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Arbitragem no Direito do Trabalho: limites e perspectivas

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4.OS PRINCÍPIOS DO DIREITO INDIVIDUAL E COLETIVO DO TRABALHO

O desenvolvimento de um bom trabalho acadêmico não pode prescindir de fundamentos e bases sólidas do campo de conhecimento no qual está inserido seu objeto. No caso da arbitragem nas relações de trabalho, tema ora em análise, essa premissa ganha contornos de elevada importância, seja em função das peculiaridades do ramo do direito envolvido, Direito do Trabalho, seja em decorrência do posicionamento doutrinário que escolhemos para estruturar a pesquisa.

Esse é o motivo pelo qual passamos agora a analisar os princípios do Direito Individual e Coletivo do trabalho, com amparo nas idéias e no posicionamento adotado por Maurício Godinho Delgado em sua preciosa obra, "Os Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho". Assim o fazemos, portanto, pela harmonia e coerência guardada entre o pensamento do autor e os objetivos perquiridos no presente trabalho.

Com efeito, o professor mineiro classifica os princípios laborais em três grupos fundamentais, a saber: princípios especiais do Direito Individual do Trabalho, princípios especiais do Direito Coletivo do Trabalho e princípios gerais do direito e de outros ramos jurídicos aplicáveis ao direito do trabalho. Em sua visão, o direito é "o conjunto de princípios, regras e institutos voltados a organizar situações ou instituições e criar vantagens, obrigações e deveres no contexto social". (DELGADO, 2001, p. 15) Já os princípios são "proposições gerais inferidas da cultura e ordenamento jurídicos que conformam a criação, revelação, interpretação e aplicação do direito". (DELGADO, 2001, p. 16) Atuam estes na antecipação de fórmulas de organização e conduta a serem seguidas na comunidade ou na absorção de práticas organizacionais e de conduta já existentes na convivência social.

Nesse sentido, os princípios podem ser comuns a todo o fenômeno jurídico ou especiais a um ou alguns de seus segmentos particularizados, constituindo-se em proposições gerais informadoras da noção, estrutura e dinâmica essenciais do direito ou de certo ramo jurídico. Seu papel, por outro lado, manifesta-se em duas fases próprias ao fenômeno jurídico: a primeira, de sua construção, e a segunda, de sua realização social. (DELGADO, 2001, p. 17) O referido autor sintetiza esse caráter duplo nos seguintes termos:

A fase de construção da regra – fase pré-jurídica, de natureza essencialmente política – corresponde ao estágio histórico de elaboração das regras de direito. Aqui os princípios já existentes no próprio universo jurídico agem, por influência teórico-ideológico, no processo de construção das novas regras. A fase jurídica típica, surgida desde que consumada a elaboração da regra, corresponde ao estágio histórico em que ela irá reger as organizações e condutas sociais. Certamente será aqui, nesta fase, que os princípios cumprirão seu papel mais relevante. (DELGADO, 2001, p. 17)

A relevância destacada por Maurício Godinho corresponde às funções específicas dos princípios na fase jurídica típica. A primeira delas é a interpretativa, enquanto norteadora da compreensão da regra jurídica construída. A segunda função é a de natureza supletiva, ou seja, fonte subsidiária na ausência de regras jurídicas aplicáveis ao caso concreto, como ocorre na hipótese do art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho. Já a terceira função é a normativa própria, resultante de sua dimensão fundamentadora de toda a ordem jurídica.

O autor destaca a importância dessa terceira função, normativa, na medida em que passa, necessariamente, pelo reconhecimento doutrinário de sua natureza de norma jurídica efetiva e não simples enunciado programático sem poder de vinculação. Norberto Bobbio, a esse respeito, sustenta que os princípios gerais são normas como todas as outras, resultantes de sua origem das demais regras jurídicas, por meio de um procedimento de generalização sucessiva, como também do fato de servirem ao mesmo objetivo: a função de regular um caso concreto. (BOBBIO, 1997, p. 158) Américo Plá Rodriguez atesta que "no Brasil os princípios do Direito do Trabalho cumprem função normativa, atuando como norma supletiva". (PLÁ RODRIGUEZ, 1993, p. 19) Defende Maurício Godinho, entretanto, que se trata, em verdade, de uma função normativa concorrente, não autônoma, que atua, de maneira geral, em concurso com a função interpretativa da regra analisada. (DELGADO, 2001, p. 24) Evidencia-se, por conseguinte, que a dinâmica de interação entre as funções interpretativa e normativa dos princípios faz com que estes tenham natureza essencial, ao lado das regras jurídicas, no processo de compreensão e aplicação do direito.

