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A repercussão geral no recurso extraordinário: poder discricionário do Supremo Tribunal Federal

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12/02/2011 às 17:18
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3. DO PODER DISCRICIONÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

3.1 PODER DISCRICIONÁRIO

Primeiramente cabe esclarecer, segundo pontua Meirelles (2002, p.114) que "[...] poder discricionário é o que o Direito concede à Administração, de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo".

Sabe-se que o ato administrativo é proveniente de uma vontade manifesta do poder estatal, ou seja, em geral é um ato unilateral do Estado quando no exercício de suas funções estatais, estando, portanto, submisso à legitimidade dos órgãos jurisdicionais.

Desta forma, o ato administrativo é entendido pela doutrina como um pressuposto de fato que autoriza ou exige determinada prática de um ato estatal como ‘motivo ou pressuposto objetivo’ do ato administrativo. (MELLO, 2002)

Entende-se que, havendo a previsão em lei, o administrador só poderá praticar o ato se houver ocorrido a situação prevista, o que condiz com o princípio da legalidade, não havendo liberdade de escolha para o agente, estando assim vinculado aos pressupostos da lei. Por outro lado, não havendo previsão em lei, pode o agente público usufruir de sua liberdade de escolha diante da situação que lhe apresenta, sendo, portanto, seu ato discricionário, incidindo certa margem de liberdade em sua atuação, desde que não contrária aos princípios gerais do ordenamento jurídico vigente.

Ressalta-se que, este poder concedido à Administração é discricionário porque o mesmo encontra-se cerceado aos critérios de oportunidade, conveniência, justiça e eqüidade, todos relacionados à autoridade administrativa, que se submete aos princípios da Administração Pública, entre eles, o princípio da legalidade.

Discricionariedade é liberdade dentro da lei, nos limites da norma legal, e pode ser definida como: A margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal. (MELLO, 2002, p.382).

Nesse viés, a Administração Pública ao atuar por intermédio de seus agentes, dentro de cada esfera de competência e atribuições, encontra-se vinculada à lei, de forma que, para a solução de qualquer situação, a lei é o limite e o parâmetro. Isso impede que o administrador da coisa pública atue fora do previsto, ou faça uma apreciação completamente subjetiva, salvo situações excepcionais.

Ainda, a discricionariedade confere este liberdade ao agente, em decorrência de omissão legislativa, haja vista a impossibilidade de se prever todas as situações supervenientes à criação das leis e a impossibilidade de se determinar todas as condutas a serem adotadas.

"A atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito". (DI PIETRO, 2001, p.197).

Importantedestacar que não se confunde poder discricionário com poder arbitrário, pois tratam-se de atitudes diferenciadas. Enquanto a discricionariedade é a liberdade de atuação da Administração Pública, dentro dos limites previstos em lei, o arbítrio é uma ação contrária ou excedente à lei. E ainda, quando o Direito autoriza o ato discricionário, este ato é um ato legal e válido; já o ato arbitrário, é sempre ilegítimo e inválido. (MEIRELLES, 2002).

Outra pontuação relevante diz respeito à discriminação entre o ato discricionário e o ato vinculado já que, no primeiro há uma maior liberdade de escolha do administrador, desde que dentro da lei, enquanto que, na segunda opção, o agente estará completamente adstrito à lei, ou seja, a norma legal deverá indicar os parâmetros para a execução do ato.

A atividade discricionária encontra plena justificativa na impossibilidade de o legislador catalogar na lei todos os atos que a prática administrativa exige. O ideal seria que a lei regulasse minuciosamente a ação administrativa, modelando cada um dos atos a serem praticados pelo administrador; mas, como isto não é possível, dadas a multiplicidade e diversidade dos fatos que pedem pronta solução ao Poder Público, o legislador somente regula a prática de alguns atos administrativos que reputa de maior relevância, deixando o cometimento dos demais ao prudente critério do administrador. (MEIRELLES, 2002, p.116).

Corroborando com o mesmo raciocínio, segundo lições de Di Pietro (2001), o âmbito de aplicação da discricionariedade é bem amplo, todavia, nunca é total, tendo em vista que alguns aspectos sempre estarão vinculados à lei.

3.2 DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL

Há uma enorme polêmica acerca do que, contemporaneamente, tem-se convencionado chamar de discricionariedade judicial. O fato decorreria da interpretação da lei e de sua aplicação ao caso concreto em que, afirmariam alguns doutrinadores, o juiz estaria na posição de escolher uma dentre as diversas soluções cabíveis para a resolução do caso concreto.

