. Neste sentido faz-se a padagogia do movimento,

[...] aquela que tem de ser forjada com ele e para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação da humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto de reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará. ( FREIRE, 1974, p. 32)

Observa-se que uma das preocupações do MST é verificar se os professores conseguem reproduzir nas crianças a ideologia do movimento. De acordo com essa ideologia a luta não é só por terra. É também por educação, igualdade e dignidade. Neste sentido (PEREIRA et al, 2001, p. 37) destacam que "o sistema de ensino aos professores, funciona através de cinco etapas. Os educadores têm uma hora por dia para estudo e planejamento. Esses professores são avaliados pelos pais e pela direção do acampamento."

Os movimentos sociais reivindicam que nos programas de formação de educadores e educadoras do campo sejam incluídos e conhecimento do campo, as questões relativas ao equacimento da terra ao longo de nossa história, as tensões do campo entre o latifúndio, a monocultura, o agronegócio e a agricultura familiar; conhecer os problemas da reforma agrária, a expulsão da terra, os movimentos de luta pela terra e pela agricultura camponesa, pelos territórios dos quilombos e dos povos indígenas. (ARROYO, 2007, p. 167)

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Na luta pela efetivação desses fins, professores e alunos devem aprender a superar as dificuldades reais, principalmente as que se referem ao espaço físico das salas de aula utilizadas. (PEREIRA et al, 2001, p. 37) "Os livros didáticos utilizados bem como o espaço físico em que acontece a escola, são precários". Neste sentido, existe a necessidade de um olhar mais atento do Estado para melhorar as condições de ensino no campo, que acontece de maneira simples, porém produtiva.

Elaboram projetos, traçam estratégias de trabalho. A consciência dos fins que orientam sua atividade coloca o homem diante da possibilidade de identificar em outros homens os seus próprios propósitos, colocando-os todos em condições de comunhão, no melhor sentido do termo. A partir daí é possível pensar em uma causa comum, como por exemplo, tornar humano o mundo, fazer da escola um espaço de construção coletiva de conhecimento-um espaço de encontros e disputas, mas sempre de crescimento das pessoas. (FERREIRA, 1993, p. 5-6)

As ênfases dadas à educação como direito universal de todo cidadão significa uma grande conquista. Já se avançou muito no reconhecimento das especificidades e das diferenças e, nesse reconhecimento, a cidadania é considerada condição para os sujeitos sociais e culturais, eis que pode concretizar os direitos e torná-los reais. Neste sentido, completa (ARROYO, 2007, p.161) "[...], as escolas do campo são uma exigência e a formação específica dos profissionais do campo passa a ter sentido para a garantia dos direitos na especificidade de seus povos." Completando,

Escola do campo, no campo. A escola, a capela, o lugar, a terra são componentes de sua identidade. Terra, escola, lugar são mais do que terra, escola ou lugar. São espaços e símbolos de identidade e de cultura. Os movimentos sociais revelam e afirmam os vínculos inseparáveis entre educação, socialização, sociabilidade, identidade, cultura, terra, território, espaço, comunidade. ( ARROYO, 2007, p. 163)

Compreende-se que para a pedagogia do MST, a força que o território, a terra, o lugar tem na formação social, política, cultural, identitária dos povos do campo, representa a característica da formação do sujeito. O MST, defende, também, algumas políticas de formação.

Colocar a educação não na lógica do mercado, nem das carências, mas dos direitos dos povos do campo: direito à terra, vida, cultura, identidade, memória, educação. Nessa lógica dos direitos, situa-se dimensão política e pública da formação de profissionais. Políticas de formação afirmativas da especidade do campo. Políticas de formação a serviço de um projeto de campo. Políticas de formação sintonizadas com a dinâmica social do campo. Nunca os direitos, com destaque à educação, foram tão afirmados no campo. Nessa dinâmica, adquire novos significados a construção do sistema escolar e de um corpo de educadoras e educadores capazes de intervir com profissionalismo nessa dinâmica. ( ARROYO, 2007, p. 173-174):

