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A repercussão geral no recurso extraordinário: poder discricionário do Supremo Tribunal Federal

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12/02/2011 às 17:18
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2. A REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

2.1 DO CONCEITO INDETERMINADO

Após breve análise da argüição de relevância e dos institutos estrangeiros que inspiraram a criação da repercussão geral da questão constitucional, segue-se para o que se entende como repercussão geral.

Conforme referido anteriormente, o artigo 543-A § 1º, do Código de Processo Civil, dispõe que "[...] para efeito de repercussão geral será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa".

Verifica-se a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, ou seja, surge a indagação, o questionamento, do que possa vir a caracterizar a relevância das questões econômicas, políticas, sociais ou jurídicas, combinadas com a transcendência da questão debatida em cada caso concreto apresentado ao Supremo Tribunal Federal.

Tal conceito observado é realmente vago. Não há uma definição de quais questões seriam relevantes ou não, não há uma descrição ou dispositivo de lei numerando aquilo que se entende por relevância.

Esta situação, instituída pelo legislador, é proposital, pois não é sua intenção enumerar os casos de relevância, sob pena de engessar a própria interpretação, nem seria essa uma tarefa viável, justamente por se tratar de um conceito vago e indeterminado, com o intuito de manter-se aberto para futuras interpretações.

Neste sentido, conforme Engisch (2001), os conceitos jurídicos indeterminados possuem tanto um "núcleo conceitual" como também um "halo conceitual", ou seja, como núcleo conceitual: encontra-se a certeza do que é ou não é, de forma que se tem uma noção clara do conteúdo e da extensão do conceito. E, como halo conceitual, depara-se com a dúvida do que pode ser, devido ao juízo valorativo, de forma que não se tem prévia certeza do conteúdo e da extensão do conceito.

Com a abertura da definição, com o "halo conceitual" destas questões, é que o Supremo Tribunal Federal poderá interagir com as demandas a ele suscitadas em adequação à dinâmica e exigência da própria sociedade a qualquer tempo. É com a dinâmica da sociedade, com sua contínua evolução e valores, que deve o direito adequar-se e evoluir.

O autor alemão enxerga nesse fenômeno as razões para a crescente utilização de técnicas, na redação de textos normativos, que dão ao julgador certa autonomia em relação à lei. Dentre essas técnicas, fala dos conceitos normativos, dos conceitos discricionários, das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados. (DANTAS, 2008, p.231).

Neste contexto, percebe-se hoje que o que se considera de extrema relevância para a sociedade, como questão econômica, política, jurídica ou social, amanhã pode não o ser, dependendo da valoração dada ao conceito de relevância em determinado momento, e nesse momentum, o valor dado à questão é que dará razão à decisão da Suprema Corte.

Na mesma linha de pensamento expõe Alves (1982, p. 49) que, "[...] a aferição da relevância é julgamento de valor, havendo, pela natureza mesma de tais julgamentos, larga margem de subjetivismo daqueles a quem incumbe decidir sobre se ela ocorre, ou não".

No tocante à ampla margem de subjetividade do conceito, faz-se importante ressaltar que são idéias de conteúdos imprecisos e que, como tal, dependem de uma análise subjetiva, diferente de quando algo é definido, pois se está delimitando-o objetivamente. No caso da repercussão geral, é impossível delimitar uma fórmula que alcance todas as hipóteses possíveis em que pode ocorrer a sua relevância, poque "[...] o movediço dos julgamentos de valor e a gama de circunstâncias que neles podem influir o impedem. E é utópico querer-se restringir o conceito, por delimitar, restringir – o que, por sua natureza mesma, é insusceptível de limites fixos". (ALVES, 1982, p. 49-51).

Observa-se, portanto, que a repercussão geral, por ter um conceito aberto, dotado de elasticidade, exige do intérprete aplicador um vínculo com os princípios que norteiam a interpretação da norma, justamente pela inexistência de significado de pronto do comando normativo.

