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Considerações sobre a ingerência interestatal no cenário jurídico internacional

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06/01/2011 às 13:22
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RESUMO: O presente trabalho tem por escopo realizar uma análise acerca das mudanças ocorridas no cenário jurídico internacional, no que tange especificamente aos conceitos de Soberania e Ingerência Humanitária. Para tanto, utilizará como aporte central de seus estudos o atual debate instaurado sobre a (in)compatibilidade entre a noção clássica de Soberania, sob a perspectiva de respeitados autores, e o novel elemento da Ingerência em assuntos internos de outras Nações, diante da globalização e das transformações orquestradas a partir da difusão deste elemento no mundo contemporâneo. O estudo objetivará atentar para a necessidade de os Estados se adaptarem a um novo quadro, caracterizado pela limitação de suas Soberanias, destacando o importante papel das Organizações Internacionais que precisam atuar na regulamentação de ações de ingerência pautadas no bom senso e em normas preestabelecidas pela sociedade internacional, evitando, deste modo, arbitrariedades que maculem o processo de lapidação de um novo paradigma que já se estabelece no cenário jurídico global, impedindo ainda, assim, práticas avessas à defesa e à implementação dos direitos humanos dos nacionais em situação de ingerência. Ao seu término, a pesquisa pretende destacar a intensificação do exercício paulatino de uma política supranacional de direitos humanos, limitadora de posturas absolutistas, típicas dos Estados Soberanos de outrora, legitimando, desta feita, o uso cada vez mais significativo de um "Direito de Ingerência" pautado em diretrizes humanitárias e devidamente ratificado pelos entes da comunidade global.

PALAVRAS-CHAVE: Soberania; Estados; Direito de Ingerência; Direitos Humanos.


INTRODUÇÃO

A percepção contemporânea do direito enseja a análise, pelos juristas, de institutos tradicionais, correlacionando-os com os mais recentes conceitos jurídicos. Os significados, valores e percepções sociais desvendam-se mutáveis, o que eleva a importância da função do estudioso do direito, especificamente no que concerne ao gratificante trabalho de decifrar as novas realidades que se encontram inseridas nos mais diversos ordenamentos jurídicos.

No campo do Direito Internacional essa realidade também se faz presente, e, abre-se, assim, o debate hodierno que abrange, de um lado, a Soberania, de cunho clássico, valor elevado a princípio norteador, e, de outro, a Ingerência, novato elemento que merece cada vez maior destaque nesta fileira de estudos.

Este trabalho tem o condão de mostrar as dificuldades que o conceito originário de Soberania, inicialmente sistematizado por Jean Bodin, no século XVI, reafirmado pelo Tratado de Westfália, e repensado na atualidade por diversos juristas, encontra para ser hodiernamente levado a termo, notadamente quando se observa o desenvolvimento em outra via do novel instituto denominado Direito de Ingerência.

Na busca de oferecer subsídios teóricos que auxiliem a resolver esse dilema e sem a pretensão de esgotar o assunto, este trabalho procura escolher alguns dos seus aspectos mais importantes a fim de balizar o debate e marcar o início de um estudo mais aprofundado sobre elemento tão apaixonante.


1 SOBERANIA

1.1 GENERALIDADES

A notícia mais antiga que se tem do surgimento da Soberania em seu sentido próprio remonta da assinatura do Tratado de Westfália, em 1648. Antes disso não havia instrumentos capazes de ameaçar a excelência do poder estatal.

Inicialmente concebida como um ente derivado do poder absoluto, a qual fora o foco dos estudos de Hobbes, a Soberania recebeu novos contornos a partir do século XVIII; em conjunto com os ideais da Revolução Francesa ela foi reformulada, atingindo o status de Soberania popular, logo em sendo redirecionada para a questão nacional. Com o século XIX, com a evidente intenção de garantia do ideal expansionista das grandes potências da Europa, decide o fator que impede a ausência de limitações jurídicas externas. E, no século XX, a Soberania é transformada num símbolo no qual o seu único titular é o Estado, constituindo, deste modo, um atributo estatal hábil a afiançar que, em termos internacionais, não há poder capaz de submeter o Estado, e, nem em interferir em suas matérias internas. A acepção, mesmo que dotada de um significado único, possui aparências claramente diferenciadas dependendo do nível em que for tomada.