No aspecto judicial, para alguns doutrinadores, a discricionariedade é proveniente do crescimento dos conceitos indeterminados no ordenamento jurídico, sendo inevitável, conforme Wambier (Apud, DANTAS, 2008, p. 232), a confusão entre seu processo interpretativo e o poder discricionário.

Todavia, segundo Dantas (2008), outros doutrinadores afirmam não associar a interpretação dos conceitos vagos à discricionariedade, haja vista que o vínculo do juiz à solução do conflito por via do sistema jurisdicional, não lhe aufere liberdade de suas próprias escolhas por conta de seu livre arbítrio, não estando relacionado à questão apresentada na esfera administrativa, quanto à conveniência e oportunidade.

Segundo a visão de Moreira (Apud, DANTAS, 2008, p. 233), "[...] não se deve confundir a margem de liberdade, concedida ao aplicador da lei para fixar conceitos juridicamente indeterminados, com a discricionariedade".

Tal divergência ocorre de forma equivocada quanto ao significado da palavra discricionariedade, consagrada, conforme já exposto, no âmbito administrativo.

O que um e outro fenômeno têm em comum é o fato de que, em ambos, é particularmente importante o papel confiado à prudência do aplicador da norma, a quem não se impõem padrões rígidos de atuação. Há, no entanto, uma diferença entre os dois elementos essenciais da estrutura da norma, a saber, o ‘fato’ (Tatbestand, fattispecie) e o efeito jurídico atribuído à sua concreta ocorrência. Os conceitos indeterminados integram a descrição do ‘fato’, ao passo que a discricionariedade se situa toda no campo dos efeitos. (DANTAS, 2008, p.233)

Com base na idéia de Estado moderno, Alvim Wambier (Apud, DANTAS, 2008, p. 234) afirma que "[...] a liberdade do juiz em decidir não se confunde, em hipótese alguma, com aquela que existe quando se exerce o poder que se convencionou chamar de discricionário na esfera da Administração Pública".

Neste âmbito, pontua Dantas (2008, p. 261) que a previsão de discricionariedade judicial existe em poucos dispositivos, são eles:

"[...] a fixação do prazo do edital de citação, no Código de Processo Civil, artigo 232, inciso IV; o prazo para contestação na ação rescisória, artigo 491 do CPC; e o tempo pelo qual o juiz pode prorrogar a dedução de alegações finais nas audiências de instrução e julgamento, artigo 454 do CPC".

Portanto, quando se trata de discricionariedade, é importante analisar se os critérios do administrador público tem correlação com a oportunidade e conveniência, em que, qualquer que seja sua escolha, será tida como válida e legal; observa-se portanto certa distinção das questões judiciais, em que a oportunidade e a conveniência não estão presentes.

Faz-se mister pontuar que "a ausência de controle não determina a existência da discricionariedade", de modo que se entende que a discussão encontra-se entre duas formas de expressão utilizada pelos doutrinadores: a liberdade de investigação crítica e a palavra discricionariedade utilizada por outros, de forma equivocada. (DANTAS, 2008, p. 263).

Conforme sublinha Barroso (2009), quanto às decisões que envolvem a liberdade de investigação criativa do juiz, estas acabam por potencializar o dever de fundamentação dos magistrados.

Para assegurar a legitimidade e a racionalidade de sua interpretação nessas situações, o intérprete deverá, em meio a outras considerações: (i) reconduzi-la sempre ao sistema jurídico, a uma norma constitucional ou legal que lhe sirva de fundamento – a legitimidade de uma decisão judicial decorre de sua vinculação a uma deliberação majoritária, seja do constituinte, seja do legislador; (ii) utilizar-se de um fundamento jurídico que possa ser generalizado aos casos equiparáveis, que tenha pretensão de universalidade: decisões judiciais não devem ser casuísticas; (iii) levar em conta as conseqüências práticas que sua decisão produzirá no mundo dos fatos. (BARROSO, 2009, p.311).

Depreende-se das pontuações de Barroso que, sem sombra de dúvida, cabe ao Judiciário, principalmente ao Supremo Tribunal Federal, a guarda da Constituição, de forma a fazê-la valer, calcando-se nos direitos fundamentais, nos valores e no princípio democrático. Assim, é dever da Corte Constitucional respeitar as escolhas do legislador, atender à discricionariedade técnica do mesmo e expandir os precedentes, respeitando o ordenamento jurídico, utilizando-se da racionalidade e da motivação de suas decisões na efetivação da justiça.