Verifica-se, assim, que o MST vêm se mostrando como um grande educador do campo. As ricas experiências na formação de educadores que acontecem nos cursos de magistério, na pedagogia da terra, graduação e pós graduação, demonstram o quanto se prioriza a arte de ensinar. Ainda, cabe destacar alguns dos principais desafios do setor de educação do MST. Segundo Morissawa ( 2001, p. 246) estes implicam em

Erradicar o analfabetismo de nossas áreas de acampamento e assentamento, conquistar condições reais para que toda criança e adolescente esteja na escola, estudando. Isso implica lutar por escolas de ensino fundamental e ensino médio dentro dos assentamentos. Capacitar a habilitar professores, para que sejam respeitados enquanto sabedores das necessidades e portadores da novidade de construir uma proposta alternativa de educação popular, para que os assentados eduquem os filhos dos outros assentados.

A atuação da escola consiste, segundo Libâneo (1984), na preparação intelectual e moral das crianças para assumir uma posição na sociedade. Destaca-se que o compromisso da escola é com a cultura, pois os problemas sociais pertencem à sociedade.

A pedagogia libertária espera que a escola exerça uma transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário. A idéia básica é introduzir modificações institucionais, a partir dos níveis subalternos que, em seguida, vão "contaminando" todo o sistema. A escola instituirá, com base na participação grupal, mecanismos institucionais de mudança( assembléias, conselhos, eleições, reuniões, associações etc.) (LIBÂNEO, 1984, p.36)

Verifica-se que a escola é o espaço da transformação, lugar onde a criança recebe conhecimentos e pode se emancipar para a vida em sociedade. Verifica-se que havia uma relação muito estreita entre educação e transformação da sociedade. "Portanto, haveria um tipo de educação não apenas para transformar as pessoas, mas haveria educação que refletisse com as pessoas a transformação do país inteiro". (FREIRE; NOGUEIRA, 1991)

Conhecer a centralidade da terra e do território na produção da vida, da cultura, das identidades, da tradição, dos conhecimentos...Um projeto educativo, curricular, descolado desses processos de produção de vida, da cultura do conhecimento estará fora do lugar. Daí a centralidade desses saberes para a formação específica de educadoras e educadores. (ARROYO, 2007, p. 167)

Faz-se importante destacar, também, que a escola depende da família, da sociedade, do governo, ou seja, de uma organização coletiva, comprometida com a formação e emancipação desses sujeitos sociais. Neste sentido, completa Adorno (2003, p. 143) "a educação seria impotente e ideológica se ignorasse o objetivo de adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo."

A escola e os sujeitos que nela convivem possuem sempre um potencial para a mudança, e são, em parte, autodetermináveis, isto é, possuem autonomia relativa. A escola é influenciada pelas dimensões econômica, política e cultural da sociedade. Não existe escola sem pessoas: em parte, são elas que fazem a escola ser de uma forma ou de outra, ao aceitar, resistir ou modificar as diretrizes e políticas definidas para a instituição. (MOGILKA, 2003)

Neste sentido, insta dizer que há uma necessidade de unir esforços para que a educação se efetive de maneira plena à criança. Família, estado e sociedade, precisam garantir o alcance do conhecimento, através da educação. Diante dessa situação, explicam os autores Bracht e Almeida (2006, p.140) que "é novamente a política que emerge como elemento capaz de nos proporcionar a chance de uma sociedade melhor, ou seja, uma sociedade composta de indivíduos autônomos e capazes de exercer sua indidualidade 'de facto'".

Desta forma, a educação deve ser, portanto, um direito de todos e dever do estado, por se tratar de uma prerrogativa inerente à própria condição tanto da pessoa humana quanto de cidadão, pois se revela como uma proteção de sua dignidade, sua liberdade, sua igualdade.

