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A indenização suplementar prevista no artigo 404, parágrafo único, do Código Civil e sua aplicação no Direito do Trabalho

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A principal obrigação do empregador consiste no pagamento de salário. Cabe a atualização monetária de perdas e danos decorrentes do inadimplemento pela lei civil?

Resumo: Apesar de moderna quando de sua publicação, a nossa CLT sofreu expressivo envelhecimento com o passar das últimas décadas, não tendo acompanhado o processo de modernização de nossa legislação. Desta feita, sendo o direito comum fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste (CLT, art. 8º, § único), o novel diploma civilista tem servido de base aos operadores do direito para abrandar esse efeito, fornecendo inúmeros dispositivos legais cuja aplicação no Direito do Trabalho confere a esse ramo especializado uma feição mais atual e coerente com o nosso ordenamento jurídico, bem como com os princípios constitucionais. Assim sendo, o presente artigo pretende analisar a aplicação subsidiária de um desses dispositivos no Direito do Trabalho, o artigo 404, parágrafo único, do Código Civil. O presente estudo encontra-se dividido em quatros seções. Na primeira seção faz-se uma breve introdução sobre a aplicação das normas do direito comum no Direito do Trabalho, sobretudo do dispositivo em comento. A seção seguinte aborda apossibilidade de aplicação de ofício do artigo 404, parágrafo único, do Código Civil. A terceira seção trata da questão da aplicação do referido artigo na questão dos honorários advocatícios. Finalmente, na última seção, concluímos o presente estudo salientando a importância do dispositivo.

Palavras-chave: Direito do trabalho, Indenização, Artigo 404, Parágrafo único, Código civil.


1 Introdução

Com o envelhecimento da nossa Consolidação das Leis do Trabalho em comparação com o novo Código Civil e o constante processo de modernização do Código de Processo Civil, bem como a ampliação da competência da Justiça do Trabalho operada pela EC nº 45/2004, os operadores do direito tem sentido uma maior necessidade de se valerem dos preceitos do direito comum na esfera trabalhista. A própria CLT em seu artigo 8º, parágrafo único, autoriza essa subsidiariedade do direito comum em auxílio do Direito do Trabalho (na ausência de lei específica e não havendo incompatibilidade com os princípios fundamentais trabalhistas).

A utilização de dispositivos legais do direito comum pelo Direito do Trabalho é o que a doutrina convencionou chamar de integração do Direito do Trabalho, que segundo Gustavo Filipe Barbosa "[...] tem a finalidade de suprir as lacunas do sistema jurídico, ou seja, resolver o problema da ausência de norma jurídica específica regulando determinada situação. A integração concretiza o princípio da completude do ordenamento jurídico." [01]

Dentre os dispositivos do novel diploma civilista aplicados na esfera trabalhista um em especial tem causado certa polêmica, qual seja o parágrafo único do artigo 404.

Dispõe o referido diploma legal:

Art. 404. As perdas e os danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagos com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar. [02](grifo nosso)

Analisando o dispositivo, percebe-se que o preceito nele contido tem grande aplicabilidade nas relações de trabalho, uma vez que a principal obrigação do empregador durante a execução do contrato de trabalho consiste no pagamento de salário (dentre outras verbas de cunho laboral), ou seja, quantias em dinheiro, sendo certo que o inadimplemento dessas obrigações durante o curso do contrato acarreta danos ao trabalhador que, por sua vez, podem ser superiores aos juros de mora. Assim, havendo prova nos autos de que os juros não cobrem os prejuízos experimentados pelo obreiro, poderá o juiz trabalhista conceder uma indenização suplementar.


2 A aplicação de ofício do artigo 404, parágrafo único, do código civil

Muito se discute na doutrina e na jurisprudência sobre a possibilidade da aplicação de ofício pelo magistrado trabalhista do preceito contido no artigo 404, parágrafo único, do Código Civil (Lei 10.406/02).