Explica-se a necessidade dos comandos abertos e indefinidos pela própria complexidade da realidade atual, onde o legislador, ao delimitar pontualmente certos aspectos e questões de direito, jamais conseguirá exaurir a matéria e acompanhar a sociedade que a cada dia cria e recria novos direitos, em inúmeras e inovadoras situações, não sendo, todavia conveniente a cada movimento e novas necessidades, modificar a legislação. Assim, entende-se a importância dos conceitos vagos, no sentido que completam o texto jurídico positivado para, de forma eficaz, aplicar o direito ao caso concreto, de modo adequado e de acordo com o momento.

Importante a lição de Leonel (2007, p. 172-173) quando explana sobre a importância do uso dos conceitos indeterminados e sua coerência quanto ao instituto da repercussão geral, pois a definição do que é relevante do ponto de vista econômico, jurídico, político ou social não pode ser dada matematicamente. Trata-se de um conceito, conforme dito anteriormente, que deverá ser preenchido pela interpretação dos juristas, e está intimamente relacionado com os valores culturais de um determinado momento da história.

É nesse cenário que visualiza os conceitos jurídicos indeterminados como instrumento idôneo para assegurar a flexibilidade do direito, de forma que ‘se abre margem a uma interpretação afeiçoada às peculiaridades do caso concreto, e, pois, à individualização de todas as hipóteses à luz da ratio legis’. (ARRUDA ALVIM, 1988, p.14, Apud, DANTAS, 2008, p.231).

É esta indefinição que permitirá à Suprema Corte Constitucional, ser sensível aos valores considerados economicamente, juridicamente, politicamente ou socialmente relevantes a cada período histórico, moldando assim as avaliações à realidade de cada tempo.

Ademais, com a prática diária, com a construção da jurisprudência e, ainda, com a evolução e desenvolvimento da doutrina sobre a repercussão geral, a tendência, em um razoável período de tempo, é a diminuição do grau de indeterminação mediante sua utilização (WAMBIER, 2005, p.376).

2.2 DO CONCEITO DE REPERCUSSÃO GERAL

Primeiramente cabe conceituar o substantivo ‘repercussão’, proveniente do latim repercussione, que significa, conforme consta no dicionário Aurélio (2004), como "ato ou efeito de repercutir". Já o verbo intransitivo repercutir, tem origem na palavra repercutere do latim, que significa "fazer sentir indiretamente a sua ação ou influência".

O adjetivo ‘geral’ também vem do latim generale, que significa "comum à maior parte ou à totalidade de um grupo de pessoas". Neste âmbito, cabe ressaltar que se trata de um conceito valorativo, de forma que deve estar relacionado a um grupo específico.

Assim sendo, pode-se entender que, literalmente, a repercussão geral das questões constitucionais impugnadas no recurso extraordinário, tem o condão de atingir uma determinada parcela de um grupo de pessoas. (DANTAS, 2008, p.246).

E ainda, retomando a idéia de Engisch, quanto aos conceitos jurídicos indeterminados possuírem tanto um "núcleo conceitual" como também um "halo conceitual", observa-se que, no sentido literal da repercussão geral, encontra-se seu núcleo, e que seu halo conceitual encontra-se na indeterminação do grupo de pessoas que será atingido direta ou indiretamente pelo reconhecimento ou não da repercussão geral.

Assim sendo, embora se reconheça a liberdade de decisão ao Supremo Tribunal Federal, quanto ao que este reconhecer por repercussão geral ou não, tal decisão delimita-se à qual grupo é relevante, bem como a quais matérias virão a reverberar na coletividade, quando decidido o mérito por esta Corte Suprema.

Conclui Dantas (2008, p. 246) que:

[...] repercussão geral é o pressuposto especial de cabimento do recurso extraordinário, estabelecido por comando constitucional, que impõe que o juízo de admissibilidade do recurso leve em consideração o impacto que eventual solução das questões constitucionais em discussão terá na coletividade, de modo que se lho terá por presente apenas no caso de a decisão de mérito emergente do recurso ostentar a qualidade de fazer com que parcela representativa de um determinado grupo de pessoas experimente, indiretamente, sua influência, considerados os legítimos interesses sociais extraídos do sistema normativo e da conjuntura política, econômica e social reinante num dado momento histórico.

