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Responsabilidade civil dos provedores de conteúdo de internet.

Dos blogs aos jornais online

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13/02/2011 às 11:08
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Investiga-se a responsabilização civil de indivíduos ou instituições que disponibilizam conteúdo na internet, desde matérias de jornal, vídeos, imagens e sons até mensagens em comunidades de relacionamento e salas de bate-papo.

RESUMO

Este trabalho investiga como se dá a responsabilização civil dos provedores de conteúdo de Internet, ou seja, todos aqueles indivíduos ou instituições que disponibilizam qualquer espécie de conteúdo aos usuários da rede mundial, desde matérias de jornal, vídeos, imagens e sons até mensagens em comunidades de relacionamento e salas de bate-papo.

São abordadas as novas questões que fazem da Internet um ramo novo de aplicação do direito civil, com suas peculiaridades, questionando-se acerca da possibilidade ou não de aplicação dos institutos tradicionais para resolução dos conflitos envolvendo a responsabilidade civil nas relações jurídicas mediadas pela rede e acerca da necessidade ou não da criação de novos conceitos ou normas.

É realizada uma retrospectiva histórica da Internet e dos institutos tradicionais da responsabilidade civil, além de uma descrição das espécies de provedores de serviços de Internet, chegando-se, após análise de doutrina e casos da jurisprudência internacional, a soluções para os problemas envolvendo a responsabilidade civil dos provedores de conteúdo de Internet, em suas várias modalidades.

Palavras-chave: provedores, internet, blogs, Orkut, Facebook.


I.INTRODUÇÃO

Proposta do trabalho

O presente trabalho pretende contribuir para a compreensão dos caminhos adequados para a aplicação da responsabilidade civil no ordenamento brasileiro aos conflitos envolvendo a divulgação de conteúdo por meio da Internet.

Para tanto, mais do que compilar grande quantidade de opiniões a respeito do tema, visa deduzir uma proposição clara a orientar a solução de problemas.

A fim de que a presente discussão possa de fato acrescer algo, importam clareza e concisão nas análises e conclusões. Estes atributos, se presentes no trabalho, trazem ainda o mérito de torná-lo mais acessível. Uma tese acadêmica que possa ser consultada por leigos resulta em ainda maior contribuição à sociedade, objetivo primeiro da pesquisa científica.

A nova problemática trazida pela Internet à responsabilização civil

A responsabilidade civil ganhou maior importância no direito contemporâneo, que definiu suas linhas mestras, sendo hoje bastante sólidos os conceitos aplicáveis à reparação civil. Assim, é de alcance do estudante dos primeiros anos do curso de Direito que para haver reparação é necessário um dano, que este dano deve ser comprovado, que deve haver uma conduta e deve haver um nexo causal, uma relação entre a conduta e o dano.

Ainda, podem ser elementos necessários a ilicitude do ato e a existência de culpa. Diz-se "pode" porque, com o advento do conceito e positivação da chamada responsabilidade objetiva, tais elementos podem ser dispensados em algumas hipóteses e situações, trazendo-se já suficiente combustível para grandes discussões doutrinárias e jurisprudenciais na definição da espécie de responsabilidade civil aplicável a diversos campos das relações humanas, desde as comerciais até as pessoais.

Segue-se que a responsabilidade civil ganha novo realce e novos contornos quando se pensa acerca de um dos mais novos meios de consubstanciação das relações humanas: a rede mundial de computadores, que se convencionou denominar como "Internet".

Na Internet podem as pessoas naturais e jurídicas atuar de forma análoga à vida "real": vender, comprar, divulgar mensagens publicitárias, jornalísticas, etc. Diferentemente dos meios convencionais, entretanto, a Internet possibilita a esses agentes (dentre os quais inclusos desde a grande multinacional, com ações na bolsa, até o jovem que visita sites de relacionamento e conversa virtualmente por meio de comunicadores instantâneos) uma dinamicidade jamais antes proporcionada nas comunicações, além de enormes possibilidades de anonimato, sendo possível a alguém inserir conteúdos de diversas espécies a partir de qualquer computador interligado à rede.