Tal discussão restou ainda mais acirrada com a aprovação da proposta de número 14, de autoria do renomado jurista Jorge Luiz Souto Maior, na 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, de 23 de novembro de 2007, assim ementada: [03]

4. "DUMPING SOCIAL". DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR.

As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido "dumping social", motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, "d", e 832, § 1º, da CLT. (grifos do original)

O enunciado em questão é fruto da tese do autor aprovada pela ANAMATRA e que abaixo transcrevemos seus principais pontos:

Tese: As agressões reincidentes aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido "dumping social", motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la, mesmo por atuação "ex officio".

O dano à sociedade configura-se ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, revertendo-se esta indenização a um fundo público. [04]

[...]

Conforme dispõe o art. 404, do Código Civil, a indenização por perdas e danos, em casos de obrigações de pagar em dinheiro (caso mais comum na realidade trabalhista) abrangem atualização monetária, juros, custas e honorários, sem prejuízo de indenização suplementar, a ser fixada "ex officio" pelo juiz, no caso de não haver pena convencional ou serem insuficientes os juros para reparar o dano.

Tal dispositivo, portanto, tanto pode justificar a fixação de uma indenização ao trabalhador, de caráter individual, diante da ineficácia irritante dos juros de mora trabalhista, quanto serve para impor ao agressor contumaz de direitos trabalhistas uma indenização suplementar, por dano social, que será revertida a um fundo público, destinado à satisfação dos interesses da classe trabalhadora. [05] (destaques originais)

De fato, em se tratando de reparações por lesões a direitos trabalhistas, a indenização suplementar prevista no parágrafo único do art. 404 do Código Civil é compatível com os princípios do processo laboral, especialmente no ponto em que não há dano moral a ser indenizado, sendo certo que a indenização suplementar pode, eventualmente, aproximar o valor da reparação àquilo que o empregado efetivamente perdeu.

É sabido e consabido que muitas empresas são clientes assíduas das Varas do Trabalho, e se recusam terminantemente a cumprirem a legislação em vigor, certas de que, assim o fazendo, serão beneficiadas não somente pela economia gerada pela sonegação de direitos consolidados, uma vez que nem todos reclamam perante a justiça especializada do trabalho com medo de ficarem estigmatizados no mercado do trabalho, bem como contam com a possibilidade de acordos vantajosos em mesa de audiência.

Desta feita, uma vez comprovado pelo magistrado que há acintosa sonegação de direitos por parte da empresa, concordamos com a tese da aplicação de ofício do referido dispositivo, uma vez que tal prática além de configurar o chamado "dumping social", fere a função social do contrato e gera concorrência desleal, sendo não somente ofensiva ao Direito do Trabalho, mas também ao Direito Constitucional no que tange a Ordem Econômica e Financeira.

Ora, por óbvio que os juros moratórios previstos na legislação consolidada não cobrem todo o prejuízo experimentado pelo trabalhador, sendo certo que tal obreiro, nesses casos, tem seu padrão de vida diminuído pela conduta da empresa. Assim sendo, havendo prova que houve descumprimento voluntário e reiterado por parte da reclamada de normas consolidadas, a mera reparação do prejuízo com a aplicação de juros moratórios se mostra insuficiente, sendo salutar a aplicação de ofício do preceito em questão.


3 O artigo 404, parágrafo único, do código civil e os honorários advocatícios

Vale ainda lembrar que muitos obreiros ao ajuizarem reclamação trabalhista (quando não assistidos por sindicato ou quando não fazem uso do jus postulandi), ao final, uma vez vencedores da demanda, devem pagar honorários advocatícios aos seus patronos, sendo que nesses casos acabam recebendo apenas setenta por cento do montante total da condenação, pois a praxe da justiça do trabalho consiste no pagamento de trinta por cento a título de honorários.

