6. A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS INDIVIDUAIS DE TRABALHO
Não existe permissivo constitucional que faculte às partes elegerem árbitros para a solução de conflitos individuais de trabalho. Desta feita, prevalece, em princípio, na análise da aplicabilidade, a regra contida no artigo 1º da Lei de Arbitragem, que estabelece como critério distintivo a natureza jurídica do direito em apreço, ou seja, deve ser patrimonial e disponível. Carlos Alberto Carmona apresenta a seguinte definição de direito disponível:
[...] quando ele pode ser ou não exercido livremente pelo seu titular, sem que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com sua infringência. Assim, são disponíveis (do latim disponere, dispor, pôr em vários lugares, regular) aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante plena capacidade jurídica para tanto. (CARMONA, 1998, p. 48)
Sérgio Pinto Martins, em sua obra "Direito Processual do Trabalho", afirma que "seria necessária lei determinando a possibilidade da utilização da arbitragem para solucionar conflitos individuais do trabalho, de maneira que não se aplicasse o art. 1º da Lei n. 9.307". (MARTINS, 2002, p. 88)
A questão, entretanto, não é tão simples quanto parece. As posições que defendem a inaplicabilidade da arbitragem nos conflitos individuais de trabalho com amparo tão-somente no artigo 1º da Lei n. 9.307/96 não resistem a uma discussão aprofundada sobre a natureza jurídica dos direitos trabalhistas. A Juíza aposentada Iara Alves Cordeiro Pacheco, em obra publicada recentemente, intitulada "Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem", faz uma análise pormenorizada do que se pode entender por direito patrimonial disponível. Esclarece que não há na legislação brasileira dispositivo que especifique expressamente quais sejam tais direitos, apesar de a própria legislação apontar os caminhos para identificá-los, mediante regras esparsas. (PACHECO, 2003, p. 41) Nesse sentido, enuncia o entendimento adotado por Hélio Armond Werneck Cortes, levado a efeito a partir da análise estritamente legal da disponibilidade, para quem "em se litigando sobre direitos indisponíveis, a revelia não se induz, a confissão não produz efeito, a transação não se admite, a renúncia é irrelevante". (CORTES apud PACHECO, 2003, p. 43)
Entretanto, defende a ilustre Juíza que tais regras não tem aplicação no processo trabalhista, onde o instituto da conciliação goza de amplo estímulo e é obrigatório tanto na abertura da audiência quanto após o encerramento da fase de instrução. A transação, por sua vez, é quase sempre o caminho escolhido para se obter a conciliação no processo trabalhista. Analisa, ainda, as figuras da revelia, prescrição e confissão no processo do trabalho, concluindo que "se levadas em consideração as regras caracterizadoras dos direitos indisponíveis extraídas do Código de Processo Civil, a constatação é de que os direitos trabalhistas não são indisponíveis." (PACHECO, 2003, p. 77) Acrescenta, também, que em relação aos direitos de personalidade, de indiscutível indisponibilidade, são transacionáveis e prescritíveis os reflexos patrimoniais decorrentes da sua violação.