Essa dinamicidade, a velocidade impressa às ações online, não registrada nos meios convencionais de divulgação e troca de informações, como telefone, correio convencional, relações pessoais presenciais, rádio, tevê, etc., aliada ao alto grau de não-controle das ações dos chamados internautas (ou empresas que atuam na rede), traz grandes questionamentos acerca das diferenças e semelhanças entre a aplicação convencional dos institutos da responsabilidade civil e sua aplicação no âmbito das relações concretizadas por meio da Internet.

É notável que se trata de um meio de divulgação sui generis em comparação com os anteriormente existentes, de forma que merece uma atenção especial e diferenciada.

Tratando acerca do tema da responsabilidade civil aplicada aos provedores de conteúdo, L. N. Parentoni, citando M. Rosa [01], alude a um caso real que nos permite ter uma idéia da maximização do poder de gerar dano que se verifica com a Internet:

"Uma cena correu o mundo em 2005. Um dia, num vagão de metrô na capital da Coréia do Sul, uma moça cometeu uma pequena gafe. Naquele mundo diferente que costumava existir até bem pouco tempo, talvez a gafe caísse no esquecimento instantâneo do cotidiano agitado de uma metrópole como Seul. Mas o deslize se transformou numa dor de cabeça de proporção global – e não há aqui nenhum exagero. A moça tinha um cachorrinho, que a certa altura fez suas necessidades no chão. A dona, erradamente, não recolheu a sujeira. Uma usuária do metrô reclamou do relapso e a moça, com arrogância, simplesmente disse que não ia limpar nada. Seguiu-se uma troca de palavras duras e a moça, irredutível. (...) Ela se transformou numa presa de nosso ecossistema digital. (...) alguns passageiros que passavam pelo local tiraram fotos de celular, registrando a sequência desses fatos. Indignados, colocaram o material em blogs, alguns coreanos identificaram quem era aquela "vilã" e passaram a disponibilizar os dados dela: onde morava, o que fazia, onde estudava. (...) Ela teve que acabar deixando sua universidade. (...) O erro é local. O dano é global! Ou seja, seu erro, seu deslize, pode comprometer sua reputação numa escala muito maior do que a que você foi treinado a prever. Simplesmente porque o mundo ficou menor. As pessoas estão muito mais próximas de nós. (...) Nos tempos da convergência e da interatividade, o estrago pode ser muito maior porque pode chegar teoricamente muito mais longe, a muito mais gente" [02].

A Internet parece tornar muito mais fácil qualquer tarefa relacionada à comunicação. Se antes era necessário escrever algo em um papel e selar um envelope, hoje basta digitar alguns caracteres no campo de endereços do browser [03] e digitar um nome de usuário e senha para enviar uma mensagem escrita ou encaminhar a cinquenta amigos de uma só vez uma mensagem recebida.

O exemplo acima deixa clara uma das características da Internet: o seu imenso efeito multiplicador, que potencializa os danos, tornando não apenas mais rápida sua efetivação como maiores seus estragos, fazendo possível que ações aparentemente inofensivas se tornem destruidoras depois de amplificadas.

Outro notável aspecto próprio da Internet é o de que a "realidade virtual" trazida por essa tecnologia parece ser capaz de gerar a falsa impressão de fazer surgir uma realidade assim "não tão séria", de forma que a prática de ilícitos civis e penais parece não imprimir em seus autores a mesma força psicológica que possivelmente os faria ponderar ou recuar caso se tratasse da "vida real" fora dos bytes.

Por fim, a Internet trouxe também um novo cenário de ação para criminosos, como os crackers, podendo suas ações, além das devidas conseqüências penais, implicar responsabilidade civil a empresas e pessoas que atuem no ambiente digital.

A título de curiosidade, colacionemos a distinção feita por S. Glanz entre hackers e crackers: "inicialmente apareceram os técnicos que testavam apenas a vulnerabilidade, com o intuito de proteger os dados das empresas, como os bancos, e que se chamam de hackers. Depois vieram os maus elementos, que buscam invadir os dados de empresas ou particulares, com o intuito de causar danos – os chamados crackers" [04].

Tudo isto faz com que as relações possibilitadas pela Internet necessitem ser visualizadas de forma adaptada à realidade que se materializou, por meio da análise dos institutos da responsabilidade civil face à nova problemática.

Analisaremos o plano geral do objeto de estudo, no recorte escolhido por este trabalho, ou seja, faremos um panorama da evolução da Internet, rememorando os conceitos da responsabilidade civil tradicional e definindo o que são provedores de conteúdo de Internet e quais suas particularidades.