Outro aspecto importante no estudo dos princípios reside no fato de serem estes elementos imprescindíveis na definição da autonomia dos ramos jurídicos. Isto porque eles firmam as diretrizes gerais e fundamentais do respectivo ramo perante o universo do direito. No âmbito das relações laborais, os princípios do Direito Individual do Trabalho constituem a marca mais forte e distintiva da autonomia do ramo geral Direito do Trabalho perante os diversos outros ramos do direito. Os princípios do Direito Coletivo do Trabalho, não obstante, merecem atenção especial do operador do direito, uma vez que firmam um contraponto importante em relação ao próprio Direito Individual do Trabalho, além de constituírem ponto decisivo para a compreensão dos desafios da democratização do sistema justrabalhista no Brasil.

Os nove princípios fundamentais do Direito Individual do Trabalho, chamados por Maurício Godinho de núcleo basilar, são os seguintes:

a)Princípio da proteção, tutelar, tuitivo, protetivo ou tutelar-protetivo,

b)Princípio da norma mais favorável,

c)Princípio da imperatividade das normas trabalhistas,

d)Princípio da indisponibilidade ou irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas,

e)Princípio da condição ou cláusula mais benéfica,

f)Princípio da inalterabilidade contratual lesiva,

g)Princípio da intangibilidade salarial,

h)Princípio da primazia da realidade sobre a forma,

i)Princípio da continuidade da relação de emprego.

A denominação núcleo basilar se justifica na medida em que tais princípios constituem a marca essencial do ramo justrabalhista especializado, de modo que sem sua presença e concretude na ordem jurídica não se pode falar na própria existência do Direito do Trabalho. (DELGADO, 2001, p. 39) Há ainda outros quatro princípios especiais do Direito Individual do Trabalho que se encontram fora desse núcleo basilar, a saber: princípio da despersonalização do empregador, princípio da alteridade ou assunção dos riscos, princípio da irretroatividade das nulidades e princípio da aderência contratual.

Já os princípios in dúbio pro operário/misero e do maior rendimento são tidos por Maurício Godinho como controvertidos, havendo dúvidas consistentes sobre sua efetiva existência. Isto porque o primeiro deles estaria parcialmente abarcado pelo princípio da norma mais favorável, além de, no aspecto da apreciação de fatos e provas, ser desnecessário em face da existência da teoria do ônus da prova, favorável ao empregado, já sedimentada no Direito Processual do Trabalho. O reconhecimento do princípio in dúbio pro misero acarretaria, ainda, agressão ao princípio geral do juiz natural, uma vez que o desequilíbrio entre as partes estaria se estendendo à figura do juiz e à função judicante, comprometendo a própria noção de justiça. Já o princípio do maior rendimento, relacionado com o poder disciplinar empregatício, estaria incluído integralmente no princípio geral de direito da boa-fé, externo ao Direito do Trabalho.

No âmbito do Direito Coletivo do Trabalho, Maurício Godinho atesta a existência de três grandes grupos de princípios, a saber:

a)Princípios assecuratórios das condições de emergência e afirmação da figura do ser coletivo obreiro,

b)Princípios que tratam das relações entre os seres coletivos obreiros e empresariais, no contexto da negociação coletiva,

c)Princípios que tratam das relações e efeitos perante o universo e comunidade jurídicas das normas produzidas pelos contratantes coletivos.

No primeiro grupo encontram-se os princípios da liberdade associativa e sindical e da autonomia sindical. No segundo grupo estão os princípios da interveniência sindical na normatização coletiva, o da equivalência dos contratantes coletivos e, finalmente, o da lealdade e transparência nas negociações coletivas. Por fim, no terceiro grupo, encontram-se os princípios da criatividade jurídica da negociação coletiva e da adequação setorial negociada.

