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Responsabilidade civil dos provedores de conteúdo de internet.

Dos blogs aos jornais online

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13/02/2011 às 11:08
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V-PROVEDORES DE CONTEÚDO: RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

Podem ser agrupados os provedores de conteúdo de Internet em duas espécies distintas: aqueles que exercem controle editorial sobre a informação veiculada e aqueles que apenas disponibilizam o meio de divulgação aos provedores de informação, que a produzem e divulgam.

É notável que a responsabilidade civil terá aplicação diferente conforme se tratar de uma ou outra destas espécies. Neste sentido se dirige P. P. Pinheiro, afirmando que "apesar de não haver entendimento jurisprudencial pacífico sobre o tema, ao nosso ver, os limites da responsabilidade sobre o conteúdo devem variar de acordo com o sujeito que detém a obrigação pelo fornecimento ou por sua verificação" [78].

Tratando-se de provedor de conteúdo que não exerça qualquer controle editorial prévio, tão somente fornecendo espaço a internautas que atuam como provedores de informação em blogs, chats e comunidades de relacionamento, por exemplo, a indagação acerca da existência ou não de responsabilidade e qual sua configuração dar-se-á de modo particular.

Assim observa L. M. Paesani, para quem "os provedores assumem uma posição ambígua: de um lado, eles são conduzidos a desenvolver o papel de operadores de telecomunicações, transmitindo mensagens por meio da rede sem conhecer o conteúdo e, portanto, sem assumir a responsabilidade. Por outro lado, eles são levados a desenvolver o papel tradicional do editor, e nesse caso, responsáveis pelo conteúdo" [79].

Pelo potencial risco aos direitos de terceiros, com possíveis lesões inclusive a direitos de personalidade, não bastará uma simples transferência de responsabilidade do provedor de conteúdo ao provedor de informação por meio de um contrato digital de adesão, bastante típico em sites que oferecem serviços gratuitos, por exemplo, para que o provedor de conteúdo se exima de qualquer responsabilidade.

Conforme observa L. M. Paesani, há condições para que uma cláusula nesse sentido tenha validade, dentre elas: "que a cláusula não frustre os elementos essenciais do contrato e a boa-fé objetiva, não implique o abuso de direito e guarde um valor compatível com os riscos envolvidos".

No entanto, ainda que existente cláusula nesse sentido, há que se definir se ainda assim restará o provedor responsável por danos que ocorram em função de sua omissão em evitar riscos previsíveis.

Verificaremos, assim, quais as possíveis consequências a cada uma das modalidades de provedores descritas (provedores de conteúdo com ou sem mediação editorial), dentro das hipóteses de danos ocasionados pelos próprios atos e por atos de terceiros e à luz dos regulamentos, institutos e princípios do direito civil pátrio.

Existência de mediação editorial: jornais online, portais de notícias e congêneres

Grande parte dos provedores de conteúdo de Internet atua publicando conteúdo próprio, produzido por prepostos ou prestadores de serviços para divulgação em seu próprio nome.

Isto significa que estes provedores são editores da informação que publicam, de forma que não há a interferência de terceiros na inserção das informações.

Este caso é de mais simples solução para a aplicação da responsabilidade civil, uma vez que a vítima de um suposto dano deverá acionar diretamente o provedor de conteúdo, girando a discussão principalmente acerca da existência ou não de dano e nexo causal, sendo mais seguramente idôneo (conhecido e encontrável) o autor da informação.

Desta forma, o intérprete do direito vê-se diante de situação semelhante à das publicações impressas, que são acionadas em casos de danos gerados por notícias falsas ou difamatórias produzidas em suas redações.

Mais adiante serão tecidas maiores considerações a respeito da responsabilização civil desta espécie de provedores de conteúdo, nos casos de danos ocasionados pelos próprios atos e por atos de terceiros.

Ausência de mediação editorial: sites de relacionamento, blogs, chats, fóruns e comunidades de relacionamento

A ausência de mediação editorial modifica a responsabilização do provedor de conteúdo, uma vez que deixa de ter o controle sobre o que é produzido.

Os provedores de conteúdo que não exercem controle editorial em muitos casos assim agem para viabilizar o serviço oferecido, uma vez que verificar previamente o conteúdo produzido por seus usuários (provedores de informação) tornaria impossível a operabilidade do serviço.

Esta espécie de provedor de conteúdo geralmente é composta por websites que possibilitam a produção e publicação de conteúdo por pessoas que não possuem um espaço próprio na web, ou seja, não contratam os serviços de um provedor de hospedagem nem registram domínios para obtenção de um endereço próprio na rede.

