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O princípio da proporcionalidade como limitador da discricionariedade administrativa

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Capítulo III

4 – O Princípio da Proporcionalidade no Controle dos Atos Administrativos Discricionários

Marçal Justen Filho [60], salientando a importância da proporcionalidade na hermenêutica jurídica nos ensina que grande parte dos instrumentos de interpretação não são adequadas para solucionar racionalmente problemas gerados pela contraposição de princípios de idêntica hierarquia. Com isso, a evolução do pensamento jurídico conduziu à utilização do princípio da proporcionalidade como instrumento técnico indispensável à harmonia do sistema.

Como havia dito alhures, o princípio da proporcionalidade exerce uma função orientadora e interpretativa para o administrador, diante da apresentação de casos difíceis que lhe é submetido no exercício do poder-dever discricionário. Portanto, ao presenciar uma divergência de entendimento, no que tange aos direitos fundamentais, a proporcionalidade em conjunto com o critério de razoabilidade, mediante ponderação ou sopesamento de princípios é sempre necessária, tendo em vista que o acesso ao judiciário, quando da ameaça ou lesão de direitos ou garantias consagradas no bojo da Carta de 1988 pelo Poder Público, é garantia do Estado Constitucional de Direito, uma vez que a "inadequação à finalidade da lei é inadequação à própria lei. Donde, atos desproporcionais são ilegais e, por isso, fulmináveis pelo Poder Judiciário, que, sendo provocado, deverá invalidá-los quando impossível anular unicamente a demasia, o excesso detectado" [61].

Luiz Antônio Soares Hentz [62] leciona que "o legislador constituinte de 1988 traçou com cores firmes o perfil do administrador público, limitando sobremaneira a discricionariedade". Para depois concluir: "ao nosso ver, eliminou de vez a barreira diante da qual escondiam-se os tribunais sempre que chamados a pronunciar sobre o mérito do ato administrativo discricionário".

Para Celso Antônio Bandeira de Melo o princípio da proporcionalidade enuncia a idéia de que "as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para o cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas" [63].

No que tange ao controle realizado pelo Poder Judiciário, Alexandre de Moraes assevera que:

"O Poder Judiciário, levando em conta a finalidade do controle de constitucionalidade, que tem como ponto fundamental a defesa dos valores constitucionais básicos e dos direitos fundamentais, afirmados livremente pelo povo em Assembléia Nacional Constituinte, passou a exercer a função de legislador negativo também em relação às principais normas de Direito Administrativo, devidamente constitucionalizadas, consagrando a Teoria Geral do Direito Constitucional" [64].

Este autor defende a tese de que a constitucionalização das normas de Direito Administrativo, permite ao Judiciário impedir que o Executivo molde a Administração Pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais.

Os atos administrativos editados com base no discricionário entendimento do homem público, que muitas vezes não possui conhecimento jurídico ou principiológico, não podem ficar protegidos sob o pretexto do princípio da independência dos poderes.

4.1 - A proporcionalidade como princípio orientador de condutas públicas

A doutrina contemporânea, pós-positivista entende ser a proporcionalidade um princípio orientador da interpretação constitucional, imprescindível ao hermeneuta em busca de soluções jurídicas justas e de bom censo, as quais devem conciliar a finalidade legal inserida na lei, concomitante aos preceitos expressos ou implícitos sob a guarda da Constituição da República de 1988. Logo, a proporcionalidade possui uma função interpretativa tendente a ser amplamente explorada quando se tratar de conduta pública amparada no dever discricionário do administrador, notadamente quando colidir com direitos fundamentais alcançados pelo legislador constituinte.

Nos casos fáticos em que se sobrepõem conceitos jurídicos indeterminados, possibilitando ao administrador optar por diversas hipóteses, todas elas previstas no campo discricionário trazido pelo ordenamento jurídico, haverá conjunturas em que, com o auxílio do princípio da proporcionalidade, o administrador, em situações específicas terá uma única opção, o que torna o conceito plurissignificativo em unívoco.

Paulo Armínio Tavares Buechele vai além entendendo o princípio da proporcionalidade como uma norma jurídica e não mero princípio de interpretação constitucional, senão vejamos:

"Portanto, é no conflito de direitos, concretamente revelado e sem que se possam hierarquizá-los, que o Princípio da Proporcionalidade se mostrará de extrema praticidade, permitindo ao intérprete (juiz, advogado, promotor ou, mesmo o simples cidadão) definir qual dos interesses contrapostos deverá preponderar naquela situação específica, na medida em que melhor atenda aos requisitos da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito" [65].