No âmbito externo do Direito do Trabalho, encontram-se os princípios gerais do direito ou de outros ramos jurídicos aplicáveis ao Direito do Trabalho. Não são princípios próprios e distintivos do Direito do Trabalho, mas nele ingressam e atuam de maneira significativa. Sua classificação ocorre, primeiramente, em três planos de princípios principais, quais sejam:

a)Princípio da dignidade humana e diversos princípios associados: princípio da não-discriminação, princípio da justiça social e princípio da eqüidade,

b)Princípio da proporcionalidade e princípio da razoabilidade,

c)Princípio da boa-fé e seus corolários: princípios do não enriquecimento sem causa, da vedação ao abuso do direito e da não alegação da própria torpeza.

Além dos princípios situados nesses três planos principais, há, também, no âmbito externo do Direito do Trabalho, o princípio da territorialidade, que ilumina a aplicação das normas jurídicas no espaço, e o princípio da prévia tipificação legal de delitos e penas, relacionado com o poder disciplinar no contrato de emprego.

Percebe-se, pela exposição geral dos parágrafos anteriores, o rigor científico adotado por Maurício Godinho ao dividir e classificar os princípios laborais entre os segmentos individual e coletivo, além de agregar os remanescentes em um terceiro grupo fundamental, representado pelos princípios gerais do direito e de outros ramos jurídicos aplicáveis ao Direito do Trabalho. Cumpre ressalvar, por outro lado, que autores clássicos como Américo Plá Rodriguez (1993) e Alfredo Ruprecht (1995b) arrolam os princípios da razoabilidade, boa-fé e não-discriminação ao lado dos demais princípios laborais típicos. Maurício Godinho defende seu posicionamento de incluir estes princípios no âmbito externo do Direito do Trabalho, assim como o da dignidade humana, justiça social e eqüidade, ponderando que eles asseguram a comunicação e integração do Direito do Trabalho com o universo jurídico, sem, entretanto, marcar a distinção juslaboral perante os demais segmentos jurídicos. (DELGADO, 2001, p. 39) Dessa forma, cientificamente, justifica-se sua separação do grupo de princípios especiais do Direito do Trabalho.

Para o escopo da presente pesquisa se faz mister apresentar, em linhas gerais, as características e fundamentos dos princípios do núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho (ou do Direito do Trabalho), na visão de Maurício Godinho, dos princípios que tratam das relações entre os seres coletivos obreiros e empresariais, no contexto da negociação coletiva, bem como os que tratam das relações e efeitos perante o universo e comunidade jurídicas das normas produzidas pelos contratantes coletivos.

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O primeiro princípio que compõe o núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho é o chamado princípio da proteção, também conhecido como princípio tutelar, tuitivo, protetivo, tutelar-protetivo, protetivo-tutelar e denominações semelhantes. Informa que "o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas normas, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro – visando a retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho". (DELGADO, 2001, p. 40) É considerado o princípio cardeal do Direito do Trabalho, um dos primeiros a ser revelado, representando a essência protetiva-retificadora que fundamenta o ramo jurídico laboral sob o prisma histórico e científico.

Américo Plá Rodriguez e Alfredo Ruprecht consideram que o princípio tuitivo se manifesta em três diretrizes, quais sejam: o princípio in dubio pro operário, da norma mais favorável e da condição mais benéfica. Essa tem sido a orientação predominante no estudo do princípio tuitivo no Brasil. Maurício Godinho Delgado, entretanto, entende que ele abrange quase todos os princípios especiais do Direito Individual do Trabalho, constituindo a inspiração ampla do complexo de regras, princípios e institutos desse ramo laboral. (DELGADO, 2001, p. 43) O fato é que o princípio tuitivo incorpora a função teleológica do Direito do Trabalho, de forma que os demais princípios particularizados atuam sempre inspirados pela diretriz da proteção.