Tatiana Guimarães Ferraz, em artigo intitulado "Verba Polêmica", relata a aplicação do referido artigo 404, parágrafo único, por magistrados trabalhistascomo meio de compensação em razão do desconto que sofrem os trabalhadores vencedores das reclamatórias com o pagamento de honorários advocatícios: [06]

De acordo com os referidos artigos do Código Civil, as perdas e danos abrangem os chamados honorários contratuais, por terem como escopo a restituição integral daquele que foi obrigado a ingressar em uma demanda judicial para postular direitos ou defender interesses, tendo, para tanto, constituído advogado.

A partir disso, em recentes decisões, alguns magistrados, mesmo sem pedido da parte - incorrendo no chamado julgamento extra petita - passaram a condenar as empresas ao pagamento da mencionada indenização do art. 404 do Código Civil, justificando que esta serviria para ressarcir os honorários advocatícios do patrono do Reclamante. Ou seja, trata-se de disfarçados honorários advocatícios sob o manto de indenização.

Nesses casos, as empresas são condenadas ao pagamento de 30% a título de indenização, eis que a praxe é que os advogados de Reclamantes acordem neste mesmo percentual com seus clientes para o recebimento dos honorários.

Tal tese [07], que nos parece guardar estreita correlação com os direitos fundamentais e estar de acordo com os princípios informadores do direito laboral, não tem prosperado nos tribunais, sendo certo que, em sua grande maioria, as sentenças que dela fazem uso são geralmente reformadas:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO. NEXO CAUSAL. CULPA DA EMPREGADORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

[...]

II- Na Justiça do Trabalho a Lei 5.584/70 é que estabelece o cabimento de honorários advocatícios. Uma vez não preenchidos os requisitos ali estabelecidos, indevida a verba honorária.

[...]

2- Da indenização por perdas e danos do artigo 404 do Código Civil / Dos honorários advocatícios

O julgador de 1ª instância entendeu que a reclamada teria a obrigação de reparar integralmente o dano sofrido, o que incluiria a despesa com honorários advocatícios. A reclamada recorre quanto a este ponto.

Razão assiste à reclamada.

Na Justiça do Trabalho a Lei 5.584/70 é que estabelece o cabimento de honorários advocatícios. Uma vez não preenchidos os requisitos ali estabelecidos, que é o caso dos autos, indevida a verba honorária. Ressalta-se que o artigo 133 da Constituição Federal de 1988 não teve o condão de afastar o jus postulandi na Justiça do Trabalho.

O C. TST já pacificou o entendimento neste sentido com a edição das Súmulas nº 219 e 329:

Nº 219. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HIPÓTESE DE CABIMENTO. (Incorporada a Orientação Jurisprudencial 27 da SDI-2 – Res. 137/2005, DJ 22.8.2005)

I – Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. (ex-Súmula 219 – Res. 14/85, DJ 19.9.1985)

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II – É incabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em ação rescisória no processo trabalhista, salvo se preenchidos os requisitos da Lei 5.584/70. (ex-OJ 27 – Inserida em 20.9.2000)

Nº 329. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 133 DA CF/88.

Mesmo após a promulgação da CF/88, permanece válido o entendimento consubstanciado no Enunciado 219 do Tribunal Superior do Trabalho. (Res. 21/93, DJ 21.12.1993)

Na Justiça do Trabalho, a simples sucumbência não gera o direito aos honorários advocatícios. Nem se diga que seria cabível a indenização do artigo 404 do Código Civil, pois admiti-la seria na verdade permitir uma via transversa para a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, cuja aplicação é restrita na Justiça do Trabalho.

Destarte, reformo a sentença para absolver a reclamada do pagamento da indenização de 30% sobre o valor da condenação, referente às despesas da reclamante com advogado, a que foi condenada com base no artigo 404 do Código Civil. Dou, portanto, parcial provimento ao recurso da reclamada.

