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Evolução social dos direitos humanos

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16/01/2011 às 18:25
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4. Segunda geração de direitos humanos

A segunda geração dos direitos humanos também emergiu das lutas sociais em prol de maior resguardo das condições indispensáveis ao desenvolvimento pleno da humanidade, mas seus protagonistas foram as classes trabalhadoras do início da fase industrial do capitalismo, que buscavam melhores condições laborais e também prestações estatais nas áreas de educação, saúde e moradia.

Enquanto os direitos humanos de primeira geração estão ligados à burguesia e à Revolução Francesa, os de segunda geração se relacionam com as classes trabalhadoras e com a Revolução Industrial. Seguindo a linha histórica em desenvolvimento, verifica-se que o comércio, força matriz da fase mercantilista do capitalismo, marcada pelas grandes navegações, foi gradativamente cedendo espaço à indústria como atividade preponderante no cenário econômico. Na medida em que os burgueses aplicavam os lucros obtidos com o comércio no setor produtivo, principalmente na Inglaterra, as indústrias prosperavam e se proliferavam. Consequentemente, a industrialização acarretou o aparecimento de uma nova classe social nas cidades europeias, que migrava do campo para trabalhar nas fábricas recentemente abertas: a chamada categoria operária.

As pessoas integrantes da classe trabalhadora da indústria, embora tivessem formalmente asseguradas as liberdades básicas referentes à primeira geração de direitos humanos, tinham sua força laborativa amplamente explorada pelos detentores do capital, pois careciam de proteção jurídica adequada em face das imposições quanto à remuneração e à jornada de trabalho ditadas livremente pelos seus empregadores [23]. Além disso, sua qualidade de vida nas cidades era muito precária, mormente quanto ao saneamento básico de suas residências, ao acesso à educação e ao atendimento médico e hospitalar [24].

Nesse cenário histórico, os trabalhadores urbanos organizaram movimentos esparsos para afirmação de suas prerrogativas sociais, as quais reputavam inerentes à sua condição de componentes ativos e producentes. Marcada por teorias que pregavam a planificação do controle de produção, entre as quais se destacam as formulações de Karl Marx e de Friederich Engels, a classe laborativa propugnava melhores ambientes de trabalho, redistribuição de rendas e o fornecimento de serviços públicos de saúde e de educação, bem como reivindicava a interferência estatal no âmbito social, para privilegiar a igualdade de direitos em detrimento da liberdade econômica.

Por isso não é incomum a afirmação de que, enquanto os direitos de primeira geração estavam ligados ao ideal francês de liberdade perante o Estado absenteísta, os direitos de segunda geração, por sua vez, exprimem o símbolo da igualdade de um governo intervencionista. Notadamente, as "pressões decorrentes da industrialização em marcha, o impacto do crescimento demográfico e o agravamento das disparidades no interior da sociedade, tudo isso gerou novas reivindicações, impondo ao Estado um papel ativo na realização da justiça social" [25].

Pelo exposto, pode-se afirmar que a atuação prestacionista do Estado é uma marca característica desta geração de direitos, no sentido de que a intervenção estatal é imprescindível para implementação real das prerrogativas referentes à saúde, educação, lazer e trabalho no seio da sociedade. Porém, cabe ressalvar que os direitos sociais não são apenas de cunho positivo, porquanto abarcam também as chamadas liberdades sociais, consistentes na livre sindicalização, no exercício da greve legítima, na concessão de férias anuais, no repouso semanal remunerado, na limitação da jornada de trabalho, dentre outros [26]. Destaca-se ainda que os direitos de segunda geração são de cunhagem predominantemente individual e subjetiva, ainda que grupos coletivos possam exercê-los e tenham surgido de demandas sociais, porque, por via de regra, "têm por titulares indivíduos singularizados" [27].

Dentre as principais manifestações dos direitos fundamentais de segunda geração, pode-se citar a encíclica papal Rerum Novarum de 1891, a Constituição Mexicana de 1917, a Constituição Alemã de 1919 e a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918. Ademais, após a Segunda Guerra Mundial, verificou-se a ampla incorporação dos direitos sociais nos diversos ordenamentos jurídicos [28].

Todavia, apesar de constarem formalmente das Constituições promulgadas após a Grande Guerra, os direitos fundamentais de segunda geração ainda não se realizam plena e concretamente no tecido social, principalmente pela insuficiência de recursos para que o Estado lhes confira eficácia, o que inicialmente os relegou à esfera meramente programática. Isto porque "sabe-se que o tremendo problema diante do qual estão hoje os países em desenvolvimento é o de se encontrarem em condições econômicas que, apesar dos programas ideais, não permitem desenvolver a proteção da maioria dos direitos sociais" [29].


