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Planejamento tributário e a questão da elisão fiscal.

Estudo sobre o "treaty shopping" à luz da norma geral anti-elisiva

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Resumo:


  • O artigo aborda o uso do "treaty shopping" como forma de planejamento tributário para reduzir ou eliminar o pagamento de tributos sobre a renda, em relação à norma anti-elisiva fiscal.

  • Destaca-se a importância do planejamento tributário para o desenvolvimento das empresas, a complexidade da globalização e o conflito entre as normas de tributação da renda em nível internacional.

  • São apresentadas discussões sobre a elisão fiscal, evasão fiscal, interpretação da norma anti-elisiva geral no ordenamento jurídico brasileiro e as implicações do "treaty shopping" para a economia do país.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O "treaty shopping" ocorre quando o contribuinte-empresário organiza seus negócios visando se beneficiar de um tratado de dupla tributação que, em princípio, não o beneficiaria, para eliminar ou reduzir a tributação sobre a renda.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Globalização e o Conflito entre as Normas de Tributação da Renda, 2.1.Elementos e Regras de Conexão no Direito Tributário; 3. Planejamento Tributário, 3.1.Treaty Shopping como Meio de Elisão Fiscal; 3.2. Modalidades de Treaty Shopping, 3.2.1. Sociedade Condutora Direta (Direct Conduit Companies), 3.2.2. Sociedade Trampolim (Stepping Stones), 3.3. Cláusulas Anti-elisivas Inseridas nos Tratados de Dupla Tributação; 4. A Questão da Elisão Fiscal no Brasil e o Planejamento Tributário, 4.1. Elisão Fiscal X Evasão Fiscal, 4.2. Interpretação da Norma Anti-elisiva Geral no Ordenamento Jurídico, 5. Considerações finais: Da Licitude no Uso do Treaty Shopping; 6. Referências.

RESUMO: O presente artigo trata da legalidade da prática do treaty shopping como forma de planejamento tributário objetivando a redução ou eliminação do pagamento de tributos sobre a renda em relação à norma anti-elisiva fiscal estabelecida no art. 116 do Código Tributário Nacional.

PALAVRAS-CHAVE: tratado internacional; pluritribuação; elisão fiscal, evasão; planejamento fiscal.


1.INTRODUÇÃO

Um bom planejamento fiscal é importante para o desenvolvimento e a sobrevivência da empresa no mercado, pois visa reduzir ou evitar o pagamento de tributos sem sair da legalidade. E para se fazer um bom planejamento fiscal é necessário conhecer bem as normas tributárias. Dentre as práticas utilizadas pelos empresários para reduzir de forma lícita a carga tributária está o treaty shopping, que ocorre quando o contribuinte-empresário organiza os seus negócios visando se beneficiar de um tratado de dupla tributação que, em princípio, não o beneficiaria, com a finalidade de eliminar ou reduzir a tributação sobre a renda proveniente de outros países.

No Brasil, poucos são os debates doutrinários específicos acerca da licitude do treaty shopping, além disso, não há jurisprudências no STF, nem no STJ sobre a questão do uso dos tratados de dupla tributação como forma de elisão fiscal até o presente momento. Porém há várias discussões doutrinárias quanto à aplicação da norma geral anti-elisiva e à ética do planejamento tributário.

O objetivo dessa pesquisa é analisar se o uso do Treaty Shopping pode ser visto como uma forma de abuso de direito ou dissimulação e ser desconsiderado pela autoridade administrativa fiscal nos termos do art. 116 do Código Tributário Nacional, introduzido pela Lei Complementar nº 104. Para compreender melhor o problema da licitude do treaty shopping, é necessário conhecer também os conceitos de elisão e evasão fiscal, bem como as suas diferenças.


2. GLOBALIZAÇÃO E O CONFLITO ENTRE AS NORMAS DE TRIBUTAÇÃO DA RENDA

A Globalização consiste num processo de aproximação, social, cultural e, principalmente, econômica, proporcionado pelo desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação que causou um aumento nas relações econômicas entre nacionais de Estados diferentes. Essas relações deixaram de ser apenas comerciais, envolvendo também, prestação de serviços, mobilidade de pessoas, transferências de capitais e, até mesmo, estabelecimento de atividades empresariais em outros países.