Os juízes, mesmo os do Supremo Tribunal Federal, são parte de um sistema cujas regras são suficientemente determinadas na parte central para fornecer padrões de decisão judicial correta. Esses padrões são considerados pelos tribunais como algo que não pode ser desrespeitado livremente por eles no exercício da autoridade para proferir essas decisões, que não podem ser contestadas dentro do sistema. (HART, 2005, p. 159, Apud, MELO, 2008, p.176).

A citação de Hart atenta para a limitação dos juízes que, mesmo diante de regras abertas e indefinidas, estará vinculado aos padrões de decisões delineados pelo próprio sistema, sendo limitado, assim, seu dito poder discricionário, ou melhor, sua liberdade de interpretação.

No entendimento de Engisch (1996, Apud, DANTAS, 2008), existe um espaço residual da subjetividade quando da apreciação do justo, que permanece mesmo após a análise e consideração de todas as possibilidades de aplicação das regras e normas, e que não se elimina.

O exercício do poder de escolha deve ir endereçado a um escopo e resultado da decisão que é o único ajustado, em rigorosa conformidade com todas as diretrizes jurídicas, e particularmente legais, que são de tomar em conta, ao mesmo em que procede a uma cuidadosa pesquisa e uma cuidadosa consideração de todas as circunstâncias do caso concreto. (ENGISCH, 1996, p.220-221, Apud, DANTAS, 2008, p.264).

Assim sendo, entende-se como discricionariedade judicial a liberdade do julgador em adaptar a melhor interpretação das regras e normas ao caso concreto, de forma que o magistrado não tem uma liberdade sem limites mas, sim, a liberdade de aplicar a norma da única forma correta.

É no campo da interpretação que os conceitos jurídicos indeterminados, como a da repercussão geral, tradicionalmente são apontados como propensos à incidência do que se chama de poder discricionário do judiciário.

No campo da interpretação encontra-se também a valoração do intérprete na busca da melhor solução, sendo assim importante destacar as palavras de Wambier (Apud, DANTAS, 2008, p. 266):

[...] sustentando que uma coisa é saber definir ontologicamente o que é verdade, e outra diferente é saber reconhecer se algo é verdadeiro – acenar que no plano jurídico as verdades podem ser alcançadas por consenso (no caso das democracias) ou por imposição (nos regimes totalitários), de modo que elas representam um certo ou um melhor relativo, tomado a partir de determinados pontos de vista escolhidos pela lei.

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Leciona Streck (In, SCHÄFER, 2001, P.290), quanto ao tópico em questão:

Na medida em que não interpretamos por partes – porque também não compreendemos por etapas – o problema hermenêutico é filosófico e não procedimental. Dito de outro modo, não percebemos, primeiro, o texto para, depois, acoplar-lhe a norma (o sentido). Ou seja, como o ato de interpretar – que é sempre compreensivo – é unitário, o texto não está, e não nos parece, desnudo, à nossa disposição. A applicatio evita a arbitrariedade na atribuição de sentido, porque é decorrente da antecipação (de sentido) que é própria da hermenêutica de cariz filosófico. Aquilo que é condição de possibilidade não pode vir a se transformar em um "simples resultado" manipulável pelo intérprete.

Esclarece-se que, diante do Estado Constitucional, a sociedade e o poder público encontram-se vinculados, não havendo espaço para uma atuação jurisdicional em que a lei seja suprema e que a subsunção prevaleça como forma de se aplicarem as escolhas do povo sendo, nesta conjuntura, de extrema importância a fundamentação material, através da argumentação no caso concreto, para que haja a legitimidade da responsabilidade judicial. (SAMPAIO JUNIOR, 2008, p.83-84).