5. Terceira geração de direitos humanos

A terceira geração dos direitos humanos, ao contrário das duas antecedentes, não apresenta uma clara identificação de seus agentes operadores, exatamente porque emergiu de reclamos espraiados na sociedade massificada, visando a preservação dos interesses coletivos ou difusos relacionados com a proteção do meio ambiente, a preservação do patrimônio histórico e cultural, a promoção da qualidade de vida nos ambientes urbano e rural, a tutela sobre a comunicação social (mídia), a bioética, a participação na condução das finalidades políticas estatais (ampliação dos direitos políticos), a autodeterminação dos povos, e, ainda, o conflito entre o amplo acesso à informação e a preservação da privacidade, dentre outras situações que demandam especial proteção à personalidade.

Seguindo a trilha histórica, esta geração de direitos tornou-se identificável no seio social principalmente a partir da década de 60 [30], quando as alterações nas conformações políticas, os desequilíbrios ecológicos e, com maior destaque, os progressos tecnológicos da atualidade apontaram novas situações conflituosas, em que a esfera jurídica das coletividades (por vezes indefinidas e abstratas) apresentava-se desprotegida [31]. Como já mencionado em texto anterior, o fortalecimento das grandes corporações, que ultrapassaram as fronteiras nacionais, a dinamização dos meios de transporte intercontinentais, a expansão dos mercados e os recentes avanços nas tecnologias de comunicação, capazes de interligar pessoas dispersas pelo globo, dentre outros fatores, acarretaram o advento de novos conflitos sociais [32].

Exemplificativamente, na idade moderna, o uso inadequado dos recursos naturais por indústrias compromete o meio ambiente para todos, indiscriminadamente, com reflexos em direitos inerentes a uma determinada comunidade, ou quiçá, à integralidade do gênero humano. Ou, ainda, a disseminação inescrupulosa de fatos inverídicos pelos órgãos de reprodução de notícias, com a abrangência multimídia dos atuais recursos digitais, acaba gerando transtornos de difícil superação para a quase integralidade da população de determinado país. Ambos exemplos revelam fatos que se proliferam na sociedade massificada e, assim, ensejam reclamações coletivas ou mesmo difusas, no sentido de preservar a integridade de aspectos inerentes à condição humana.

Logo, nessa quadra da história, mesmo que ainda não plenamente concretizados os direitos das gerações anteriores, o caminhar do processo civilizatório fez com que o homem se deparasse com uma vasta gama de novas situações em que a sua personalidade era atingida, ensejando a enunciação de novos direitos. E, gradativamente, tais prerrogativas jurídicas estão se incorporando aos diversos ordenamentos jurídicos, no plano infraconstitucional ou mesmo nas leis fundamentais, na medida em que ocorre a maturação quanto aos seus respectivos contornos.

Não é ocioso lembrar que alguns "novos direitos sejam apenas os antigos adaptados às novas exigências do momento" [33]. Notadamente, verifica-se que "alguns dos clássicos direitos fundamentais da primeira dimensão (assim como alguns da segunda) estão, na verdade, sendo revitalizados e até mesmo ganhando importância e atualidade, de modo especial em face das novas formas de agressão" [34]. Porém, sua conformação mais moderna permite enquadrá-los nesta nova fase de reconhecimento e promoção dos direitos do homem.

Feitas essas considerações históricas, já é possível apresentar as principais notas distintivas desta categoria de direitos, iniciando pela sua titularidade coletiva ou mesmo indeterminável. Com efeito, há dificuldade de atribuí-los singularmente para pessoas individualizadas. Exatamente daí alguns doutrinadores extraem sua relação com o ideal revolucionário francês da fraternidade, por representarem a disseminação axiológica da solidariedade no tecido social, conquanto as gerações anteriores estivessem mais relacionadas com a liberdade e a igualdade [35].

A par da transindividualidade, os direitos de terceira geração também apresentam um caráter nitidamente universal, porque sua efetivação perpassa por esforços mais amplos do que as fronteiras estatais, pois não prescindem da cooperação sistemática entre Estados, em razão de sua manifestação em escala mundial [36].