Ante o exposto, ACORDAM os Magistrados da 12ª Turma do E. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em: conhecer do recurso interposto pela reclamada e, no mérito, DAR-LHE PROVIMENTO PARCIAL, apenas para absolver a empregadora do pagamento da indenização de 30% sobre o valor da condenação, a que foi condenada com base no artigo 404 do Código Civil, tudo conforme fundamentação. (grifos nossos)

(TRT/SP, Recurso Ordinário nº 00351200720102007 begin_of_the_skype_highlighting, Relator Marcelo Freire Gonçalves, Recorrente: Dm Indústria Farmaceutica LTDA., Recorrido: Ernelson Devesa de Sousa, Publicado em 12 de fevereiro de 2010) [08]

TRT/SP nº 00368.2008.090.02.00-8 (20090533253) - RECURSO ORDINÁRIO. RECORRENTE: VANDERLEI UMBELINO. RECORRIDO: MULTILASER INDUSTRIAL LTDA. ORIGEM: 90a VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO.

[...]

  1. Dos honorários advocatícios

Não obstante o entendimento pessoal desta Relatora de que o advogado é indispensável para a administração da Justiça (artigo 133, da Constituição Federal) e que o acesso ao Judiciário sem assistência de profissional devidamente qualificado é extremamente prejudicial ao jurisdicionado, tal não é o entendimento dos Tribunais do Trabalho, em especial o C. Tribunal Superior do Trabalho, pelo que, por medida de celeridade processual, rendo-me às disposições contidas nas já mencionadas Súmulas 219 e 329, da Corte Superior Trabalhista.

Frise-se que, conquanto relevantes as disposições contidas no artigo 404 do Código Civil, essas agridem a jurisprudência consolidada já acima enfocada e também não se aplicam à relação trabalhista, que já prevê todas as reparações devidas ao trabalhador, diante de eventuais prejuízos decorrentes do contrato de emprego, sendo certo que a via reparatória já restou deferida. (grifos nossos)

(TRT/SP, Recurso Ordinário nº 00368200809002008 begin_of_the_skype_highlighting, Relator Jane Granzoto Torres da Silva, Recorrente: Vanderlei Umbelino, Recorrido: Multilaser Industrial LTDA., Publicado em 12 de fevereiro de 2010) [09]

EMENTA: CEF. DIFERENÇAS SALARIAIS. REDUÇÃO DO VALOR DAS PARCELAS COMISSÃO DE CARGO E COMPLEMENTO TEMPORÁRIO VARIÁVEL DE AJUSTE DE MERCADO. Hipótese em que decisão judicial que reconhece a sujeição da autora ao cumprimento da jornada de trabalho de seis horas não justifica a redução proporcional das parcelas percebidas por força do cargo comissionado exercido.  Caracterizada alteração contratual unilateral operada pela reclamada, lesiva aos interesses da empregada, cuja nulidade se reconhece por força do artigo 9º da CLT e 468 da CLT. Recurso da reclamada não acolhido no item.

[...]

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

A Julgadora a quo condenou a reclamada ao pagamento de honorários advocatícios de 20% sobre o total da condenação, com base nos artigos 389 e 404 do CCB, considerando a alteração da competência da Justiça do Trabalho introduzida pela EC nº 45.

A reclamada requer seja absolvida da condenação ao pagamento de honorários advocatícios. Refere que a autora optou por não utilizar os serviços prestados pelos advogados credenciados por seu sindicato profissional, não cabendo à recorrente arcar com o ônus dos honorários de seu patrono.

O art. 5º, LXXIV, da CF assegura o acesso dos necessitados ao Judiciário sem qualquer ônus, inclusive a dispensa do pagamento de custas, honorários advocatícios e qualquer outra despesa processual, bastando para tanto seja declarada a situação econômica que não permita seja tal despesa arcada sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família (art. 2º, parágrafo único, c/c o art. 11).

No caso dos autos, a autora não declara condição de pobreza. Pretende o pagamento de honorários advocatícios decorrentes da sucumbência ou em razão do disposto nos artigos 389 e 404 da CCB.

