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As consequências jurídicas da agressividade no transtorno de personalidade antissocial

25/12/2010 às 14:21
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O Transtorno de Personalidade Antissocial é um distúrbio de personalidade em que a pessoa revela um comportamento antissocial persistente e crônico, no qual são violados os direitos dos outros. Em sua maioria acomete pacientes do sexo masculino, ao contrário do transtorno de personalidade limítrofe, cuja maioria dos doentes é do sexo feminino.

As características de personalidade do futuro adulto psicopata podem ser reconhecidas em crianças de tenra idade, através de pequenas mentiras, furtos, precário desempenho escolar, etc. O tratamento dessas crianças envolve o contato com suas famílias, uma vez que o desenvolvimento da personalidade psicopática é decorrente de uma excessiva inveja e voracidade constitucionais no indivíduo, manejadas por pais desconectados da realidade e necessidade de seus filhos.

Na adolescência, o marco típico do transtorno é o comportamento sexual precoce e agressivo e o consumo excessivo de álcool e drogas. Já na idade adulta, manifesta-se pelo baixo rendimento profissional, dificuldade de assumir responsabilidades e de respeitar as normas sociais. Ao redor dos 30 anos, os sintomas diminuem, porém os estudos não revelam se em decorrência de uma atenuação do transtorno ou em razão da baixa perspectiva de vida de seus portadores.

Uma das características comumente observadas nos indivíduos que apresentam esse quadro é a perda ou separação prolongada de figuras parentais, sobretudo a materna, na infância. A psicopatia inicia-se com a ausência de confiança básica e de vivência de amor com a mãe, o que gerará desapego e indiferença em todos os relacionamentos e experiências afetivas.

O distúrbio caracteriza-se, ainda, pela incapacidade de manter relações íntimas duradouras. O paciente é incapaz de adiar a gratificação do prazer imediato de um impulso, isto é, não consegue resistir a desejos e não tolera frustrações.

A conduta antissocial não se revela apenas por um déficit de valores morais ou de consciência, mas sim de formas extremas e especiais de diversos traços do estilo impulsivo.

O psicopata procura o controle e domínio dos outros para obter prazer e satisfação imediatos. Apresenta uma aparente ausência de afabilidade, egoísmo, narcisismo e exibicionismo. Não são capazes de se colocar no lugar do outro para julgar seu próprio comportamento, que se torna nocivo ao bem-estar da ordem social. Bem assim, não demonstram sentimento de culpa ou remorso.

Aparentemente são pessoas capazes de se relacionar, porém internamente não demonstram nenhuma preocupação pelos sentimentos alheios. Em virtude disso, entram em um estado de ressentimento irado em relação aos que não atenderam sua vontade. São pessoas incapazes de sentir a culpa depressiva normal que leva a uma preocupação com a integridade do objeto e, consequentemente, dos demais seres humanos.

Quando frustrados, os psicopatas tornam-se perigosos, cometendo todos os tipos de delitos, desde pequenos furtos, estelionatos e fraudes, até roubos, estupros e mesmo homicídios.

Os ímpetos imediatos são mais fortes que qualquer consideração racional. Sua agressividade dinamicamente motivada pode gerar ansiedade, o que pode acarretar a agressividade antissocial. É a incapacidade do paciente de controlar sua impulsividade que conduz a explosões de agressividade.

Os prisioneiros psicopatas sentem-se mais perturbados pela passividade obrigatória da prisão do que pelo rompimento das relações sociais sofrido ao adentrar essas instituições.

FREUD explica essa agressividade pelos conceitos de Pulsão de Vida (Eros), as pulsões sexuais propriamente ditas e pulsões de autoconservação, e Pulsão de Morte (Thanatos), o retorno do ser vivo a um estado anterior. A pulsão de morte é a tendência regressiva que levaria a restabelecer formas menos diferenciadas, menos organizadas; uma disposição fundamental de todo ser vivo para retornar ao estado inorgânico.

Essas pulsões voltadas, inicialmente, para o interior e tendentes à autodestruição, seriam secundariamente dirigidas para o exterior, manifestando-se, então, sob a forma de pulsão agressiva ou destrutiva. A parte da pulsão de morte voltada para o exterior, envolvendo ação motora, é denominada de pulsão de agressão.

Segundo FREUD, há uma relação direta entre a privação parental e o desenvolvimento da personalidade antissocial. Uma das razões que conduz à conduta criminosa é o desejo de receber o castigo na forma de prisão. Isso porque o distúrbio se caracteriza por atitudes de extrema violência, as quais encobrem sentimentos vinculados à recuperação dos objetos amorosos perdidos, bem como uma intensa necessidade de punição pela culpa.