Dentre os vários interesses que o Estado possui em relação às empresas está a arrecadação de tributos, portanto, numa negociação internacional, dois ou mais Estados podem ter o interesse em tributá-la, o que pode acarretar numa bitributação, prejudicando, assim, os empresários envolvidos. No caso do imposto de renda, por exemplo, suponhamos que um empresário brasileiro, residente no Brasil tenha auferido renda de uma filial sua situada na Angola, a partir daí surge a questão sobre qual país tem o direito de tributá-la: o do domicílio do beneficiário (Brasil) ou o do território onde a renda foi auferida (Angola).

Por conta desses conflitos entre normas, surge o Direito Internacional Tributário (ou Direito Tributário Internacional). Embora não seja o foco do presente trabalho, é válido ressaltar que as terminologias Direito Internacional Tributário (DIT) e Direito Tributário Internacional (DTI) não são, apenas, uma questão de nomenclatura. Existem várias teorias para defender ou negar a existência do DTI ou do DIT. No Direito Tributário Internacional, as normas internas tributárias são a sua fonte de emanação, possuem caráter de unilateralidade, pois o Estado não precisa entrar em acordo com outro para que sejam válidas, o complemento "Internacional" serve para indicar que a relação jurídica é dotada de elementos de estraneidade. Já o Direito Internacional Tributário tem como fonte as normas internacionais, ou seja, tratados e acordos firmados entre Estados ou entre Estados e Organizações Internacionais. Em todo caso, o objeto é o mesmo: a regulação dos tratamentos e impactos fiscais das relações internacionais conforme leciona Edison Carlos Fernandes [01].

2.1 Elementos e Regras de Conexão no Direito Tributário

As regras ou elementos de conexão têm por finalidade indicar a norma aplicável a determinada questão jurídica que envolve mais de um ordenamento jurídico, para tanto, faz-se necessário caracterizá-la. Essa caracterização pode ser subjetiva, isto é, quando versa sobre a capacidade ou estado da pessoa; ou objetiva, quando se trata da situação de um bem ou de um ato ou fato jurídico. Nesse sentido leciona Jacob Dolinger:

"Cada uma dessas categorias tem a sua sede jurídica, que deve ser localizada: o estado e a capacidade da pessoa se localizam no país de sua nacionalidade ou de seu domicílio, a coisa se localiza no país que estiver situada e o ato jurídico no local onde tiver sido constituído ou onde deva ser cumprido.

Uma vez localizada esta sede jurídica encontrado está o elemento de conexão, indicando-se em seguida a aplicação do direito vigente nesse local, o que constitui a regra de conexão do D.I.P" [02].

No caso da tributação da renda, dois são os principais elementos de conexão que podem ser considerados para aplicação da lei impositiva: o da fonte, ou seja, onde a renda foi produzida; e o domicílio do beneficiário da riqueza. Por conta disso, foram desenvolvidos dois princípios: o da Territorialidade e da Universalidade.

O Princípio da Territorialidade tem como fundamento o alcance espacial da norma tributária, ou seja, esta é aplicável em todo o território do Estado que a instituiu. Assim toda riqueza produzida no território nacional será tributável, independentemente da residência de seu beneficiário.

O elemento de conexão pessoal, em especial o domicílio, é a base que sustenta o Princípio da Universalidade. Em outras palavras, não importa onde o beneficiário tenha produzido a riqueza, desde que ele seja residente terá a sua renda tributada. Este princípio é frequentemente instituído por países desenvolvidos tidos como exportadores de capital para tributar a renda que seus residentes auferem ao investir em empresas de países em desenvolvimento. Além disso, o princípio da universalidade também é aplicado para evitar a elisão e a evasão fiscal internacional. É importante ressaltar, também, o caráter isonômico do princípio da universalidade evitando, assim, injustiça fiscal perante os residentes que só produzem riquezas no território nacional e residentes que as produzem fora deste.

Como ensina Heleno Tôrres, o princípio da universalidade não exclui o princípio da territorialidade, nem este exclui aquele. O Princípio da Universalidade é um critério que possibilita a atribuição de alcance ultraterritorial às normas tributárias de localização dos rendimentos tributáveis pelo Estado, portanto, é subjacente ao Princípio da Territorialidade que é a regra na aplicação do Direito Tributário [03].

