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A dialética direito natural - positivismo jurídico e sua superação.

A positividade do direito natural

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4.A Dialética entre o Direito Natural e o Direito Positivo e a sua Superação. Houve e Há uma tendência de Positivação do Direito Natural?

Diante de tudo já referido, é possível delinearmos uma realidade na qual a corrente jusnaturalista e a corrente positivista essencialmente apresentam naturezas distintas.

Na corrente jusnaturalista, o Direito Natural revela-se como um direito universal, sem fronteiras, destinado a todo e qualquer ser humano, independentemente de regulamentação estatal, de sua codificação e de sua formalização, sendo oriundo da própria condição humana, de sua razão ou da inteligência divina.

Por outro lado, na corrente positivista, o Direito Positivo dar-se-ia como um direito concreto, formalizado e palpável, criado e personalizado pela conduta humana, através da estrutura estatal e em sintonia com o ordenamento jurídico, como forma de torná-lo legítimo, seguro, eficiente e um instrumento de exercício da imperatividade do Estado, que agiria em prol de seu cumprimento para a estabilização e segurança social, aplicando, se necessário, sanções.

O Direito Natural, portanto, retiraria a sua legitimidade de si mesmo, de sua própria essência e condição, o que dispensaria a sua formalização pelas estruturas e poderes de cada Estado Nacional e a sua consequente positivação.

O Direito Positivo, por sua vez, extrairia a sua legitimidade a partir de seu reconhecimento estatal e de sua sintonia com o ordenamento jurídico, devendo ser criado e aprovado dentro das formalidades requeridas para o seu surgimento em cada país – respeitando o quorum de sua aprovação, a autoria dos verdadeiros legitimados para a sua confecção, o trâmite adequado no Legislativo, a sua sintonia com a redação constitucional, a sanção pelo líder do Executivo, entre outros aspectos.

O certo é que, desde a antiguidade, devido às diferenças das fundamentações dos teóricos jusnaturalistas e positivistas, vem se estabelecendo uma interessante dialética entre as duas correntes jurídicas.

Em primeiro lugar, a oposição existente entre o Direito Natural e o Direito Positivo remontaria a um antagonismo entre o divino e o profano, entre Deus ou Deuses e os homens. Essa realidade daria uma maior legitimidade de conteúdo ao Direito Natural do que ao Direito Positivo, haja vista aquele ser essencialmente mais nobre, por abarcar princípios e valores "divinos", oriundos de uma época anterior ao próprio direito positivado. Essa condição, por exemplo, ficou evidenciada na literatura histórica grega, em especial na obra "Antígona", de Sófocles, como diria Herkenhoff (2006, p. 40) ao afirmar:

Numa grande obra da literatura grega aparece, dramaticamente, o choque entre a lei positiva e o Direito Natural. É na Antígona, de Sófocles. O tirano Creonte havia determinado que Polinice, morto em combate, não fosse sepultado. Antígona, irmã de Polinice, rebelou-se contra o decreto do déspota, dizendo-lhe:

‘Eu não creio que os teus editos valham mais do que as leis não-escritas e imutáveis dos deuses, que não são de hoje e nem de ontem e ninguém sabe quando nasceram’".

Em um segundo lugar, o antagonismo entre as referidas espécies de Direitos, dar-se-ia em relação à forma de expressão de cada uma delas. Enquanto o Direito Natural seria um direito não-escrito, o Direito Positivo seria um direito escrito. Aliás, essa ideia fica bem exposta no trecho acima citado.

Contudo, certamente, o antagonismo histórico existente entre o Direito Positivo e o Direito Natural não se resume aos mencionados aspectos. Entretanto, é possível dizer que as diferenças que lhes assistem não são, de fato, provocadoras de incompatibilidade insuperável entre eles.

Na verdade, se se observar bem, é possível se constatar que enquanto o Direito Natural melhor se caracteriza pela sua essência, pelo seu conteúdo, o Direito Positivo, por sua vez, melhor se caracterizaria pela sua forma. Isto porque o que faz o Direito Natural de fato Natural é a substancialidade dos direitos que o compõem (pelos seus valores, pelos seus significados e pela sua ampla aplicação a todos os seres humanos, a exemplo do direito à vida e o direito à liberdade), enquanto que o que faz o Direito Positivo de fato Positivo é a sua forma, as formalidades de sua criação e a sua condição de positivado (a exemplo das Constituições Nacionais e dos Códigos e Leis).