Procuraremos verificar se a soluções do Direito positivo e da jurisprudência são adequadas à responsabilidade civil envolvendo a utilização da Internet e se há necessidade de adaptações, assim como as perspectivas futuras relacionadas ao tema.


II.SURGIMENTO E CONFIGURAÇÃO DA INTERNET

Como sabemos, a Internet é uma imensa rede de computadores conectados, envolvendo desde supercomputadores de empresas até simples computadores pessoais.

Interessa dizer algumas palavras sobre como começou a ser construída essa teia de computadores e, hoje, celulares e outros mobiles [05].

Há duas versões muito conhecidas a esse respeito, conforme destaca L. N. Parentoni [06]: a origem militar e a origem acadêmica.

A tese da origem militar

Segundo essa tese, o embrião da Internet foi a chamada ARPANET. Para os autores desta corrente, conforme destaca L. N. Parentoni, "a origem da Internet remonta ao final da década de 60 e início da década de 70. Nessa época, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos criou uma rede conectando os computadores de diversas unidades militares, possibilitando a transferência de documentos e informações entre elas [07]. Essa rede, denominada ARPANet (Agência para Projetos de Pesquisa Avançada) [08], seria o embrião da Internet" [09].

Neste sentido também apontam G. Marques e L. Martins, para quem "a Internet teve sua origem no Departamento de Defesa dos EUA, no denominado programa ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network), implementado em 1969 com vista a assegurar uma segura e sobrevivente (se necessário) rede de comunicações para organizações ligadas à investigação científica na área da defesa" [10].

O objetivo dos militares era possibilitar uma comunicação de dados descentralizada, que pudesse evitar prejuízos em casos de ataques a uma das bases militares. As bases, interligadas por meio de seus computadores, trocariam as informações entre si, em uma rede.

A necessidade de aperfeiçoamento das comunicações na defesa dos Estados contribuiu, então, para a evolução das comunicações em geral, ganhando importância extrema os investimentos em inteligência militar.

A tese da origem acadêmica

A outra conhecida tese acerca da origem da Internet atribui seu surgimento a diversa atividade humana: a pesquisa acadêmica.

Para os partidários da tese da origem acadêmica, as pesquisas realizadas por universidades para troca de dados antecederam os experimentos dos militares americanos.

Essas redes de computadores teriam sido criadas com a invenção da tecnologia packed switched, cuja definição nos traz C. A. Rohrmann:

"A comunicação de dados através da Internet não se dá pela mesma lógica da comunicação telefônica ordinária. Nesta, uma vez estabelecida a ligação entre duas pessoas, o circuito se fecha, pois a comunicação ocorre como se houvesse uma ligação dedicada, exclusiva, entre as duas pessoas. Já no caso da Internet, a comunicação não ‘fecha’ um circuito dedicado. As mensagens trocadas entre os usuários são transformadas em ‘pacotes’ que trafegam por rotas variadas ao longo da rede" [11]

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Segundo os defensores desta tese, a primeira rede de computadores teria ocorrido por meio de experimentos científicos acadêmicos, possibilitando, então, trocas primitivas de mensagens, algo imensamente simples em comparação com o que estaria por vir.

Configuração atual da Internet

Provavelmente ambas as iniciativas contribuíram de algum modo para o surgimento e o aperfeiçoamento da Internet, independentemente de qual teria sido a primeira a ocorrer.

O mais importante, conforme destaca L. N. Parentoni, é que nos dois casos o grande avanço foi a idéia de "desvincular a informação de sua base material, permitindo a divulgação simultânea" [12] em vários lugares, hoje em todo o planeta.

Como afirmam G. Marques e L. Martins, "a World Wide Web, ao permitir essa simples e intuitiva navegação pelos ‘sítios’ da Internet, através de uma interface amigável, expandiu-se espetacularmente na década de 90 e tornou-se no mais importante componente da Internet, como meio de comunicação e interação entre as pessoas bem como de transmissão de informação, sem que a localização geográfica tenha qualquer influência", definindo a World Wide Web como "uma teia de aranha mundial – é conhecida como a área onde se colocam páginas com informação, texto, gráficos, clips de som e vídeo. As páginas ligam-se entre si por ‘hyperlinks’ (hppl), o que proporciona a possibilidade de ‘navegação’ pelos conteúdos das mesmas" [13].