Serviços gratuitos ou a preços muito baixos são oferecidos em grande quantidade na Internet, uma vez que a rede possibilita a utilização de um mesmo programa [80] por centenas, milhares ou mesmo milhões de usuários ao mesmo tempo. Assim observa L. M. Paesani:

"O potencial de danos indiretos excede largamente o de danos diretos, pois o custo diferencial do serviço prestado via rede é muito baixo (especialmente quando utilizada a Internet) e, repassado na forma de preço, resulta em serviço de valor final nessa proporção. Por outro lado, o benefício e o risco indireto de tais serviços, prestados via Internet, é significativo, dadas as vantagens que as redes proporcionam quanto a tempo e espaço" [81].

Destaca, nessa linha, L. M. Paesani, que "em alguns casos, os serviços oferecidos podem ser utilizados para atividades ignoradas pelos fornecedores respectivos, situação em que estes não têm como conhecer o potencial de danos indiretos que podem ocasionar e que pode sujeitá-los a responsabilidades respectivas" [82].

É justamente o que se passa com serviços em que o provedor de conteúdo oferece ao provedor de informação espaço para divulgação de seu material na rede, ou seja, textos, imagens, vídeos, acerca dos mais diversos assuntos.

O que geralmente ocorre, nestes casos, é uma transferência pelo provedor de conteúdo ao provedor de informação da responsabilidade pelo conteúdo produzido, por meio de contratos de adesão assinados online [83], de forma que o provedor de conteúdo deixa de realizar qualquer controle sobre a informação disponibilizada, apenas fornecendo ao provedor de informação a possibilidade de divulgar informações de qualquer gênero ou ainda dados pessoais nas chamadas "comunidades de relacionamento", a exemplo do Facebook e Orkut.

Analisaremos mais adiante como se dá a responsabilização civil desta espécie de provedor de conteúdo, por seus próprios atos e por atos de terceiros. Faremos agora, brevemente, algumas considerações acerca dos formatos atualmente mais comuns de provedores de conteúdo sem mediação editorial.

Blogs: o fenômeno do submundo da informação

Os blogs se tornaram um fenômeno na Internet, representando verdadeira categoria de subjornais, espaços onde a informação é produzida e veiculada sem o braço forte da imprensa cara e monopolizada pelos grupos empresariais.

Uma espécie de blog moderno que acentuou em si a característica de instantaneidade e se tornou um exemplo atual de o quão poderosa pode ser a divulgação de informações nesse verdadeiro submundo de provedores de informação (onde qualquer pessoa pode se tornar um articulista ou mesmo um redator de "pílulas de informação") é o serviço ofertado pelo Twitter [84].

As pequeninas mensagens de poucos caracteres, não mais que duas linhas, enviadas pelos usuários do serviço uns aos outros, possibilitam uma verdadeira corrente de informações, uma vez que um usuário, ao ler uma frase escrita por outro, pode "retwitar" essa mensagem a todos os usuários presentes em sua lista de contatos, fazendo surgir um efeito multiplicador de potencial catastrófico.

O poder desse efeito multiplicador foi sentido, por exemplo, pelo comentarista esportivo Galvão Bueno, contra o qual se difundiu em poucas horas por milhares, talvez milhões de usuários, a vexaminosa frase "cala a boca, Galvão", a ponto de o burburinho gerar curiosidade dos usuários estrangeiros e ganhar repercussão até mesmo internacional [85].

Os blogs e perfis no Twitter se tornaram tão populares e importantes na Internet, que hoje é difícil encontrar-se um jornalista ou apresentador de programa de televisão que não possua os seus.

Sites de relacionamento: Orkut, Facebook, etc.

Ao lado dos blogs e fóruns, outro fenômeno da Internet atual são os sites de relacionamento ou "comunidades de relacionamento", como preferem alguns.

Assim como os blogs e o serviço oferecido pelo Twitter, as comunidades de relacionamento tornaram-se serviços de interesse a profissionais da imprensa e às empresas em geral, deixando de ser algo vulgar, como outrora, para ganhar destaque sob os holofotes até mesmo das campanhas de marketing.

Não mais gera espanto, portanto, que profissionais renomados possuam um perfil no Facebook, onde mantêm contato com os internautas, o mesmo valendo para empresas em geral, que vêm nesse tipo de espaço ambiente propício à divulgação de sua marca.

Um exemplo do potencial de difusão da informação por estas espécies de provedores de conteúdo e de seu poder de gerar danos é caso ocorrido recentemente com usuária que se valeu de ferramenta disponibilizada pelo Facebook para divulgar eventos, podendo ser usada tanto para divulgação apenas ao círculo de amigos do usuário quanto para toda a comunidade usuária do serviço Facebook, distinguindo entre uma e outra possibilidade apenas o clicar ou não sobre uma opção de formulário.