Nessas condições dá-se provimento ao recurso da reclamada, no tópico, para excluir da condenação o pagamento de honorários advocatícios. (grifos nossos)

(TRT/RS, Recurso Ordinário nº. 0116700-16.2007.5.04.0022, Relator:  Cláudio Antônio Cassou Barbosa, Recorrentes: Caixa Econômica Federal e Marta Suzana Haag Haeser, Recorridos: Os Mesmos. Data do julgamento:  12 de agosto de 2009) [10] 

EMENTA: HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – LIMITAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO – INCOMPATIBILIDADE PRINCIPIOLOGICA.

Cumpre destacar que o Enunciado nº 53 da 1ª. Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, realizado pela ANAMATRA, em 23 de novembro de 2007, não constitui fonte de direito, posto se tratar apenas de uma atividade acadêmica de atualização ou de extensão, sendo equivocado supor que esse mencionado Enunciado nº 53 possa ser dotado de eficácia de jurisprudência ou que possa dar fundamento jurídico a pedido de honorários advocatícios. Sem dúvida que o advogado é indispensável à Administração da Justiça, como estatui o artigo 133 da Constituição Federal de 1988, contudo, tal preceito constitucional recepcionou as disposições da Lei nº 5.584, de 1970, que trata dos honorários advocatícios assistenciais e não de honorários advocatícios sucumbenciais, menos ainda de honorários contratuais, não tendo sido afetadas pela promulgação das Leis nº 10.288, de 2001, e nº 10.537, de 2002. No processo do trabalho somente cabem honorários advocatícios na hipótese de assistência jurídica sindical, na forma do entendimento do item I da Súmula nº 219 do TST, que interpreta e aplica os preceitos dos artigos 14 e 16 da Lei nº 5.584, de 1970. Portanto, não tem pertinência a invocação dos artigos 389, 395 e 404 do Código Civil, por serem incompatíveis com o princípio protetor do direito do trabalho (art. 8º, parágrafo único, da CLT), face ao desnível social e econômico das partes litigantes dentro da relação jurídica de natureza contratual, o que impede a condenação dos trabalhadores hipossuficientes reclamantes no pagamento de honorários advocatícios a favor das empresas reclamadas, não se cingindo essa questão jurídica apenas ao argumento da superação do jus postulandi próprio do trabalhador, eis que a ordem jurídica não pode prescindir da presunção de que ele conhece as leis. A realidade social e econômica supera, portanto, a ficção jurídica.

(TRT/MG, Recurso Ordinário nº 00738-2009-044-03-00-1, Relator Convocado: Milton Vasques Thibau De Almeida, Recorrentes: Mônica de Souza Alves e Posto Jardim Brasil LTDA., Recorridos: Os mesmos, Data da Publicação: 01 de março de 2010) [11]

EMENTA: PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. PISO SALARIAL. SÚMULA 17 DO TST.

[...]

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REQUISITOS. Os arts. 389 e 404 do Código Civil atual, ao incluírem os honorários advocatícios na recomposição de perdas e danos, não revogaram as disposições especiais contidas na Lei 5.584/70, que se aplica ao processo do trabalho, consoante o art. 2º, § 2º, da LICC. Assim, permanece válido o entendimento de que, nos termos do art. 14, caput e § 1º, da Lei 5.584/70, a sucumbência, por si só, não justifica a condenação ao pagamento de honorários pelo patrocínio da causa, que, no âmbito do processo do trabalho, se revertem para o sindicato da categoria do empregado, conforme previsto no art. 16 da Lei 5.584/70.