Acrescenta ainda Streck (2006, p. 431, Apud, SAMPAIO JUNIOR, 2008, p. 86-87), quanto às ponderações como forma de extrema necessidade da busca de justificativas específicas e motivações das decisões judiciais:

É preciso estar atento, pois, ao perigoso ecletismo pelo qual passa o sistema jurídico brasileiro: busca a fórmula dos precedentes sem a correspondente obrigatoriedade da motivação/justificação. Destarte, as decisões devem estar justificadas e tal justificação deve ser feita a partir da invocação de razões e oferecendo argumentos de caráter jurídico, assinala Ordónez Solis. O limite mais importante das decisões judiciais reside precisamente na necessidade da motivação/justificação do que foi dito. O juiz, por exemplo, deve expor as razões que lhe conduziram a eleger uma solução determinada em sua tarefa de dirimir conflitos. A motivação/justificação está vinculada ao direito à efetiva intervenção do juiz, ao direito dos cidadãos a obter uma tutela judicial, sendo que, por esta razão, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos considera que a motivação integra-se ao direito fundamental a um processo eqüitativo, de modo que "as decisões judiciais devem indicar de maneira suficiente os motivos em que se fundam. A extensão deste dever pode variar segundo a natureza da decisão e deve ser analisada à luz das circunstâncias de cada caso particular" (sentenças de 09.12.1994 – TEDH 1994, 4, Ruiz Torija e Hiro Balani-ES, parágrafos 27 e 29; de 19.02.1998 – TEDH 1998,3, Hignis e outros – Fr, parágrafos 42; e de 21.01.1999 – TEDH 1999, 1, Garcia Ruiz-ES).

Portanto, há evidências o suficiente para verificar que a discussão quanto ao que se chama de poder discricionário no âmbito jurídico é mais uma má compreensão do significado da palavra "discricionário", do que o real conteúdo que ela vem a desempenhar no aspecto jurídico, o que é bem distinto da realidade do direito administrativo, em que o poder discricionário do administrador público encontra-se como reconhecido e consolidado.

3.3 DA DISCRICIONARIEDADE NO EXAME DA REPERCUSSÃO GERAL

Diante do exposto, entende-se que não cabe falar em poder discricionário quando do reconhecimento ou não do Supremo Tribunal Federal na incidência da repercussão geral de questão constitucional para admissão do recurso extraordinário.

Importante ressaltar que, mesmo havendo a prerrogativa da Corte na liberdade de reconhecer ou não um recurso como admissível ao seu julgamento, diante de conceitos indeterminados, acreditar que devido a esta liberdade de reconhecimento existiria a discricionariedade dos julgadores, seria o mesmo que admitir que, em casos absolutamente idênticos, a Corte Suprema poderia ter decisões absolutamente distintas para um e para outro caso, na admissibilidade do recurso.

Sobre a discricionariedade admitida na Corte Constitucional Argentina, expõe Dantas (2008, p.267) que:

[...] a sana discreción, a que se refere o legislador argentino, corresponde à discricionariedade vinculada de Engisch, pois o adjetivo são não pode significar outra coisa que não a absoluta necessidade de que a solução ministrada pela Corte decorra estritamente do sistema de regras e princípios vigentes no País.

Faz-se mister lembrar que se discute a liberdade da Corte Suprema em admitir um recurso em detrimento de outro, em que tal entendimento não condiz com o decoro do Supremo Tribunal Federal em atuar de forma estritamente vinculada ao sistema de normas, regras e princípios que regem o ordenamento jurídico. Ademais, não se trata neste momento do julgamento de mérito.

Ainda, segundo Morello (Apud, DANTAS, 2008), a concessão dada à Corte Suprema pela lei, para a utilização da ‘sana discreción’ quando da escolha dos casos transcendentes, é critério privativo que cabe somente aos membros do tribunal constitucional, justamente por entender, que estes magistrados encontram-se capacitados pela maturidade, experiência e extrema responsabilidade, a refletir um juízo prudente e objetivo.

Quanto ao Supremo Tribunal Federal, entende-se que sua função na admissão do recurso extraordinário está longe de ser uma atuação de poder discricionário e, sim, próxima a uma atuação de investigação crítica do caso. (DANTAS, 2008).

Segundo Arruda Alvim (2005, p.86) "[...] não nos parece que os critérios valorativos para apreciar o que tem ou não repercussão geral seja, propriamente, o discricionário, que ainda que predomine o uso desta expressão, sem que a ela, todavia, sejam sempre atribuídas, pelos autores, significados idênticos."

Compreende-se, portanto, que uma maior restrição instituída à admissão do recurso extraordinário, não pode ser vista como decisão de juízo discricionário dos magistrados. É necessário observar que o próprio sistema impõe que, para cada conflito em exame pelo Supremo Tribunal Federal, somente uma solução pode se destacar como a melhor. É neste aspecto que o posicionamento adotado pela Corte, com base no sistema constitucional e no momento histórico, abrange as questões políticas, sociais, econômicas e jurídicas, que atuará a Suprema Corte do país.