A Internet tem, assim, a característica de uma incrível rede de informações cuja tendência é a expansão, com possibilidades práticas incalculáveis.

Isto porque, nas palavras de L. M. Paesani, "os protocolos de comunicação utilizados nas redes permitem o acesso respectivo por meio de quase todo tipo de computador. Logo, praticamente toda pessoa que usa computador é candidata potencial ao acesso às redes eletrônicas. Embora, no Brasil, a informação da sociedade não se encontre no mesmo estágio da verificada em países mais desenvolvidos (como nos EUA, onde se calcula que 50% dos lares têm ao menos um computador), o número de usuários acha-se na casa dos milhões e cresce rapidamente" [14].

No Brasil, com o aumento da renda da população verificada nos últimos anos, o acesso a computadores e conexões de Internet aumenta continuamente. Além disso, é crescente o número de usuários que acessam a grande rede por meio de aparelhos móveis, como celulares, palmtops, etc.


III- ADEQUAÇÃO DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

Os conceitos tradicionais da responsabilização civil

A responsabilidade civil, ao buscar a reparação àquele que injustamente sofre um dano, é mecanismo para obtenção do equilíbrio na distribuição dos ônus decorrentes de prejuízos ligados a condutas humanas.

As bases positivas da responsabilização civil em nosso sistema jurídico encontram-se na Constituição [15] e no Código Civil [16].

Aferir a responsabilidade civil é tarefa para a qual se utilizam elementos de configuração, sem os quais não é possível vislumbrar a possibilidade de responsabilização.

O primeiro deles é a conduta, que pode ser uma ação ou omissão.

A ação ou comportamento comissivo é um agir positivo, enquanto a omissão equivale a um agir negativo, voluntário, em desconformidade com a lei, adquirindo relevância quando a lei determina o dever de agir.

A responsabilidade pode surgir em consequência de atos próprios do responsabilizado ou de atos de terceiros, nos casos em que a lei determinar, a exemplo da responsabilidade dos pais pelos filhos menores sob sua autoridade, dos tutores, curadores, donos de hotéis pelos seus hóspedes e dos que participam gratuitamente dos produtos de crime.

Isto porque, como observa S. de S. Venosa, "se unicamente os causadores dos danos fossem responsáveis pela indenização, muitas situações de prejuízo ficariam irressarcidas. Por isso, de há muito, os ordenamentos admitem que, em situações descritas na lei, terceiros sejam responsabilizados pelo pagamento do prejuízo, embora não tenham concorrido diretamente pelo evento" [17].

É necessário ainda haver um nexo de causalidade entre o ato e a consequência danosa. Trata-se da ligação entre a causa e o efeito da conduta.

Acerca do nexo causal, diversas teorias foram construídas, sendo as mais conhecidas a teoria da equivalência dos antecedentes, a teoria do dano direto e imediato e a teoria da causalidade adequada.

A teoria da equivalência dos antecedentes é conhecida pelo termo conditio sine qua non, pois, nas palavras de F. V. Figueiredo e B. P. Giancoli, "esta teoria estabelece que causa é a soma de todas as condições tomadas em conjunto, positivas e negativas. O efeito dano (uno e incindível) não poderá ser subdividido em partes, atribuindo-se a cada uma delas condição isolada e autônoma" [18].

Já para a teoria do dano direto e imediato, adotada pelo nosso ordenamento, a imputação da responsabilidade civil somente se dá com a constatação de uma relação de causa e efeito imediato, pelo que é também conhecida como "teoria do nexo causal imediato" ou "teoria da interrupção do nexo causal".

Por fim, segundo os adeptos da teoria da causalidade adequada, para a responsabilização é necessária uma ação idônea à produção do resultado, afastando situações excepcionais em que um resultado se apresenta em conseqüência de uma ação que, normalmente, não o produziria.

A responsabilidade civil apresenta-se em duas importantes modalidades: a responsabilidade subjetiva e a responsabilidade objetiva. Pela responsabilidade objetiva, somente existe dano indenizável caso decorra de uma conduta dolosa ou culposa.

