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Quem defende a concorrência em face das políticas tributárias de incentivos fiscais e financeiro-fiscais?

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19/01/2011 às 14:46
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4 Competência para a defesa da concorrência em face de políticas tributárias de incentivos fiscais ou financeiro-fiscais.

Quem, efetivamente, detém o poder investigativo e sancionador contra a guerra fiscal, considerando que:

A guerra fiscal é, como o próprio nome indica, uma situação de conflito na Federação. O ente federado que ganha [...] impõe, na maioria dos casos, uma perda a algum ou a alguns dos demais, posto que a guerra raramente é um jogo de soma positiva. O federalismo, que é uma relação de cooperação entre as unidades de governo, é abalado. Também a Federação — cara aos brasileiros a ponto de a Constituição conter cláusula pétrea que impede sua abolição — perde (VARSANO, 1997, p. 06).

Evidenciado que está tratarem-se, as condutas de incentivos praticadas em cenário de guerra fiscal infrações à ordem econômica, e, em uma primeira análise da Lei n. 8.884, fácil concluir que o CADE seria o órgão competente para apreciar a prática de tais condutas, uma vez que, a própria Constituição Federal, em seu artigo 173, § 4º, estabelece que: "A lei reprimirá o abuso de poder econômico que vise à dominação de mercados, à eliminação da concorrência e ou aumento arbitrário dos lucros" (BRASIL, 1988).

A Lei 8.884 (BRASIL, 1994), portanto, ao dispor, em seu artigo 15, que se aplica a quaisquer pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, assim como a associações ou entidades de pessoas, constituídas de fato ou de direito, mesmo que temporariamente ou desprovidas de personalidade jurídica, ainda que exerçam atividades sob regime de monopólio legal, parece assentar a esfera de atuação do CADE, todavia, o entendimento é divergente a respeito de quais pessoas jurídicas de direito público estão sujeitas ao arbítrio do poder sancionador do CADE.

No entanto, as opiniões se dividem. Fonseca (1995, p. 81) [01], assevera que: "Tais infrações podem provir de pessoas físicas ou jurídicas, sejam elas de direito privado ou público, tenham-se constituído segundo as exigências legais, quer sejam sociedades meramente de fato".

Já Coelho [02], ao se referir à dicção do artigo 15, não identifica nele, especialmente, os agentes ativos das infrações, considerando que as pessoas jurídicas de direito público não são possíveis de figurarem como agentes ativos das condutas naquela lei descritas. E conclui que:

Assim, a referência às pessoas jurídicas de direito público não deve ser necessariamente entendida como a definição de um gênero de agente ativo de infração contra a ordem econômica, mas sim considerada no amplo universo das pessoas em relação às quais a lei se aplica, não necessariamente para submetê-las a sanções (1995, p. 41).

Continua Coelho (1995), discorrendo a partir do ponto de vista de que, em um processo administrativo instaurado perante o CADE, um ente estatal não pode figurar como agente ativo de uma conduta infratora à ordem econômica. E afirma que:

Esse é o único entendimento possível, em face da isonomia constitucional dos entes públicos. O CADE, como autarquia federal, [...] não [tem] poder hierárquico e sancionador sobre a União e seus desdobramentos de natureza pública (órgãos da Administração direta e autarquias); não têm igualmente ascendência hierárquica sobre os estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios (1995, p. 41).

De outro lado, no entanto, Fonseca (1999, p.81), aponta na análise do artigo 15, entendimento diverso, ao afirmar que: "Tais infrações [as descritas na Lei 8.8884] podem provir quer de pessoas físicas, quer de pessoas jurídicas, sejam elas de direito privado ou público, tenham-se constituído segundo as exigências legais, quer sejam sociedades meramente de fato".

Na defesa da tese de Coelho (1995):

O Estado-membro goza de autonomia. Quer dizer, é livre no campo a ele deixado pela Constituição do Estado federal. Este, o Estado total, na sua soberania, fixa a organização de todo e ao fazê-lo cria um campo aberto para os Estados federados. Tal campo, como já se viu, tem um espaço mínimo: auto-organização, descentralização legislativa, administrativa e política (FERREIRA FILHO, 1999, p. 53, grifo no original).

O estado federado pode ser – como de fato o é – sujeito ativo de concessões fiscais ou financeiro-fiscais em âmbito de guerra fiscal, condutas caracterizadas como infração à ordem econômica. A questão divergente, de outro modo, é o órgão competente para processá-lo e julgá-lo, em face da autonomia constitucional do ente federativo delimitada com clareza inquestionável o artigo 18 da Constituição Federal vigente.

Assim, de acordo com o Parecer n. 294, de 2008, exarado nos autos do processo n. 08700.004867/2007-33, que tramita perante o CADE:

[...] quando lei 8.884/94 dispõe sobre a repressão à infração contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico, atinge prioritariamente os agentes econômicos em sentido estrito, quer de origem pública ou privada.