O segundo princípio é o da norma mais favorável. Dispõe que o operador do Direito do Trabalho deve optar pela regra mais favorável ao trabalhador em três situações distintas: a) no instante de elaboração da regra, orientando a ação legislativa; b) no contexto de confronto entre regras concorrentes, orientando a hierarquização das normas trabalhistas; c) no contexto de interpretação das regras jurídicas, orientando o processo de revelação do sentido da regra trabalhista. Na primeira situação, dimensão informativa do princípio, age como uma verdadeira fonte material do ramo justrabalhista. Na segunda situação, dimensão hierarquizante do princípio, norteia a prevalência da regra mais benéfica ao obreiro. Já na terceira e última situação, dimensão interpretativa/normativa do princípio, corresponde à opção mais favorável ao trabalhador no caso de duas ou mais alternativas consistentes de interpretação de uma regra jurídica enfocada. É esta terceira dimensão do princípio da norma mais favorável (interpretativa/normativa) que cumpre parcialmente a função do velho princípio in dubio pro misero. (DELGADO, 2001, p. 45)

O terceiro princípio integrante do núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho é o da imperatividade das normas trabalhistas. Este princípio é o responsável pela restrição à autonomia da vontade das partes no Direito Individual do Trabalho, o que significa dizer que as regras justrabalhistas não podem, de maneira geral, serem afastadas pela simples manifestação de vontade dos contratantes. Há regras imperativas também em outros ramos jurídicos, como o Direito Penal, Tributário e Administrativo, mas o que marca a peculiaridade desse princípio no Direito do Trabalho é o fato de regular uma relação jurídica privada, estabelecida entre sujeitos de direito dotados de plena capacidade para os atos da vida civil.

O quarto princípio é, sem dúvida, um dos mais importantes dentro do núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho e fundamental para o escopo da presente pesquisa. Trata-se do princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas. Pode-se dizer que este concretiza, no âmbito da relação de emprego, a natureza impositiva da maioria das normas trabalhistas, em perfeita sintonia com o já mencionado princípio da imperatividade das normas trabalhistas.

Parte da doutrina o denomina princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, mas, à luz da diferença entre renúncia e transação, o termo indisponibilidade é mais correto. Isto porque a indisponibilidade vai além da renúncia, abrangendo também a figura da transação. Renúncia é um ato unilateral da parte, através do qual ela se desfaz de um direito de que é titular, sem correspondente concessão pela parte beneficiada. A transação, ao contrário, é um ato bilateral pelo qual se acertam direitos e obrigações entre as partes acordantes, mediante concessões recíprocas, envolvendo questões fáticas ou jurídicas duvidosas. (DELGADO, 2001, p. 49) No sistema jurídico laboral, tanto a renúncia quanto a transação que importem objetivamente prejuízo ao trabalhador são consideradas inválidas. Isto significa dizer que é vedado ao trabalhador, quer por ato individual (renúncia), quer por ato bilateral (transação), dispor de seus direitos laborais sem a equivalente compensação, sendo nulo o ato dirigido a esse despojamento.

O princípio da indisponibilidade encontra-se presente em diversos preceitos da legislação trabalhista, como nos artigos 9º, 444 e 468, da Consolidação das Leis do Trabalho, verbis:

Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

Parágrafo único - Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.

A indisponibilidade inerente aos direitos trabalhistas não tem, contudo, o mesmo grau de rigidez e extensão. Ela atua de forma diferenciada, gerando direitos absolutamente indisponíveis e relativamente indisponíveis. Maurício Godinho explica que será absoluta a indisponibilidade "quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público, por traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela sociedade político em um dado momento histórico". (DELGADO, 2001, p. 50) Cita como exemplos o direito à assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social e ao salário mínimo, assim como a incidência das normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador.

Já a indisponibilidade relativa se revela quando "a vantagem jurídica enfocada traduzir interesse individual ou bilateral simples, que não caracterize um padrão civilizatório geral mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico" (DELGADO, 2001, p. 50). Ilustra essa modalidade por meio do tipo de salário pago ao empregado ao longo da relação de emprego (salário fixo versus salário variável), sendo lícita a alteração por não produzir prejuízo efetivo ao trabalhador, consoante enuncia o artigo 468, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Cumpre destacar que a noção de indisponibilidade absoluta e relativa é imprescindível para compreensão da validade e extensão das alterações produzidas pelas regras autônomas coletivas no interior das regras heterônomas estatais trabalhistas. Nos dizeres de Maurício Godinho:

Esse último critério indica que a noção de indisponibilidade absoluta atinge, no contexto das relações bilaterais empregatícias (Direito Individual, pois), parcelas que poderiam, no contexto do Direito Coletivo do Trabalho, ser objeto de transação coletiva e, portanto, de modificação real. Noutras palavras: a área de indisponibilidade absoluta no Direito Individual é, desse modo, mais ampla do que a área de indisponibilidade absoluta própria ao Direito Coletivo. (DELGADO, 2001, p. 50)

O quinto princípio integrante do núcleo basilar é o da condição mais benéfica. Importa, fundamentalmente, na "garantia de preservação, ao longo do contrato, da cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador, que se reveste do caráter de direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal)". (DELGADO, 2001, p. 50) Determina, ainda, a prevalência, no caso de conflito, do dispositivo contratual mais favorável ao empregado.

Pode-se dizer que o princípio da condição mais benéfica é uma forma de manifestação do sexto princípio do núcleo basilar, o da inalterabilidade contratual lesiva. Este tem sua origem no princípio geral do Direito Civil da inalterabilidade dos contratos (pacta sunt servanda) (os pactos devem ser cumpridos), mas adquiriu contornos específicos no âmbito do Direito do Trabalho. Isto porque o sistema laboral não impede, ao contrário, incentiva mudanças no contrato que sejam favoráveis ao empregado, a fim de concretizar seu caráter teleológico de melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica. Já em relação a alterações desfavoráveis do trabalhador, a idéia de inalterabilidade é extremamente rigorosa, admitindo apenas mudanças de menor importância que não chegam a afetar de forma efetiva as cláusulas pactuadas. Trata-se das situações inerentes ao chamado jus variandi ordinário empresarial, expressamente previstas na legislação, como a figura da reversão (parágrafo único do artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho).

O sétimo princípio do Direito Individual é da intangibilidade salarial. Fundamenta-se pela compreensão de que o trabalho é importante meio de realização e afirmação do ser humano, sendo o salário a contrapartida econômica dessa afirmação e realização. Dessa forma, informa este princípio que "a parcela justrabalhista merece garantias diversificadas da ordem jurídica, de modo a assegurar seu valor, montante e disponibilidade em benefício do empregado". (DELGADO, 2001, p. 58) Destaca-se, nesse sentido, a natureza alimentar do salário laboral, de forma a realizar o princípio constitucional maior da dignidade humana.

O oitavo princípio contido no núcleo basilar é o da primazia da realidade sobre a forma. Enuncia que o "no Direito do Trabalho se deve pesquisar, preferentemente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade eventualmente manifestada pelas partes na respectiva relação jurídica". (DELGADO, 2001, p. 60) O cotidiano da prestação dos serviços, ou melhor, a prática habitual, na qualidade de uso, altera o contrato pactuado, prevalecendo sobre o instrumento inscrito. Revela-se importantíssimo para a configuração da relação de emprego não formalizada, a partir da constatação da presença dos elementos fático-jurídicos exigidos pela legislação trabalhistas (trabalho por pessoa física, com pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e sob subordinação).

O nono e último princípio caracterizador do núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho (ou do Direito do Trabalho) é o princípio da continuidade na relação de emprego. Segundo esse princípio, a permanência do vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e dinâmica empresariais, constitui-se elemento essencial para a satisfação do objetivo teleológico do Direito do Trabalho. Com efeito, o princípio estimula a maior duração possível do contrato individual de trabalho, estabelecendo ônus e presunções que protegem a relação de emprego do rompimento arbitrário ou sem justa causa. Institutos como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e o Aviso Prévio devem ser compreendidos em sintonia com o princípio da continuidade da relação de emprego. Sua principal manifestação, entretanto, é a regra geral que estabelece a duração indeterminada do contrato trabalhista, restringindo os contratos a termo às hipóteses legais.

Passamos agora a analisar os princípios do Direito Coletivo do Trabalho, abordando os dois grupos de princípios que guardam pertinência com o objeto do presente trabalho, quais sejam: a) os princípios que tratam das relações entre os seres coletivos obreiros e empresariais, no contexto da negociação coletiva; b) os princípios que tratam das relações e efeitos perante o universo e comunidade jurídicos das normas produzidas pelos contratantes coletivos.

