Com frequência são ajuizadas na Justiça do Trabalho reclamações trabalhistas visando, além do pagamento de verbas salariais, em especial o reconhecimento de vínculo empregatício entre as partes para futura averbação do pleiteado tempo de serviço junto ao INSS para fins previdenciários.
Cumpre observar, de início, que a Justiça do Trabalho não é competente para conhecer, julgar e determinar ao INSS a averbação de tempo de serviço reconhecido em Juízo, mas apenas para executar de ofício, "isto é, sem nenhuma provocação, por determinação do próprio magistrado", como esclarece Sérgio Pinto Martins [01], as contribuições sociais previstas no art. 195, I, "a" , e II, da Constituição Federal, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir, conforme previsão do art. 114, VIII, da Lei Maior:
"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
( ... )
VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;"
Com efeito, a decisão da Justiça do Trabalho que reconhece o vínculo laboral do reclamante terá validade na seara previdenciária apenas para fins de início de prova material em justificação administrativa ou judicial, conforme preceituado no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91:
§ 3º . A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Esse entendimento é corroborado pelo próprio art. 11 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, que em seu § 1º. estabelece que "O disposto neste artigo não se aplica às ações que tenham por objeto anotações para fins de prova junto à Previdência Social", demonstrando de forma cristalina que os períodos contratuais reconhecidos pela Justiça Especializada servem apenas para fins probatórios junto ao Órgão Previdenciário, o que, aliás, não poderia ser diferente, não somente pelo fato do INSS, em regra, não figurar como parte na reclamação trabalhista ajuizada pelo trabalhador, vindo a integrá-la apenas na figura de terceiro interessado quando da discussão acerca de eventual contribuição previdenciária devida pelas partes, mas principalmente pela incompetência da Justiça do Trabalho para tanto por tratar-se de matéria previdenciária e não de lide entre o trabalhador e seu contratante.
E embora o inciso IX do artigo 114 da CF admita o processamento e julgamento perante a Justiça do Trabalho de "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, mas apenas na forma da lei", não há como incluir-se nesse dispositivo legal qualquer discussão acerca do reconhecimento do vínculo empregatício sob a pália justificativa de responsabilidade do Órgão Público por possível omissão na fiscalização da qual teria decorrido a relação empregatícia sem o devido registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS.
E realmente essa questão não poderia estar prevista em outra norma por tratar-se de questão previdenciária vinculada ao INSS, autarquia federal, portanto, com previsão constitucional de competência da Justiça Federal (art. 109, I, CF) — ou de competência delegada da Justiça Estadual na hipótese em que a comarca de domicílio do segurado não seja sede de vara do juízo federal (art. 109, § 3º, CF) —, o que vale dizer que a Justiça do Trabalho é incompetente "ratione materiae" para determinar qualquer averbação junto ao INSS de tempo de serviço reconhecido em reclamatória trabalhista.
Com efeito, não há que se falar em conflito entre o inciso IX do artigo 114 e o artigo 109, inciso I, e § 3º, todos da Constituição Federal, que harmonizam-se de acordo com o princípio da unidade da Constituição conforme asseverado por Sérgio Pinto Martins citando J. J. Canotilho, haja vista que "todas as normas contidas numa constituição formal têm igual dignidade (não há normas só formais, nem hierarquia de supra-infra-ordenação dentro da lei constitucional)" [02].
Ressalte-se que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho - TST é uníssona no sentido da incompetência da Justiça Especializada para determinar a averbação de tempo de serviço junto ao INSS para fins previdenciários, conforme inteligência do art. 109, I, e 114, VIII, da CF. Confira-se as seguintes ementas:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO, PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. Agravo de instrumento a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, uma vez que foi demonstrada possível afronta ao artigo 109, I, da Constituição Federal.
RECURSO DE REVISTA. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO, PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. A Justiça do Trabalho não detém competência material, para determinar a averbação de tempo de serviço do empregado, junto ao INSS, para fins previdenciários.
(TST-RR 176140-38.2002.5.15.0045 - Data de Julgamento: 07/12/2010, Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/12/2010).
I - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. OMISSÃO VERIFICADA. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM JUÍZO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. Embargos declaratórios a que se dá provimento, com eficácia modificativa, para dar provimento ao agravo de instrumento, por possível violação do art. 114, VIII, da Constituição Federal. Decisão regional em que se determinou à União a averbação do tempo de serviço prestado pelos Autores, em relação ao período dos vínculos empregatícios reconhecidos em Juízo, para fins previdenciários. Agravo de instrumento a que se dá provimento, observando-se o disposto na Resolução Administrativa nº 928/2003.