Sob o aspecto jurídico, a partir do que prescreve a obra de Pedro Dallari, a Soberania pode ser compreendida, para alguns autores, como um poder, qualidade ou elemento constitutivo do Estado. Para Dallari (1998), ela é uma concepção de poder estatal incontestável. O objeto e o significado da Soberania, segundo o autor, é verificado sobre o poder que exerce sobre os indivíduos e sobre todo o limite territorial do Estado. "E com relação aos demais Estados a afirmação de soberania tem a significação de independência, admitindo que haja outros poderes iguais, nenhum, porém, que lhe seja superior".

No âmbito das relações internacionais, conforme explicam Williams Gonçalves e Guilherme Silva, a Soberania é um dos pilares do jogo de interesses entre as nações, cuja construção pode ser remetida à Paz de Westfália, em 1648. Para eles, "no que diz respeito às relações entre os Estados, é imposta a norma absoluta de não-intervenção em assuntos internos, não apenas os de ordem política e legal, mas também os de ordem religiosa" (2005, p.228). Segundo os estudiosos das relações internacionais, a Soberania, bem como os conceitos essenciais de Estado e Território, não são estáticos, sofrendo influência direta dos contextos sócio-históricos em que são analisados.

1.2 A Nova Ordem Internacional

O exercício de conceituação de Soberania, partindo dos ensinamentos trazidos até agora neste trabalho deságua em uma percepção evidente, qual seja o entendimento de que, grosso modo, há enorme divergência em se chegar a um conceito unânime que abarque em sua completude o que seja Soberania no mundo contemporâneo.

Nesta nuvem de idéias, resta a filiação ao ideário já preconizado por muitos autores da atualidade; é preciso reformular ou reinterpretar o conceito de Soberania como forma de adaptá-lo à realidade hodierna, que em uma velocidade sem precedentes divulga informações e contextualiza situações outrora particulares, a um número sempre crescente de expectadores. Assim, partindo da imperiosa necessidade de adaptar a Soberania ao mundo contemporâneo, é que novos estudos são realizados no intuito de aproximar os clássicos paradigmas da nova ordem mundial.

1.2.1 Globalização e Democratização da Informação

O neófito quadro parece muito apropriado para a questão da determinação do conceito de Soberania no momento atual. A figura da globalização, conceituada brilhantemente pelo sociólogo espanhol Manuel Castells (1999, p. 149) como

"um processo, segundo o qual as atividades decisivas num âmbito de ação determinado - a economia, os meios de comunicação, a tecnologia, a gestão do ambiente e o crime organizado - funcionam como unidade em tempo real no conjunto do planeta. Trata-se de um processo historicamente novo (distinto da internacionalização e da existência de uma economia mundial) porque somente na última década se constituiu um sistema tecnológico (telecomunicações, sistemas de informação interativos e transporte de alta velocidade em um âmbito mundial, para pessoas e mercadorias) que torna possível essa globalização"

A globalização tem um só plano, qual seja, conectar o mundo, eliminando barreiras interestatais, acabando por provocar a difusão instantânea de todo e qualquer tipo de informação.

Nessa nova realidade, a revolução da informação torna o controle dos territórios mais trabalhoso sob certos aspectos, a natureza e a importância da Soberania parecem já estar num caminho eivado de alterações substanciais e o controle das fronteiras geográficas hoje não parece mais bastar para se falar em exercício do poder soberano.

A democratização da informação tem, ainda, o condão de fortalecer ou enfraquecer governos. Os processos de globalização e de "democratização da informação" geram para os governos o dilema a seguir: caso o governo mantenha o monopólio da informação, está mantendo da mesma forma o controle sobre a sua população, mas ficará à margem do cenário internacional globalizado; sob outra via, caso libere o acesso à informação, não possuirá mais um de seus mais importantes instrumentos de domínio. A partir desse processo gradativo de alterações globais, as populações dos mais diversos Estados passam com maior frequência a dizer para os seus governos o que esperam que estes façam por elas; um quadro inimaginável se remetido a um passado no qual somente uma pequena elite usufruía a acessibilidade a todas as informações.