Depreende-se da conclusão apresentada por Dantas, que a repercussão geral é um requisito intrínseco de admissibilidade do recurso extraordinário. Primeiro, por advir do texto constitucional e ser aplicável somente a este recurso e, segundo, por exigir quórum qualificado, ou seja, 2/3 dos membros do Supremo Tribunal Federal, que correspondem a oito ministros, para deliberar sobre a admissibilidade ou não do recurso. E ainda, do impacto indireto gerado à coletividade, quando da admissibilidade ou não do recurso aviltado.

Argumentar, portanto, que a repercussão geral trata somente de um conceito normativo, de modo que sua definição caberia somente ao intérprete ou à lei, devido ao alto teor valorativo, seria ignorar algumas pontuações claras e descritivas deste instituto, entre elas, as "questões relevantes [...] que ultrapassem os interesses subjetivos da causa".

2.2.1 Relevância econômica, política, social e jurídica

Segundo dispõe o parágrafo 1º do artigo 543-A do Código de Processo Civil: "Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa".

Desta forma a relevância econômica estará configurada quando a decisão obtiver potencial para criar um precedente, precedente este que pode dar embasamento para inúmeras pessoas reivindicarem este mesmo direito. (ex.: índices de correção monetária, remuneração de certos serviços). (GOMES JUNIOR, Apud, SILVA, 2006)

As relevâncias de natureza econômica ligam-se, portanto, a influências na política econômica do governo, como matérias que tratam índices de correção monetária, remuneração de certos serviços, planos econômicos etc..

No tocante a relevância política, é imprescindível ressaltar sua vinculação ao aspecto internacional, nas relações entre estados estrangeiros e organismos internacionais. No âmbito interno, depara-se com os conflitos de competência entre os três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como das diretrizes governamentais e da própria política pública. (NASCIMENTO, 2008)

Quanto à relevância social, cabe destacar os direitos coletivos e difusos em questão, tutelados pela Constituição Federal, entre eles direto à moradia, seguridade social, educação, saúde, que sofram o deferimento ou indeferimento de uma decisão, vindo a alterar a situação de fato de várias pessoas.

Já a relevância jurídica, segundo Gomes Júnior (Apud, SILVA, 2006), ocorrerá quando a decisão refutada no recurso excepcional estiver em desacordo com as decisões do Supremo Tribunal Federal, assim como quando em discussão um conceito fundamental do direito, como o direito adquirido.

2.3 DA NATUREZA JURÍDICA

A Lei nº 11.418 de 19 de dezembro de 2006, no que tange ao reconhecimento da repercussão geral, exige a relevância das questões constitucionais suscitadas no âmbito econômico, político, social ou jurídico, de forma a transcenderem os interesses subjetivos da lide. Tal exigência trata-se de um requisito de admissibilidade do recurso, ou seja, na possibilidade de conhecimento pela Corte Suprema do descontentamento do recorrente, não se aferindo ao juízo de mérito.

Ademais, o recorrente, além de fundamentar seu recurso conforme as hipóteses dispostas no artigo 102, inciso III, da Constituição Federal, terá de demonstrar a repercussão geral por via preliminar.

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Somente incidirá a repercussão geral quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 03 de maio de 2007, data da publicação da Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de 2007, conforme jurisprudência do STF (AI-QO 664.567/RS, Rel.Min. Sepúlvea Pertence, Tribunal Pleno, julg. 18/06/2007).

O reconhecimento da repercussão geral é, portanto, uma questão preliminar a ser considerada, a fim de que o Tribunal examine previamente a admissão do recurso. Se vencida como exame prévio, a decisão recorrida será substituída pela decisão do Supremo Tribunal Federal.

Cuida-se de um requisito formal do recurso extraordinário, um ônus do recorrente que, se dele não se desincumbir, impede a análise da efetiva existência da repercussão geral, esta sim sujeita à apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal (art. 543-A, § 2º). (STF, AI-QO 664.567/RS, Rel. Min. Sepúlvea Pertence, Tribunal Pleno, julg. 18/06/2007).