Os conceitos de dolo e culpa são também definidos pela doutrina. Enquanto o dolo se manifesta pela vontade do agente, direcionada à obtenção de um resultado, a culpa resulta da insuficiência de perícia, prudência ou cuidado, resultando em imperícia, imprudência ou negligência.

Muito perfeitamente observam F. V. Figueiredo e B. P. Giancoli que, enquanto "no dolo a conduta nasce ilícita, porquanto a vontade se dirige à concretização de um resultado antijurídico", na culpa "a conduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em que se desvia dos padrões socialmente adequados" [19].

Aponta S. Rodrigues, citando Marty e Raynaud [20], que as definições de culpa podem ser divididas em dois grupos:

"O primeiro grupo é constituído por definições que, de certo modo, inspiram-se numa concepção moral de culpabilidade. O ato danoso deve ser imputado a seu autor. Assim, mister se faz não só que haja ele violado uma regra de conduta, mas que, agindo dentro de seu livre arbítrio, tenha o agente tido a possibilidade de prever, de agir diferentemente, impedindo, se lhe aprouvesse, o evento danoso. No segundo grupo, ao contrário, situam-se os autores que, afastados de considerações propriamente morais, tomam por ponto de partida o fato danoso como fato social, resultante de uma conduta irregular do agente causador do dano. Essa noção de culpa, envolvendo um erro de conduta, foi desenvolvida principalmente, por Mazeaud e Mazeaud. Entendem eles que o erro de conduta tanto pode ser intencional como defluir de uma imprudência ou negligência do responsável [21]. Nessa concepção, concluem Marty e Raynaud, não se propõe a questão de imputabilidade subjetiva, como elemento constitutivo da culpa." [22]

Permanecendo as noções de dolo e culpa como importantes para aferição da responsabilidade civil subjetiva, a evolução dos institutos da responsabilidade civil trouxe, no entanto, as teorias da responsabilidade objetiva e teoria do risco da atividade.

A idéia de culpa, como observa S. Rodrigues, "sempre foi a idéia informadora da responsabilidade civil; isso porque há um fundamento moral no princípio geral de direito, segundo o qual aquele que causa dano a outrem deve repará-lo, mas só deve fazê-lo se infringiu uma regra de conduta legal, social ou moral" [23].

Entretanto, tal solução mostrou-se, ao longo da experiência humana, insuficiente para a satisfação da justiça, uma vez que, em diversas situações, resulta em que uma parte tenha de suportar injusto prejuízo, causado ou de alguma forma ligado à conduta de outra parte.

Os primórdios da responsabilidade objetiva trouxeram a responsabilização independentemente de dolo ou culpa pela guarda de animais [24] e por objetos caídos de prédios [25].

Evolução destes primitivos vestígios de responsabilização objetiva são as teorias do risco, indo além ao atribuírem o dever de indenizar àquele cuja atividade gera um risco que não deve ser suportado por terceiro não responsável pela gênese do perigo, da probabilidade do dano.

Estas teorias ganham força, mas, conforme L. M. Paesani, "persiste por igual a divisão na doutrina entre a corrente que identifica a responsabilidade civil com o conceito de culpa e a que assenta no conceito de risco, variando as conclusões em relação ao mesmo caso conforme se adote, respectivamente, a noção de responsabilidade subjetiva ou a de responsabilidade objetiva, sendo que o denominador comum entre as duas tendências é o reconhecimento de que os avanços da vida contemporânea têm induzido, na prática, a que cada vez mais a responsabilidade civil seja fundada na concepção de risco" [26].

F. V. Figueiredo e B. Giancoli destacam as três principais modalidades de risco criadas pela doutrina: o "risco proveito", o "risco profissional" e o "risco criado" [27].

A teoria do risco proveito determina a reparação do dano por aquele cuja atividade gerou o risco, atividade esta que permite ao agente auferir proveito ou vantagem.

Pela teoria do risco profissional, a reparação deve ser feita de forma objetiva porque se verifica um dano resultante de risco inerente à profissão do agente causador.

Quanto à teoria do risco criado, esta infere a existência do perigo como consequência de uma atividade, exceto se o causador do risco tomou todas as providências para evitar o resultado.

Por fim, as teorias da responsabilização civil trazem situações excludentes da responsabilidade, que afastam o dever de indenizar.

Como aponta S. de S. Venosa, "São excludentes de responsabilidade, que impedem que se concretize o nexo causal, a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior (...)" [28].