O primeiro princípio a merecer atenção é o da interveniência sindical na normatização coletiva. Consiste na obrigatoriedade de intervenção do ser coletivo institucionalizado obreiro, o sindicato, no processo de negociação coletiva. Busca assegurar a existência de efetiva equivalência entre os sujeitos coletivos representativos, impedindo a negociação informal e direta entre o empregador e seus subordinados. Dessa forma, os poderes da autonomia privada coletiva passam necessariamente pelas entidades sindicais dos trabalhadores, responsáveis pela defesa dos interesses da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas, nos termos do artigo 8º, inciso II, da Constituição Federal.

O segundo princípio é o da equivalência dos contratantes coletivos, fundado no reconhecimento de uma situação social e jurídica semelhante a ambas as partes. Essa equivalência decorre, primeiramente, da natureza dos sujeitos envolvidos. O sujeito empregador age naturalmente como um ser coletivo, na medida em que se caracteriza por ser um agente socioeconômico e político cujas ações têm a natural aptidão de produzir impacto na comunidade. Isto porque "é um agregador e direcionador dos instrumentos de produção, distribuição, consumo e de serviços, sendo, por isso mesmo, tendencialmente uma organização" (DELGADO, 2001, p. 92) e potencialmente uma coalização. Assim, o empregador independe de estar agrupado em alguma associação sindical para agir como um ser coletivo, nada obstante ser livre para fazê-lo. Já o empregado, ao contrário, é um ser individual, pessoa física, incapaz de isoladamente produzir ações de impacto comunitário, razão pela qual necessita de um Direito Individual do Trabalho largamente protetivo, destinado a reequilibrar juridicamente a disparidade real da relação de emprego. Entretanto, a partir do momento em que o ser individual se agrupa racionalmente em uma organização institucionalizada capaz de produzir atos de repercussão social, constituindo um ser coletivo, altera-se o enfoque fundamental da disparidade entre os contratantes laborais, sendo o sindicato obreiro a expressão máxima desse fenômeno. Concretiza-se, assim, no aspecto da natureza dos seres coletivos, a equivalência que intitula o princípio em apreço.

Há, ainda, um segundo fundamento para a equivalência dos contratantes coletivos. Trata-se da circunstância de ambos contarem com instrumentos eficazes de atuação e pressão no processo de negociação, como as garantias de emprego, prerrogativas de atuação sindical, possibilidade de mobilização e pressão sobre a sociedade civil e Estado, greve, entre outros. Vislumbra-se, portanto, face à redução da disparidade no plano juscoletivo entre trabalhadores e empregadores, a possibilidade de o Direito Coletivo do Trabalho conferir tratamento mais equilibrado às partes, restando teoricamente sem sentido a observância rigorosa do princípio da proteção, característico do Direito Individual do Trabalho.

O terceiro princípio é o da lealdade e transparência na negociação coletiva. Trata-se de premissa importante para o desenvolvimento eficaz e democrático do processo de negociação entre os seres coletivos. Informa que a lealdade e a lisura devem pautar o comportamento das partes negociantes, inibindo atitudes que se revelem contrárias ao espírito pacificador do Direito Coletivo. Maurício Godinho cita como exemplo de conduta desleal a do sindicato que inicia greve em período de vigência de diploma coletivo negociado, já que existe no ordenamento jurídico a correspondente ação judicial de cumprimento. (DELGADO, 2001, p. 106) Em relação à transparência, o princípio exige responsabilidade social dos contratantes, uma vez que a negociação coletiva envolve importantes comunidades humanas. Não vale, nesse sentido, a privacidade típica de negócios entre particulares, sendo um imperativo o acesso às informações para a construção da norma coletiva.

Outro princípio do Direito Coletivo de grande relevância é o da criatividade jurídica da negociação coletiva. Informa que "os processos negociais coletivos e seus instrumentos (contrato coletivo, acordo coletivo e convenção coletiva do trabalho) têm real poder de criar norma jurídica (com qualidades, prerrogativas e efeitos próprios a estas), em harmonia com a normatividade heterônoma estatal". (DELGADO, 2001, p. 107) Trata-se da própria razão de existência do Direito Coletivo do Trabalho, representando a tendência desejável de descentralização política e de avanço da autogestão social pelas comunidades diretamente envolvidas. O espírito corporativista, marcante na evolução histórica do Direito do Trabalho no Brasil, como já demonstrado, inibiu sobremaneira o desenvolvimento do Direito Coletivo e conseqüente autonormatização dos atores sociais. A Carta Constitucional de 1988 representou um avanço importantíssimo para a ruptura desse modelo, mas ainda falta, de uma maneira geral, cultura democrática e participativa para a consolidação desse processo de mudança.