Na legislação tributária brasileira, o princípio da universalidade está disciplinado no § 4º, do art. 3º, da Lei nº 7.713, 22.12.1988 que altera a legislação do imposto de renda. Segundo esse dispositivo, a tributação independe da denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda, e da forma de percepção das rendas ou proventos, bastando, para incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer forma ou a qualquer título.

No exemplo mencionado no início do tópico, tanto o Brasil tem o direito de tributar o beneficiário pelo princípio da universalidade, quanto a Angola pelo princípio da territorialidade, podendo ocorrer, assim, uma bitributação. Para evitar o bis in idem fiscal, os Estados estabelecem regras unilaterais, isto é, internas, ou estabelecem Tratados contra a Pluritributação.

Tratado consiste em um acordo firmado entre dois ou mais Estados, ou entre Estados e Organizações Internacionais. O tratado contra a pluritributação é o acordo realizado, geralmente, entre dois países em que são estabelecidas as regras sobre a tributação das rendas provindas dos respectivos Estados com o objetivo de evitar ou amenizar os efeitos da dupla tributação.

Atualmente, de acordo com o site da Receita Federal [04], o Brasil possui tratados contra a pluritributação com os seguintes países: África do Sul, Alemanha [05], Argentina, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, China, Coreia do Sul, Dinamarca, Equador, Espanha, Filipinas, Finlândia, França, Hungria, Índia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Países Baixos, Peru, Portugal, República Eslovaca, República Tcheca, Suécia e Ucrânia.


  1. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

O planejamento fiscal consiste em uma série de atos e negócios jurídicos e administrativos realizados pelo empresário ou pela sociedade empresária visando obter economia fiscal de forma lícita. Também é conhecido como elisão fiscal, pois se trata de estratégias lícitas que objetivam evitar a realização da hipótese de incidência ou diminuir seus efeitos, eliminado, assim, a cobrança de determinado tributo, diminuindo-lhe o valor ou adiando o seu vencimento.

Nesse sentido conceitua Alberto Xavier:

"Trata-se, em suma, de evitar a aplicação de certa norma ou conjunto de normas através de atos ou conjuntos de atos que visem impedir a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária em certa ordem jurídica (menos favorável) ou produzam a ocorrência desse fato noutra ordem jurídica (mais favorável)" [06].

Ivo César Barreto de Carvalho citando Gilberto Luiz do Amaral leciona que o planejamento é operacionalizado em três esferas: empresarial, administrativa e judiciária [07]. Na esfera empresarial, o planejamento é realizado através estratégias gerenciais tomadas pela administração de empresa. No âmbito administrativo, o contribuinte busca meios estabelecidos na legislação tributária para obter diminuição na sua carga tributária. E, finalmente, na esfera judiciária são utilizadas medidas judiciais para adiar, suspender, diminuir ou eliminar o pagamento de determinado tributo.

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Inúmeros são os mecanismos e os instrumentos para traçar o planejamento tributário no âmbito internacional. Esses mecanismos podem ser postos em prática antes da verificação dos lucros como no preços de transferências, ou durante a distribuição dos lucros, em que são utilizados os paraísos fiscais. Entre as práticas mais utilizadas estão a manipulação dos preços de transferências, a utilização de paraísos fiscais e o treaty shopping, sendo que o estudo deste último, é o que interessa para o presente trabalho.

3.1.Treaty Shopping como Meio de Elisão Fiscal

A expressão treaty shopping surgiu nos Estados Unido em decorrência da expressão forum shopping por conta da semelhança que possui com este instituto, que consiste na prática realizada por escritórios de advocacia daquele país de levar as causas cíveis para o Estado que possua regras mais favoráveis para seus clientes.

Treaty Shopping consiste na utilização de um tratado contra a pluritributação por aquele que, em tese, não seria beneficiário de seus efeitos com a finalidade de reduzir ou eliminar o pagamento de determinado tributo. Nesse sentido, Luís Eduardo Schoueri define a prática do treaty shopping:

"Treaty shopping ocorre quando, com a finalidade de obter benefícios de um acordo de bitributação, um contribuinte, que de início, não estaria incluído entre seus beneficiários, estrutura seus negócios, interpondo, entre si e a fonte do rendimento, uma pessoa ou estabelecimento permanente, que faz jus àqueles benefícios" [08].