Portanto, o princípio da proporcionalidade, como paradigma de condutas públicas, nos dá a idéia de equilíbrio e parcimônia, permitindo a coexistência múltipla de princípios que se sobressaem uns sobre os outros diante da incidência no caso concreto. Nessa diretriz, não há aniquilação total de um princípio divergente, mas renúncia parcial deste em proveito de outro, por ser de mais valia ou importância aplicáveis àquele caso através do uso do mecanismo da ponderação.

4.2 - Os elementos da proporcionalidade na atuação administrativa

O princípio da proporcionalidade incidente tanto na atividade legislativa (maior liberdade por avaliar abstratamente os meios e fins), quanto na atividade administrativa (menor liberdade, uma vez que vinculado a fins previamente estabelecidos implícita ou expressamente pelo legislador), está situado na relação motivo, meio e fim.

Não existe ato sem motivo, sem os fatos autorizadores da medida, a qual determina a prática do ato administrativo para consecução de um fim. Nesse compasso, por exemplo, diante de um surto do vírus influenza H1N5, popularmente conhecido como gripe suína (motivo), o Governo Brasileiro quebra as patentes que detêm os países desenvolvidos, para a fabricação do antigripal no Brasil (meio), popularizando o acesso a esses medicamentos (fim). Neste caso manteve-se a relação entre os elementos integradores, sendo assim observada a proporcionalidade no que tange a necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito da medida administrativa exarada.

Em outro viés exemplificaremos um julgamento recente do Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 855, ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) para suspender a Lei 10.248/93, do Estado do Paraná, que determinava a obrigatoriedade da presença do consumidor para acompanhar a pesagem de botijões de GLP comercializados pelas distribuidoras no momento da venda.

Por maioria dos votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 855 por entender, dentre outras, a violação ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade das leis restritivas de direitos, uma vez que a norma seria de difícil aplicação [66].

Diante do caso em tela o Estado do Paraná pretendia assegurar o direito do consumidor a pagar, mediante pesagem do produto, somente o que de fato levaria pra sua casa (motivo). Através de Lei Estadual obrigou as distribuidoras a levarem consigo uma balança de precisão para que pudessem pesar, à vista do consumidor, os botijões de gás GLP (meio). Ocorre que, muito embora a intenção da norma seja a de proteção ao consumidor (fim), a medida tornou-se inviável e danosa, tendo em vista que razões de ordem técnica exigiriam balanças pesadas sujeitas a desregulações, demandando esforço dos consumidores, ao subirem em caminhões para a verificação. Neste caso rompeu-se um dos elementos que integram a aplicação do princípio da proporcionalidade, qual seja a adequação entre meio e fim, infringindo a racionalidade que devem guardar entre si.

Com isso conclui-se que esses elementos são conditio sine qua non, no exame e controle do ato administrativo ante o princípio da proporcionalidade e possuem relação de simbiose com os elementos essenciais que integram o princípio da proporcionalidade, quais sejam, a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Estes elementos, os quais estudaremos em seguida são considerados pela doutrina como sub-princípios do princípio da proporcionalidade, sendo imprescindíveis no que toca à sua aplicabilidade.

4.2.1 - Adequação (Geeignetheit)

Como exposto durante o trabalho, trata-se a adequação de um sub-princípio sendo o primeiro pressuposto a ser analisado no exame da proporcionalidade [67]. É utilizado como balizador na relação entre meio escolhido para o conseguimento do fim pleiteado. Logo, o administrador tem o dever de escolher a medida apta para melhor implementação das finalidades albergadas, sob pena de se levar a crivo do judiciário, considerando o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Destarte, a atuação discricionária, deve haver nexo de causalidade entre meio (ação) e o fim almejado [68].

O sub-princípio da adequação, também denominado pela doutrina como princípio da proibição de excesso "impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins subjacentes". (...) "Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim" [69].

Aprofundando no assunto, Humberto Ávila ensina-nos que o exame da adequação pode ser analisado pelos aspectos quantitativo, qualitativo e probabilístico, senão vejamos:

"No aspecto quantitativo, um meio pode promover um fim de forma mais, menos ou igualmente intensa que o outro. Em termos qualitativos, pode a escolha se dar em um meio que promova de maneira melhor, igual ou pior que o outro; e quanto ao probabilístico, que atinja o fim de maneira mais certa (com mais certeza), igual ou menos certa. Esses aspectos nem sempre ocorrem de forma sincronizada, podendo uma medida ser mais idônea em seu aspecto quantitativo, mas não sê-la em seu aspecto qualitativo" [70].

Suzana de Toledo Barros [71], por sua vez, ressalta que o exame da idoneidade da medida restritiva deve ser realizado sob o enfoque negativo, ou seja, apenas quando inequivocadamente se apresentar como inidônea para alcançar seu objetivo é que a lei ou o ato administrativo devem ser anulados.