4.2 Educação libertadora e direitos humanos como instrumentos de libertação e emancipação

Analisar a educação como um instrumento para a emancipação social do sujeito, é ter esperança na libertação do sujeito e na verdadeira efetivação dos Direitos Humanos. Para Boff ( 2002, p. 23) "os oprimidos começam a "extrojetar" o opressor que forçadamente hospedam dentro de si. É o tempo maduro para o processo de libertação. Primeiro na mente. Depois, na organização, por fim, na prática." Nesse sentido, destaque-se que o MST busca através de suas práticas educativas, libertar seus sujeitos, desta condição de oprimidos que se encontram.

Libertação significa a ação que liberta a liberdade cativa. É só pela libertação que os oprimidos resgatam a auto-estima. Refazem a identidade negada. Reconquistam a pátria dominada. E podem constituir uma história autônoma, associada à história de outros povos livres. (BOFF, 2003, p. 23)

Destaque-se que, a libertação começa na consciência. Segundo Boff (2003, p. 18) "precisamos, antes de tudo, libertar a consciência do povo." Neste sentido, o sujeito oprimido precisa convencer-se de sua condição de oprimido, para então poder libertar-se e resgatar sua própria dignidade. Destarte que, o Movimento se liberta também, através das ações e práticas coletivas. Para Boff (2003, p. 134) foi "Paulo Freire nos deixou este legado: ninguém se liberta sozinho; libertamo-nos sempre juntos. [..] temos algo a dar e receber que somente nós podemos oferecer ao crescimento todo." Neste sentido, faz-se importante destacar, a importante ação dos Direitos Humanos na efetivação da libertação social através da educação. Cabe agora explicar um pouco mais sobre o que significam esses direitos.

A expressão Direitos Humanos é uma forma abreviada, segundo Dallari (2004) de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. São considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou se desenvolver.

Verifica-se que os Direitos Humanos, procuram proteger o individuo, independente de seu país, grau de desenvolvimento da sociedade em que vive ou sua própria condição social. Segundo Piovesa (2006. p. 41) "a teoria universalista dos Direitos Humanos, prega que o ser humano é objeto da universalidade dos direitos humanos."

Pode-se afirmar que a evolucão histórica dos direitos humanos se deu junto com a limitação do poder. Primeiramente, cabe salientar que os Direitos Humanos eram pensados por filósofos da antiguidade, como simples expressões de pensamentos individuais. Piovesan (2006), explica que somente quando ocoreu a positivação destas teorias de direitos humanos para limitar o poder estatal é que se pode falar em Direitos Humanos como autêntico sistema de direitos, enquanto direitos positivos e efetivos. Verifica-se que as atrocidades do nazismo, praticados durante a II guerra mundial, também contribuíram para o advento dos Direitos Humanos.

[...] em 10.12.1948, é aprovada a Declaração Universal dos Direitos humanos, com marco maior no processo de reconstrução dos direitos humanos. Introduz ela a concepção contemporânea de direitos humanos, caracterizada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos. Universalidade porque chama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade de direitos. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem assim uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais. (PIOVESAN, 2002, p. 41)

Para se comprender o que significam os Direitos Humanos, basta saber que tais direitos correspondem às necessidades essenciais da pessoa humana, necessidades que são iguais para todos os seres humanos e que devem ser atendidas para que a pessoa possa viver com dignidade. Para Dallari (2004, p. 13) "cada pessoa humana tem sua individualidade, sua personalidade, seu modo próprio de ver e de sentir as coisas. Assim, também os grupos sociais têm sua cultura própria, que é resultado de condições sociais." Os direitos humanos representam um

[...] conjunto de valores históricos básicos e fundamentais, que dizem respeito à vida digna jurídico-político-psíquico-físico-econômica e efetiva dos seres e seu habitat, tanto daqueles do presente quanto daqueles do porvir, surgem sempre como condição fundante da vida, impondo aos agentes político-jurídico-econômico-sociais a tarefa de agirem no sentido de permitir e viabilizar que a todos seja consignada a possibilidade de usufruí-los em benefício próprio e comum ao mesmo tempo. (MORAIS, 2004, p.123)

Como se pode observar, os Direitos Humanos foram se incorporando nos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais, evoluindo ao longo do tempo, sendo reconhecidos nas mais diiversas fontes legislativas, inclusive, na Constituição Federal transformando-se em direitos fundamentais.