II - RECURSO DE REVISTA. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM JUÍZO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. Cinge-se a controvérsia a estabelecer se compete à Justiça do Trabalho (ou não) determinar a averbação do tempo de serviço relativo ao período do vínculo reconhecido em Juízo. Da análise dos arts. 109, I, e 114, VIII, da Constituição Federal, concluiu-se que a Justiça do Trabalho não tem competência para tanto, uma vez que a questão diz respeito à relação previdenciária, em que figuram nos pólos o INSS e seus segurados, não podendo ser incluída no conceito de relação de trabalho. Extrai-se, portanto, dos preceitos constitucionais mencionados, a competência da Justiça Federal e, excepcionalmente, da Justiça Comum, no caso de a comarca não ser sede de Vara do Juízo Federal. Nesse sentido, também é o atual entendimento firmado pela jurisprudência desta Corte Superior. Precedentes. Recurso de Revista a que se dá provimento.
(Processo: RR - 193540-31.2003.5.15.0045 Data de Julgamento: 01/12/2010, Relator Ministro: Fernando Eizo Ono, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/12/2010).
Por fim, cumpre assinalar que a Seção de Dissídios Individuais-2 do TST há muito firmou seu entendimento no sentido da incompetência da Justiça do Trabalho para determinar a averbação de tempo de serviço pelo Órgão Previdenciário, como se verifica da sua Orientação Jurisprudencial nº. 57:
OJ/SDI2 – 57 - MANDADO DE SEGURANÇA. INSS. TEMPO DE SERVIÇO. AVERBAÇÃO E/OU RECONHECIMENTO. (Inserida em 20.09.00)
Conceder-se-á mandado de segurança para impugnar ato que determina ao INSS o reconhecimento e/ou averbação de tempo de serviço.
Outrossim, ressalte-se que o reconhecimento na Justiça do Trabalho do vínculo empregatício sem o devido registro na CTPS do contratado/reclamante, ou a averbação a menor do salário deste, configura fato típico penal previsto no art. 297, "caput", do Código Penal, e §§ 3º e 4º, incluídos no "codex" pela Lei 9.983/2000:
Art. 297. Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
( ... )
§ 3º Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:
I – na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;
II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;
III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.
§ 4º Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.
Nesse contexto, observa-se que face a incompetência da Justiça Obreira para determinar a averbação de tempo de serviço reconhecido em reclamatória trabalhista, para os fins pretendidos deverá o reclamante munir-se de cópia da decisão judicial trabalhista e pleitear junto ao INSS a justificação administrativa para reconhecimento desse laspo temporal, ou ainda perante a Justiça Federal (art. 109, I, CF) ou Estadual na ausência desta na localidade (art. 109, § 3º, CF), consoante disposto no § 3º do art. 55 da Lei 8.212/91.
Entretanto, para possibilitar a inclusão dos valores recolhidos na reclamatória trabalhista nos registros previdenciários do segurado, pois vincula-se diretamente ao sistema previdenciário social aquele que pratica o fato previdenciário que mantém liame com o fenônemo "trabalho" segundo Fábio Lopes Vilela Berbel [03], deverá ser comprovado o recolhimento das contribuições sociais respectivas através de Guia da Previdência Social–GPS, mais a respectiva Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social – GFIP (art. 32, IV, e § 2º da Lei 8.212/91; e art. 225, IV, e § 1º do Decreto nº 3.048/99), por tratar-se, nos termos do art. 113 do Código Tributário Nacional - CTN, de obrigação tributária acessória, ou seja, "um meio de a autoridade administrativa controlar a forma pelo qual foi determinado o montante do tributo" segundo Láudio Camargo Fabretti [04].
Ainda, como consequência do reconhecimento pela Justiça do Trabalho do vínculo empregatício do contratado ou do real valor do salário que lhe era pago, nesse caso superior àquele sobre o qual eram recolhidas as contribuições sociais, deverá o Juiz do Trabalho, de ofício, após o trânsito em julgado da decisão judicial ou da avença entabulada entre as partes, oficiar ao Ministério Público Federal dando-lhe ciência desses fatos, para que assim o "Parquet" possa tomar as providências cabíveis que lhe compete no campo penal, tendo em vista tratar-se o crime de falsificação de documento público de ação pública incondicionada (art. 297 do Código Penal).
REFERÊNCIAS
BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria Geral da Previdência Social. São paulo: Quartier Latin, 2005.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
MARTNS, Sérgio Pinto. Execução da Contribuição Previdenciária na Justiça do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
FABRETTI, Láudio Camargo. Código Tributário Nacional Comentado. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
Notas
- MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.261.
- MARTNS, Sérgio Pinto. Execução da Contribuição Previdenciária na Justiça do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 29
- BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria Geral da Previdência Social. São paulo: Quartier Latin, 2005, p. 154.
- FABRETTI, Láudio Camargo. Código Tributário Nacional Comentado. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 143.