Na psiquiatria forense brasileira, os transtornos de personalidade não são considerados doenças mentais, mas meras perturbações da saúde mental. Na esfera penal, examina-se a capacidade de entendimento e de determinação de acordo com o entendimento de um indivíduo que tenha cometido um ilícito penal. A capacidade de entendimento depende essencialmente da capacidade cognitiva, que se encontra, via de regra, preservada no transtorno de personalidade antissocial.

Já a capacidade de determinação pode estar comprometida parcialmente no transtorno antissocial de personalidade, o que pode gerar uma condição jurídica de semi-imputabilidade. Por outro lado, a capacidade de determinação pode estar preservada nos casos de transtorno de leve intensidade e que não guardam nexo causal com o ato cometido. Na legislação brasileira, a semi-imputabilidade faculta ao juiz diminuir a pena ou enviar o réu a um hospital para tratamento, caso haja recomendação médica de especial tratamento curativo.

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A medida de segurança para realizar especial tratamento curativo é, por sua vez, bastante polêmica, devido à grande dificuldade de se tratar de forma eficaz os portadores de transtorno antissocial. Outro ponto merecedor de questionamento é a aplicação de um regime de tratamento hospitalar ou ambulatorial na dependência do tipo de punição previsto para o crime praticado, ao invés de depender do quadro médico-psiquiátrico apresentado.

Na esfera cível, apesar de existirem várias outras solicitações, o exame psiquiátrico mais comumente realizado no Brasil é aquele para fins de interdição, em que se avalia a capacidade do indivíduo de reger sua própria pessoa e administrar seus bens. A maioria dos portadores de transtorno de personalidade antissocial não sofre qualquer intervenção judicial. No entanto, casos mais graves podem gerar uma interdição parcial.

Portanto, os transtornos de personalidade, sobretudo o tipo antissocial, representam verdadeiros desafios para a psiquiatria forense, não tanto pela dificuldade em identificá-los, mas sim para auxiliar a Justiça sobre o lugar mais adequado para esses pacientes e como tratá-los.

Os pacientes que revelam comportamento psicopático e cometem diferentes delitos necessitam de atenção especial, devido à elevada probabilidade de reincidência criminal, sendo ainda necessário sensibilizar os órgãos governamentais a construir estabelecimentos apropriados para a custódia destes sujeitos.


REFERÊNCIAS:

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GAUER, Gabriel José Chittó; VASCONCELLOS, Silvio José Lemos. A abordagem evolucionista do transtorno de personalidade anti-social. R. Psiquiatr., Rio Grande do Sul, n. 26, p; 78-85, jan/abr. 2004. Disponível em:  <http://www.scielo.br/pdf/rprs/v26n1/20480.pdf> Acesso em: 12/08/2010.

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SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Fontanar, 2008. 217 p.

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Sobre o autor
Carlo Velho Masi

Advogado criminalista (OAB-RS 81.412). Vice-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Estado do Rio Grande do Sul (ABRACRIM-RS). Mestre e Doutorando em Ciências Criminais pela PUC-RS. Especialista em Direito Penal e Política Criminal: Sistema Constitucional e Direitos Humanos pela UFRGS. Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCRIM. Especialista em Ciências Penais pela PUC-RS. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UNISINOS. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC-RS. Membro da Comissão Nacional de Judicialização e Amicus Curiae da ABRACRIM. Membro da Comissão Especial de Políticas Criminais e Segurança Pública da OAB-RS. Parecerista da Revista Brasileira de Ciências Criminais (RBCCRIM) e da Revista de Estudos Criminais (REC) do ITEC. Coordenador do Grupo de Estudos Avançados Justiça Penal Negocial e Direito Penal Empresarial, do IBCCRIM-RS. Foi moderador do Grupo de Estudos em Processo Penal da Escola Superior de Advocacia (ESA/OAB-RS). Coordenador Estadual Adjunto do IBCCRIM no Rio Grande do Sul. Membro da Associação das Advogadas e dos Advogados Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul (ACRIERGS). Escritor, pesquisador e palestrante na área das Ciências Criminais. Professor convidado em diversos cursos de pós-graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASI, Carlo Velho. As consequências jurídicas da agressividade no transtorno de personalidade antissocial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2733, 25 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18113. Acesso em: 19 abr. 2024.

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