Ocorre que, mesmo com a preocupação esposada nas linhas anteriores, caso os governos queiram lograr êxito em suas práticas econômicas no mundo contemporâneo, precisam abrir seus mercados, e, com isso suas novas fronteiras, as de informação, para que possam ocupar um espaço no cenário global. Assim, a prosperidade de um Estado hoje, passa indubitavelmente pela cessão do controle sobre o fluxo de informações.

A abertura a que se alude acima gera, por conseguinte, um efeito conexo e imediato, qual seja, a dificuldade de no mundo globalizado sobrepor a Soberania à informação, e, nesta esteira de entendimento a tendência atual se configura no sentido de que o Estado não pode tomar qualquer decisão que lhe aprouver, unicamente levando em consideração os benefícios que este ato lhe trará; hoje em dia, ao contrário, o Estado soberano tende a dever cada vez mais satisfações em relação às suas decisões, explicações estas que são dirigidas não só aos seus nacionais, como também a outros Estados soberanos e, ainda, a órgãos internacionais com poder de regulação. O poder de julgar sem ser julgado e a incontestabilidade de outros tempos, que integram o poder soberano, vem perdendo sua força de modo considerável.

Nos dizeres de José Eduardo Faria, o fenômeno da globalização, agindo nos moldes elucidados acima, provocou "a desconcentração, a descentralização e a fragmentação do poder", projetando, conforme o já exposto, a alteração do conceito de Soberania. O autor não diz que o princípio da Soberania e o Estado-nação são exterminados, mas revela um abalo radical em suas prerrogativas, com a mudança de suas figuras perante as transformações decorrentes da "sociedade global". No mesmo sentido é a posição de Celso Ribeiro Bastos,preconizando que:

O princípio da soberania é fortemente corroído pelo avanço da ordem jurídica internacional. A todo instante reproduzem-se tratados, conferências, convenções, que procuram traçar as diretrizes para uma convivência pacífica e para uma colaboração permanente entre os Estados. Os múltiplos problemas do mundo moderno, alimentação, energia, poluição, guerra nuclear, repressão ao crime organizado, ultrapassam as barreiras do Estado, impondo-lhe, desde logo, uma interdependência de fato. À pergunta de que se o termo soberania ainda é útil para qualificar o poder ilimitado do Estado, deve ser dada uma resposta condicionada. Estará caduco o conceito se por ele entendermos uma quantidade certa de poder que não possa sofrer contraste ou restrição. Será termo atual se com ele estivermos significando uma qualidade ou atributo da ordem jurídica estatal. Nesta sentido, ela – a ordem interna – ainda é soberana, porque, embora exercida com limitações, não foi igualdade por nenhuma ordem de direito interna, nem superada por nenhuma outra externa. (BASTOS, apud, MARTINS, p. 165, 1998).

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Do exposto pode-se inferir que a sociedade global, resultante de uma maior integração estatal, seja pelo convívio em organizações internacionais, seja pela majoração das atividades de celebração de tratados ou ainda pela intensificação de relações comerciais, impõe aos Estados uma atenuação da noção de Soberania, determinando inclusive a submissão às normas internacionais.

1.2.2 Soberania Limitada

Ao contrário do que pensou Jean Bodin, a Soberania encontra limitações não apenas no que o autor nomeava como poder divino ou natural, mas, também pela evolução do direito hodierno, há obstáculos ao seu uso irrestrito quando anseios de ordem interestatal são violados.

A abordagem de Luigi Ferrajoli sobre o tema em A soberania no mundo moderno é elucidadora, uma vez que o autor traz as idéias, ainda atuais, do jurista espanhol Francisco de Vitoria (1485-1546). A contribuição de Vitoria estaria em suas formulações, primeiro, acerca da existência de Estados soberanos independentes que se relacionariam numa "sociedade internacional"; segundo, sobre a existência de um direito natural das gentes e dos povos; e, terceiro, sobre a questão de cada Estado estar apto, em determinadas circunstâncias, a empreender "guerras justas".

Após períodos de instabilidades e mudanças, o Estado torna-se um ente autônomo no cenário jurídico e político internacional.