Detendo-se somente na análise do direito laboral, a autora faz diversas considerações sobre os variados tipos de direitos trabalhistas, além de destacar a relevância do momento de disposição ao longo do contrato de emprego, adotando o seguinte raciocínio:
Efetivamente, a irrenunciabilidade não é absoluta no direito do trabalho: a) a uma, porque nem todos os direitos trabalhistas têm origem em normas de ordem pública; b) a duas, porque existe na doutrina e na jurisprudência um tratamento diferenciado da irrenunciabilidade quanto ao momento do fato, se antes do contrato, durante este e no momento da rescisão ou após esta; c) a três, porque existem outros institutos acolhidos pelo direito do trabalho, como a conciliação (e conseqüente transação), que pode levar à renúncia parcial, bem como a prescrição e decadência, que podem acarretar a perda do direito ou a perda do direito de ação pela inércia do titular. (PACHECO, 2003, p. 98)
Evidenciando a complexidade do problema, Iara Alves Cordeiro Pacheco acaba adotando uma classificação própria, segundo a qual o empregado é detentor de direitos de quatro espécies: "direitos da personalidade; direitos decorrentes de normas de ordem pública absoluta; direitos derivados de normas de ordem pública relativa; e direitos decorrentes de normas dispositivas". (PACHECO, 2003, p. 123) Nesse sentido, defende que o artigo 1º da Lei n. 9.307/96 não impediria a utilização da arbitragem com relação aos direitos decorrentes de normas dispositivas, bem como dos direitos derivados de normas de ordem pública relativa. Conclui, ainda, em relação aos direitos de personalidade, que "caso se trate de lesão já concretizada e o ofensor reconheça a caracterização do ilícito, havendo discordância tão-somente no que tange ao quantum, ou seja, a repercussão patrimonial do direito, será possível firmar o compromisso para o arbitramento da justa indenização". (PACHECO, 2003, p. 123) Já em relação aos direitos de ordem pública absoluta, afirma que nesse caso "os dissídios individuais são passíveis de solução mediante arbitragem, desde que referentes a reflexos patrimoniais, sobre os quais incida dubiedade, e não cabendo às partes optar pela aplicabilidade da eqüidade, devendo ser observadas pelo árbitro as regras inderrogáveis". (PACHECO, 2003, p. 126)
Em que pese a rigorosidade científica adotada pela autora, ao estabelecer uma classificação própria para aferir a arbitrabilidade dos direitos trabalhistas, entendemos que a análise da aplicabilidade da arbitragem no Direito Individual do Trabalho deve passar também pelo estudo dos princípios norteadores desse segmento laboral. E assim deve ser não somente pelo critério de subsidiariedade firmado pela Consolidação das Leis do Trabalho, quando estabelece que o direito comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste, mas também pelo fato de estarmos discutindo a adequação da arbitragem em um sistema jurídico extremamente complexo e dotado de regras muito específicas.
Nesse sentido, acreditamos ser fundamental questionar se a arbitragem afronta o núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho, integrado, como já referido, não somente pelo princípio da indisponibilidade dos direitos, esmiuçado pela referida autora, mas também por diversos outros, a saber: princípio da proteção, da imperatividade das normas trabalhistas, da norma mais favorável, da condição ou cláusula mais benéfica, da inalterabilidade contratual lesiva, da intangibilidade salarial, da primazia da realidade sobre a forma e da continuidade da relação de emprego. Será que o instituto arbitral está apto a fazer valer todos os princípios que fundamentam e justificam a existência do Direito Individual do Trabalho?
Por outro lado, o artigo 9º, da Consolidação das Leis do Trabalho, é bem claro quando estabelece que são nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na legislação trabalhista. Revela-se, nesse sentido, um ponto de consenso na doutrina em relação à arbitragem nos conflitos individuais, consistente na impossibilidade de inserção da cláusula compromissória nos contratos individuais. Nesse sentido as posições, respectivamente, de Jorge Luiz Souto Maior, Isabele Jacob Morgado e Iara Alves Cordeiro Pacheco:
A arbitragem deve ter uma avaliação bastante restritiva também porque ela representa, em sentido contrário, a renúncia do direito constitucional de ação, que é uma das garantais fundamentais do cidadão. Não se pode, por tudo isso, ter a menor dúvida de que as cláusulas compromissórias, constantes de contratos de trabalho, que já no momento da formação do vínculo de emprego, instituírem a arbitragem como o modo preferencial para a solução dos futuros conflitos oriundos da relação de emprego, são nulas de pleno direito. Essa avaliação, aliás, não se altera quando a cláusula é instituída durante a vigência do contrato de trabalho ou mesmo logo após a sua cessação e antes do efetivo pagamento das verbas rescisórias.(MAIOR, 2002, p. 185)