A jovem resolveu usar o recurso e, animada, divulgar sua festinha de aniversário entre seus colegas. Porém, o resultado foi inesperado, conforme o trecho abaixo, de reportagem da Folha Online [86]:

"Uma adolescente de Hertfordshire, no interior da Inglaterra, publicou erroneamente informações sobre sua festa de aniversário e recebeu 21 mil confirmações de presença no Facebook. Segundo informações do jornal britânico "The Telegraph", a garota convidara apenas 15 amigos para a sua festa de 15 anos, mas cometeu um erro ao tornar os dados (telefone celular e endereço) públicos. Em poucas horas, contudo, o evento foi tema de brincadeiras e gozações dos usuários do site de relacionamentos. O frisson foi tamanho que 21 mil pessoas informaram que iriam ao evento - incluindo contas falsas de celebridades, como o cantor Justin Bieber, o professor Stephen Hawking, Stevie Wonder e Susan Boyle. Tracey Livesey, mãe da jovem, cancelou a festa, cuja data prevista era 7 de outubro. A polícia, no entanto, foi forçada a deixar patrulhas na rua da garota, para evitar que usuários do Facebook aparecessem. A mãe disse ainda que ela teve que trocar o número de telefone devido ao número de chamadas recebidas. "Rebecca não entendia as configurações de privacidade e, como resultado, perdeu sua internet - tirei seu computador, então ela não vai cometer esse erro novamente", disse Livesey. O Facebook já recebeu uma saraivada de críticas por causa das configurações de privacidade, tidas como confusas por muitos usuários. "A polícia entrou em contato com o Facebook, mas não tivemos nenhuma manifestação deles, o que é um pouco desapontador. Eles devem dar orientações, e a configuração de privacidade deve ser alterada", declarou a mãe. Assim que o evento foi removido da internet, outros se multiplicaram, convidando usuários para o "esquenta" (pré-festa) e para o "after" (pós-festa)".

No Brasil, o Orkut tornou-se o mais popular desses serviços, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, onde o Facebook e o serviço MySpace [87] disputam espaço.

Sendo possível a qualquer usuário desses serviços iniciar a divulgação de uma mensagem, a qual pode ser retransmitida pelos outros usuários antes mesmo que qualquer providência possa ser tomada pela empresa provedora do serviço, ilimitada é a possibilidade de ocasionar danos à imagem e à honra, além de danos patrimoniais diversos.

Soluções para a responsabilização civil

Dada a importância de que a responsabilização civil não signifique o extermínio das possibilidades práticas de existência dos serviços de provedores de conteúdo, resta determinarmos os necessários contornos de uma responsabilidade civil que não deixe sem reparação aqueles que se virem lesados por conta de informações divulgadas, sejam elas produzidas pelo próprio provedor de conteúdo ou por terceiros provedores de informação.

Embora não haja soluções legislativas específicas para muitas situações envolvendo modernas tecnologias, a análise da legislação atual aponta soluções suficientes, embora não necessariamente ideais, para dirimir conflitos nos casos concretos.

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Tal se faz à luz dos institutos do direito, dos caminhos apontados pela doutrina e dos modernos princípios que regem as relações sociais, como a função social e a boa-fé.

Finalmente, referida analise vale-se também do direito comparado para a verificação das soluções adotadas em outros ordenamentos e suas possíveis contribuições à hermenêutica e produção legislativa pátrias.

Responsabilidade dos provedores de conteúdo por seus próprios atos

A responsabilidade do provedor de conteúdo por seus próprios atos se desdobra em duas possibilidades: sendo ele o responsável pela informação divulgada, ou seja, realizando mediação editorial, ou apenas fornecendo espaço para servidores de informação, sem exercer controle editorial prévio.

Podemos considerar de três espécies as situações que geram responsabilidade do provedor de conteúdo: a) responsabilidade por danos causados a terceiros pelo conteúdo publicado sob sua própria autoria ou de seus prepostos, b) responsabilidade por danos causados aos seus usuários, consumidores de conteúdo de sua autoria, e c) responsabilidade pelos danos causados por conteúdo disponibilizado por terceiros, provedores de informação independentes (geralmente, usuários da rede, sem relações próximas ou contato físico com os prepostos do provedor de conteúdo), nos casos de negligência, imprudência ou imperícia.

Analisaremos neste tópico o primeiro e o segundo caso, deixando para o tópico seguinte as considerações acerca da responsabilidade decorrente de culpa do provedor de conteúdo em evitar que o conteúdo produzido por terceiros (os provedores de informação, geralmente usuários de seus serviços de divulgação de conteúdo) resultem em danos.

