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Aplicação das teorias da captura ("capture theory") e dos frutos da árvore envenenada nos processos administrativos

18/01/2011 às 17:40
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Antes de tudo o mais, é preciso lembrar que a Administração Pública deve seguir os princípios elencados no art. 37, caput, da Constituição Federal, dentro os quais se destaca o Princípio da Imparcialidade. Segundo tal princípio, a Administração não poderá favorecer interesses particulares, mas, isto sim, atender o interesse público – "eis o querer supremo da Administração, eis o fim último a que devem atender os agentes administrativos, editores do ato", como afirma Cretella Junior [01]. Nesse contexto, ante a presença de interesse da sociedade, o administrador – através de suas agências reguladoras – há de evitar a aproximação com as empresas controladas, evitando, assim, a diminuição da credibilidade do controle administrativo. É o que a doutrina chama de Teoria da Captura ("capture theory"), que segundo as palavras de José dos Santos Carvalho Filho:

"... a relação jurídica entre a agência reguladora e as entidades privadas sob seu controle tem gerado estudos e decisões quanto à necessidade de afastar indevidas influências destas últimas sobre a atuação da primeira, de modo a beneficiar-se as empresas em desfavor dos usuários do serviço. É o que a moderna doutrina denomina de teoria da captura ("capture theory", na doutrina americana), pela qual se busca impedir uma vinculação promíscua entre a agência, de um lado, e o governo instituidor ou os entes regulados, de outro, com flagrante comprometimento da independência da pessoa controladora. Em controvérsia apreciada pelo Judiciário, já se decidiu no sentido de obstar a nomeação, para vagas do Conselho Consultivo de agência reguladora, destinadas à representação de entidades voltadas para os usuários, de determinadas pessoas que haviam ocupado cargos em empresas concessionárias, tendo-se inspirado a decisão na evidente suspeição que o desempenho de tais agentes poderia ocasionar. Tal decisão, aliás, reflete inegável avanço no que tange ao controle judicial sobre os atos discricionários, que, embora formalmente legítimos, se encontram contaminados por eventual ofensa aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade". [02]

Aplicando a teoria da captura em um caso concreto, o Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, do Tribunal Regional Federal – 5ª Região, afirma com bastante clareza:

"Ocorre a captura do ente regulador quando grandes grupos de interesses ou empresas passam a influenciar as decisões e atuação do regulador, levando assim a agência a atender mais aos interesses das empresas (de onde vieram seus membros) do que os dos usuários do serviço, isto é, do que os interesses públicos. Discorrendo sobre o processo de captura pelo setor regulado, aduz Maria Salvador Martinez, a agência começa a funcionar com um espírito agressivo, interpretando amplamente suas competências e mostrando-se atrevida na solução dos seus problemas com o fim de demonstrar ser capaz de fazer frente aos problemas e defender os interesses públicos. Assim, uma vez consolidada sua posição, a agência se identifica cada vez mais com as empresas e indústrias reguladas. Chegado esse ponto, suas decisões refletem os desejos dos operadores do setor e a regulação dificilmente vai além dos limites que estes (empresas e indústrias reguladas) considerem aceitáveis (tradução livre)." [03]

Reforçando ainda mais a existência da referida teoria, Marçal Justen Filho leciona em sua obra:

"A doutrina cunhou a expressão ‘captura’ para indicar a situação em que a agência se transforma em via de proteção e benefício para setores empresarias regulados. A captura configura quando a agência perde a condição de autoridade comprometida com a realização do interesse coletivo e passa a produzir atos destinados a legitimar a realização dos interesses egoísticos de um, alguns ou todos os segmentos empresariais regulados. A captura da agência se configura, então, como mais uma faceta do fenômeno de distorção de finalidades dos setores burocráticos estatais". [04]

Verifica-se que essas práticas de parcialidade já ocorreram, dentro do mundo real, na administração pública, razão pela qual os doutrinadores já ocupam espaços em suas obras para as devidas anotações sobre a referida teoria.

Calha registrar que algumas agências reguladoras, seja no âmbito federal seja no âmbito estadual, possuem agentes que faziam parte do quadro de funcionários das empresas controladas, influenciando diretamente na fiscalização e controle da Administração Pública. É de bom alvitre relembrar que as empresas controladas possuem interesses em evitar verificação de irregularidades em seus serviços por parte das agências reguladoras, tendo instrumentos capazes de conseguir, de forma mais célere e eficaz, o seu objetivo.

