7. LIMITES E PERSPECTIVAS DA ARBITRAGEM NO DIREITO DO TRABALHO
Júlio Martinez Vivot, professor catedrático da Universidade de Buenos Aires, faz as seguintes observações sobre a estrutura que devem assumir os sistemas nacionais de solução de conflitos, segundo a orientação da Organização Internacional do Trabalho:
a) que o procedimento de solução seja de baixo custo, de modo que não origine grandes gastos para as partes conflitantes; b) que seja rápido, possibilitando que o conflito termine o mais breve possível; c) que exista o convencimento, tanto nos empregadores como nos trabalhadores, de que a solução é administrada com eqüidade e justiça; e d) quando o sistema é de heterocomposição, a convicção de que o terceiro ou terceiros intervenientes são realmente independentes e imparciais, possuindo as qualificações necessárias para poder cumprir a função encomendada. (TEIXEIRA FILHO, 1989, p. 539)
Passemos, então, a analisar se a arbitragem possui as qualidades de um bom sistema jurídico de solução de conflitos trabalhistas, abordando cada um dos aspectos citados pelo ilustre professor argentino.
Em relação aos custos, a arbitragem é, em geral, um procedimento que demanda razoável capacidade financeira das partes contratantes. Os árbitros são, na maior parte das vezes, pessoas extremamente qualificadas, razão pela qual seus honorários costumam ser altos. No âmbito da Justiça do Trabalho, o empregado é praticamente isento de despesas e custos, além de poder contar com a prestação jurisdicional de um Juiz do Trabalho, pessoa de inegável capacidade técnica para resolver o conflito. Desta feita, no aspecto financeiro, em princípio, a arbitragem não se mostra um caminho interessante para solução de conflitos trabalhistas. Uma saída para esse problema pode ser o financiamento do procedimento arbitral pelos sindicatos, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos. O Ministério Público do Trabalho também pode perfeitamente exercer a função de árbitro, até porque há previsão expressa na Lei Complementar Federal N. 75/93. Sérgio Pinto Martins, a esse respeito, assevera:
O Ministério Público do Trabalho poderia muito bem cumprir a função de árbitro, sem que as partes tivessem de pagar custas, pois os procuradores do trabalho já são remunerados pelos cofres públicos e têm isenção. O procurador do Ministério Público do Trabalho é uma pessoa especializada em questões trabalhistas. (MARTINS, 2002, p. 90)
No tocante ao tempo de duração do litígio, a arbitragem apresenta sua maior vantagem sobre a solução jurisdicional. Os processos judiciais podem levar de um a dois anos para serem dirimidos na primeira instância, dois anos na segunda e mais dois anos na terceira. É algo absurdo e imoderado diante da natureza alimentar das verbas originárias dos direitos trabalhistas. A longa duração do litígio acaba comprometendo a subsistência do trabalhador, constituindo motivo de profunda insatisfação pessoal com o Poder Judiciário. Pode-se afirmar que compromete até mesmo a razão de existência do Direito Individual do Trabalho, na medida em que a demora na solução da questão acaba forçando o empregado a fazer um acordo prejudicial a seus interesses. O princípio protetivo acaba se tornando secundário diante de um Poder Judiciário que não cumpre suas atribuições jurisdicionais em um tempo razoável. O procedimento arbitral é extremamente célere e objetivo, elidindo a protelação típica do processo judicial.
No aspecto da justiça e eqüidade do instituto, entendemos que, em se considerando sua natureza voluntária e facultativa, as partes somente recorreriam ao árbitro se tivessem convicção de que sua atuação se operaria dentro de parâmetros estabelecidos pela legislação e pela eqüidade. Haveria, ainda, uma preocupação do próprio árbitro com a qualidade de suas decisões, na medida em que sua boa reputação seria fundamental para atrair pessoas interessadas na solução arbitral. Nesse sentido, acreditamos que a atividade profissional do árbitro acabaria se destacando qualitativamente, representando ponto a favor da arbitragem. Guilherme Augusto Caputo Bastos observa, em relação ao aspecto qualitativo:
As partes poderão escolher os árbitros que tenham especialização técnica sobre os litígios que lhes serão solucionados, como por exemplo, a escolha de um especialista em área de segurança e medicina do trabalho para arbitrar um conflito que envolva a apuração de graus de insalubridade ou periculosidade de um determinado estabelecimento. (CAPUTO BASTOS, 1999, p. 1470)
Uma avaliação positiva também pode ser feita sobre a questão da imparcialidade e independência do árbitro. A confiabilidade é o pressuposto maior para um árbitro ter credibilidade e aceitação pelas partes. Nesse sentido, seria de fundamental importância que o Ministério do Trabalho, a exemplo do que fazem diversas associações nos Estados Unidos, divulgasse, a titulo de colaboração, uma lista de pessoas cadastradas como árbitros, havendo critérios objetivos para a inscrição dos interessados. Seria imprescindível, ainda, a existência de um órgão do Ministério do Trabalho encarregado de receber reclamações e representações contra árbitros que pratiquem desvios de conduta em suas atividades.