A responsabilização dos provedores de conteúdo pela divulgação de informações de sua própria autoria não traz maiores complicações em comparação com as encontradas no tocante aos provedores que apenas divulgam informações inseridas por terceiros.

Como já afirmado, a situação desses provedores pode ser entendida como análoga à responsabilidade dos veículos tradicionais de informação, como jornais ou programas de televisão.

Observa L. F. Kazmierczak que, "quanto ao conteúdo próprio ou direto, os provedores são autores, respondendo diretamente pelo fato danoso ocorrido" e que "quando contratam conhecidos profissionais da imprensa que passam a colaborar com o noticiário eletrônico", respondem também por danos decorrentes de suas informações, casos em que "os tribunais vêm decidindo pela aplicação da Lei de Imprensa", destacando ainda a existência da súmula 221 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "são civilmente responsáveis pelo ressarcimento do dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de informação" [88].

Com a recente revogação da Lei de Imprensa, entretanto, a reparação civil restou carente de algumas lacunas neste campo, sem que isto, no entanto, signifique qualquer impossibilidade de justiça no caso concreto, uma vez que se pode contar com razoáveis doutrina e jurisprudência, construídas por meio da análise de diversos casos paradigma.

Tratando da responsabilidade do editor, observa L. N. Parentoni que apesar da existência de "corrente doutrinária no sentido de que o regime é subjetivo, de modo que o editor somente será obrigado a indenizar a vítima caso seja formalmente notificado acerca do ilícito e não atue para impedi-lo (responsabilidade por omissão, tal como no caso Napster)", há entendimento oposto consolidado pelo STJ, em caso envolvendo entrevista ofensiva concedida a um jornal, no qual se decidiu que "o editor de periódicos responde por eventuais ilícitos decorrentes do conteúdo publicado", devendo o editor "filtrar as informações a serem publicadas, sendo, por isso, solidariamente responsável por eventual conteúdo ilícito que venha a divulgar" [89].

Portanto, analogamente, se um determinado site de notícias online publica uma matéria ou artigo ofensivos à honra e imagem de alguém, esse veículo poderá ser responsabilizado civilmente, uma vez que assume a editoria das informações levadas ao público.

Neste sentido, L. N. Parentoni observa também, referindo-se a esta espécie de provedores de conteúdo (com mediação editorial) que "conhecem previamente as informações que disponibilizam na Internet e têm o poder de influir sobre elas, recusando a divulgação do que for manifestamente ilícito (...) aplica-se, mutatis mutandis, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da responsabilidade solidária do editor, ainda que se trate de mera reprodução de notícia veiculada por terceiros" [90].

Segue ainda L. N. Parentoni, em confirmação do já citado entendimento do STJ, dizendo que "neste caso, a responsabilidade civil é objetiva, com base no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, uma vez que a veiculação de informações na Internet, por seu alcance mundial e rapidez com que se difunde, é capaz de causar severos danos em curto espaço de tempo" [91].

No tocante à responsabilidade do provedor de conteúdo por danos causados aos seus próprios usuários (que de alguma forma interagem com o site, consumindo um serviço, seja a título gratuito ou oneroso), as soluções são apontadas pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Esta situação difere das anteriores, pois se trata de uma relação de consumo entre o provedor de conteúdo e a própria vítima do dano.

Confirmando a plena aplicação do CDC às relações jurídicas mediadas pela Internet, S. Glanz aponta que "os contratos pela Internet enquadram-se nestes limites, pois são os que antigamente se designavam como contratos entre ausentes e, agora, mais ausentes ainda (...) são as máquinas que acabam fazendo os contratos" [92].

Podemos imaginar, por exemplo, um website que forneça informações sobre cotações financeiras a usuários cadastrados. Caso sejam equivocadamente fornecidas informações inexatas, poderá ser invocada sua responsabilidade pelos danos decorrentes, ainda que não haja remuneração direta do usuário à empresa proprietária do "portal", pois a remuneração indireta não é suficiente para retirar destas partes as características atribuídas pelo Código de Defesa do Consumidor à descrição de consumidor e fornecedor.

Deve-se levar em conta, ainda, a pertinente observação feita por L. M. Paesani, para quem "muitas vezes, os riscos derivam do cumprimento defeituoso de deveres, ocasionando danos que tais deveres visavam evitar. A esses deveres vinculam-se obrigações de meio e obrigações de resultado. A distinção é importante à medida que repercute na identificação do responsável pelo ônus da prova. Sua verificação depende do exame das circunstâncias concretas de cada caso, e a disponibilidade em rede eletrônica da prestação de serviços eletrônicos tende a ser considerada como obrigação de meio" [93].