Portanto, a condenação aos honorários tem natureza contraprestativa da assistência judiciária, que, por sua vez, somente beneficia à parte que atender, cumulativamente, aos seguintes requisitos: estar assistida por seu sindicato de classe e comprovar a percepção mensal de importância inferior ao salário mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, desde que comprove que sua situação econômica não lhe permite demandar sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família (Súmulas 219, I, do TST). Recurso de Revista conhecido e provido. (grifos nossos)

(TST, Recurso de Revista nº 653/2004-113-15-00, Relator Ministro José Simpliciano Fontes De F. Fernandes, Recorrente: Leão & Leão LTDA, Recorrido: José Paulo Gonçalves Pereira, Julgado em 27 de fevereiro de 2008) [12]

Percebe-se, pelos acórdãos citados, certa resistência em se indenizar o trabalhador pelo prejuízo experimentado pelo pagamento de honorários advocatícios, uma vez que na Justiça do Trabalho tal verba não é prevista e ainda pode o obreiro se valer do jus postulandi, entretanto, vale lembrar que, uma vez representado por advogado particular, o demandante terá uma maior probabilidade de sucesso. Assim sendo, a condenação do empregador em verba indenizatória com base no artigo 404, parágrafo único, tem o condão de restituir de forma plena o prejuízo sofrido pelo empregado, que necessita bater as portas do judiciário para fazer cumprir os preceitos consolidados, resguardando os alicerces dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, sobretudo o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, inexoravelmente, possui estreita relação com o direito do trabalho.

Não podemos nos furtar de observar o que realmente ocorre no plano fático, pois se assim o fizermos, estaremos nos afastando da principal função do direito que é a distribuição de justiça. Desta feita, crível é que o trabalhador assistido por advogado particular receberá menos do que lhe é devido em virtude dos descontos com a verba honorária e, sendo o advogado indispensável à administração da justiça (Art. 133. CFRB [13]), recusar o ressarcimento da verba honorária ao obreiro é o mesmo que entender sua desnecessidade na Justiça do Trabalho, em flagrante ofensa ao preceito constitucional citado, cabendo ao operador do direito eliminar tal distorção com os meios que lhe são fornecidos pelo ordenamento jurídico, podendo o artigo em comento desempenhar esse papel de forma eficaz.

Entretanto, mesmo padecendo os tribunais trabalhistas do vício do excessivo conservadorismo como vimos nos arrestos colacionados, a questão dos honorários advocatícios, suscitada na polêmica tese, parece estar sensibilizando alguns magistrados, como se observa do trecho do julgado extraído do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, abaixo transcrito:

[...] 11- Embora o jus postulandi deva ser preservado como instituto democrático e facilitador do acesso ao Judiciário, não é esta a realidade que hoje vivemos, em que a grande maioria das ações trabalhistas são propostas por advogados. De resto, a presença obrigatória de advogado foi exigida, em decisão recente, perante o TST, o que mostra uma tendência à universalização da representação por advogado na Justiça do Trabalho.

12- Por se tratar de ius cogens e de agregado natural da sentença (Pontes de Miranda), os honorários advocatícios obrigacionais dela constarão necessariamente, independentemente de requerimento ou vontade das partes. Por isto não precisam estar expressamente requeridos, pois a lei já os tem como subentendidos na sentença.

13- Se o cidadão comum pode contratar advogado, independentemente de estar sujeito à lei 1090/50 e ressarcir-se da despesa na forma da lei civil, com igual ou maior razão há de poder também o empregado, cujo advogado será pago pela parte vencida, preservando-se de prejuízo o crédito alimentar obtido na demanda.

14- Os honorários advocatícios obrigacionais são uma justa e necessária recomposição das perdas e danos em razão da mora do crédito trabalhista, de natureza alimentar e necessário à sobrevivência digna do trabalhador –art. 1º, III, da Constituição. A jurisdição do trabalho deve tomar todas as providências legais e interpretativas para que a mora e o descumprimento do crédito trabalhista, não pago no momento previsto pelo legislador, não seja causa de agravamento da situação do trabalhador dispensado que, correndo o risco do desemprego crônico, ainda tem seu pequeno patrimônio diminuído por ter que pagar advogado para recebê-lo.[...]