Acrescentamos, ainda, a flexibilidade, informalidade e discrição do procedimento arbitral. As partes podem escolher livremente os parâmetros de julgamento, dentro dos limites impostos pelas normas imperativas da legislação trabalhista. Permite-se ao árbitro, assim, julgar com mais liberdade e justiça. No aspecto da informalidade e sigilo, há vantagens incontrastáveis decorrentes da possibilidade das partes preservarem sua intimidade e imagem. Evita-se o constrangimento inevitável de expor ao público, por exigência legal, questões que somente interessam aos litigantes. Por outro lado, o ambiente jurídico nunca deixará de ser um pouco opressor ao cidadão comum, na medida em que este vê em sua volta formalismos e autoridades que o intimidam na resolução do conflito.
Depreende-se, assim, que a impopularidade da arbitragem não decorre de suas características intrínsecas. Ao contrário, trata-se de uma forma alternativa de resolução de conflitos extremamente interessante, dotada de vantagens expressivas em relação à solução jurisdicional.
Os motivos para o incipiente desenvolvimento da arbitragem podem ser encontrados, em síntese, na falta de experiência, vivência e aplicação prática do instituto, reflexo do modelo único de solução dos conflitos de trabalho que vigorou no Brasil durante tanto tempo. Como exposto no terceiro capítulo, as raízes históricas da Justiça Trabalhista encontram-se no regime corporativista do início do século passado, fato esse que impediu e dificulta até hoje o pleno desenvolvimento do Direito Coletivo do Trabalho.
Acreditamos que a arbitragem encontra-se umbilicalmente ligada ao Direito Coletivo do Trabalho, consoante a perspectiva de viabilidade jurídica exposta nos capítulos anteriores. Dessa forma, entendemos que somente o desenvolvimento efetivo da autonomia privada coletiva, aliado à devida regulamentação do instituto, farão com que esse importante instrumento de pacificação social tenha plena aceitação nos conflitos de trabalho. Cumpre frisar, nesse sentido, a necessidade preeminente de se alterar a estrutura sindical brasileira. O fortalecimento e a representatividade dos entes coletivos condicionam toda e qualquer reforma consistente que se queira fazer na legislação trabalhista. Isso viabilizaria, dentre outros aspectos, a adoção corajosa de instrumentos alternativos de pacificação social. O fomento ao Direito Coletivo do Trabalho tem sido, inclusive, a tônica da discussão atualmente travada no Congresso Nacional em torno das reformas sindical e trabalhista.
É importante salientar, inclusive, que a necessidade de uma efetiva regulamentação da arbitragem é urgente no Brasil. Isto porque, segundo informações veiculadas em artigo publicado recentemente por Carlos Alberto Carmona, a arbitragem nos conflitos individuais de trabalho começa a ser utilizada em larga escala na cidade de São Paulo.
Os dados recolhidos junto ao CAESP (criado em outubro de 1998) revelam que o órgão (que entrou em operação em janeiro de 1999) lidará neste ano com algo em torno de 800 (oitocentas) causas trabalhistas, versando basicamente os litígios sobre horas extraordinárias, intervalos intra-jornada e seus reflexos. Cerca de 85% (oitenta e cinco por cento) destas causas resultaram em transação, homologada pelos árbitros; 10% (dez por cento) das demandas estão em fase de instrução e 5 % (cinco por cento) foram sentenciados com julgamento de mérito (todas as sentenças forma cumpridas independentemente de execução judicial). Nenhuma sentença deste órgão arbitral foi impugnada em juízo (art. 33 da Lei n. 9.307/96). (PUCCI, 2001, p. 49)
Não se sabe exatamente os termos desses acordos e se eles estão realmente respeitando as garantias dos trabalhadores. Muito provavelmente o que está acontecendo é uma aplicação forçada do instituto, com o conseqüente desvirtuamento da diretriz da reforma trabalhista que se pretende viabilizar no Brasil, onde caberá ao Direito Coletivo a preponderância, ou melhor, o papel de protagonista na solução dos conflitos trabalhistas. O fato é que a realidade social começa a exigir a regulamentação da arbitragem nos conflitos de trabalho. Entendemos que ela deve ser feita de maneira responsável, considerando as peculiaridades das relações laborais, a fim de assegurar a integridade do núcleo basilar do Direito Individual do Trabalho.
Ainda não há no Brasil, como ocorre nos Estados Unidos, o que se pode chamar de cultura arbitral, entendida como a pré-disposição das partes de resolverem democraticamente suas próprias controvérsias. O Brasil viveu muito tempo sob regimes ditatoriais, o que dificulta sobremaneira a consolidação da democracia e do associativismo. A visão paternalista do Estado ainda está arraigada nos trabalhadores brasileiros.