O caso fortuito e a força maior se desdobram também nas excludentes de estado de necessidade, legítima defesa e exercício regular de direito. Acerca da legítima defesa e do estado de necessidade, tece S. de S. Venosa as seguintes considerações:

"A legítima defesa e o estado de necessidade são justificativas que excluem a ilicitude. O art. 1.540 do Código de 1916 referia-se ao crime praticado pelo ofensor em repulsa à agressão do ofendido, caso em que se exclui a responsabilidade do ato praticado em legítima defesa. A interpretação do dispositivo devia ser vista em consonância com os arts. 1.519 e 1.520: o ato praticado em legítima defesa faz desaparecer esse dever. A regra do art. 1.540 parece ser supérflua porque a matéria já fora tratada anteriormente. Se, no exercício da legítima defesa, o agente causar dano a terceiro (aberratio ictus), que não é o responsável pela agressão injusta, permanece seu dever de reparar o dano. No atual Código, aplicam-se os princípios gerais dessas justificativas, tal como descritos no art. 188" [29].

A legítima defesa e o estado de necessidade não são isentos de limites. A legítima defesa, como destacam F. V. Figueiredo e B. Giancoli, deve se dar frente a uma "agressão atual ou iminente e injusta", em "defesa de um direito próprio ou alheio" e com "moderação no emprego dos meios necessários à repulsa" [30].

Da mesma forma, no estado de necessidade, deve haver um "perigo atual e inevitável" e é preciso existir "razoabilidade do sacrifício do bem ameaçado" [31].

Particularidades da responsabilidade civil envolvendo a Internet

Partindo dos mencionados conceitos tradicionais (considerando aqui como "tradicionais" inclusive o conceito de responsabilidade objetiva ou teoria do risco), devemos verificar sua aplicabilidade aos problemas de responsabilidade civil decorrentes das interações humanas efetivadas por meio da Internet.

Conforme já abordado no capítulo introdutório do presente trabalho, a Internet traz em si algumas características que a tornam completamente peculiar quanto à difusão de informações.

Uma dessas características, como também já mencionado, é o quase imensurável efeito multiplicador, que torna possível a um simples indivíduo, com gastos financeiros ínfimos, difundir uma informação por todo o planeta, para milhares ou até milhões de pessoas.

Se tais mensagens não estiverem autorizadas, estaremos diante do que se convencionou chamar de SPAM, que R. A. Pereira considera ser a mais comum situação relacionada à responsabilidade civil na Internet, acrescentando que "outra, provavelmente, de maneira lamentável, será a ofensa moral, que poderá ser veiculada, inclusive num debate digital numa sala de chat, popularmente conhecida por sala de bate-papo" [32].

Ao lado do efeito multiplicador, a Internet evidenciou também algo tão ou mais assustador: a enorme possibilidade de anonimato. O autor de uma mensagem difamatória pode permanecer desconhecido por muito tempo, até que investigações difíceis realizadas por agentes treinados possam localizar sua origem, o que em muitos casos não se mostra possível.

Unindo-se o efeito multiplicador com a potencialidade para o anonimato, resulta que a Internet é terreno fértil para atos lesivos aos direitos de indivíduos e empresas, o que se tem destacado no que tange, por exemplo, a direitos autorais.

A enorme facilidade com que se copia um conteúdo de um sítio web para outros sítios ou para os discos rígidos dos computadores pessoais gera entre os usuários da rede a sensação de se estar lidando com uma espécie de "zona sem lei", onde se possa entrar e sair, copiar e transmitir dados ou mensagens de qualquer natureza sem prestar contas em relação a direitos de autor, direitos de personalidade, etc.

Evidente que isto se mostra um erro, a ser corrigido com a aplicação da lei a casos concretos de violações, reforçando à sociedade, pelo exemplo, que os preceitos de direito se aplicam também a essa esfera da vida social.

Como bem observa L. N. Parentoni, "se, por um lado, existe o forte temor de que ela" (a Internet) "se torne um território nebuloso e sem lei, por outro, não se justifica que a responsabilização civil dos prestadores de serviço que atuam em ambiente eletrônico se efetive à margem do Direito positivo, muitas vezes extrapolando os limites da razoabilidade. O equilíbrio entre esses dois extremos é o objetivo a ser alcançado" [33].