Respaldado nesse entendimento, não seria absurdo afirmar a possibilidade clara de compatibilização entre o Direito Natural e o Direito Positivo; afinal, os fatores caracterizadores de cada um deles são distintos, respectivamente, conteúdo e forma.

O que haveria, portanto, de ilógico em uma fusão, ainda que limitada, entre o conteúdo vigoroso do Direito Natural e a forma necessária do Direito Positivo?

É certo que às complexidades humanas e sociais contemporâneas não bastaria o Direito Natural por si só, independente da nobreza de seus valores, dos direitos que tutela e de sua aplicabilidade geral. O seu cunho abstrato seria, de certo, uma limitação constante para a sua aplicação. Da mesma forma, a sua natureza intangível e não-escrita representaria, de logo, um importante empecilho para a atuação Estatal em favor de sua materialização, dificultando o exercício de sua imperatividade e da aplicação de sanções jurídicas aos seus descumpridores.

Por via inversa, não bastaria, igualmente, o Direito Positivo por si só às complexidades humanas e sociais do presente. O seu cunho meramente formal o torna vulnerável às investidas ideológicas daqueles que estão à frente dos Poderes de cada Estado Nacional, que poderiam positivar regras e valores abomináveis e incompatíveis com o exigido espírito de humanidade, formalizando-os dentro da técnica exigível e da mera legalidade, com o fim de atender a objetivos e interesses obscuros, potencialmente contrários ao bem-comum e à dignidade da pessoa humana.

De qualquer sorte, são inquestionáveis os perigos de se adotar um modelo jurídico tão-somente positivista, no qual valores humanos, éticos e morais não seriam basilares ao ordenamento jurídico do país.

O exemplo histórico mais visível seria justamente a realidade vivenciada pela sociedade alemã nos anos anteriores e naqueles correntes à 2ª Guerra Mundial. O Estado Alemão, nesse tempo, radicalizando o pensamento positivista e moldando-o aos interesses dos Nazistas, em especial de Adolf Hitler, apropriou-se do Direito Alemão Positivado, para normatizar as mais diversas atrocidades, os mais variados abusos e desumanidades.

Diante da lógica (ultra)positivista nazista, por mais absurdas que pudessem parecer, as ações do Estado Alemão, naquele tempo, eram elas, por eles, consideradas legítimas; afinal, encontravam respaldo nas leis vigentes, que teriam sido aprovadas dentro da formalidade exigida, levando em consideração quorum, competência e procedimentos necessários.

Nunca é demais lembrar que, em vários outros momentos da história, o Direito Positivo foi utilizado para legitimar Governos Autoritários e Estados de Exceção. As diversas Ditaduras, por décadas, vivenciadas pelas nações latino-americanas, durante o Século XX, em especial pelas sul-americanas, como aquelas existentes no Brasil, Argentina e Chile, por exemplo, também se apropriaram das diretrizes exclusivas do positivismo jurídico, para se legitimarem e, ao mesmo tempo, legitimarem as suas ações, ainda que injustas, nocivas, imorais e desumanas.

Desse modo, é coerente dizer que as diretrizes teóricas do positivismo jurídico não seriam suficientes para a adequada legitimação do Direito Positivo e, muito menos, para a garantia do bem-estar social das nações e de toda a humanidade.

Essa realidade, de fato, fez com que ressurgisse, com força e vitalidade, após a 2ª Guerra Mundial, a necessidade de se ligar as normas positivadas com princípios outros e bens de natureza imaterial que, certamente, estariam vinculados a valores morais exigíveis e, de certa forma, aos Direitos Naturais. Assim sendo, questionou-se vigorosamente a legitimação do Direito Positivo apenas por critérios formais.

Ficou evidente, sem embargo, que o Direito Positivo, por si só, mostrou-se insuficiente, da mesma forma que o Direito Natural.

Levando em consideração, contudo, que, por tudo já afirmado, o Direito Natural e o Direito Positivo não seriam, por completo, incompatíveis, seria, desta feita, inevitável a associação gradativa de valores positivistas com os jusnaturalistas, visando claramente a alcançar uma verdadeira legitimação das normas positivadas, diante de valores como a moral, a ética, a justiça, a humanidade, a fraternidade e a igualdade. Uma associação ideal entre a forma positivada e o conteúdo ou essência jusnaturalista.