Haverá a repercussão geral se a pretensão do recorrente perante a Corte Maior demonstrar o interesse coletivo na solução da questão constitucional, ou questões constitucionais suscitadas no processo, ou seja, a relevância constitucional da matéria e o interesse público na discussão, de forma a atingir a transcendência de interesses puramente subjetivos e particulares, possibilitando o fortalecimento das decisões das instâncias inferiores e ordinárias, para preservar ao Supremo Tribunal Federal as discussões constitucionais de relevância e de reflexo social. Conforme destacado por Velloso (1998, p.15) "[...] Essa relevância, posta como condição de admissibilidade do recurso, seria verificada sob o ponto de vista do interesse público".

Ainda, segundo Rocha (2005, p.66), a questão da transcendência do recurso extraordinário pode também ser vista como requisito de objetivação do controle concreto de constitucionalidade, em que o interesse meramente individual passa a ser abstrato diante do interesse das partes virem a repercutir em toda a sociedade.

A transcendência, portanto, pode ser analisada sob duas perspectivas: uma perspectiva qualitativa se dará quando o julgamento da demanda for capaz de influenciar no desenvolvimento do direito constitucional; e, uma perspectiva quantitativa, quando o julgamento do mérito recursal for capaz de influenciar um grande número de pessoas ou de demandas.

Acrescentado pela Lei nº 11.418/06, o artigo 543-A do Código de Processo Civil, estabelece que "[...] o Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral". Desta forma, independentemente da matéria versada no recurso, não havendo a repercussão geral, o recurso preliminarmente não será conhecido, não existindo, assim, o poder de recorrer ao Supremo Tribunal Federal.

Conseqüência disso é que não basta que o acórdão recorrido contenha uma questão constitucional que ofereça repercussão geral. É necessário que o recorrente tenha se insurgido contra ela, inclusive prequestionando-a. Se o recurso impugnou apenas questões que não ostentam repercussão geral, ele não poderá ser conhecido. Igualmente, se o recorrente não logrou obter o pronunciamento do tribunal a quo acerca de questão constitucional possuidora de repercussão geral, por não estar presente o prequestionamento, o recurso também não poderá ser conhecido. (DANTAS, 2008, p.31).

Neste sentido, cabe apontar aos ensinamentos de Marinoni e Mitidiero (2008, p.32-33), de que "[...] os pressupostos de admissibilidade recursal reputam-se intrínsecos quando concernem à existência, ou não, do poder de recorrer (cabimento, interesse, legitimidade) e extrínsecos, quanto ao modo de exercer esse poder (forma, tempestividade, preparo)".

Observa-se que há, para o recorrente, o ônus de demonstrar a existência da repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário, sob pena de denegação de justiça, como preceitua o artigo 543-A, § 2º, do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

[...]

§ 2º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.

É preciso dar a devida atenção à combinação, relevância mais transcendência, discutida até o momento pois, havendo a presença de ambas, caracterizada está a repercussão geral. Assim, diante do caso concreto, não subirão à Corte Constitucional, matérias que se referem somente ao direito individual, inter-partis, de forma a diminuir a demanda de Recursos Extraordinários na Suprema Corte, contribuindo com a unidade do Direito por via do fortalecimento da ordem jurídica constitucional.

Seguindo esta mesma linha de raciocínio, independente da demonstração de relevância, quando o recurso extraordinário impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, haverá repercussão geral, é o que apregoa o artigo 543-A, § 3º, do Código de Processo Civil.

Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).

[...]

§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).

Constata-se mais uma vez, pelo dispositivo acrescido ao Código de Processo Civil, a valorização da jurisprudência da Corte Constitucional, pois a partir do momento em que o Supremo reforma decisões contrárias às suas próprias decisões, fortalece seu posicionamento, pacificando a aplicação e interpretação das normas constitucionais, conferindo eficácia vertical aos seus julgados. (MORELLI, 2008, p.67).

Outra colocação importante é o fato da fundamentação levantada pela parte, na demonstração da repercussão geral, não vincular o Supremo Tribunal Federal. Parte-se do princípio que o recurso extraordinário, como instrumento do controle de constitucionalidade, não pode não conhecer de questão relevante e transcendente, mesmo que a fundamentação da questão debatida pelo recorrente seja diversa.

Tal ocorrência se dá pela objetivação do controle difuso de constitucionalidade, como acontece em ação declaratória de constitucionalidade ou ação direta de inconstitucionalidade.