[...]"direitos fundamentais" se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado estado, ao passo que a expressão "direitos humanos" guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação como determinada ordem constitucional, e que portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos. (SARLET, 2003, p. 33)

Cada ser humano tem sua dignidade. Ela precisa ser respeitada e garantida através das normas constitucionais positivadas na Lei Maior. Nesse sentido, Zisman (2005, p. 39) fala que "a necessidade de respeito do homem como pessoa, leva ao entendimento de que a dignidade depende dos direitos fundamentais por parte de cada indivíduo da sociedade e também por parte do Estado."

A dignidade, como o próprio nome refere, relaciona-se com o ser humano, é inerente à ele. Desta maneira, é de suma importância para o cidadão, a aplicabilidade deste direito, já que se encontra positivado, inclusive em nossa Constituição Federal.

Art. 1ª A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípos e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana; ( BRASIL, 1988, p. 07)

Verifica-se que o MST garante a efetivação desses direitos, através do contexto de suas lutas por emancipação social. Destarte, é através da transformação social de sua própria realidade, que se criam e recriam novos sujeitos, garantindo sua própria dignidade. Para Herrera Flores ( 2005, p. 52) "problematizar la realidad-es decir, pensar-supone, pues, crear condiciones que nos permitan un encuentro efectivo con los otros seres humanos y con lo otro: la naturaleza que nos alimenta y nos envuelve." Assim, é necessário criar condições capazes de fortalecer o vínculo entre o sujeito e a sociedade, dar-lhes condições emancipadoras para a realização pessoal e social.

Los derechos humanos como productos culturales forman parte de la tendencia humana ancestral por construir y assegurar las condiciones sociales, políticas, económicas y culturales que permiten a los seres humanos perseverar en la lucha por la dignidad, o lo que es lo mismo, el impulso vital que, en términos spinozianos, les posibilita mantenerse en la lucha por seguir siendo lo que son: seres dotados de capacidad y potencia para actuar por si mismos. ( HERRERA FLORES, 2005, p. 244)

Destarte, os direitos humanos são produtos culturais, definidos por lutas sociais comprometidas, por melhores condição de vida para o sujeito e a coletividade onde está inserido. Para Piovesan (2004, p. 125) "os direitos humanos tem em sua base o valor da dignidade humana." Porquanto, a dignidade humana, para Herrera Flores (2005, p. 28) é, "las plurales y diferenciadas formas de lucha por conseguir un lugar en el mundo y desde ahi construir las condiciones que permitan a los seres humanos sentir que su vida es una vida digna de ser vivida." Compreender o ser humano como digno, significa reconheçer a busca pela vida digna e o processo de transformar o modelo de sociedade em que vive.

Deste modo, é através da educação que o MST busca o aprimoramento das relações sociais e a libertação das condições de dominação estabelecidas pela sociedade capitalista, recriando a partir disso, uma vida digna para todos. Para, Herrera Flores, (2005, p. 117) "las luchas a partir de las cuales nombramos y transformamos las experiencias es una de las cuestiones más fundamentales a la hora de hablar y practicar lo que convencionalmente denominamos como derechos humanos." Desta maneira, os direitos humanos também apontam para a luta pela emancipação humana, contribuem para a promoção de espaços, de territórios que sejam em si mesmos libertadores.