É certo que parte da doutrina entende que, após a sua consequente positivação, o Direito Natural deixaria simplesmente de ser Natural, para ser, a partir de então, claramente Direito Positivo. Esse pensamento pode até resguardar certa lógica, todavia, não se pode negar que o espírito incomparável dessa nova norma positivada é e sempre será Direito Natural.

Por outro lado, alguns estudiosos defendem a idéia de que a persistência na defesa do Direito Natural é nociva, extraindo de uma análise histórica a certeza de que pode ele ser manipulado e servir como instrumento de manipulação ideológica e econômica do homem.

Esse, por exemplo, é o posicionamento de C. H. Porto Carreiro ao afirmar:

Hoje o Direito Natural morreu e sua ressurreição só interessa àqueles que, opondo-se à lição da História, pretendem manter o homem submetido ao poder de grupos e classes que o exploram ideológica e economicamente (CARREIRO apud HERKENHOFF, 1976).

Ainda assim, há quem conceba, de pronto, o refortalecimento contemporâneo do Direito Natural em contraste com o Positivo. É o caso de A. Machado Paupério, ao afirmar:

Depois de longo tempo de império de sociologismo positivista, volta o direito natural, de novo, a polarizar as inteligências e as Universidades, num movimento de autêntica floração renascentista (PAUPÉRIO apud HERKENHOFF, 1981).

Os posicionamentos dos dois autores supracitados evidenciam uma tendência comum entre os juristas de polarização entre as duas espécies de Direito (o Direito Positivo e o Natural), mas que, por tudo já exposto, não inibe a possibilidade de diálogo entre elas.

Aliás, a existência de um acirrado antagonismo histórico e, ainda, de certa forma, atual entre o Direito Positivo e o Direito Natural, viabilizou um verdadeiro processo dialético entre os defensores de ambas as correntes e, através desse processo, viabilizou-se a discussão sobre os pontos positivos e negativos e, por reflexo, sobre as incompatibilidades ou compatibilidades entre elas.

Certamente, essa dialética viabilizou, gradativamente na história humana, a positivação de diversos dos direitos naturais, a exemplo da vida e da liberdade, internacionalmente e nas mais diversas nações.

A criação de Declarações de Direitos Humanos, por exemplo, não seriam nitidamente uma tentativa de se positivar, resguardadas as devidas proporções, direitos naturais? Da mesma forma, essa mesma tendência não seria observada na iniciativa de constitucionalização de diversos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, nos mais diversos Estados Nacionais, e, inclusive, em alguns casos, como o brasileiro e o argentino, do reconhecimento e destinação de peso constitucional a tratados internacionais de direitos humanos, quando signatários e após devido trâmite nas Casas do Legislativo?

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Além disso, por consequência da constitucionalização de diversos direitos naturais, em cada país, em especial naqueles de maior influência jurídica romana, diversas outras leis acabaram internalizando, por intermédio de um processo de positivação, valores e princípios jusnaturalistas, como reconhecimento claro de suas importâncias e da necessidade inconteste de normatizá-los, com o objetivo de viabilizar uma maior eficiência estatal nas suas proteções e aplicações.

Essa realidade demonstra a integração entre características de "conteúdo" jusnaturalistas e características positivistas de "forma", visando à materialização de um sistema aprimorado de tutela dos direitos e à incorporação de uma participação ativa estatal, que utiliza de sua imperatividade para tanto, e, por conseguinte, o alcance de um aperfeiçoamento humano e social das realidades nacionais.

Salienta-se, outrossim, que dentro da própria perspectiva de positivação geral dos direitos naturais existe a atuação de um movimento acadêmico pós-positivista, que, de certa maneira, acaba flexibilizando a ideia de extinção do Direito Natural, depois de sua positivação.

Segundo essa corrente, mesmo dentro do sistema jurídico positivo, a norma em si perde importância ante a existência de valores e princípios basilares a todo ordenamento jurídico. Desta feita, não poderia uma norma jurídica contrariar, por exemplo, princípios jurídicos constitucionais, sob pena de contrariar a todo ordenamento.

Acrescenta-se que muitos desses princípios são nitidamente e essencialmente Direito Natural, como no caso dos princípios à vida, à liberdade e à dignidade da pessoa humana. Se as normas internas positivadas de um país devem estar em sintonia com os princípios basilares de todo ordenamento, acabam, cristalinamente, tendo que obedecer, de regra, o espírito principiológico e jusnaturalista inserido no próprio Direito Positivo de determinada nação, como ocorre no Brasil.