Ocorre que, considerando a posição desvantajosa da grande maioria dos trabalhadores em relação aos empregadores, a arbitragem, nos dissídios individuais, deverá se revestir de algumas cautelas, para que não se transforme num meio de burlar as normas trabalhistas de proteção ao empregado, ou mesmo de imposição a este do meio alternativo de solução. Assim, não deve ser permitida a inserção de cláusulas compromissórias em contratos individuais, salvo naqueles casos raríssimos em que o empregado se encontra em posição de igualdade com o empregador, tendo força de negociar diretamente com este, sem que ponha em risco seus direitos. (MORGADO, 1998, p. 46)
Tendo em vista a desigualdade entre empregado e empregador, impossível a inclusão de tal cláusula nos contratos individuais de trabalho, somente podendo ser admitida nos acordos ou convenções coletivas, sob o crivo da entidade sindical, que deve afastar a aplicação da eqüidade. (PACHECO, 2003, p. 127)
Entendemos que é preciso ter muito cuidado quando se defende a arbitrabilidade dos direitos trabalhistas com amparo na regra contida no artigo 1º da Lei de Arbitragem. A espinha dorsal do Direito Individual do Trabalho, como se sabe, é a desigualdade real das partes contratantes, sendo o princípio da proteção a manifestação mais evidente e expressiva desse pressuposto. Não há como se fixar parâmetros de arbitrabilidade idênticos para o Direito Comum e o Direito Individual do Trabalho. Como se sabe, este é um universo jurídico próprio, com princípios próprios, de maneira que a análise levada a efeito tão-somente pela regra estabelecida no artigo 1º da Lei de Arbitragem fica extremamente prejudicada. Acreditamos que a discussão deve se originar a partir do Direito do Trabalho, com respeitos aos princípios que norteiam sua existência científica e histórica. Nada obstante estarmos vivendo uma fase de agressivo questionamento da legislação trabalhista, sob o argumento de que ela entrava a gestão empresarial, gerando desemprego e indo contra a inevitável globalização da economia, entendemos que devem prevalecer as sábias palavras de Arnaldo Süssekind:
[...] o Direito do Trabalho nasceu, é e será intervencionista, visando a limitar, com normas imperativas, a autonomia da vontade numa relação jurídica entre partes desiguais. Esse intervencionismo se reduz na razão inversa do fortalecimento das associações sindicais, em termo nacionais; mas impõe, pelo menos, um nível mínimo de proteção ao trabalhador, abaixo do qual não se concebe a dignidade humana. (SÜSSEKIND apud PACHECO, 2003, p. 75)
Em se considerando que o trabalhador, pessoa física, não consegue produzir atos de repercussão social, entendemos por bem nos posicionar no sentido da inaplicabilidade da arbitragem no Direito Individual do Trabalho, qualquer que seja a natureza jurídica do direito envolvido. Isto porque a arbitragem afronta o que Maurício Godinho chama de núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho, desvirtuando todo um sistema jurídico que representa a garantia histórica de milhões de trabalhadores.
Acreditamos que as fórmulas alternativas de solução de conflitos são extremamente importantes enquanto instrumentos de pacificação social. Entretanto, a desejável celeridade do processo trabalhista não pode ser atingida a qualquer preço. Tais métodos extrajudiciais devem se submeter aos princípios nucleares do Direito Individual do Trabalho, sob pena de, na feliz expressão de Maurício Godinho Delgado, "a mesma ordem jurídica ter criado mecanismos de invalidação de todo um estuário jurídico-cultural tido como fundamental por ela mesma". (RENAULT; VIANA, 2003, p. 31) Nesse sentido também os dizeres de Jorge Luiz Souto Maior:
Assim, não parece racional que uma lei, a de arbitragem, faça, sozinha, a inversão de todo o sistema jurídico trabalhista, em outras palavras, crie um novo sistema, que se baseia na liberdade do direito de renunciar, determinando que o juiz do trabalho, diante de uma cláusula compromissória – como está disposto na mencionada lei –, sem qualquer discussão, extinga o processo sem julgamento do mérito. (MAIOR, 1997, p. 155)
Cumpre registrar, nessa linha, que, na época da tramitação no Congresso Nacional do projeto da atual lei de arbitragem, houve tentativas no sentido de inserir em seu bojo a possibilidade de a arbitragem ser utilizada nos conflitos individuais de trabalho. Contudo, segundo o que os meios de comunicação comentaram nesse período, não se incluiu deliberadamente tal proposta com o intuito de facilitar a aprovação do projeto de lei. Seria ilegítimo, portanto, depois de aprovado o projeto, querer aplicar a lei 9.317/96 nos conflitos individuais de trabalho. Observe-se que a motivação de se editar a lei de arbitragem em nada se confundiu com a motivação da inserção da arbitragem no texto constitucional de 1988. Enquanto a primeira foi desencadeada fundamentalmente por setores financeiros e empresariais, interessados em uma maior celeridade na solução de seus litígios, a segunda foi um pleito dos sindicatos dos trabalhadores, objetivando maior liberdade na solução dos conflitos coletivos. Nesse sentido, o disposto no artigo 114, § 1º, da Constituição Federal, destinou-se inegavelmente aos conflitos coletivos, e não aos individuais.