Analisando a definição de Luís Eduardo Shoueri, entende-se que para a prática do treaty shopping requer:

a)a busca de um tratado contra dupla tributação que ofereça o melhor resultado fiscal para o contribuinte;

b)que o beneficiário efetivo não seja residente de um dos Estados em que tratado escolhido é aplicável; e

c)a interposição de uma pessoa ou estabelecimento no país em que o tratado é aplicável, portanto, que seja beneficiário desse relação.

3.2. Modalidades de Treaty Shopping

3.2.1. Sociedade Condutora Direta (Direct Conduit Companies)

Nessa modalidade de treaty shopping é interposta uma sociedade (3ª pessoa) beneficiária de um tratado contra pluritributação, que serve para conduzir ao beneficiário efetivo o rendimento livre de tributos, ou com a redução dos valores destes.

Para ilustrar melhor essa modalidade, suponha-se que um sócio de uma empresa "A" situada nos Estados Unidos resida no Brasil e vise receber os dividendos advindos dessa empresa. Não existe tratado entre esses países, portanto, ambos podem tributar esses rendimentos. Porém, o Brasil possui tratado com o Chile, e, hipoteticamente, este possui tratado de isenção com o Estados Unidos. O sócio da empresa "A" pode criar uma empresa "B" no Chile para receber esses dividendos vindos dos Estados Unidos, e do Chile, transferi-los para o Brasil, e assim, reduzir os tributos incidentes sobre os dividendos.

Dessa forma, a empresa "B" funciona como condutora, pois tem a finalidade de conduzir os rendimentos dos Estados Unidos ao Brasil reduzindo a carga tributária ao se beneficiar do tratado contra a pluritributação firmado entre o Chile e os Estados Unidos. Verónica Alessi esquematiza de forma didática essa modalidade em seu artigo Treaty Shopping – Abuso a los Convenios Internacionales, segue, logo abaixo, o esquema traduzido, bem como a sua explicação [09]:

Estado A com baixa tributação (1%), pelo que a renda expedida ao Estado C é de 658,35 [10].

3.2.2. Sociedade Trampolim (Stepping Stones)

Na modalidade trampolim, a sociedade cria uma subsidiária em um Estado com tributação mais favorável, em regra, um paraíso fiscal. As vantagens fiscais auferidas pela subsidiária em decorrência das negociações realizadas com empresas de outros países são utilizadas nos investimentos de interesse da empresa matriz. A subsidiária funciona como um trampolim para outras negociações da empresa matriz.

Edison Carlos Fernandes exemplifica bem a modalidade stepping stones em seu artigo Considerações sobre Planejamento Tributário Internacional [11] ao supor que uma empresa domiciliada no Brasil, controlada por outra, domiciliada em um país de tributação favorecida, necessite de recursos financeiros e decida fazer um empréstimo com esta. Conforme a lei brasileira sobre imposto de renda, os juros pagos em decorrência desse empréstimo estão sujeitos à incidência de 25% do referido imposto. Supondo que no Japão não haja tributação neste tipo de operação, o tratado assinado entre este e o Brasil pode ser utilizado para reduzir o impacto fiscal, no acordo firmada entre os dois países estabelece como alíquota máxima do IRRF sobre os juros o montante de 12,5%. Dessa forma, a controlada da empresa brasileira realizaria o empréstimo por meio de uma pessoa jurídica residente no Japão, onde a receita oriunda dos juros será anulada em virtude de uma despesa de igual tamanho.


  1. Cláusulas Anti-elisivas Inseridas nos Tratados de Dupla Tributação

Há doutrinadores como Verónica Alessi e Agostinho Toffoli Tavolaro que defendem a prática do treaty shopping como forma de abuso de direito, pois beneficia pessoas que não teriam direito aos seus benefícios.

Entre as razões que os levam a considerarem o treaty shopping como uma prática prejudicial está os benefícios do tratado contra dupla tributação negociado por um dos Estados se estenderiam a um residente de um terceiro Estado, violando, assim, o princípio do reciprocidade entre os Estados contratantes. Em outras palavras, o terceiro Estado seria beneficiado por essa relação sem ter que subscrever ao tratado e, consequentemente, sem ter que fazer concessões.