Pode haver ainda a situação em que, nessa relação entre o provedor de conteúdo e seu usuário direto, haja um contrato digital prevendo a exclusão de responsabilidade por eventuais danos, mormente quando se tratar de serviços cuja remuneração seja indireta. Nestes casos, observa R. Lotufo que "as cláusulas de exclusão de responsabilidade, que vêm sendo veiculadas principalmente com relação a softwares passíveis de download. Nosso direito em princípio inadmite (...) pretendem dizer que há inimputabilidade. Ora isso evidentemente não está na possibilidade da parte (...) tem sido mais comum em nível de Internet a inclusão da cláusula de restrição da responsabilidade, isto é, da limitação prévia (...) equivale à garantia de um mínimo sem discussão quanto à culpa, que, portanto, não implica em renúncia ao direito de ser indenizado devidamente quando sofrer o dano" [94].

Nestes casos, como em todos os outros, lembra R. Lotufo que "o fundamento da atividade negocial continua sendo a boa-fé; as partes quando estabelecem relação é porque acreditam firmemente que a outra parte está agindo de boa-fé".

Assim, podemos concluir que, tratando-se de danos causados por atos do próprio produtor de conteúdo, sejam estes danos causados aos seus usuários ou a terceiros atingidos por conteúdo publicado, a responsabilização deve-se dar de forma objetiva.

Caso o dano seja ocasionado ao usuário direto dos serviços oferecidos pelo provedor, numa relação contratual (tácita ou expressa) de prestação de serviços (com remuneração direta ou indireta), aplica-se ainda o direito do consumidor, verificando-se a existência de defeitos no cumprimento das obrigações do provedor, consideradas obrigações de meio, e analisando-se a legalidade e alcance de eventuais cláusulas de limitação da responsabilidade, à luz do direito civil e dos princípios informadores, como a lealdade e a boa-fé.

Responsabilidade dos provedores de conteúdo por atos de terceiros

Os provedores de conteúdo de Internet que atuam sem controle editorial prévio das informações, isto é, permitindo ao provedor de informação (geralmente, usuários comuns da Internet, possuidores de um nome de usuário e senha, aos quais se permite a inserção automática de dados) o meio necessário à divulgação de textos, imagens, sons, vídeos, informações pessoais, etc., trazem mais complexa questão quanto à responsabilização civil.

Devem ser responsabilizados por danos causados em decorrência das informações disponibilizadas em seu serviço? Devem ser corresponsabilizados pelos atos dos usuários, que atuam como provedores de informação (ocupando estes a posição de "terceiros" na relação vítima/provedor)?

Antes de responder a esta indagação, meditemos brevemente acerca da possibilidade de isenção da responsabilidade do provedor de conteúdo por meio da transferência de responsabilidade ao provedor de informações, responsável pelo conteúdo inserido.

Inicialmente, importante lembrar que qualquer cláusula contratual (geralmente contratos de adesão ‘assinados’ digitalmente por meio de um ato de manifestação de vontade do aderente, consistente em um simples ‘clique’ de mouse) deverá se submeter aos elementos essenciais do contrato e à boa-fé, conforme lembra L. M. Paesani, para quem cláusula neste sentido "tem aplicação em situações justificáveis (e, no caso de relações de consumo, é válida quando o consumidor for pessoa jurídica). A informática dá margem a tais situações e o caso das redes eletrônicas ilustra bem essa faceta, já que é impossível do ponto de vista econômico uma empresa conviver com a exposição a riscos econômicos praticamente ilimitados" [95].

No plano internacional, um caso paradigma que traz importantes conclusões é o Napster, bom exemplo de como a ausência de controle editorial altera a responsabilização dos provedores de conteúdo de internet.

O Napster foi um programa de computador muito popular no mundo inteiro por possibilitar a troca de arquivos entre internautas, que passaram a compartilhar músicas em formato MP3 [96].

O internauta extrai faixas de áudio de CDs de música e as armazena em seu computador pessoal no formato digital. Com a utilização do programa, outros internautas obtêm os arquivos e passam a também compartilhá-los com o resto do mundo.

Obviamente isto fere direitos autorais, uma vez que os usuários desfrutam do resultado do trabalho artístico e investimentos das produtoras sem a devida retribuição ou qualquer autorização.

A empresa Napster Inc. foi processada nos Estados Unidos pela empresa A&M Records, em uma disputa notória nas páginas dos jornais. A discussão envolveu basicamente a seguinte questão: a empresa Napster Inc. é responsável pela violação de direitos autorais praticada pelos usuários do seu sistema?

Importante destacar a importância dada no sistema de copyright americano aos direitos do editor, sendo a criação artística considerada muito mais em seu aspecto patrimonial, destinada à obtenção de lucros, que no aspecto de um bem a servir a sociedade e proporcionar uma justa remuneração ao artista.