Por ademais, Maurício Godinho Delgado assevera que os princípios têm qualidades muitos marcantes, dentre elas seu "potencial normativo, que não se resume apenas à função supletória das fontes normativas formais existentes, mas também à função retificadora de certo comando legal que se choque com o conjunto sistêmico do direito e seus princípios cardeais". (DELGADO, 2001, p. 82) (grifos nossos) Essa característica, como já dito, decorre de sua natureza fundamentadora de toda a ordem jurídica. Américo Plá Rodriguez também assevera que os princípios podem servir para "embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos". (PLÁ RODRIGUEZ, 1993, p. 16) (grifos nossos) Até porque "cada princípio constitui uma maneira de harmonizar as normas, servindo para relacioná-las entre si e evitando que o sistema se transforme em uma série de fragmentos desconexos". (PLÁ RODRIGUEZ, 1993, p. 17) (grifos nossos)
A questão muda de figura, entretanto, quando se examina a possibilidade de os acordos e as convenções coletivas de trabalho estabelecerem permissivo que faculte aos trabalhadores e empregadores das respectivas categorias optarem pela solução arbitral de seus conflitos individuais. Seria legítimo, nessa hipótese, admitir a aplicação da arbitragem no direito individual do trabalho? Ou mais, poderiam os entes sindicais, na qualidade de representantes das categorias, instituírem uma cláusula compromissória destinada a fazer com que todos os conflitos individuais que venham a surgir sejam submetidos à solução arbitral?
Faz-se mister salientar, nesse sentido, que o artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, reconhece como direito social dos trabalhadores o amplo reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho. Representa este dispositivo, sem dúvida, a tendência desejável de as relações de trabalho caminharem cada vez mais para a negociação coletiva. O fomento ao Direito Coletivo do Trabalho tem sido, inclusive, a tônica da discussão atualmente travada no Congresso Nacional em torno das reformas sindical e trabalhista. Todavia, há limites claros e objetivos para as normas estabelecidas nos instrumentos coletivos, onde certamente merece guarida o princípio da adequação setorial negociada. Isto porque ele fixa os critérios de harmonização entre as normas originárias da negociação coletiva e as normas provenientes da legislação heterônoma estatal.
Como já explicitado, este princípio autoriza que a norma coletiva intervenha na esfera de disponibilidade relativa dos trabalhadores sob dois focos: a natureza do direito envolvido ou a existência de permissivo jurídico heterônomo. Sabemos que nessa última hipótese a legislação é taxativa, como ocorre com as modalidades de flexibilização autorizadas pela Constituição Federal. Vejamos, então, se a resposta se encontra na segunda hipótese, relativa à natureza jurídica do direito envolvido.