La lucha por los derechos humanos y su garantía, han abierto espacios y opciones hacia un mundo menos injusto, como mecanismo de apelación y enfrentamiento contra la adversidad consciente e/o inconscientemente provocada desde las múltiples expressiones del poder. ( RUBIO, 2004, p. 204)

A luta pelos direitos humanos abre espaço para um mundo menos injusto, provocado pelas expressões do poder. Destarte, para o MST, a luta por uma educação libertadora, caracteriza a efetivação dos direitos humanos no movimento social, de forma que a educação libertadora, como se pode perceber, não é uma educação liberal ou tendente à liberdade. Ela questiona a relação entre as pessoas, os indivíduos com os outros indivíduos e o mundo que os envolve. Cumpre salientar que o MST fundamenta suas lutas "onde há situação de opressão, que lesa a liberdade concreta, de ser mais e de dizer, do desejo de ser mais, provoca a reação organizada contra a situação, para transformá-la, isto é, para uma verdadeira libertação." (STEIN, 1982, p.56)

Nesse sentido, quanto mais se articula o conhecimento frente ao mundo, mais os educandos se sentirão desafiados a buscarem respostas, e consequentemente quanto mais incitados, mais serão levados a um estado de consciência crítica e transformadora da realidade. Esta relação dialética é cada vez mais incorporada na medida em que, educadores e educandos se fazem sujeitos do seu processo. ( RUTKOSKI, 2006, p. 359)

Somente a educação pode libertar o sujeito da condição de excluído. Para Dussel (2002) a educação possível de libertar é aquela que parte da realidade da criança, a qual convive com estruturas de dominação que constituem o educando como oprimido. O educando, na condição de oprimido, é quem deve ser educado mais que ninguém através da conscientizacão, método utilizado por Paulo Freire na sua pedagogia libertadora, seguida pelo MST. Para Dussel (2002, p. 441) "a práxis de 'transformação' não é o lugar de uma "experiência pedagógica; não se faz para aprender; não se aprende em sala de aula com "consciência" teórica. E sim na própria práxis transformativa da 'realidade real'."

Assim, a educação libertadora é incompatível com uma pedagogia que, de maneira consciente, tem sido prática de dominação. Para Rutkoski (2006, p. 364) " a pedagogia liberal, cria um homem racional, independente e democrático, [...] dotado de dignidade, liberdade e igualdade, como toda e qualquer pessoa."

O processo transformativo das estruturas de onde emerge o novo "sujeito social" é o ponto central de sua educação progressiva, liberdade que vai se efetuando na práxis libertadora.[...] Freire pensa na educação da vítima no próprio processo histórico, comunitário e real. ( DUSSEL, 2002, p. 435)

Neste sentido, Rutkoski (2006) afirma que a liberdade só encontrará efetivação quando o oprimido tiver condições de refletir e de se descobrir como sujeito de sua própria destinação histórica. Verifica-se que a pedagogia do oprimido é, pois, instrumento de libertação de ambos, do oprimido e do opressor. "Conscientizar" a criança em seu meio transforma a sua realidade através de um processo pedagógico crítico que, para Dussel (2002, p. 437) é um "processo pelo qual o educando irá lentamente efetuando toda uma diacronia a partir de uma certa negatividade até a positividade, como um movimento espiral, de contínuas decisões, retornos, avaliações." Desta forma, percebe-se que descobrir-se oprimido só começa a ser processo de libertação quando esse descobrir oprimido se transforma em compromisso histórico.

4.3 A luta social como princípio educativo

Os movimentos sociais podem ser, também, compreendidos como uma extensão das práticas educativas, principalmente o MST. Os sem terra se educam no próprio contexto do movimento e sua atuação desencadeia uma identidade que lhe é própria, fecunda e desafiadora. Como explica Caldart (2001, p. 132),

[...] os sem terra se educam participando diretamente, e como sujeitos, das ações da luta pela terra e outras lutas sociais que aos poucos foram integrando a agenda do MST. É esta participação que humaniza as pessoas: primeiro no sentido de que devolve à vida social pessoas que estavam excluídas dela, e segundo, no sentido de que a pedagogia da luta educa para uma determinada postura diante da vida.