Os prejuízos causados pela intensa utilização da Internet pelos usuários para troca de músicas, não apenas por meio do Napster, tornaram-se forte incômodo aos investidores do mercado fonográfico, que enxergaram necessário um enfrentamento judicial.

No entendimento de L. N. Parentoni, a importância do caso Napster para o desenvolvimento do Direito envolvendo Internet em todo o mundo é tal que "foram lançadas as balizas do posicionamento ainda hoje adotado pelos principais tribunais daquele país" (EUA) "em matéria de responsabilidade civil dos provedores de serviços de Internet" [97].

Segundo L. N. Parentoni, a decisão do caso trouxe as seguintes conclusões:

"1) O fato de as músicas terem sido convertidas em arquivo do tipo MP3 não lhes acrescenta elemento novo nem retira as características originais. Continuam, portanto, plenamente protegidas pelas normas de copyright.

2) A extração de cópia não autorizada de obras protegidas por copyright, para uso comercial, gera presunção de dano ao titular dos direitos autorais. Por outro lado, em caso de uso pessoal (como no backup ou cópia de segurança), a prova do dano incumbe ao titular dos direitos de autor.

3) O mantenedor de um site de Internet não é automaticamente responsável por eventuais atos ilícitos praticados por seus usuários. Ao contrário, somente pode ser responsabilizado caso se comprove que tinha conhecimento da prática e não agiu de modo a impedi-la. Nesse caso, não basta restringir ou dificultar a realização do ato ilícito, o mantenedor é obrigado a eliminar totalmente a possibilidade de tal prática nas páginas que administra."

Estas conclusões importam principalmente por trazerem um norte para a responsabilização civil daqueles que, não sendo responsáveis pela produção de conteúdo distribuído na rede, são fornecedores da estrutura que possibilita tal prática, seja essa estrutura um site na Internet ou uma rede formada por programas de computador.

Na solução trazida pelo caso Napster, portanto, conforme destaca L. N. Parentoni [98], "somente podem ser responsabilizados pelos atos ilícitos de terceiro quando forem notificados para agir contra esses atos e se mantiverem inertes, caso em que respondem por omissão".

Essa solução se mostra interessante por possibilitar a operacionalização dos serviços oferecidos por diversos provedores de conteúdo, como blogs, chats e sites de relacionamento.

Semelhante se deu com outro importante caso da jurisprudência americana, Religious Tecnology Center vs. Netcom – Online Communication Service Inc., "cuja sentença", lembra L. M. Paesani, "concluiu a árdua disputa quanto à ‘responsabilidade do provedor – responsabilidade do sujeito’; ao excluir a responsabilidade do provedor, a sentença conduz à reflexão de que a rígida tutela ao copyright pode transformar-se num limite para a legítima liberdade de expressão e de debate" [99].

Conclui L. M. Paesani que "os juízes, contrariando o que tinha sido estabelecido pelo ‘Final Reporting of the Working Group on Intellectual Property’ americano, consideraram que não era possível vislumbrar traços de uma violação direta do copyright por parte da Netcom, sustentando que a responsabilidade poderia, quando muito, ser considerada concorrente na hipótese em que pudesse ser atribuído ao servidor provedor (service provider) um retardamento culposo na eliminação do material contestado depois de receber uma notificação de infração (notice of infringement) do sujeito lesado" [100].

Citando ainda outro case da jurisprudência internacional, R. A. Pereira aponta que "na Inglaterra, em 11.3.2000, um tribunal condenou um provedor de informações ao pagamento de uma quantia equivalente a US$ 24,000 por negligência, tendo em vista que, embora notificado, manteve-se inerte e não adotou providências contra falsa identidade utilizada por terceiro" [101].

P. P. Pinheiro faz também observação neste sentido: "ao ser comunicada, seja por uma autoridade, seja por um usuário, de que determinado vídeo/texto possui conteúdo eventualmente ofensivo e/ou ilícito, deve tal empresa agir de forma enérgica, retirando-o imediatamente do ar, sob pena de, daí sim, responder de forma solidária juntamente com o seu autor ante a omissão praticada (art. 186 do CC) [102]" [103].

Também aponta neste sentido L. F. Kazmierczak, para quem "há uma tendência da legislação e no pensamento doutrinário em se adotar a responsabilidade subjetiva dos provedores de conteúdo, em detrimento da responsabilidade objetiva, quanto aos ilícitos praticados por seus usuários ou hóspedes. Assim, o provedor de conteúdo somente seria obrigado a reparar o dano se concorrer para o mesmo ou, se notificado do evento danoso, omitir ou retardar na ação de rechaçá-lo" [104].