Segundo o Ministro Mendes, "É o fenômeno que temos chamado de ‘relativa objetivação do recurso extraordinário’, que reputo extremamente alvissareira - fenômeno já verificado no recurso de amparo espanhol, na "Verfassungsbeschwerde" alemã". (Supremo Tribunal Federal. AC MC 272-9/RJ. Relator: Min. Ellen Gracie. Brasília, 06 out. 2004).

Observa-se, neste ínterim, a exigência de certa razoabilidade para o alcance do recurso ao Supremo Tribunal Federal. Trata-se de um afunilamento do caminho ao Supremo, um filtro que, somado à relevância e à transcendência, busca dar efetividade às decisões desta Corte.

2.4 DO PROCEDIMENTO

2.4.1 Amicus curiae

Após o registro e a distribuição do recurso, o relator, em fase preliminar, examinará a admissibilidade ou não do recurso. Pode, neste momento, o Ministro-relator admitir a manifestação de terceiros somente sobre a existência ou não de repercussão geral, conforme os termos regimentais.

Tal hipótese é a possibilidade de amicus curiae para o debate da aferição de relevância e transcendência, que vem ao encontro do desejo de concretização de um ideal, de uma "[...] sociedade aberta aos intérpretes da Constituição", conforme palavras de Häberle (1997, p.43).

A decisão do relator de admissão ou não da participação do amicus curiae é irrecorrível, segundo artigo 323, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Sendo admitida, será subscrita por um advogado que poderá ofertar razões por escrito, de forma a convencer o Supremo Tribunal Federal da existência ou não da repercussão da controvérsia constitucional.

Art. 323. Quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a) Relator(a) submeterá, por meio eletrônico, aos demais ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral.

[...]

§ 2º Mediante decisão irrecorrível, poderá o(a) Relator(a) admitir de ofício ou a requerimento, em prazo que fixar, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, sobre a questão da repercussão geral. (Atualizado com a introdução da Emenda Regimental n. 21/07).

Sendo admitido o recurso, havendo ou não a participação do amicus curiae, o relator levará à Turma para a apreciação da existência ou negativa da repercussão geral da questão constitucional. Havendo a decisão da existência de repercussão geral pelo órgão fracionário, mínimo de quatro votos, será dispensada a remessa do recurso ao Plenário.

2.4.2 Quórum, motivação e publicidade

Primeiramente, cabe esclarecer que quórum, no contexto em questão, é o número mínimo de ministros que se exige para uma votação ou debate. Enquanto que o quórum qualificado é qualquer quórum que seja maior que a maioria simples, ou seja, quórum com maioria absoluta, como de dois terços ou três quintos.

O Supremo Tribunal Federal é composto de duas Turmas de cinco Ministros cada; já a composição do Plenário se dá pela união das Turmas, ou seja, os dez Ministros, mais o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Conforme já exposto, o juízo inicial de admissibilidade do recurso excepcional ocorrerá por via dos órgãos fracionários do Supremo Tribunal Federal, ou seja, pelas Turmas, que reconhecerão a repercussão geral mediante o voto de, no mínimo, quatro de seus membros. Cada Turma é composta por cinco ministros. De forma que, neste caso, não se exigirá remessa dos autos ao Plenário, uma vez que, de plano, será possível verificar a inviabilidade de se obter o quórum de dois terços, que significam oito Ministros, para a negativa do recurso extraordinário.

Importante ressaltar que o legislador não exigiu análise prioritária ao Plenário do Supremo Tribunal Federal quanto ao requisito da repercussão geral, mas, na hipótese de não se atingir o quorum de quatro Ministros de Turma, haverá a necessidade da remessa dos autos ao Plenário, quando, em tese, ainda será possível obter oito votos contrários à admissibilidade do recurso.

A exigência constitucional de ao menos dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal manifestar-se pela ausência de repercussão geral, inadmitindo o recurso extraordinário, põe em evidência o quórum qualificado, significando que basta uma minoria de Ministros reconhecerem a repercussão geral das questões constitucionais em debate, para que o recurso extraordinário seja admitido. (DANTAS, 2008).