3.4 DA TUTELA JURISDICIONAL

3.4.1 Da celeridade

Conforme dito anteriormente, a Reforma do Judiciário acrescentou ao artigo 5º o inciso LXXVIII à Constituição Federal, que assegura a todos, seja no aspecto administrativo, como no aspecto jurídico, o direito à razoável duração do processo, de forma a garantir os meios pelos quais ocorra sua tramitação de forma breve.

Tal dispositivo surgiu com a preocupação quanto à morosidade da justiça, inserindo mais um inciso ao rol de direitos e garantias fundamentais, demonstrando a necessidade pela celeridade, tempestividade e efetividade da tutela jurisdicional.

Na lição de Wambier (2005, p.26), "[...] a garantia de razoável duração do processo constitui desdobramento do princípio estabelecido no art. 5º, XXXV", ou seja, não pode ser excluída da apreciação do Judiciário, lesão ou ameaça de direito, o que leva a perceber que a tutela a ser realizada por este Poder deve ser capaz de realizar, de forma eficaz, o que o ordenamento jurídico material reserva à parte.

Ressalte-se que, por tutela eficaz, entende-se a prestação tempestiva da mesma, de modo que a prestação da tutela jurisdicional tardia é o mesmo que uma tutela sem conteúdo, um vácuo, haja vista que é função de jurisdição do Estado o serviço público prestado pelo Poder Judiciário. (WAMBIER, 2005).

Neste sentido, Sampaio Júnior (2008) leciona que o rol de direitos e garantias fundamentais, de forma expressa, vincula toda a atuação jurisdicional, impondo uma releitura das normas processuais, em que os valores dispostos sejam consagrados em todas as situações fáticas, submetidas a processo judicial ou mesmo administrativo.

Desta forma, a jurisdição deve ampliar-se a uma análise baseada a partir dos direitos e garantias fundamentais, vindo ao encontro do novo modelo constitucional de processo.

Preceitua Bueno (2006, v.1) que o processo civil tem de ser efetivo e, por efetividade do processo, entende-se a solução de controvérsias mediante a atuação do Estado, em que este produza resultados práticos e não crie mais problemas e dificuldades aos interessados na solução do litígio. Ainda neste sentido, quanto ao âmbito processual penal, leciona Caldas Neto (Apud, SAMPAIO JÚNIOR, 2008, p.120) que o modelo constitucional de processo também tem total aplicabilidade, pois, "[...] nada mais significa do que a visão dos valores encampados pela nossa Carta Magna, que, no processo penal, representou verdadeira inversão dos seus eixos valorativos [...]".

Assim sendo, o modelo constitucional de processo tem como objetivo fazer com que todas as leis que tratam de processo sejam lidas a partir da necessidade de que o direito fundamental a uma tutela efetiva seja respeitado consoante as garantias constitucionais processuais.

Destaca Marinoni (Apud, SAMPAIO JÚNIOR, 2008, p.122), que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva atua tanto sobre o legislador quanto sobre o magistrado, ou seja, a estruturação legal do processo e a conformação dessa estrutura pela jurisdição obrigam o legislador a instituir procedimentos e técnicas processuais capazes de permitir a realização das tutelas prometidas pelo direito material e pelos direitos fundamentais materiais.

Para tanto, é necessário que as autoridades públicas apontem atitudes concretas e específicas, de forma a criar técnicas processuais viáveis e capazes de garantir uma efetiva proteção aos direitos fundamentais, atingindo assim a função do Estado no direito da prestação da tutela jurisdicional e, por fim, a efetividade da mesma.

A atitude da criação do novel instituto da repercussão geral de questão constitucional no recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal pode ser vista, então, como uma tentativa do legislador na busca de uma maior celeridade quanto ao processo excepcional, haja vista a exigência que a mesma impõe aos inúmeros recursos que chegam à Suprema Corte.

3.4.2 Do falso sentimento de negativa jurisdicional

Importante destacar que embora tal instituto desperte o sentimento de negativa da tutela jurisdicional, como aponta Beraldo (2005, p.153), quando afirma que "[...] na prática, este instituto será verdadeira afronta ao princípio do Estado Democrático de Direito, haja vista a limitação ao acesso à justiça dos cidadãos brasileiros", cabe ressaltar que a grande maioria dos processualistas defende a legitimidade à Suprema Corte quanto à sua função primordial: guardiã da Constituição.