(TRT/MG, Recurso Ordinário nº 01104-2009-139-03-00-9, Relator Convocado: Eduardo Aurélio P. Ferri, Recorrente: Furnas Centrais Elétricas S.A., Recorridos: 1) Marlon Moreira Barbosa e Outros 2) Soluções Integradas Industria e Comércio e Serviços LTDA, Data da Publicação: 12 de fevereiro de 2010) [14]

Por óbvio, aquele trabalhador que contrata advogado particular e tem de arcar com o pagamento dos honorários advocatícios em determinado percentual da condenação, ao final da demanda acaba recebendo menos do que faria jus caso não tivesse de acionar o Poder Judiciário. Pois bem, dentro os inúmeros argumentos elencados pelo nobre julgador do arresto supra citado, o que mais nos chama a atenção é a aplicação subsidiária dos artigos 389 e 395 do Código Civil abaixo transcritos:

Art. 389

. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. [15]

Art. 395

. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. [16]

De fato, como bem observado no julgado, percebe-se que a condenação em honorários advocatícios passou a ser devida não somente em face da sucumbência, mas também como conseqüência do descumprimento da obrigação contraída.

Como bem assinala Guilherme Alves de Mello Franco: [17]

Esta novel redação acrescenta, ao catálogo das conseqüências do descumprimento das obrigações, a verba honorária, que antes quedava-se esquecida, nos exatos arquétipos assinalados pelo Art. 1056, do antigo Código Comum pátrio, que asseverava:

"Art. 1056. Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos".

Desta forma, corrigida foi a lacuna legal e retificada a falha hermenêutica que amputava das obrigações por infringência contratual a parcela dos honorários de advogado.

Nem se diga que tal preceito não se aplica à esfera trabalhista, porque a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu Art. 8, expende que:

"Art. 8. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste". (grifos do autor)

Vale lembrar, ainda, que sendo o art. 395 do CPC genérico (e não se ligando à sucumbência, mas sim à responsabilidade civil), é perfeitamente aplicável ao Direito do Trabalho, pois regula toda situação em que uma pessoa, para reparar um dano contratual ou não, necessite contratar advogado. [18]

Por outro lado, o art. 404 do mesmo Código prevê que as perdas e danos nas obrigações de pagamento em dinheiro abrangem "juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional". Já seu parágrafo único dispõe que "Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o Juiz conceder ao credor indenização suplementar".

Assim, mediante a legislação em comento, seja com base nos artigos 389, 395 ou com base na indenização suplementar prevista no artigo 404, parágrafo único, do Código Civil, não se pode negar a reparação do prejuízo experimentado pelo trabalhador pelo pagamento de honorários advocatícios, cabendo ao operador do direito através de interpretação sistemática do ordenamento jurídico eliminar tão perversa distorção que teima em prosperar na Justiça do Trabalho.

Vale lembrar a lição de Daniel Sarmento: [19]

"[...]o operador do direito não deve ser podado na sua criatividade, reconhecendo-se-lhe a possibilidade de, através dos mecanismos ou instrumentos que a situação concreta revelar, como os mais apropriados, proteger os bens jurídicos tutelados pelas normas garantidoras dos direitos fundamentais"

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Sobre os autores
Filipe Diffini Santa Maria

advogado trabalhista em Porto Alegre (RS), especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/RS, mestrando em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (RS), com linha de pesquisa em relações de trabalho e Constituição

Ricardo Luís Maia Loureiro

Advogado, Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP, aluno da pós-graduação da EAD/UNISC em Direito e Processo do Trabalho e da pós-graduação UNIDERP/LFG em Direito e Processo do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARIA, Filipe Diffini Santa ; LOUREIRO, Ricardo Luís Maia. A indenização suplementar prevista no artigo 404, parágrafo único, do Código Civil e sua aplicação no Direito do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2743, 4 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18169. Acesso em: 2 nov. 2024.

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