No mesmo sentido G. Marques e L. Martins: "criada para satisfação de necessidades militares, depois estendida à comunidade universitária e aos centros de investigação, a Internet cobre o mundo e começa a levantar a questão de saber se é uma zona de ‘não direito’. Manifestamente que não, embora haja contornos novos da comunicação e da sua recepção, ligados ao conteúdo das mensagens, que implicam adaptações de certos institutos jurídicos ou mesmo a publicação de novas leis" [34].

Na tentativa de completar esta lacuna carente por regulamentação, muitas normas de autorregulamentação foram criadas, normatizando de forma consuetudinária diversos aspectos acerca da utilização de tecnologia na Internet.

Entretanto, conforme aponta I. T. Gico Júnior, "tais normas costumeiras não são cogentes, isto é, são normas de adesão espontânea. Elas regulam o convívio social dentro do ambiente cibernético apenas enquanto os agentes desejam cooperar, não são capazes de lidar com o comportamento desviante. Originalmente, quando a Internet era ocupada por um punhado de cientistas que se conheciam, a coação social poderia ser suficiente para tanto. Com o crescimento da rede e a absoluta impessoalidade que agora reina, tais regramentos morais mostram-se simplesmente ineficazes" [35].

No tocante ao objeto deste estudo, as referidas particularidades trazidas (ou ao menos ressaltadas) pela Internet geram dificuldades quanto à responsabilização dos provedores de conteúdo de Internet por atos seus ou de terceiros, envolvendo danos causados a usuários dos seus serviços e a terceiros.

Veremos no tópico seguinte a descrição pormenorizada do que são provedores de conteúdo, importante para o correto suporte à formulação de uma responsabilização civil adequada.

A título de exemplo, entretanto, pode-se citar algumas situações de danos que ocorrem envolvendo referida espécie de provedores de serviço de Internet.

Imagine-se um website onde se veiculam notícias de diversas modalidades: política, esporte, educação, etc. Caso uma matéria se mostre ofensiva à imagem ou à honra de uma pessoa, quem deverá ser acionado? O autor do texto ou o provedor que exibe a página? Como se resolve um caso em que a matéria editada foi modificada por um cracker, que inseriu termos ofensivos ou difamatórios, de forma que a mensagem tomou grande divulgação antes mesmo que pudesse ser retificada pelos editores de conteúdo do site?

Ainda, considerando-se que há provedores que permitem a qualquer usuário criar uma conta e publicar conteúdo, apenas com o cadastro de uma senha, sem mediação editorial prévia, como fica a responsabilização civil caso esse conteúdo seja capaz de causar danos?

Isto porque, conforme observa R. A. Pereira, nos casos em que não há prévio controle editorial, "diversos ilícitos civis poderão ocorrer (...) como, por exemplo: ofensas ao direito de imagem das pessoas; notícias lesivas ao patrimônio moral ou material de terceiros; transgressão aos direitos conexos, divulgados mediante plugins, programas que recuperam áudio, vídeo, texto e animação para computador do usuário final" [36].

Por tudo isto, P. P. Pinheiro, apesar de apontar que "para o Direito Digital, a teoria do risco tem maior aplicabilidade", observa que "a responsabilidade civil tem relação com o grau de conhecimento de cada prestador de serviço e do consumidor usuário" e ressalta que "um dos pontos mais importantes é o da responsabilidade pelo conteúdo. Considerando que é o conteúdo que atrai as pessoas para o mundo virtual e que ele deve estar submetido aos valores morais da sociedade e atender aos critérios de veracidade, é importante determinar os limites de responsabilidade dos provedores, dos donos de websites, das produtoras de conteúdo, dos usuários de e-mail e de todos os que tenham de algum modo participação, seja em sua produção, seja em sua publicação".

As questões colocadas podem ser respondidas pela interpretação da legislação em vigor, que dá ainda subsídios à resposta a outra indagação: precisamos ou não de novos conceitos ou regulamentos para a responsabilidade civil na Internet?

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Sobre o autor
Fábio Lima dos Santos

Advogado Contencioso Cível em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Fábio Lima. Responsabilidade civil dos provedores de conteúdo de internet.: Dos blogs aos jornais online. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2783, 13 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18489. Acesso em: 26 abr. 2024.

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