Ademais, tal sentimento de negativa acaba por se dar falsamente, pois se trata de uma cultura incrustada de que se deve recorrer sempre à última instância. Sabiamente expõe Wambier (2005, p.83-84) que "[...] o instituto da repercussão social potencializará, no cenário judiciário, a importância do papel do STF, e, paralelamente, o ‘dispensará’ de pronunciar-se sobre assuntos rotineiros, cujo pronunciamento não se justifica, por inumeráveis argumentos".

Ainda, afirma-se que o tribunal quando obtiver o qualificativo definitivo inserido à suas funções, e, somente julgar causas que tenham repercussão geral, ser-lhe-á, enfim, conferido o perfil correto que a Suprema Corte merece. (WAMBIER, 2005).

No Brasil, a repercussão geral, mesmo que importada do direito estrangeiro americano (writ of certiorari) é aplicada de forma a amparar as diferenças culturais existentes e a trazer ao ordenamento jurídico um novo paradigma, qual seja, um maior respeito e aceitação quanto aos provimentos instituídos pelas primeiras instâncias e uma restrição ainda maior quanto aos recursos que chegam à Suprema Corte, de forma a atender aos casos de relevância para toda a sociedade com a devida celeridade jurisdicional.

3.5 DA AFRONTA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Pontua Sampaio Junior (2008, p.119), ser imprescindível que a jurisdição busque uma análise a partir dos direitos e garantias fundamentais de forma a se adequar ao modelo de processo constitucional e, ainda mais necessário, que o caso concreto norteie a atuação da jurisdição. A previsão de abstração deve servir como um modelo de orientação e não a regra, principalmente no aspecto formal, haja vista as técnicas de controle de constitucionalidade e a necessidade de concretização dos valores constitucionais, que exigem uma postura responsável da decisão judicial, calcada na efetividade e celeridade adequadas ao caso específico.

Neste âmbito, expressa a Constituição Federal que "[...] a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão de direito". (artigo 5º, inciso XXXV, da CF/88), de forma que, a priori, todas as pessoas possam e devam recorrer ao Poder Judiciário quando se depararem com a violação de seus direitos, ou sentirem-se ameaçados.

O princípio constitucional de acesso a justiça encontra-se em todas as espécies de processo, inclusive no processo administrativo. Todavia, esta garantia deve ser compreendida diante de algumas ponderações, diante das limitações no próprio exercício da ação dentro do caso concreto, sendo cabível afirmar que é assegurado a todo cidadão conduzir sua ‘queixa’ ao Poder Judiciário; no entanto, este há de observar certos requisitos impostos pela própria lei, para que possa vislumbrar uma decisão eficaz. (SAMPAIO JUNIOR, 2008, p. 146).

É de se ressaltar que as condições da ação, assim entendidas como a legitimação, o interesse e a possibilidade jurídica do pedido, não lesionam o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional. A legitimação trata de preservar o direito, pois sobre este só haverá decisão se o titular ou legitimado extraordinariamente figurar no processo. O interesse configura-se pela necessidade e utilidade. Não sendo necessária e útil a providência jurisdicional, a ausência de atividade judicial não acarretará qualquer prejuízo para o jurisdicionado. Por fim, a realização da jurisdição, diante de pedido juridicamente impossível, assim entendido o que é vedado pelo ordenamento jurídico, significaria desperdício de recursos, na medida em que o insucesso da pretensão seria inequívoco. Como leciona Nelson Nery Junior, os pressupostos processuais e condições da ação "significam limitações naturais e legítimas ao exercício do direito de ação". (MENDES, Apud, SAMPAIO JUNIOR, 2008, p. 147).

Depreende-se das pontuações de Mendes, que estas limitações devem estar conjecturadas com o caso sob análise, de forma que possibilite uma apuração mais adequada das ponderações apresentadas pelas partes, porque o direito de ação é exercido conforme o direito material apresentado e, assim, as condições da ação (interesse de agir, legitimidade das partes, e possibilidade jurídica do pedido) são imprescindíveis para a adequação da ação ao plano concreto; pois, diante da análise das condições da ação, pode-se evitar o desenvolvimento de uma ação arbitrária e inútil.

É imperioso ressaltar a função do magistrado em fazer valer este direito, de modo que deve utilizar todas as formas hermenêuticas para a resolução do thema decidendum, atuando de forma a proteger o direito perquirido e apreciar todas as possibilidades, haja vista que o magistrado não pode se eximir de prestar a devida tutela jurisdicional.