Quando, por exemplo, um ato processual é praticado por um agente que era funcionário da empresa controlada, resta evidente a contaminação do referido ato processual. Aliás, seria oportuno lembrar a existência da teoria dos frutos da árvore envenenada, que, sem sombra de dúvidas, é aplicada nos processos administrativos, com base na interpretação teleológica. Assim, todos aqueles atos que foram frutos daqueloutro ato contaminado – diga-se, realizado pelo agente parcial –, deverão ser declarados nulos. Sobre o devido processo administrativo, José de Castro Meira, Desembargador Federal do TRF – 5º Região, afirma:

"A garantia constitucional ao devido processo legal, incrustada no texto constitucional, finca suas raízes na Magna Carta, firmada na Inglaterra em 1215, pelo Rei João Sem Terra em face dos Barões Feudais. Daí passou aos Estados Unidos, onde foi incluído na Constituição Federal, em 1868, através da Emenda XIV, abrangendo: o direito à citação; a faculdade de arrolar testemunhas; não ser processado por lei elaborada após a ocorrência do fato; o direito de igualdade com a acusação; o direito de ser julgado mediante provas e evidências legais, obtidas de modo lícito (teoria dos frutos da árvore envenenada); o direito ao juiz natural; o direito de não se autoincriminar; acesso à jurisdição; direito aos recursos; o direito à decisão com eficácia de coisa julgada" (Grifei). [05]

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De fato, alguns membros de agências reguladoras federais já fizeram parte do quadro de funcionários de empresas controladas. Porém, não se sabe se esses membros já julgaram algum processo em que a respectiva empresa foi parte. Essa questão da parcialidade deve ser vista com bastante cautela, eis que quando uma pessoa deixa de fazer parte do corpo de funcionários da empresa controlada, das duas, uma: essa pessoa pode trazer consigo laços de amizade ou, ao contrário, trazer inimizades. Por tal razão, um membro que faz parte da agência reguladora seria parcial na análise do processo administrativo, podendo prejudicar ou beneficiar a empresa controlada, dependendo do caso concreto. Nesse ínterim, "cabe ao administrador abstrair-se de fatores de natureza pessoal que possam interferir no âmbito da moralidade de sua conduta" [06]. Assim, conforme o próprio entendimento de José dos Santos Carvalho Filho, "ilegítima será qualquer decisão que favoreça ou desfavoreça a determinada pessoa sem que a lei o estabeleça" [07]. Para exemplificar, a Resolução nº 273/2007 da ANEEL prevê que "A Agência deve invalidar seus próprios atos quando eivados de vício de legalidade e pode revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos" (art. 28).

Além disso, a Lei nº 9.784/1999 e a Resolução nº 273/2007 da ANEEL são claras ao afirmarem que é impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que tenha interesse direto ou indireto na matéria e, além disso, que tenha participado ou venha a participar como representante (art. 18, incisos I e II e art. 10, incisos I e II, respectivamente). Destaca-se que tais dispositivos são apenas exemplos, havendo outras regras, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, que tratam sobre o tema.

Face o exposto, considerando os argumentos trazidos à baila, resta incontroverso que qualquer ato praticado por um agente de agência reguladora, que fizera parte do quadro de funcionários da empresa controlada, é passível de controle dentro da própria Administração Pública (princípio da autotutela) e, até mesmo, pelo Poder Judiciário, com base na teoria da captura.


BIBLIOGRAFIA

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22a ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009.

__________. Processo Administrativo Federal. 4a. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. 8a Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.

MEIRA, José de Castro. Processo Administrativo. Disponível em:<http://bdjur.stj.gov .br/xmlui/bitstream/handle/2011/140/Processo_Administrativo.pdf;jsessionid=68060AFF4C351D465536070C744FC96A?sequence=1> Acesso em: 14/01/2011.

Sítio eletrônico do Tribunal Regional Federal da 5º Região: http://www.trf5.jus.br/


Notas

  1. Curso de Direito Administrativo, Forense, RJ, 8ª ed., 1986, p. 304.
  2. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22a ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 467
  3. TRF, 5ª Região, Ap. Cível nº 342.739, Rel. Juiz FRANCISCO CAVALCANTI.
  4. JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, PP. 369-370.
  5. MEIRA, José de Castro. Processo Administrativo. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/140/Processo_Administrativo.pdf;jsessionid=68060AFF4C351D465536070C744FC96A?sequence=1> Acesso em: 14/01/2011.
  6. CAVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. 4a. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 58.
  7. CAVALHO FILHO, op. cit., p. 53.
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Sobre o autor
Walter Pereira Dias Netto

Sócio Fundador do Dias - Galvão - Morais - Advogados Associados. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ, com Pós-Graduação em Direito Público e em Direito Processual Civil. É Procurador-Geral Adjunto de Município. Ex-Advogado municipal concursado (aprovado em 1º lugar). É advogado de cooperativas, incluindo as prestadoras de energia elétrica e do ramo agropecuário. Na graduação, foi aprovado em diversos concursos de estagiário, notadamente da Procuradoria do Município de João Pessoa, do IV Juizado Especial Civel da Comarca de João Pessoa, do Tribunal Regional do Trabalho - 13ª Região e da Caixa Econômica Federal. Já trabalhou junto com a assessoria de Desembargador do Tribunal de Justiça da Paraíba. É autor de diversos artigos científicos, tendo, inclusive, sido citado em decisões judiciais. É membro da Comissão de Direito de Minas e Energia da OAB/PB. Foi professor de curso preparatório para Exame da Ordem dos Advogados do Brasil e de curso de capacitação para servidores públicos. Foi professor de Direito Cooperativista do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego do Ministério da Educação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS NETTO, Walter Pereira. Aplicação das teorias da captura ("capture theory") e dos frutos da árvore envenenada nos processos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2757, 18 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18296. Acesso em: 5 nov. 2024.

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