A recusa do recurso extraordinário, porque ausente a repercussão geral, pela elevada maioria de dois terços é saudável, porquanto procura que esteja subjacente a essa recusa um alto grau de certeza e de segurança compensatórias – diga-se assim- da circunstância de a repercussão geral constituir-se num conceito vago, propiciando menor certeza e menos segurança. Esse quorum prudencial coincide substancialmente com os dos direito alemão (§ 554b, 2, hoje revogado) e norte-americano. (ARRUDA ALVIM, 2005, p. 65).

É evidente, portanto, quórum qualificadíssimo, justamente no sentido de pontuar que a regra ainda é a do cabimento do recurso extraordinário, preponderando o fato de que se está diante de um conceito indeterminado, e como tal, gera certa insegurança, dado o elevado teor de subjetividade quanto à aplicação ao caso concreto. Constitui exceção, a inadmissibilidade do recurso aviltado, diante da ausência de repercussão geral reconhecida para ao menos oito Ministros.

O julgamento será público e motivado, de forma a preservar e respeitar o direito das partes e também da sociedade quanto à publicidade e a fundamentação da decisão do conteúdo em discussão, assim como o controle e a participação da opinião pública.

A publicidade, a transparência da Justiça, são preceitos intimamente conectados à administração democrática e a própria idéia de Estado Constitucional que, segundo Cappelletti (1989), induzem à responsabilização social dos juízes.

Neste mesmo contexto, a motivação das decisões é um dever dos julgadores, previsto e esperado em um Estado Democrático de Direito. Não faria sentido, em uma sociedade democrática, ter o acesso a justiça como direito fundamental à tutela jurisdicional e, ao final, não ver a fundamentação da decisão que lhe proveu ou que lhe absteve do direito perquirido.

A motivação, conforme destaca Taruffo (1975, Apud, MARINONI; MITIDIERO, 2008), necessita de um conteúdo mínimo essencial, qual seja a individualização dos fatos, a verificação das normas jurídicas que incidem no caso concreto e que sejam aplicáveis o aspecto judicial dos fatos e as suas conseqüências jurídicas; a contextualização dos nexos de implicação e de coerência entre os enunciados fático-legais e por fim a justificação, ou seja, a motivação desses enunciados de forma racional, conjecturando-se ao ordenamento jurídico.

É imprescindível, portanto, que os julgamentos da Suprema Corte, quanto à caracterização ou não da repercussão geral no recurso extraordinário, sejam públicos e motivados, de forma a respeitar a eficácia e a validade do Estado Constitucional em que se vive.

Em continuidade aos procedimentos, havendo a pronúncia do Supremo Tribunal Federal quanto à existência ou não da repercussão geral de questão constitucional, importante destacar que a súmula do respectivo julgamento constará de ata que será publicada no Diário da Justiça, servindo tal publicação como acórdão e, conseqüentemente, como condição de eficácia da decisão.

2.4.3 A eficácia das decisões

Presentes os requisitos de admissão inerentes ao recurso extraordinário e reconhecida a relevância e a transcendência da questão constitucional, tem o Supremo Tribunal Federal de conhecer o recurso excepcional, admitindo-o e dando seguimento na apreciação do mérito.

O Supremo, então, julgará o recurso, dando lhe ou não provimento, o que resultará no efeito substitutivo do recurso, ou seja, a decisão do juízo ad quem substituirá a decisão recorrida, conforme artigo 512 do Código de Processo Civil que dispõe que "[...] o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso".

Caso o Supremo Tribunal Federal pronunciar a ausência da relevância e transcendência da questão constitucional, será negado seguimento ao recurso extraordinário, não sendo conhecido. A decisão, neste caso, não substituirá a decisão recorrida, por não ter havido o alcance à apreciação do mérito.

O efeito do não reconhecimento da repercussão geral de determinada questão debatida é pan-processual, ou seja, atinge além do processo em si, repercutindo em outros recursos, desde que fundados em matéria idêntica. Desta forma, o Supremo Tribunal Federal, pode negar provimento de plano, estando a Presidência do Supremo Tribunal Federal autorizada a não conhecer liminarmente do recurso extraordinário, indeferindo-o, conforme artigo 543-A, § 5º, do Código de Processo Civil:

Art. 543-A O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).

[...]

§ 5º Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).