Caso as empresas que oferecem aos internautas a possibilidade de publicação de conteúdo fossem forçadas a previamente controlar todo o conteúdo inserido pelos usuários (provedores de informação), haveria um prejuízo a esses serviços de forma a não apenas inviabilizar economicamente sua atividade como também apagar-lhes as características que mais os tornam atraentes: a facilidade de uso e instantaneidade.

L. N. Parentoni reúne em um mesmo grupo os provedores de backbone,acesso e hospedagem, considerando que a "própria natureza da atividade que realizam faz com que não tenham acesso direto às informações que o usuário de seus serviços publica na Internet", concluindo que "somente podem ser responsabilizados pelos atos ilícitos de terceiros quando forem formalmente notificados para agir contra esses atos e se mantiverem inertes" [105].

Apesar de a afirmação acima referir-se aos provedores de backbone,acesso e hospedagem, as premissas e conclusões se assemelham à situação dos provedores de conteúdo sem mediação editorial, uma vez que, apesar de tecnicamente possuírem acesso aos conteúdos inseridos, podendo barrá-los, sua característica torna impossível ou impraticável a verificação antecipada de tais conteúdos.

L. N. Parentoni, encerrando este tópico, cita C. A. Rohrmann, para quem:

"Ainda não há uma solução clara para a determinação de qual seria a responsabilidade do provedor de acesso em face dos ilícitos cometidos por seus clientes, sejam ilícitos criminais, ou civis, como os casos de contrafação, em casos de obras protegidas por direitos autorais. A solução legislativa norte-americana para o caso da isenção de responsabilidade por contribuição dos provedores de acesso à Internet em relação às contrafações praticadas por terceiros (ainda que seus clientes) é uma boa saída jurídica. As principais justificativas que encontramos residem não só na simplificação da responsabilização que ela propõe, o que configura um estímulo para a atividade empresarial dos provedores de acesso à Internet, como também na garantia de que o nexo de causalidade não se estende além daqueles que realmente se envolveram na contrafação" [106].

Assim, por exemplo, seria um contrassenso pedir à empresa Google Inc. que verificasse previamente cada uma das milhares (talvez milhões?) de mensagens enviadas diariamente pelos usuários do Orkut. O mesmo vale para websites que fornecem espaço para blogs.

L. N. Parentoni, ilustrando tal contrassenso (ainda que, como explicado, se referisse aos provedores de acesso, hospedagem e backbone), cita J. Barbosa dos Santos, para quem "responsabilizar o provedor por danos causados por terceiros seria o mesmo que buscar a responsabilização do fabricante da embalagem pelo conteúdo do produto" [107].

L. N. Parentoni explica ainda que "reforça esse entendimento o fato de que o Brasil adota, para a configuração do nexo de causalidade, a teoria do dano imediato, segundo a qual somente se considera causa a conduta que direta e imediatamente produziu o dano, conforme o art. 403 do Código Civil" [108].

Por tudo isso, L. N. Parentoni, tratando dos provedores de conteúdo que não exercem controle editorial sobre as informações veiculadas por terceiros provedores de informação, é categórico em afirmar que não se aplica a responsabilização objetiva aos "casos em que a informação é automaticamente divulgada por terceiros, não tendo o provedor de conteúdo acesso prévio a ela" [109].

No mesmo sentido entende L. M. Paesani, para quem "sente-se a necessidade de estabelecer as hipóteses de limitação ou isenção da responsabilidade quanto ao conteúdo da informação que o fornecedor não consegue controlar no momento da divulgação, salvo quando existe a faculdade e a possibilidade de interceptar a informação com base em fundamentadas suspeitas de utilização de material publicitário ilícito a pedido da pessoa ofendida ou por indicação de terceiros" [110].

Considera, assim, L. M. Paesani que "a limitação ou isenção da responsabilidade por lei poderia ser, de iure contendo, reconhecida em três casos: quando as informações são fornecidas por outros fornecedores; quando as informações estão instaladas em outros fornecedores; e quando o fornecedor adotou as precauções indicadas no código de auto-regulamentação, inclusive da identificação do usuário" [111].

Fazendo aqui um parêntesis, no tocando à identificação do usuário, importante ressaltar o dever do provedor de conteúdo em utilizar os melhores meios à sua disposição para assegurar que os provedores de informação que insiram dados de forma automática possam ser encontrados para responder por eventuais ilícitos.