Nesse caso, os princípios seria investidos de verdadeira positividade, como fica evidenciado no trabalho de Leonardo Zehuri Tovar (2005, p.1):

A queda do Positivismo coincide com uma época em que o homem passou a se preocupar mais com os direitos sociais, atribuindo uma dimensão superior à necessidade de se solucionar conflitos independentemente das leis, viu-se que não é sempre que a lei é legítima, ou seja, que a norma corresponde à vontade social. A estimação exasperada à lei fria, conseqüentemente, passou a granjear justas críticas, encontrando no Brasil defensores da irrestrita relação entre diferentes elementos: o fato social, o valor, e, é óbvio, a norma jurídica (Miguel Reale e outros).

No remanescente do mundo, outros pensadores, como Ronald Dworkin e F. Muller, passaram a sustentar, apesar de algumas adjacências, as mesmas idéias-base. Era o início do pós-positivismo jurídico. A nova fase passou a atribuir maior importância não somente às leis, mas aos princípios do direito. E os princípios, analisados como espécies de normas, tinham, ao contrário das regras, ou leis, um campo maior de abrangência, pois se tratavam de preceitos que deveriam intervir nas demais normas, inferiores, para obter delas o real sentido e alcance. Tudo se ressalte, para garantir os direitos sociais do homem.

No pós-positivismo, os princípios jurídicos deixam de possuir apenas a função integratória do direito, conquistando o status de normas jurídicas vinculantes.

Esse posicionamento ainda é reforçado pelo jurista Ricardo Maurício Freire Soares (20??, p.06):

Decerto, o reexame do modelo positivista tem ocupado cada vez mais espaço nas formulações da ciência do direito. A constatação de que o direito não se resume a um sistema fechado de regras legais abriu margem para que fossem oferecidos novos tratamentos cognitivos ao fenômeno jurídico. Buscou-se, então, conceber-se a ordem jurídica como um sistema plural, dinâmico e aberto aos fatos e valores sociais. Deste modo, foi se erguendo um novo paradigma jurídico, denominado por muitos autores como "pós-positivismo".

Podem ser elencados, no campo teórico pós-positivista, dois pilares básicos: a proposta de uma nova grade de compreensão das relações entre direito, moral e política; e o desenvolvimento de uma crítica contundente à concepção formalista do positivismo jurídico. Em relação a este segundo aspecto, interessa frisar a emergência de um modelo de compreensão principiológica do direito, que confere aos princípios jurídicos uma condição central na estruturação do raciocínio do jurista, com reflexos diretos na interpretação e aplicação da ordem jurídica.

Nesse sentido, fica patente que a dialética histórica entre Direito Positivo e Direito Natural e entre os seus defensores, não se deu decisivamente no sentido de inviabilizar, ainda que relativamente, a integração entre as duas espécies de direito. Contrariamente, houve uma superação desse processo dialético, resultante na absorção dos valores e princípios jusnaturalistas pelos mais diversos tratados internacionais e ordenamentos jurídicos – o que pode ser chamado de fenômeno de positivação dos direitos naturais -, que se intensificou, em especial após o fim da 2ª. Guerra Mundial. Essa internalização do Direito Natural pelo Direito Positivo, alimentada, inclusive, por uma nova tendência pós-positivista, acabou por valorizar os princípios ante as normas jurídicas e, com eles, valores jusnaturalistas relevantes, como a vida e a liberdade – o que deixa clara a ideia de que há vida jusnaturalista, mesmo após a sua inconteste positivação.

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Sobre o autor
Fernando de Azevedo Alves Brito

Advogado, Escritor, Professor EBTT, área de Direito, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), Campus Vitória da Conquista. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidad Nacional de La Plata (UNLP). Mestre em Ciências Ambientais pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes (UNIT). Professor responsável pela linha de Educação Ambiental no Grupo de Pesquisa Saberes Transdisciplinares (IFBA). Membro da Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB). Autor dos livros "Ação Popular Ambiental: uma abordagem crítica" (1ª e 2ª edições, Nelpa, 2007 e 2010) e "O que é Meio Ambiente? Divagações sobre o seu conceito e a sua classificação" (1ª edição, Honoris Causa, 2010). Autor de diversos artigos nas áreas do Direito Ambiental, da Cidadania e do Meio Ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Fernando Azevedo Alves. A dialética direito natural - positivismo jurídico e sua superação.: A positividade do direito natural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2789, 19 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18523. Acesso em: 26 dez. 2024.

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