A mais significativa manifestação documental dessa universalidade galgada pelos direitos fundamentais, principalmente a partir de sua terceira geração, é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em Paris, em 1948. Tal diploma internacional alça os umbrais de "subjetivar de forma concreta e positiva os direitos da tríplice geração na titularidade de um indivíduo", que, antes de pertencer a um determinado país, "é pela sua condição de pessoa um ente qualificado por sua pertinência ao gênero humano, objeto daquela universalidade" [37].


6. Presente e futuro dos direitos humanos

Além das três gerações de direitos anteriormente mencionadas, há doutrinadores que sugerem uma ruptura na construção dos direitos de terceira geração, propondo que alguns dos novos direitos sejam classificados em uma nova quarta ou, até, em uma quinta geração.

Segundo os prosélitos desta cisão, os direitos de quarta geração estariam relacionadas com as faculdades mais amplas da democracia, do acesso à informação e do pluralismo, correspondentes à "derradeira fase de institucionalização do Estado social" [38]. Os direitos da quinta geração, por sua vez, estariam relacionados com a promoção da paz mundial como prerrogativa da humanidade, consoante já reconhecido na Declaração das Nações Unidas sobre a preparação das sociedades para viver em paz, inserida na Resolução 33/73, de 15 de dezembro de 1978 [39].

Todavia, tal divisão classificatória entre os novos direitos não se justifica no plano histórico. As reivindicações da atual conjuntura política e social enquadram-se perfeitamente no rol integrante da terceira geração, porquanto as raízes dos novos direitos repousam todas sobre a mesma convergência de causas determinantes. Tampouco a natureza do bem jurídico (democracia, acesso à informação ou paz mundial) enseja a mencionada nova quebra geracional, porque a razão fundamental da classificação em exame é o desenvolvimento social histórico, não só as peculiaridades das prerrogativas inseridas em cada contexto. Ademais, muitas das faculdades jurídicas elencadas nesta suposta nova etapa de direitos humanos não passa, "por ora, de justa e saudável esperança com relação a um futuro melhor para humanidade, revelando, de tal sorte, sua dimensão (ainda) eminentemente profética, embora não necessariamente utópica" [40].

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Sem embargo, somente uma efetiva ruptura na ordem de reclamações sociais é que ensejaria a abertura de uma nova página no desenvolvimento geracional dos direitos do homem, a qual ainda não é passível de verificação concreta, ao menos por ora. Desde a década de 60, data aproximada da inauguração histórica da já referida terceira geração, não se apresentou ainda uma modificação na formação teórica ou na consolidação prática dos novos direitos que justificasse a inauguração do capítulo seguinte no progresso histórico dos direitos humanos.

Por isso, o exercício teórico da atualidade sobre os novos direitos, pautado nas reivindicações deste momento do processo civilizatório, ainda encontra pertinência na terceira geração dos direitos do homem, mormente por estar calcado no reconhecimento das novas facetas da personalidade carentes de proteção em face dos progressos tecnológicos e das novas conformações políticas e econômicas (marca da terceira geração). Logo, embora não se possa afirmar que a terceira é a última geração dos direitos humanos, as discussões que ultrapassam a análise do contexto histórico são meramente hipotéticas (ainda que possuam caráter científico) e, desta forma, não autorizam o reconhecimento de uma geração posterior.

Nesse prisma de análise, na hodierna fase histórica da evolução dos direitos do homem, importa verificar quais as modernas reivindicações sociais, como base para o reconhecimento e formulação dos novos direitos (ou nova conformação de direitos clássicos, como já mencionado). E, concomitantemente, cabe analisar os meios mais adequados para imprimir efetiva concretude aos direitos já reconhecidos e, em grande parte, já incorporados em tratados internacionais ou mesmo positivados nos ordenamentos jurídicos particulares.

Para alguns juristas, a segunda das tarefas antes indicadas (assegurar eficácia social aos direitos já proclamados) sobreleva a primeira (identificação e delimitação de novos direitos), sob o argumento de que a dificuldade atual não reside em "saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, […], mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados" [41]. Sem prejuízo da importância de tal posicionamento, considerando as reiteradas violações das prerrogativas humanas ainda verificadas no âmbito social, não se pode olvidar que a concretização de novas esferas de proteção, imprescindíveis no atual estágio de desenvolvimento tecnológico e cultural, perpassa necessariamente pelo reconhecimento e fundamentação de novas conformações dos direitos humanos.

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Sobre o autor
Orlando Luiz Zanon Junior

juiz de Direito substituto em Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANON JUNIOR, Orlando Luiz. Evolução social dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2755, 16 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18281. Acesso em: 19 abr. 2024.

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