Este processo pode ser interpretado como um processo de formação humana, cuja matriz é o próprio princípio educativo, pois há metas, objetivos, conteúdos a serem trabalhados, capazes de envolver a criança, tornando-a protagonista de sua própria história. Caldart (2001, p. 133) fala que

[...] participar do movimento da luta vai educando um jeito específico de ser humano, que potencializa o principal traço da humanidade, que é a possibilidade de fazer-se e refazer-se a si próprio, enquanto contesta a ordem estabelecida, problematiza e se produz como sujeito da história

Desta maneira, a luta é construída sobre diferentes bases, de maneira a preocupar-se com a educação do sujeito no mesmo contexto em que vive, recriando sua própria história e contribuido para a história cultural da sociedade. Destaque-se algumas destas diferentes bases utilizada pelo MST como princípio educativo, a saber:

Da aprendizagem gerada com a experiência de contato com fontes de exercício do poder, da aprendizagem gerada pelo exercício de ações rotineiras que a burocracia estatal impõe, da aprendizagem das diferenças existentes na realidade social a partir da perçepção das distinções nos tratamentos que os diferentes grupos sociais recebem de suas demandas. (GOHN, 2001, p. 50)

Verifica-se, então, que a existência de um processo educativo no MST, faz-se no interior de processos que se desenvolvem fora das instituições escolares formais.

A obra de arte de um camponês Sem Terra não se encontra em paisagens pintadas, ou em escritos filosóficos que se tornam obras, mas na paisagem real que se torna poesia. Aquilo que é novidade na natureza para alguns, para um Sem Terra não é ou pode ter outro significado. O pôr- do -sol para muitos pode representar um fenômeno artístico, pintado pelas mãos invisíveis do criador da natureza, para o campônes pode representar apenas a fadiga de um dia duramente trabalhado, onde agora, ambos "vermelhos" de cansaço, no colo da noite adormeçerão, para renascerem no dia seguinte e dispostos, acordarem o amanhecer.( BOGO, 2000, p. 37)

Para Caldart (2000), a educação no movimento cumpre com seu papel, eis que trabalha com a questão da luta social, a qual exerce um papel educativo para as crianças. A pedagogia do MST baseia-se nos princípios do movimento de maneira que se torna uma educação libertadora para as crianças continuarem na luta e para que possam ter consciência da importância de estudar, compreendendo a realidade para, assim, poder transformá-la.

Por meio das brincadeiras, elas estabelecem vínculos sociais, ajustando-se ao grupo e aceitando a participação de outras crianças com os mesmos direitos. Acatando regras, propondo e aceitando modificações, aprendem a agir como ‘ser social’ e crescem. Rompem, dessa maneira, com a necessidade do Estado de produzir lazer, palavra que para muitos remete apenas a espetáculos públicos, geralmente realizados em áreas urbanas. (FERREIRA, 2006, p. 07)

É importante o papel da coletividade no contexto educativo das lutas, no movimento social. Percebe-se que a coletividade educa quando leva à constituição da "indentidade sem terra" nas pessoas e para além delas. Destarte, um dos grandes desafios para os sem terra foi e é o de conviver com a diversidade de sujeitos que se reunem em prol da luta pela terra. Todos com suas capacidades individuais configuram um coletivo amplo, forte e educativo.

Como as possibilidades sociais estão relacionadas com as possibilidades cerebrais, ninguém pode garantir que nossas sociedades tenham esgotado suas possibilidades de aperfeiçoamento e de transformação e que tenhamos chegado ao fim da história. Podemos esperar progresso nas relações entre humanos, indivíduos, grupos, etnias, nações. (MORIN, 2002, p. 75)

O sucesso da luta depende das competências desses sujeitos que se agregam no movimento. Falkembach (2007) explica que são vários rostos, origens e culturas, agregadas a um mesmo objetivo, fazendo com que não exista competitividade individual. Desta forma, contribuem para uma nova lógica nas relações sociais. Entre elas está a lógica da complementariedade, da ajuda mútua, da solidariedade política e da coletividade.