Trata-se do direito constitucional de ação, uma das garantias fundamentais do cidadão em um Estado Democrático de Direito. Seria tal direito de natureza disponível? O Supremo Tribunal Federal, detentor da última palavra em matéria constitucional no Brasil, analisando pedido de homologação de sentença estrangeira do Reino da Espanha [06], onde se discutia incidentalmente a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, declarou, por maioria, constitucional a Lei 9.307/96, por considerar que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória no momento da celebração do contrato e a permissão dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar compromisso não ofendem o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, segundo o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
Caso se entenda que a decisão do Supremo Tribunal Federal importa considerar disponível o direito constitucional de ação, o que parece ser a melhor interpretação, deve-se perquirir, ainda, se tal ato de disposição por ser feito diretamente pelos sindicatos. Isto porque não estamos diante de um simples direito trabalhista de natureza disponível, mas sim discutindo a disponibilidade indireta do direito de ação, um dos mais elementares do Estado Democrático de Direito. Autorizando a disponibilidade indireta do direito de ação, com amparo no princípio da adequação setorial negociada, estaria a cláusula compromissória, enquanto produto da autonomia da vontade coletiva, em perfeita harmonia com as normas heterônomas estatais? Segundo Cristiana Mello, em estudo específico a respeito deste ponto crucial, apesar de o direito de ação ser disponível e, em princípio, submetido ao princípio da adequação setorial negociada, a disposição do direito de ação, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, deve ser direta e pessoal. Não seria possível, assim, o sindicato negociar o direito de ação de seus filiados, incluído-o como objeto de acordo ou convenção coletiva. (MELLO, 2004, p. 6)
Por outro lado, não há dispositivo legal ou constitucional que autorize a instituição da arbitragem nos conflitos individuais por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho, como exige o princípio da adequação setorial negociada. Por esse motivo, entendemos ser impossível, nos termos do referido princípio e da legislação atualmente em vigor, que um acordo ou convenção coletiva de trabalho institua a cláusula compromissória para toda a categoria, obrigando os trabalhadores e empregadores a submeterem seus conflitos individuais à solução arbitral. Isso não seria possível mesmo que a opção pela cláusula compromissória ou compromisso arbitral fosse voluntária na esfera individual, amparada por permissivo constante de convenção ou acordo coletivo, uma vez que não há lei ou dispositivo constitucional que autorize tal prática.
Se houvesse uma regulamentação específica para o instituto da arbitragem no Direito Coletivo do Trabalho, acreditamos que seria juridicamente válida a instituição da cláusula compromissória nos contratos individuais. Isto porque o diploma legal poderia, sem afronta ao núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho, facultar aos trabalhadores e empregadores da categoria, nos contratos individuais, a opção voluntária pela solução arbitral, desde que essa possibilidade estivesse contida no competente instrumento coletivo da categoria. Entendemos que, nessa hipótese, a autonomia privada coletiva atua dentro dos limites autorizados pela legislação heterônoma, presumindo-se que os entes coletivos entenderam por bem franquear aos trabalhadores e empregadores individualmente considerados a possibilidade de optarem pela via arbitral. Prevaleceriam, nesse aspecto, os princípios da equivalência dos contratantes coletivos, da criatividade jurídica da negociação coletiva e da adequação setorial negociada, que permitem uma maior liberdade de negociação e flexibilização de regras imperativas, contribuindo, inclusive, para o amadurecimento democrático dos atores sociais.
Atente-se para o fato de que, nessa hipótese, o ato de disposição do direito de ação é direto e pessoal, realizado por cada trabalhador individualmente. O instrumento coletivo tem o condão, nesse específico caso, de patentear a existência de igualdade teórica entre os trabalhadores e empregadores na opção pela solução arbitral, sem autorizar, contudo, a disponibilidade direta do direito de ação pelo sindicato. Os trabalhadores podem ou não fazer uso dessa faculdade, em busca da celeridade na resolução do conflito. A regulamentação em apreço permitiria que o instrumento coletivo criasse uma faculdade aos representados, nunca uma obrigatoriedade. Seria flagrante a inconstitucionalidade de lei ou mesmo emenda constitucional que previsse a possibilidade de a convenção ou acordo coletivo substituir a vontade de seus filiados no tocante ao direito de ação. Restaria violado um direito fundamental do indivíduo, ou seja, o direito de ação, protegido como cláusula pétrea, segundo o que dispõe o artigo 60, § 4º, IV, da Constituição Federal. A perspectiva de viabilidade jurídica para a arbitragem nos conflitos individuais aqui defendida conciliaria as dimensões constitucionais do direito de ação e dos instrumentos coletivos.