E ainda, cominado com os artigos 13, V, "c", e 327, caput, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que seguem:

Art. 13. São atribuições do Presidente:

[...]

V – despachar:

[...]

c) como Relator, nos termos dos arts. 544, § 3º, e 557 do Código de Processo Civil, até eventual distribuição, os agravos de instrumento, recursos extraordinários e petições ineptos ou de outro modo manifestamente inadmissíveis, inclusive por incompetência, intempestividade, deserção, prejuízo ou ausência de preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria seja destituída de repercussão geral, conforme jurisprudência do Tribunal. (Atualizado com a introdução da Emenda Regimental n. 24/08).

[...]

Art.327 A presidência do Tribunal recusará recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedente do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão.

Não havendo, desde logo, a manifestação da Presidência, compete ao relator do recurso mesma prerrogativa, lembrando que desta decisão caberá agravo.

Neste aspecto, Moraes (2007, p. 541) lembra que "[...] para garantir a efetividade das decisões do STF, bem como a celeridade processual, a lei estabelece que, negada a existência de repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, reconhecendo efeitos vinculantes a essa decisão".

Importante aqui ressaltar que "matéria idêntica" deve ser interpretada como controvérsia idêntica, ou seja, a matéria pode sim ser a mesma, mas a controvérsia apresentada no recurso excepcional é que pode conduzir a nuances diferentes diante de cada caso concreto.

Neste contexto, atesta Marinoni (2008) que o importante é saber se a controvérsia, independentemente da fundamentação apresentada pela parte, apresenta ou não a repercussão geral, de modo que, reconhecida, conhece-se o recurso; não reconhecida não se admite o recurso extraordinário, salvo revisão de tese pelo Supremo Tribunal Federal.

2.4.4 A repercussão geral em processos com idêntica controvérsia

A análise da repercussão geral, conforme referido anteriormente, será realizada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Todavia, o Código de Processo Civil preceitua algumas orientações quanto à existência de relevância e transcendência no tocante a conflitos de massa que resultem em uma mesma controvérsia jurídica.

Assim dispõe o artigo 543-B, caput, "[...] quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo". (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).

O exame da repercussão geral de controvérsia constitucional dar-se-á por amostragem, de modo que os Tribunais de origem farão a seleção de um ou mais recursos representativos da controvérsia. Caso não ocorra tal seleção na origem, deverá ser levada a efeito pela Presidência do Supremo Tribunal Federal ou pelo relator do recurso, de forma a determinar-se desde logo a devolução dos recursos não selecionados e o sobrestamento dos mesmos até a manifestação do Supremo Tribunal Federal, da existência ou não da repercussão geral.

A seleção de um ou mais recursos, que representem esta ou aquela controvérsia, precisa ser proveniente de uma escolha amplamente dialogada, de modo que a controvérsia suscitada seja capaz de representar adequadamente tantas perspectivas quantas forem possíveis para a remessa e posterior análise do Supremo Tribunal Federal.

Para tal efeito, seria apropriada a participação das entidades de classe, como Ministério Público, OAB, em sessão pública quando da escolha. Importante também esclarecer que não há direito algum da parte, quanto à escolha de seu recurso.

Depois de ocorrida a seleção, e individualizados os recursos de representação da controvérsia, os demais recursos que tratarem da mesma questão ficarão sobrestados até o pronunciamento do STF; a respeito da existência ou negativa da repercussão geral.

É o que dispõe o artigo 543-B, § 1º, do Código de Processo Civil, "Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte".

Se, neste ínterim, algum recurso for sobrestado equivocadamente, terá o recorrido, via requerimento, que demonstrar a diferença entre as controvérsias e solicitar diretamente ao Tribunal de origem a imediata verificação do juízo de admissibilidade e posterior remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, lembrando que desta decisão cabe agravo de instrumento, bem como a reclamação.

Quando reconhecida a repercussão geral da questão controversa e julgado o mérito do recurso, os recursos sobrestados poderão ser apreciados imediatamente pelo Tribunal de origem, pelas Turmas de Uniformização ou pelas Turmas Recursais, podendo o juízo originário retratar-se de suas decisões ou declará-los prejudicados. Entende-se desta última hipótese que, declarados prejudicados, decisão contrária à decisão do Supremo Tribunal Federal trata-se de negativa de provimento ao recurso.