Tal modelo, ainda segundo Ferrajoli, atinge seu auge e seu declínio na primeira metade do séc. XX, no período das duas guerras mundiais (1914-1945). Seu término é dado pela criação da ONU (Organização das Nações Unidas) em 1945 e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948. Os dois fatos considerados chaves para tirar o mundo, ao menos no plano normativo, do Estado de natureza o levando para um Estado civil. A soberania deixa de ser livre e se subordina a duas normas fundamentais: 1. O imperativo da paz; 2. A tutela dos direitos humanos. Neste sentido, o autor preconiza que a carta da ONU equivale a um contrato social internacional, limitando o poder Soberano.

A crise percebida por Ferrajoli e por outros pensadores do direito contemporâneo pode ser tomada como uma crise atinente à limitação da Soberania face às transformações e exigências do mundo hodierno, dentre as quais, este trabalho grifa o respeito e a promoção dos direitos humanos.


2 INGERÊNCIA

2.1 Esboço Histórico

O crescimento dos conflitos internacionais seja de ordem étnica, nacionalista, religiosa ou por autodeterminação no período posterior à Guerra Fria, constituindo evidentes ofensas aos direitos humanos em diversos Estados Soberanos, gerou um panorama de grande instabilidade no cenário das relações interestatais, acarretando um processo de defesa dos direitos humanos como fator de segurança global. A partir disto, concebeu-se a prática de intervenções humanitárias sob a tutela da Organização das Nações Unidas, mediante a expressa autorização do seu Conselho de Segurança, o que conferia, ab initio, legitimidade a esse procedimento. Tais intervenções significavam um comportamento admissível na política internacional, que se origina da pretensão de cada Estado para agir em caso de violações humanitárias. Seu objetivo precípuo seria prover dignidade à população que estivesse em crise, para que esta, novamente fortalecida, possa reaver a sua liberdade de autodeterminação. Este instituto, ainda que bastante utilizado não possui um respaldo jurídico, via de uma definição nesta seara, que o delimite. Para alguns estudiosos, entretanto, aceitá-lo denotaria invalidar princípios relevantes ao salutar andamento das relações internacionais: a Soberaniae a Não-Intervenção em assuntos internos.

A "intervenção de humanidade" teria sido aquela realizada com a finalidade da defesa dos direitos do homem. A sua validade foi admitida por diversos "clássicos" do Direito Internacional, como Francisco de Vitoria e Hugo Grócio. Outros internacionalistas a criticaram, como Antoine Rougier, que considerava os interesses de cunho político como formadores desta espécie interventiva.

O uso dos termos ingerência e intervenção como sinônimos é corriqueiro. E, a moderna doutrina internacionalista compreende que a ingerência de um Estado nos assuntos de outro Estado é um dos elementos que constituem a intervenção.

Segundo Bettati, a elaboração do direito internacional humanitário foi profundamente marcada pelo problema crucial da Soberania dos Estados. Desde tempos imemoriáveis que é o principal entrave com que se deparam a elaboração e a aplicação do direito internacional.

Por esta esteira de pensamento, pode-se prenunciar um dilema que por um lado traz o respeito à Soberania como corolário do direito internacional, juntamente com o princípio da não-ingerência nos assuntos internos dos Estados, e por outro, a imperiosa necessidade de desenvolvimento de um direito humanitário, com traços decisivos de ingerência, sem que isto venha a afrontar a Soberania estatal.

2.2 Recepção Jurídica

Em linhas anteriores afirmou-se que a figura do Direito de Ingerência não recebeu ainda das fileiras jurídicas uma conceituação capaz de delimitá-lo e inseri-lo oficialmente no rol de atos jurídicos aceitos ou praticados sem quaisquer restrições pelos sujeitos da comunidade internacional. Os Estados, ante ao inevitável, reconhecem a sua presença, porém ainda não o disponibilizam com a tranquilidade inerente a outros recursos colocados à disposição de suas "mãos" no cenário político global.

O Direito Internacional apresenta-se, conforme leciona MELLO (2002, p. 71) como "um conjunto de normas que regulam as relações externas dos atores que compõem a sociedade internacional visando estabelecer a paz, justiça e promover o desenvolvimento". E, mesmo considerando que os Estados sejam soberanos, determinando, portanto, as regras desse direito, as máximas da solidariedade e do consenso fazem-se presentes para a cominação das regras que dirigem a sociedade internacional, eliminando o individualismo estatal e priorizando a interdependência entre os entes Soberanos.