Diante das colocações, e esclarecidas a inafastabilidade do Judiciário quando de sua atuação, em se tratando o trabalho sobre recurso extraordinário, não há como não refletir sobre o duplo grau de jurisdição, princípio constitucional que, embora não esteja expresso na Constituição, encontra-se implícito no ordenamento jurídico pátrio, principalmente pela valoração da segurança jurídica, assegurando uma segunda opinião ao caso já sentenciado.

Não obstante inexista texto expresso na Constituição Federal, a doutrina leciona que o princípio do duplo grau de jurisdição está inserido em nosso sistema constitucional, em decorrência do princípio do due process of law (CF, art.5º, LIV), na medida em que consiste na possibilidade de provocar a reapreciação da quaestio através de recurso, conforme a legislação infraconstitucional, ou seja, através do devido processo legal. Ademais, outra previsão implícita decorre do fato de a Carta Magna ter mencionado a existência de tribunais, conferindo-lhes a competência de julgar causas originariamente e em grau de recurso. Porém, a aplicação desse princípio, como se viu, não é limitada. (OLIVEIRA, Apud, SAMPAIO JUNIOR, 2008, p.173).

Embora o duplo grau de jurisdição seja de fato a garantia de uma revisão do direito em debate, conforme dispõe a doutrina e implicitamente a própria Constituição Federal, a crítica é extremamente forte devido à maneira como vem sendo utilizado.

Entende-se que a segurança jurídica que se busca por via do duplo grau de jurisdição não pode ser levada às últimas conseqüências, compreendendo-se conseqüências como até o último grau de recurso possível e cabível dentro do ordenamento jurídico.

Neste âmbito, o que ocorre de fato com muita freqüência é justamente o uso indiscriminado de recursos, que refletem, por óbvio, na intempestividade da tutela jurisdicional. Claro que a questão da celeridade jurisdicional, já discutida neste trabalho, é mais complexa, não sendo somente os recursos o único empecilho da intempestividade da tutela jurisdicional. No entanto, a cultura da revisão recursal é mais associada ao inconformismo humano, do que efetivamente da justiça fática ou jurídica.

Crer que a atividade judicial é atividade de recurso de terceiro ou quarto grau de jurisdição é uma falácia de lamentável constatação cultural. Conforme afirma Sampaio Junior (2008, p. 174), "[...] e a situação nos Tribunais Superiores já é ruim, no tocante à quantidade exagerada de demandas, imagine se porventura, na teoria tivéssemos o direito de sempre submeter a decisão dos Tribunais de segunda instância ao STJ e depois ao STF".

Temos que conscientizar a população de que a justiça do caso concreto se faz pelos juízes e Tribunais de segunda instância. Aos Tribunais Superiores só cabe a análise de teses jurídicas e somente as mais relevantes. Este é o momento de nossos ministros julgarem questões mais relevantes, uniformizando inclusive as questões jurídicas e com isso fazendo valer o princípio da isonomia. Que igualdade existe quando uma pessoa tem uma situação fática idêntica decidida de um jeito e o seu vizinho de outra, sem nenhuma alteração? Essa é a justiça que vivemos a ponte de termos um jargão que mais ou menos diz que cabeça de juiz é uma incógnita. E é mesmo! (SAMPAIO JUNIOR, 2008, p. 174).

Imperioso destacar que não se pode acreditar em um direito fundamental de protelação, da atuação de recorrer por recorrer, ainda mais já havendo sido sanada a questão por instâncias inferiores.

Verifica-se, portanto, que há uma necessidade de se rever a função do princípio do duplo grau de jurisdição e atentar para o sentido de que o recurso excepcional, competência do Pretório Excelso, não tem relação com este princípio, haja vista todo o descrito sobre a competência do Supremo Tribunal Federal e sua função principal: Guardião da Constituição.

É importante referir que a Constituição Federal preconiza a existência de juízes e tribunais, bem como alguns recursos, como o recurso ordinário constitucional, o recurso especial, e o recurso extraordinário; no entanto, inexiste a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição, como já demonstrado. Então, há competências originárias em que não ocorrerá o duplo grau de jurisdição, haja vista que a competência originária de determinadas ações são dos Tribunais, como do STJ e do STF.