Os rumos que a arbitragem tomará dependem, essencialmente, da política legislativa que norteará o desenvolvimento do Direito Coletivo do Trabalho. Temos uma visão otimista na medida em que a solução arbitral somente ganhou status constitucional com a Carta de 1988, não tendo havido desde então uma reforma trabalhista que adequasse a legislação ao sistema democrático por ela instituído. Nesse sentido, sábias são as palavras do Professor Amauri Mascaro Nascimento, proferidas em conferência destinada ao estudo da previsão constitucional contida no artigo 114, § 1º:
Por isso, o debate em torno do instituto da arbitragem está, ainda, numa fase primária. Para fazê-lo avançar seria necessário um questionamento do atual modelo brasileiro da solução dos conflitos. A partir daí se poderia, então, verificar se a arbitragem se justificaria entre nós. Penso, particularmente, que sim, pois a morosidade da Justiça para solucionar os conflitos trabalhistas poderia ser resolvida pela ampliação desses mecanismos privados como a mediação e a arbitragem. Essa privatização das soluções dos conflitos não excluiria a Justiça do Trabalho, componente inafastável do modelo, mas tenderia a reservá-la para questões mais específicas e complexas que requerem decisões judiciais. (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 1989, p. 68)
Encontra-se atualmente em tramitação no Congresso Nacional projeto de emenda constitucional que trata especificamente da arbitragem nos conflitos individuais de trabalho. Trata-se, na verdade, da proposta de emenda à constituição que introduz modificações na estrutura do Poder Judiciário, comumente conhecida como "reforma do judiciário" (PEC n. 29/2000). O dispositivo relativo à arbitragem não foi objeto da Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, fazendo parte atualmente do texto que retornou à Câmara dos Deputados, em vista de alteração realizada pelo Senado Federal na apreciação do projeto. O referido texto, agora em tramitação na Câmara dos Deputados, prevê o acréscimo na Constituição Federal, entre outros, do artigo 116-A, cuja redação é a seguinte, verbis:
"Art. 116-A A lei criará órgãos de conciliação, mediação e arbitragem, sem caráter jurisdicional e sem ônus para os cofres públicos, com representação de trabalhadores e empregadores, que terão competência para conhecer de conflitos individuais de trabalho e tentar conciliá-los, no prazo legal.
Parágrafo Único. A propositura de dissídio perante os órgãos previstos no caput interromperá a contagem do prazo prescricional do art. 7º, XXIX."
O literalidade do artigo constante do projeto, acima destacado, deixa claro, em primeiro lugar, a necessidade de lei para a criação dos órgãos de conciliação, mediação e arbitragem. Com efeito, somente uma regulamentação adequada poderia conferir efetividade a tais disposições, disciplinando, a exemplo do que foi feito com as Comissões de Conciliação Prévia, o processo, os efeitos dos acordos ou laudos, a quitação, a composição dos órgãos, a obrigatoriedade de as partes se submetem aos órgãos, a estabilidade dos trabalhadores designados para conciliar e julgar, a possibilidade de levar a discussão à Justiça do Trabalho, entre outros tantos pontos indispensáveis à aplicabilidade do dispositivo. Além disso, o artigo exige a representação de empregadores e trabalhadores, adotando a solução propugnada na presente pesquisa de vincular a arbitragem nos conflitos individuais à autonomia privada coletiva.
Ao que parece, o modelo almejado pelos parlamentares é algo muito próximo do que se faz atualmente nas Comissões de Conciliação Prévia. Nessas Comissões, o trabalhador, caso queira recorrer ao Judiciário, é obrigado a, primeiro, submeter-se à conciliação obrigatória. Não é obrigado, contudo, a fazer acordo. Se fizer, há quitação das parcelas; se não fizer, pode recorrer ao Poder Judiciário. Nessa perspectiva, o trabalhador somente ficaria vinculado a uma decisão arbitral se aceitasse se submeter diretamente a ela. Caso não queira, restariam abertas as portas do Judiciário Trabalhista. Essa é a única interpretação possível face ao que dispõe o parágrafo único do dispositivo em comento, a saber: "A propositura de dissídio perante os órgãos previstos no caput interromperá a contagem do prazo prescricional do art. 7º, XXIX". Se a propositura no órgão interrompe o prazo prescricional, ainda existe a possibilidade de recurso ao Poder Judiciário no caso de o trabalhador se negar a participar do processo arbitral. Deve-se destacar, nessa linha, a perfeita adequação ao que foi exposto nesta pesquisa, relativamente à disposição pessoal do direito de ação nos conflitos individuais.
Não é possível afirmar, ainda, se haverá ou não necessidade de acordo ou convenção coletiva para que os trabalhadores e empregadores possam se valer dos órgãos arbitrais. Também não se pode dizer se serão de fato tribunais arbitrais ou apenas órgãos vinculados ao aparato sindical das partes. No caso das Comissões de Conciliação Prévia, a organização pode ou não decorrer de instrumento coletivo, dependendo do caso. Entendemos que, no caso da arbitragem, o instrumento coletivo trará maior segurança jurídica e legitimidade ao processo arbitral, em harmonia com o que afirmamos nas linhas anteriores. Entretanto, deve-se lembrar que o projeto ainda está em tramitação, não havendo absoluta certeza de sua aprovação.