Neste diapasão, sendo clara a razão da decisão da Corte Suprema, para o julgamento de mérito da questão debatida, há vinculação jurídica, em sentido vertical, dos Tribunais de origem, à decisão do Supremo.

Segundo Ministro Gilmar Mendes, o efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal, no exercício de jurisdição constitucional, é fenômeno contemporâneo ao enriquecimento do sistema brasileiro de controle da constitucionalidade, com notório ganho de importância do controle concentrado e abstrato.

Ainda, quanto ao efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal entende não ficar subsumido ao dispositivo da decisão; alcança também os fundamentos determinantes desta, de forma que as razões de decidir é que importam quando se trata da vinculação.

Nessa direção, esclarece o Ministro Gilmar Mendes que "Vale ressaltar que o alcance do efeito vinculante das decisões não pode estar limitado à sua parte dispositiva, devendo, também, considerar os chamados ‘fundamentos determinantes’". (STF, Pleno, Reclamação 1987/DF, rel. Min. Maurício Correia, j. 01.10.2003, DJU 21.05.2004, p.33).

Sabe-se que, no controle abstrato de constitucionalidade, não há partes, não há lide, ou seja, não existe um conflito de interesses a ser apreciado pelo Judiciário, nem a defesa de interesses subjetivos em questão. É, portanto, a idéia de processo objetivo, com a ampla discussão de teses jurídicas que avançam para além do individual, buscando atingir a coletividade.

Para o Ministro Celso Mello, encontra-se semelhança com o objetivo do instituto da repercussão geral, em que, por meio desta via, procura-se ‘objetivar o controle constitucional concreto’, conforme sua manifestação:

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, em recentes julgamentos, vem dando mostras de que o papel do recurso extraordinário na jurisdição constitucional está em processo de redefinição, de modo a conferir maior efetividade às decisões. (Julgamento da Reclamação 2.986. STF, Informativo 379).

O alcance da decisão que nega a repercussão geral a todos os recursos sobre matéria idêntica preza por garantir uma coerência lógica das decisões da Suprema Corte, respeitando a finalidade da norma constitucional, segue assim:

"Esse entendimento marca uma evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, praticamente, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto". (MENDES, 2004, p. 157)

Assim, quando for mantida decisão contrária ao Supremo Tribunal Federal, o recurso extraordinário tem de ser remetido à apreciação da Corte Suprema, que poderá cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário ao que foi firmado, conforme o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Nos casos em que não houver o reconhecimento da repercussão geral, os recursos sobrestados não serão admitidos, conforme o já citado artigo 543-B, § 2º, do Código de Processo Civil, cabendo ao Tribunal de origem noticiar nos autos de cada recurso sobrestado o julgamento do Supremo Tribunal Federal, de forma a declarar a não admissão.

Relevante mencionar que o requisito da repercussão geral de questão constitucional no recurso extraordinário somente poderá ser exigido, dos recursos interpostos após a vigência da Lei 11.418 de 20 de dezembro de 2006, sob pena de ferir o direito adquirido assegurado em nosso ordenamento; todavia, negada a repercussão geral em recurso interposto após a vigência da lei, sua decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, independente do momento de sua interposição. Isso se dá justamente pelo efeito vinculante da decisão.

Imprescindível a análise de que não haveria lógica alguma exigir do Supremo Tribunal Federal o julgamento de recursos extraordinários sobre idêntica controvérsia, cuja repercussão geral foi negada por 2/3 de seus membros, somente pelo fato de tais recursos terem sido interpostos antes da vigência da lei.

Trata-se justamente da necessidade da uniformização do posicionamento da Suprema Corte quanto à existência ou não de repercussão geral, de maneira a definir quais as matérias que deverão ser analisadas pela mais alta Corte do país (MORAES, 2007).

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Sobre a autora
Luciane Alcântara Borba

Pós-graduada em Direito Constitucional pela Faculdade Estácio de Sá. Bacharel em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORBA, Luciane Alcântara. A repercussão geral no recurso extraordinário: poder discricionário do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2782, 12 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18484. Acesso em: 28 mar. 2024.

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