Nesse sentido, a interpretação do art. 15 da Lei 8.884/94, que trata dos sujeitos passíveis de cometer infração à ordem econômica abarca os agentes que exercem atividade econômica, quer seja o poder público (quando excepcionalmente exerce tal função nos moldes do art. 173 da CF em razão do interesse coletivo ou segurança nacional), e, no caso mais comum, a iniciativa privada (BRASIL, 2007, grifos no original).

Nesse sentido também é a posição do Parecer da Procuradoria do CADE n. 563 de 2006, no Processo n. 08700.001132/2006-77, que tratava de uma consulta a respeito da Regulação do uso de resina PET reciclada em embalagens alimentícias, onde fica assentado que:

Todavia, o Plenário do CADE pode, de ofício ou por provocação de qualquer interessado, sempre que lhe parecer conveniente e oportuno à proteção da ordem econômica, "requisitar a órgãos do poder público das três esferas da federação as medidas necessárias ao cumprimento da Lei 8.884/94" (art. 7º, X) e "instruir o público sobre as formas de infração da ordem econômica" (art. 7º, XVIII). Esse poder-dever está associado à missão institucional do CADE de promoção da cultura de defesa da concorrência (competition advocacy), atividade que, ao lado da repressão de condutas anticompetitivas e de controle de estrutura do mercado, constituem as três principais vertentes de atuação do CADE (BRASIL, 2006, grifos no original).

No mesmo sentido, ainda, é a posição do então Conselheiro Ricardo Cueva, expressada nos autos do Processo n. 08012.007443/1999-17, ao dizer que:

Não é o CADE um ‘revisor’ de políticas públicas, porque, em agindo assim, estaria atentando contra os postulados básicos da legalidade e de toda a doutrina que informa a atividade dos órgãos reguladores. Entretanto, deparando-se com situações que possam configurar infração contra a ordem econômica, é dever das autoridades antitruste investigar e julgar tais condutas, nos estritos termos da Lei 8.884/94, de resto em perfeita harmonia com o arcabouço jurídico-institucional vigente (BRASIL, 2002, grifo no original).

Diante das pesquisas realizadas e dos argumentos apontados, portanto, entende-se ser possível – e mesmo recomendável – a manifestação do CADE em casos como o da guerra fiscal. Inviável, porém, que se fale em julgamento do estado federado perante seus conselheiros, posto que suas decisões seriam inexeqüíveis perante entes dotados de autonomia constitucional.

É assim recomendável ao CADE que dê corpo à prerrogativa do artigo 7°, inciso X da Lei n. 8.884, bem como o procedimento de consulta – do artigo 59, que, em regra não necessita de procedimento formal para ser exercido. Deve, outrossim, servir como defensor da concorrência, em relação à legislação, sua regulamentação e cumprimento. Isso porque o CADE desempenha papel fundamental na defesa da concorrência, pois é o único com a expertise necessária a opinar em questões de política da concorrência. [03].

Em síntese, a corroborar esse entendimento, do mesmo Parecer n. Parecer n. 294, de 2008, infere-se que:

Quando o CADE se depara com ato normativo, oriundo de competência constitucional ou legal de autoridade pública, a competência do CADE não é sancionatória, cujos sujeitos estão previstos no art. 15 [...] indicado. Trata-se de uma defensa/orientação dos preceitos de concorrência salvaguardados na Constituição Federal e na Lei 8.884/94.

Assim, o CADE não profere ato constritivo contra o agente regulador, mas "ato de constatação" para que o ente público relacione suas manifestações aos preceitos de concorrência exigidos por Lei (art 7, X, da Lei 8.884/94). Fala-se em ato de constatação por faltar ao CADE competência para desconstituir atos normativos ou que caracterizem exercício de autonomia constitucional. Nesse aspecto, entendo acertado o posicionamento da SDE de que o SBDC não pode imiscuir-se de forma sancionatória na discricionariedade municipal (BRASIL, 2007, grifo no original).

Assim, independentemente de casos como este escaparem à competência de processo e julgamento do CADE, faz-se recomendável que, no caso quaisquer condutas anticoncorrencias, protagonizadas por quaisquer sujeitos, que, como órgão antitruste, posicione-se sobre os aspectos concorrenciais envolvidos. [04]

E assim, para finalizar, constata-se que, se a prática das condutas descritas fere um ditame constitucional, é o Poder Judiciário, sobretudo quando acionado pelos estados federados prejudicadas em Ações Diretas de Inconstitucionalidade – do artigo 102, alínea a, da Constituição Federal – não somente o órgão, mas o poder competente a dar julgamento para o caso, num contexto em que, em relação ao CADE:

[...] podemos afirmar que se a prática infrativa de agentes econômicos não enseja dúvidas quanto à competência sancionatória do CADE, a ausência de competência constritiva para punir desvios concorrenciais não impede a "constatação" da admissibilidade/necessidade de concorrência na manifestação da autoridade reguladora. Trata-se do dever de orientação, competition advocacy, que também é uma das missões do CADE (BRASIL, 2007, grifos no original).