O Comitê sobre Assuntos Fiscais da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) entende também que o treaty shopping é uma forma imprópria do uso dos tratados contra a pluritributação e sugere algumas cláusulas de caráter anti-elisivo sejam inseridas nos tratados em seu documento Model Tax Convention on Income and on Capital. Dentre as cláusulas sugeridas estão:

a)Cláusula de Abstinência – por meio dessa cláusula, os Estados contratantes de abstém de firmar tratados contra pluritributação com os países considerados paraísos fiscais;

b)Cláusula de Exclusão – através dessa cláusula se excluem dos benefícios do tratado as empresas domiciliadas no Estado contratante que gozem de privilégios fiscais;

c)Cláusula de Transparência - de acordo com esta cláusula, não basta, apenas, que a empresa seja domiciliada no país contratante para receber os benefícios do tratado, é necessário que seus proprietários sejam residentes também. Os Estados contratantes devem definir os critérios para considerar o proprietário residente.

d)Cláusula de Sujeição Efetiva ao Imposto – por esta cláusula, é necessário que a empresa seja efetivamente sujeita ao imposto para que os benefícios do tratado sejam obtidos;

e)Cláusula de Trânsito – esta cláusula tem o objetivo de evitar a modalidade Trampolim (stepping stones) de treaty shopping. Através dela são negados os benefícios do tratado contra a pluritributação, quando a empresa utilizar a renda para pagar despesas a outros individuos ou empresas não residentes em algum dos Estados contratantes;

f)Cláusula da Boa-fé – as cláusulas voltadas para evitar o treaty shopping devem ser interpretadas e aplicadas conforme o princípio da boa-fé.


4.A QUESTÃO DA ELISÃO FISCAL NO BRASIL E O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

4.1.Elisão Fiscal X Evasão Fiscal

Para entender melhor a questão da licitude do treaty shopping é necessário compreender a diferença entre elisão fiscal e evasão fiscal. Porém, é importante ressaltar que são várias a divergências doutrinárias acerca da definição de ambas.

A palavra elisão originou-se do termo latino "elisione" que significa elidir, eliminar, suprimir, consiste em uma forma lícita de se isentar, reduzir ou adiar o pagamento de tributos, por isso a elisão é apontada como sinônimo de planejamento tributário. Enquanto que a evasão, cujo termo origina-se da palavra "evasione" e significa fugir, ocultar, tem o mesmo objetivo, mas a maneira de alcançá-lo é ilícita. Dessa forma leciona Flávio Augusto Dumont Prado:

"(...) o planejamento tributário (ou elisão fiscal) é todo procedimento que busca evitar (ou reduzir) o pagamento de tributos, sempre (i) antes de ocorrido o respectivo fato gerador, (ii) dentro dos estritos limites legais e (iii) sem que tenha havido fraude ou simulação [12]".

Da análise da definição acima, pode-se compreender, então, que a evasão fiscal ocorre depois da realização do fato gerador, foram dos limites legais e através de fraude ou simulação. Dessa maneira, o indivíduo faz uso ilegítimo do direito, visando obter vantagens das quais não possui direito.

Para a maioria dos doutrinadores, o momento da ocorrência do fato gerador é fundamental para diferenciar a elisão da evasão fiscal. A primeira só pode se realizada antes da configuração do fato gerador, pois visa impedir de forma lícita a sua ocorrência. Já a evasão fiscal ocorre depois do fato gerador, e, por meios ilícitos, tenta ocultá-lo ou fraudá-lo para obter a economia fiscal.

Enquanto que Hugo de Brito Machado, ao contrário da maioria dos doutrinadores, defende que evasão designa conduta lícita, e a elisão, ilícita. Isso porque, elidir significa eliminar, suprimir aquilo que já existe, assim, quem elimina um tributo está agindo ilicitamente. Já evadir significa fugir, evitar, portanto, a ação de evadir pode ser preventiva [13].

Cabe destacar, também, a definição de Ricardo Lobo Torres e defendida por Carvalho Estrella, segundo o ilustre doutrinador, os atos realizados pelo contribuinte para evitar, reduzir ou adiar o pagamento de tributos, quando praticados antes da ocorrência do fato gerador constitui elisão e evasão fiscal. Enquanto que os atos produzidos com a mesma finalidade depois da realização do fato gerador configura fraude fiscal. Sobre a diferença entre elisão e evasão fiscal, Carvalho Estrella ensina que:

"(…), evasão é economia de imposto que visa evitar in concreto a prática de ato, fato ou situação jurídica prevista in abstracto na norma jurídica como fato gerador e a elisão é a economia de imposto obtida pela prática de um ato revestido de forma jurídica que não assume na descrição abstrata da lei" [14].