Explica R. Lotufo que é comum a identificação de usuários por meio do chamado login, "que equivale a um processo para identificação (...) o username e depois a senha", lembrando, porém, que "como se admite o anonimato na Internet, pode ser que a pessoa venha a usar um cognome ou apelido e fique fora completamente dessa possibilidade de identificação pessoal", mas "restará sempre a possibilidade de se chegar à identificação de onde partiu, de qual computador se originou aquela mensagem (...) é um trabalho tremendamente árduo, difícil" [112].

A necessidade de que o provedor adote as medidas técnicas ao seu alcance para assegurar a exata identificação do usuário que insere as informações veiculadas se mostra em decisão do Tribunal do Rio Grande do Sul (Proc. 70009993692), mencionada por P. P. Pinheiro, em que "o Tribunal reconheceu que não possui o provedor de internet responsabilidade pelo conteúdo ilícito colocado no ‘ar’ por terceiros. Entretanto, em razão da impossibilidade de se determinar o autor da matéria ofensiva, deveria o provedor, no caso, responder por ela" [113].

Desta forma, além de agir de modo imediato caso seja notificado de ilícitos perpetrados por meio de seus serviços, o provedor de conteúdo deve também buscar manter um banco de dados o mais exato possível de seus usuários, com informações corretas, tarefa que, ainda que não possa facilmente atingir a perfeição, pode obter resultados otimizados por meio de verificações automáticas de dados, como, por exemplo, as feitas para números de CPF.

Note-se que a responsabilização do provedor de conteúdo, também neste caso, irá derivar de sua culpa, a qual se pode até defender ser presumida, uma vez que tal provedor seria o responsável pela coleta das corretas informações cadastrais daquele que insere as informações.

Após suas conclusões acerca da necessidade de limitação ou isenção da responsabilidade dos provedores, L. M. Paesani sugere modificação legal para regular as situações: "deveria ser introduzida uma modificação na atual lei de imprensa" (revogada) "a fim de estabelecer que os diretores dos cabeçalhos jornalísticos telemáticos sejam responsáveis unicamente pelo conteúdo da redação introduzido sob seu controle, isentando-se da responsabilidade dos conteúdos provenientes de outros sites ou dos introduzidos diretamente pelos assinantes ou usuários".

Responsabilizar o provedor de conteúdo de forma direta significaria, nesses casos, inviabilizar esta espécie de serviço, gerando um ônus social alto, uma vez que são importantes vetores de ampliação da comunicação nessa nova era digital, livres das amarras e custos dos veículos tradicionais de imprensa e divulgação do pensamento.

Entretanto, isto não significa escusar o provedor de qualquer responsabilidade, uma vez que, como já dito, cabe-lhe tomar as medidas ao seu alcance para evitar danos, mesmo quando se trate de informação inserida por terceiros. A delimitação dessas medidas, no entanto, não é dada de forma exata, devendo ser aferida no caso concreto, considerando-se os princípios da razoabilidade e da boa-fé.

Assim, se o provedor é avisado acerca de conteúdo ilícito e não age, assume o risco. Da mesma forma se propositadamente facilita práticas ilegais, violando a boa-fé que dele se exige para resguardar os direitos de terceiros.

A responsabilização ocorrerá, assim, se configurada a culpa do provedor em não evitar riscos previsíveis.

Aponta, neste aspecto, L. M. Paesani, que "a previsibilidade, em matéria de tecnologia de ponta, assume feições sujeitas a controvérsias. Como se poderá aferir a previsibilidade se não em função ‘do estado de arte’ vigente e como avaliar se a tecnologia utilizada não era razoável num dano momento? Na prática, tais considerações costumam adquirir contornos fluidos a exemplo, do que se constatou com a virada do ano 2000: o ‘Bug do milênio’, em que a maioria dos computadores e programas existentes no mercado, até o início da década de 90, não estavam preparados para enfrentá-lo, embora, teoricamente, fosse previsível" [114].

Portanto, a melhor solução para a responsabilidade do provedor de conteúdo por danos decorrentes de conteúdo divulgado de autoria de terceiros (usuários que atuam como provedores de informação) é a responsabilização subjetiva do provedor de conteúdo, definindo-se se podia e devia evitar o dano e apurando-se a existência ou ausência de culpa.

Tal responsabilização ocorrerá de forma solidária com o provedor de informação, respondendo cada qual pela medida de sua participação no resultado danoso.

E, por fim, caso o usuário provedor de informação não possa ser acionado para responder por conta de impossibilidade gerada por coleta de informações incorreta, insuficiente ou ausente acerca de sua identidade, poderá o provedor de conteúdo responder por culpa.

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Sobre o autor
Fábio Lima dos Santos

Advogado Contencioso Cível em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Fábio Lima. Responsabilidade civil dos provedores de conteúdo de internet.: Dos blogs aos jornais online. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2783, 13 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18489. Acesso em: 24 abr. 2024.

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