Acostando o entendimento deste trabalho na obra de Hans Kelsen, é possível afirmar que desde a Segunda Guerra Mundial, com o surgimento da ONU e diversas outras organizações internacionais, a primazia do direito internacional não compromete a estrutura da sociedade global, nem implica no final do Estado, demandando, conforme o já dito em linhas pretéritas, uma relativização do conceito de Soberania. Insistir na sustentação da Soberania absoluta do Estado significa, pois, contrariar os postulados da ordem internacional contemporânea.

A previsão legal dos novos direitos de segunda, terceira e até a probabilidade de direitos de quarta geração, estendeu o domínio do conceito de legítima defesa, ofertando um campo mais vasto para que a comunidade conjeturasse a possibilidade de invocação do chamado Direito de Ingerência, quando ocorrer a hipótese da necessidade de garantia do exercício dos direitos humanos. Inovação que anos atrás seria uma aberração no plano internacional.

Para o entendimento da recepção do Direito de Ingerência pela ordem jurídica internacional, é de suma importância trazer o que reza a Carta das Nações Unidas, de 1945, que em seu artigo 2º, alínea 7, dispõe de forma clara:

"Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII."

A não-ingerência, preconizada acima é um corolário dos direitos fundamentais dos Estados, especialmente do direito à Soberania e do direito à igualdade jurídica. Desta feita, tal princípio foi não apenas devidamente consagrado na Carta da ONU, mas também encontra respaldo ao se afirmar a igualdade jurídica dos Estados no artigo 2º, alínea 1, do mesmo diploma, in verbis: "A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros."

E, diante do exposto, como falar acerca da aplicação do Direito de Ingerência se há um mandamento proibitivo de seu emprego no texto das Nações Unidas?

A resposta à indagação acima só poderá ser oferecida de forma satisfatória caso se proceda a uma análise pormenorizada do termo "intervenção" estampado no corpo do dispositivo da Carta de São Francisco que foi aqui publicado.

Introduzindo tal exame, Bettati (1996, p. 39) expõe, que:

"Para uns a palavra intervenção deve ser entendida no sentido geral, que significa toda a veleidade de intrometer nos assuntos internos, de deliberar, de emitir uma advertência, uma resolução, de determinar um procedimento, em suma, de discutir a situação interna de um Estado do prisma dos direitos do homem [...]. A ONU e os seus Estados membros arrogaram-se progressivamente o direito de discutir sobre a forma como os indivíduos eram tratados pelo seu governo, o direito de emitir advertências, de expressar a sua indignação e de exercer pressões políticas, econômicas ou diplomáticas sobre os Estados, de apelas para a opinião pública."

E continua o autor lecionando que, para outros, "não é necessário arrogarem-se um tal direito, uma vez que apenas as intervenções materiais, físicas, constrangedoras, entram na categoria das ingerências ilícitas."

Ante ao trazido por Bettati, é imperioso reconhecer ainda, que em nome da universalidade dos direitos do homem, a Soberania é posta em uma posição secundária, cabendo aos Estados suportarem a postura ingerente de Organizações Internacionais ou de outros Estados subordinada ao crivo das Nações Unidas. Isto se faz evidente pelo reconhecimento de um direito internacional dos direitos humanos justificado pelas preocupações pacíficas mais legítimas, notadamente aquelas esculpidas na Carta da ONU de 1945. Neste sentido também são os ensinamentos de René Cassin, conforme aponta a obra de Bettati, justificando a utilização do "Direito de Ingerência" quando amparado por preceitos éticos que universalizariam, ab initio, os direitos humanos, obrigando sua defesa além das fronteiras.

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Sobre o autor
Rodrigo Cogo

Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU)<br>Professor dos Cursos de Graduação em Direito e Pós Graduação em Direitos Humanos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COGO, Rodrigo. Considerações sobre a ingerência interestatal no cenário jurídico internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2745, 6 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18207. Acesso em: 18 nov. 2024.

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