Portanto, conclui-se que o dever discricionário a ser aplicado a um determinado caso concreto deve ser adequado ao fim pretendido para que seja garantida a sua validade.

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4.2.2 - Necessidade (Erforderlichkeit)

O sub-princípio da necessidade, também conhecido como princípio da exigibilidade ou "máxima do meio mais suave", pressupõem que a o cidadão, lesado em seus direitos ou garantias, tem direito a uma medida estatal menos gravosa possível [72].

Para Rezek Neto [73], seu pressuposto é de que "a medida restritiva seja indispensável para a conservação de um direito fundamental, e que esta não possa ser substituída por outra menos gravosa".

Canotilho entende que neste princípio tem-se a idéia de "que o cidadão tem direito a menor desvantagem social" [74]. A doutrina acrescentou alguns elementos ao sub-princípio da necessidade, conforme destaca o constitucionalista luso. Logo se subdivide em exigibilidade material, exigibilidade espacial, exigibilidade temporal e, por fim, exigibilidade pessoal.

A exigibilidade material significa que o meio deve ser o mais poupado possível quanto à limitação dos direitos fundamentais, já a exigibilidade espacial, por sua vez, aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção. A exigibilidade temporal pressupõe a rigorosa delimitação no tempo na medida coativa do poder público e a exigibilidade pessoal significa que a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas cujos interesses devem ser sacrificados [75].

Segundo Humberto Ávila:

"Um meio é necessário quando não houver meios alternativos que possam promover igualmente o fim sem restringir na mesma intensidade os direitos fundamentais afetados. O controle da necessidade deve limitar-se, em razão do princípio da separação dos poderes, à anulação do meio escolhido, quando há um meio alternativo que, em aspectos considerados fundamentais, promove igualmente o fim causando menores restrições" [76].

Para Suzana Toledo de Barros [77], a necessidade de uma medida traduz-se por um juízo positivo, pois não basta se afirmar que o meio escolhido pelo legislador / administrador não é o que represente a menor lesividade. O apreciador da medida deve indicar qual o meio mais idôneo (adequado) e por que objetivamente produziria menos conseqüências gravosas, entre os meios adequados ao fim pretendido.

Vale lembrar que há uma estreita relação entre adequação e necessidade, uma vez que só se fala neste se houver adequação do meio empregado.

Logo, conclui-se que a exigibilidade estatal deve ser apresentada de maneira que cause a menor gravidade possível aos direitos fundamentais, não sendo legítima a medida restritiva tomada pelo Poder Público sem observância deste sub-princípio.

4.2.3 - Proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit)

Em relação ao sub-princípio em questão, também denominado de "máxima do sopesamento", "mesmo quando uma medida for aplicada e nela já se tenha verificado sua adequação e exigibilidade, ainda assim, deve-se averiguar se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à carga coativa da mesma" [78].

Para Luis Virgílio Afonso da Silva o exame da proporcionalidade em sentido estrito, "consiste em um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva" [79].

Este autor exemplifica brilhantemente a importância desta terceira sub-regra, da proporcionalidade.

"Se, para combater a disseminação da AIDS, o Estado decidisse que todos os cidadãos devessem fazer exame para detectar uma possível infecção pelo HIV e, além disso, prescrevesse que todos os infectados forrem encarcerados, estaríamos diante da seguinte situação: a medida seria, sem dúvida, adequada e necessária – nos termos previstos pela regra da proporcionalidade – já que promove a realização do fim almejado e, embora seja fácil imaginar medidas alternativas que restrinjam menos a liberdade e a dignidade dos cidadãos, nenhuma dessas alternativas teria a mesma eficácia da medida citada. Somente o sopesamento que a proporcionalidade em sentido estrito exige é capaz de evitar que esse tipo de medidas descabidas seja considerado proporcional, visto que, após a ponderação reacional, não há como não decidir pela liberdade e dignidade humana (art. 5º e 1º, III), ainda que isso possa, em tese, implicar um nível menor de proteção à saúde pública (art. 6º)" [80].

Vale lembrar novamente que só se examinará a proporcionalidade em sentido estrito, caso a medida estatal tiver sido passada pelo crivo dos juízos de adequação e de necessidade. Caso a medida não seja adequada, não será indagada a sua proporcionalidade em sentido estrito.

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Sobre o autor
Mário Henrique Malaquias da Silva

Procurador Municipal. Pós graduado em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e graduado em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Mário Henrique Malaquias. O princípio da proporcionalidade como limitador da discricionariedade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2786, 16 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18507. Acesso em: 19 abr. 2024.

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