O último princípio do Direito Coletivo a merecer atenção é o da adequação setorial negociada. Trata dos critérios de harmonização entre as normas originárias da negociação coletiva e as normas provenientes da legislação heterônoma estatal, fixando as possibilidades e limites jurídicos daquela. Maurício Godinho, pioneiro na abordagem deste princípio, faz importantes considerações sobre sua influência direta no Direito Individual do Trabalho, a saber:

Pelo princípio da adequação setorial negociada as normas autônomas juscoletivas construídas para incidirem sobre certa comunidade econômico-profissional podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados. São dois esses critérios autorizativos: a)quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta). (DELGADO, 2001, p. 109)

No primeiro caso, não há afronta ao princípio da indisponibilidade de direitos inerente ao Direito Individual do Trabalho, uma vez que as normas autônomas importam a adoção de um patamar de direitos superior aos garantidos pela legislação. No segundo caso, por outro lado, são atingidas parcelas afetadas pela indisponibilidade relativa dos direitos, decorrente tanto da natureza do direito envolvido quanto da existência de permissivo jurídico heterônomo. Exemplo dessa última hipótese é o dispositivo constitucional do artigo 7º, inciso VI, relativo ao salário, bem como os dos incisos XIII e XIV, relativos à jornada de trabalho.

Cumpre frisar, entretanto, que a flexibilização autorizada pela Constituição deve sempre consistir em uma transação que importe contraprestação equivalente aos trabalhadores. Já em relação aos direitos de natureza indisponível absoluta, não existe a possibilidade de transação, nem mesmo pela via da negociação sindical coletiva. Maurício Godinho entende que tais direitos indisponíveis absolutos são aqueles entendidos como representativos do patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido, sob pena de afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana. Esse patamar civilizatório consiste, essencialmente, em três grupos convergentes de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral, as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro, as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, entre outros). (DELGADO, 2001, p. 111)

Concluímos, nesse momento, a exposição dos princípios do Direito Individual e do Direito Coletivo do Trabalho que guardam pertinência com o objeto da presente Monografia. Entendemos que o estudo da arbitragem no Direito do Trabalho deve passar, necessariamente, pela análise dessas premissas estruturais que fundamentam o ramo jurídico laboral. Do contrário, correríamos o risco de analisar tão-somente o instituto da arbitragem, sem a necessária correlação com o Direito do Trabalho.

Cumpre ressaltar, nesse aspecto, que os princípios estabelecem parâmetros de recepção e adequação de institutos novos e externos ao ramo jurídico laboral. Isto porque expressam as características e os moldes que tais institutos devem ganhar quando adentram no Direito do Trabalho.

Por outro lado, a análise da inserção da solução arbitral nos conflitos trabalhistas deve levar em consideração a divisão sistêmica existente entre o Direito Individual e o Direito Coletivo, uma vez que seus princípios não se confundem. Percebe-se, com efeito, a partir da análise comparativa dos respectivos princípios, que todo o Direito Individual do Trabalho é estruturado a partir da constatação fática da diferenciação social, econômica e política entre os dois sujeitos da relação de emprego. Já no Direito Coletivo, ao contrário, há uma relação entre seres teoricamente equânimes, razão pela qual o sistema é construído com uma maior liberdade de negociação e flexibilização de regras imperativas, contribuindo, inclusive, para o amadurecimento democrático dos atores sociais. Nesse sentido, o estudo da utilização do instituto arbitral deve respeitar tal divisão, contemplando cada segmento jurídico individualmente, em harmonia com o pensamento de Maurício Godinho Delgado.

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Sobre o autor
Flávio Luiz Wenceslau Biriba dos Santos

Advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília - UnB, Procurador da Fazenda Nacional, Especialista pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do DF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Flávio Luiz Wenceslau Biriba. Arbitragem no Direito do Trabalho: limites e perspectivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2760, 21 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18313. Acesso em: 5 nov. 2024.

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