Ressalte-se que para Falkembach (2007, p. 150) "na trajetória do MST, a relação com o sofrimento passou a constituir-se em uma técnica de si, que não subtraiu o indivíduo do convívio, o manteve necessitado, solidário e ocupado com o outro e com o coletivo." Neste sentido, a luta surge como princípio educativo, eis que se faz socializadora, no interior do MST, associada a outras técnicas de relação consigo e com os outros, unindo experiências para a formação do indivíduo.

O coletivo possibilitou a configuração de uma força para que também lutassem contra um "eu interior" que, segundo Falkembach (2007), vez por outra recorreu ao passado de excluído, tendendo ao conformismo. Se nesta caminhada os sem terra livraram-se da impossibilidade de se reproduzirem socialmente, por outro, expuseram-se ao incerto.

Passaram a experimentar a instabilidade e a responsabilidade de viver com a tensão, já caracterizada, de manter o lado corporativo institucional do movimento, há, ainda, a dinamicidade do contexto social que os mantém frente à incerteza sobre "o quê" poderá vir a desafiá-los, a cada passo da vida social e da luta. (FALKEMBACH, 2007, p.151)

A luta como princípio educativo funciona como um ""processo de enfrentamento da realidade, dos problemas que envolvem o indivíduo, o diálogo com o meio, os desejos, as necessidades e perspectivas de mudança (STEIN, 1982, p. 56). Assim, percebe-se que a luta constante funciona como instrumento capaz de educar e modificar um mundo carente de transformações sociais.

Verifica-se, por fim, que o MST, coloca a criança como protagonista de sua própria história de vida e elas, consequentemente, devem sentir orgulho dessa condição. O coletivo infantil é prioridade no movimento. Preocupam-se em deixa-los falar, em deixá-los contestar a realidade vivida, pois este é o mundo onde a criança se desenvolverá e "se para os adultos a experiência de viver numa barraca de lona remete à precariedade, para as crianças significa a possibilidade do exercício cotidiano do brincar, sem as restrições do espaço urbano" (CORREIA; GIOVANETTI; GOUVEIA, 2004, p. 08). Nesse sentido, mesmo que as crianças não se dêem conta, elas estão na escola, escola da vida onde aprendem que é possível somar esforços e enfrentar dificuldades.

A idéia que a sociedade traz em relação aos sem terra, é a de que são apenas trabalhadores rurais sem a terra, marginalizando-os por não ter uma propriedade privada. Todavia, percebe-se que são conceitos típicos de uma sociedade capitalista que valoriza a propriedade privada, de tal modo que supera, inclusive, o da vida humana. (CALDART, 2000) Para o MST a criança figura como principal sujeito de direito, necessitando de proteção, cuidados e escolarização. Desta forma, terá condições de desenvolver-se e humanizar-se de forma completa e efetiva.

É um projeto de educação que reafirma como grande finalidade da ação educativa ajudar no desenvolvimento mais pleno do ser humano, na sua humanização e inserção crítica na dinâmica da sociedade de que faz parte; que compreende que os sujeitos se humanizam ou se desumanizam sob condições materiais e relações sociais determinadas; que nos mesmos processos em que produzimos nossa existência nos produzimos como seres humanos. ( GOHN, 2001, p. 50)

Enfim, é impossível pensar na educação do campo sem referí-las aos sujeitos concretos, históricos, que vivem e se constituem humanos. O desenvolvimento desses sujeitos do campo e no campo, exige uma formação política e moral adequada à sua realidade social. Somente assim, serão capaz de transformá-la, proporcionando a autonomia pessoal e social, assegurando a sua dignidade humana, de maneira que, o campo das lutas sociais, seja o campo próprio onde acontece a garantia desses diretos. Somente neste campo é que estes podem, realmente serem efetivados.

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Sobre a autora
Ana Paula Schmidt Favarin

Bacharel em Direito e Pós graduanda em Direito Previdenciario

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAVARIN, Ana Paula Schmidt. A construção de sujeitos sociais.: A educação das crianças no Movimento dos Sem Terra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2731, 23 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18098. Acesso em: 26 nov. 2024.

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