Tal solução, além de ser a mais adequada em matéria de competência, posto que de acordo com normas constitucionais e infraconstitucionais, é também a mais acertada sob o ponto de vista prático, uma vez que não retira do CADE, órgão antitruste por excelência, a prerrogativa de análise, manifestação e orientação quanto às condutas anticompetitivas, de modo que, o Poder Judiciário, acionado por estado federado a processar tais condutas, poderá utilizar-se da expertise do conselho para orientar seu julgamento e decisório.

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5 Considerações Finais

Conforme proposto, este trabalho teve por objeto a realização de pesquisa bibliográfica doutrinária, legislativa e jurisprudencial, com a finalidade de investigação acerca da viabilidade de classificação da conduta de concessão de incentivos fiscais e financeiro-fiscais pelos estados federados a empresas, em cenário da chamada guerra fiscal, comouma infração à ordem econômica, bem como da possibilidade desses estados federados serem processados como sujeitos ativos de tal conduta perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Do estudo correspondente, foi possível constatar que as leis, que por vezes guardam aparência de higidez e clareza, podem levar a divergências, que são discutidas em âmbito doutrinário e jurisprudencial. É o caso da guerra fiscal, que, além da renúncia de arrecadação por parte do estado federado, alimenta um ambiente concorrencial artificialmente distorcido, uma vez que, entre empresas concorrentes há diferenças brutais na questão de cumprimento de obrigações tributárias, não sendo, na prática, tão facilmente resolúvel ou punível a conduta estatal.

O desenvolvimento desta pesquisa, portanto, favoreceu o entendimento de que, para cada problemática encontrada, seja ela de que ordem for, é necessária uma análise conjunta, sob pena de se posicionar equivocadamente, como ficou demonstrado na questão da competência para processo e julgamento dos estados federados pela prática de infrações à ordem econômica.

Atendendo ao problema central da pesquisa, observou-se que, em relação às hipóteses, a primeira foi confirmada, ou seja, os incentivos fiscais ou financeiro-fiscais concedidos pelos estados federados em cenário de guerra fiscal configuram infração á ordem econômica; já a hipótese de competência do CADE para processo e julgamento dessas infrações restou prejudicada, devendo ocorrer, necessariamente, perante o Poder Judiciário, podendo – e devendo – o CADE apenas orientar na análise e delimitação das condutas, uma vez que é o órgão dotado da maior expertise para opinar em casos de condutas anticoncorrenciais, não podendo ser executada, entretanto, uma eventual decisão sua, enquanto entidade autárquica, em face de um estado federado, que detém autonomia constitucional, para, também, conceder incentivos.

Como sugestão para pesquisas futuras, sugere-se trabalhar a questão da fixação de alíquotas mínimas para o ICMS, com intuito de diminuir o poder de manobra dos estados federados, bem como o estudo da implantação de uma regra de destino das receitas de ICMS, visando, efetivamente ao desenvolvimento nacional planificado, sustentável no longo prazo e em âmbito nacional, não deixando de lado, é lógico, as notáveis diferenças entre as regiões do país, mas respeitando regras legais na concessão de eventuais benefícios ou incentivos.


6 Referências bibliográficas

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BRASIL. Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L8884.htm>. Acesso em: 13 jul. 2010.

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COELHO, Fabio Ulhoa. Direito antitruste brasileiro: comentários a lei n. 8.884/94. São Paulo: Saraiva, 1995.

CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (BRASIL). Guia prático do CADE: a defesa da concorrência no Brasil. 3. ed. São Paulo: CIEE, 2007.

CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Lei de Proteção da Concorrência: comentários à Lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

FORGIONE, Paula. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: RT, 2005.

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VAZ, Isabel. Direito econômico da concorrência. Rio de Janeiro: Forense, 1993.


Notas

  1. No mesmo sentido estão Carlyle Popp e Edson Vieira Abdala.
  2. Na linha desse autor, estão Tércio Sampaio Ferraz Jr. e Ives Gandra da Silva Martins.
  3. Nesse sentido verificar: Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). Lei e Política de Concorrência no Brasil: uma revisão pelos pares: Inter-American Development Bank- Organization for Economic Co-Operation and Development, 2005.
  4. A esse respeito ver: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança n. 12.121 (2006/0168536-0), do Distrito Federal. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em: 22 nov. 2006. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=2813023&sReg=200601685360&sData=20070611&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 18 jul. 2010.
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Sobre a autora
Suelen Carls

Advogada; MBA em Gestão Tributária; Mestranda em Desenvolvimento Regional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARLS, Suelen. Quem defende a concorrência em face das políticas tributárias de incentivos fiscais e financeiro-fiscais?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2758, 19 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18302. Acesso em: 22 nov. 2024.

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