Portanto, de acordo com posicionamento defendido por Ricardo Lobo Torres e Carvalho Estrella, tanto o ato de evadir-se, quanto o de elidir podem ter caráter preventivo e serem realizados antes da ocorrência do fato gerador. Porém, para a maioria dos doutrinadores, a evasão constitui em um ato ilícito e a elisão em um ato lícito.

4.2.Interpretação da Norma Anti-elisiva Geral no Ordenamento Jurídico

A norma anti-elisiva geral foi inserida no Código Tributário Nacional através da Lei Complementar nº 104/2001, a qual introduziu o parágrafo único do art. 116 que, assim, estabelece:

"A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária".

Devido à falta de clareza do legislador, a doutrina brasileira é divergente quanto à aplicação do dispositivo acima a respeito da elisão fiscal. Carvalho Estrella divide essas divergências em três correntes doutrinárias [15].

Segundo a primeira corrente, o parágrafo único do art. 116 do CTN não tem nenhum efeito jurídico, pois não alcançou o seu objetivo de proibir a elisão. De acordo com o dicionário Aurélio, dissimular significar ocultar ou encobrir com astúcia; disfarçar. Analisando o parágrafo único do art. 116 do CTN, verifica-se que a autoridade administrativa só pode desconsiderar os ato ou negócios jurídicos quando tiverem a finalidade de dissimular o fato gerador, portanto, é necessário a ocorrência deste, pois não se pode ocular ou encobrir aquilo que não ocorreu ou não existe. Conclui-se, então, que este dispositivo não pode ser aplicado ao planejamento tributário, pois este tem o objetivo de evitar o surgimento do fato gerador.

A segunda corrente que tem como defensores Ives Gandra da Silva Martins, Alberto Xavier e Hugo de Brito Machado entende que a LC nº 104/2001 é inconstitucional, pois viola o princípio da legalidade estrita, pois os procedimentos para que a norma geral anti-elisiva seja aplicável devem ser estabelecidos em lei ordinária. Nesse sentido, ensina Hugo de Brito Machado:

"(...) a vigência da norma do parágrafo único, do art. 116, do CTN, com redação dada pela LC nº 104, somente será plena quando entrar em vigor a lei ordinária na mesma referida. É uma norma cuja aplicação depende da disciplina, em lei ordinária, dos procedimentos a serem observados pela autoridade administrativa. (…) Se colocada em texto de lei complementar, pode ter sua constitucionalidade contestada, pois colide com o princípio da legalidade que tem como um de seus desdobramentos essenciais a tipicidade, vale dizer, a exigência de definição, em lei, da situação específica, cuja concretização faz nascer o dever de pagar tributo [16]".

A última corrente defende que a norma geral anti-elisiva deve ser interpretada de forma a equilibrar liberdade, justiça e segurança jurídica. Esse posicionamento, defendido por Carvalho Estrella, entende que dois regimes de anti-elisão podem ser compreendidos no modelo preconizado pelo parágrafo único, do art. 116, do CTN:

"O primeiro consiste na previsão da norma antielisiva geral disposta no CTN associada à legislação ordinária meramente procedimental dos membros da Federação. O segundo dispõe a norma antielisiva de forma genérica no CTN e deixa ao legislador de cada ente federativo para elaborar a norma antielisiva específica que contenha a lista dos negócios inoponíveis ao fisco, prestigiando o pacto federativo, que atualmente vem sendo esquecido" [17].

O planejamento tributário é tem o objetivo de evitar a ocorrência do fato gerador, se este não se efetivou, não há tributo, nem o que ser encoberto ou dissimulado. Portanto, o parágrafo único, do art. 116, do CTN não é aplicável nesses casos. Para que o referido dispositivo seja aplicável é preciso que o fato gerador ocorra e seja dissimulado pelo contribuinte. Além disso, é necessário que os procedimentos para desconsiderar os atos e negócios jurídicos, que visam dissimular ou encobrir o fato gerador, sejam disciplinados em lei ordinária.

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Sobre a autora
Adriana Santana Vieira dos Santos

Advogada, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Católica do Salvador.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Adriana Santana Vieira. Planejamento tributário e a questão da elisão fiscal.: Estudo sobre o "treaty shopping" à luz da norma geral anti-elisiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2769, 30 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18384. Acesso em: 22 dez. 2024.

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