Segundo observa Nery Júnior (1995, p.152, Apud, MORAES, 2007, p. 74):

[...] as constituições que se lhe seguiram (à de 1824), limitaram-se a apenas mencionar a existência de tribunais, conferindo-lhes competência recursal. Implicitamente, portanto, havia previsão para a existência do recurso. Mas, frise-se, não garantia absoluta ao duplo grau de jurisdição.

Ressalte-se que esta previsão também ocorre no direito estrangeiro, como salienta Canotilho (1993, p.653, Apud, MORAES, 2007, p. 74) quanto ao direito português:

[...] o Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais não garante, necessariamente, e em todos os casos, o direito a um duplo grau de jurisdição (cf.Ac 38/87, in DR I, nº 63 de 17-3-87; Ac 65/88, in DR II, nº 192 de 20-8-88; Ac 359/86, in DR II, nº 85 de 11-4-87; Ac 358/86, in DR I nº 85 de 11-4-87. Outros acórdão no mesmo sentido: Ac TC, nº 219/89, in DR II, nº 148 de 30-06-89; Ac TC, nº 124/90, in DR II, nº 33 de 8-2-91; Ac. TC, nº 340/90). O direito a um duplo grau de jurisdição não é, prima facie, um direito fundamental, mas a regra – que não poderá ser subvertida pelo legislador, não obstante a liberdade de conformação deste, desde logo quando o valor das alçadas, é a da existência de duas instâncias quanto a ‘matéria de fato’ e de uma instância de revisão quanto a ‘questões de direito’.

Desse modo, observa-se que o Supremo Tribunal Federal não reconhece o direito a uma contestação continuada e permanente, sob o prejuízo de colocar em questão o valor da ordem constitucional, qual seja da segurança jurídica, em especial a proteção da coisa julgada. (MENDES, 2008).

Frisa-se que o modelo de jurisdição Constitucional não autoriza a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição como regra geral.

Mister o julgamento do RHC nº 79.785/RJ do STF, com parte da ementa da decisão do Relator Sepúlveda Pertence (Apud, MENDES, 2008, p.496-497):

I.Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, à luz da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. 1. Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado a órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem jurídica. 2. Com esse sentido próprio – sem concessões que o desnaturem – não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área penal. [...] III. Competência originária dos Tribunais e duplo grau de jurisdição. 1. Toda vez que a Constituição prescreveu para determinada causa a competência originária de um Tribunal, de duas uma: ou também previu recurso ordinário de sua decisão (CF, arts. 102, II, a; 105, II, a e b; 121, § 4º, III, IV e V) ou, não o tendo estabelecido, é que o proibiu. 2. Em tais hipóteses, o recurso ordinário contra decisões de Tribunal, que ela mesma não criou, a Constituição não admite que o institua o direito infraconstitucional, seja lei ordinária seja convenção internacional: é que, afora os casos da Justiça do Trabalho – que não estão em causa – e da Justiça Militar – na qual o STM não se superpõe a outros Tribunais - , assim como as do Supremo Tribunal, com relação a todos os demais Tribunais e Juízos do País, também as competências recursais dos outros Tribunais Superiores – o STJ e o TSE – estão enumeradas taxativamente na Constituição, e só a emenda constitucional poderia ampliar. 3. À falta de órgãos jurisdicionais ad qua, no sistema constitucional, indispensáveis a viabilizar a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição aos processos de competência originária dos Tribunais, segue-se a incompatibilidade com a Constituição da aplicação no caso da norma internacional de outorga da garantia invocada. (RHC 79.785/RJ, Rel. Sepúlveda Pertence, julgado em 29-3-2000, DJ de 22-11-2002.)

Por fim, a Suprema Corte tem confirmado a inexistência do direito ao duplo grau de jurisdição, salvo os casos em que a própria Constituição Federal de 1988, de forma expressa, assegura a garantia deste direito, como na possibilidade de recurso ordinário, conforme dispõe os artigos 102, inciso II e artigo 104, inciso II, ou apelação para instância imediatamente superior, segundo dispõe o artigo 108, inciso II.

Neste diapasão, o princípio do duplo grau de jurisdição pode sofrer mais limitações que os outros princípios aqui destacados, embora se saiba que nenhum princípio é absoluto.

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Sobre a autora
Luciane Alcântara Borba

Pós-graduada em Direito Constitucional pela Faculdade Estácio de Sá. Bacharel em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORBA, Luciane Alcântara. A repercussão geral no recurso extraordinário: poder discricionário do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2782, 12 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18484. Acesso em: 17 nov. 2024.

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