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A dialética direito natural - positivismo jurídico e sua superação.

A positividade do direito natural

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5.A "Naturalidade do Direito Positivo" e a "Positividade do Direito Natural"

Não obstante as significativas diferenças entre o Direito Natural e o Direito Positivo e a coexistência das mais diversas correntes defensoras de ambas as espécies de direitos, faz-se relevante evidenciar uma reflexão a respeito da "naturalidade do Direito Positivo" e, por via reflexa, da "positividade do Direito Natural".

Tal reflexão vê-se, de maneira peculiar, tecida pelo ilustre jurista argentino Eduardo Luís Tinant, em artigo intitulado "La Positividad del Derecho Natural".

Nesse trabalho, o referido autor, chama a atenção, em outras palavras, para o fato de que, durante toda a sua história, o homem sempre ter se utilizado do contexto normativo para regular os seus atos, ações e vida. Seguindo esse raciocínio, Tinant salienta a existência de uma magnitude jurídica no homem, de maneira que alcançaria ele a sua essencialidade e existencialidade no Direito Positivo. A esta realidade chama de "Naturalidade do Direito Positivo", que vem evidenciar certa condição ou predisposição natural do homem a buscar no Direito Positivo sua própria condição essencial e existencial.

A respeito do assunto, escreve Tinant (1984, p.03):

Es dable advertir cómo El hombre, a través de toda su historia, ha encauzado su múltiple quehacer según um plexo normativo jurídico: ya para crearlo, aplicarlo, o siplesmente aceptarlo; ya para modificarlo, transgredilo, o rechazarlo, generando otro. El derecho positivo es, sin duda, proprio de la esencia humana en su manifestación social. Y así como Del Vechio ha sabido apreciar la naturaleza humana como fundamento del derecho, cabe señalar a la inversa magnitud jurídica en el hombre, alcazando tal esencialidad su existencialidad en el derecho positivo. Bien podemos llamar a esto la "naturalidad del derecho positivo".

Em via inversa, o citado jurista reconhece como face outra da mesma moeda uma segunda tendência do homem de naturalmente buscar plasmar uma ordem concebida como justa ou, ainda, converter em justa uma ordem considerada injusta. Essa tendência histórica e natural do homem levaria, nas palavras do autor, a uma busca incessante pela superação e reformulação das mais diversas modalidades de ordenamento jurídico, o que chamaria de "Positividade do Direito Natural".

Diz o autor, nesse contexto:

Empero, como si fuese la otra cara de la misma moneda, también a lo largo de su historia el hombre ha intentado plasmar un orden estimado como justo, o transformar en justo un orden considerado injusto, llevándole esa búsqueda incesante a la superación y reformulación de la más diversas modalidades de ordenamiento juridico desde las comunidades primitivas hasta las de nuestro tiempo. Esta perenne aspiración – empleando el término en el más puro sentido bergsoniano – conlleva la "positividad del derecho natural", es decir, el permanente trasvasiamento de principios e preceptos jusnaturalistas al contexto del derecho positivo (TINANT, 1984, p.03).

Nesses termos, o ser humano não pode se libertar dessa busca natural pela sintonização do Direito Positivo com um padrão aceitável de justiça, vez que esse intento é uma condição de sua própria essência, enquanto ente social.

Diante disso, ao se deparar com um ordenamento jurídico injusto, o ser humano, inegavelmente, com o tempo, tenderia a estabelecer uma batalha interior e exterior pela sua compatibilização com padrões de justiça, isto é, com relevantes fundamentos do Direito Natural. Isto se daria pela importação de princípios e preceitos jusnaturalistas ao Direito Positivo, assegurando, nas palavras do jurista, a chamada "Positividade do Direito Natural".

Esse processo de interiorização de valores e fundamentos jusnaturalistas pelo Direito Positivo, já anteriormente tratado, deu-se em diversos momentos da história da humanidade, o que vem a reforçar o entendimento de Tinant.

A criação de Declarações de Direitos Humanos, a assinatura de tratados, acordos e convenções de Direitos Humanos nos mais diversos espaços do globo e a constitucionalização de boa parte deles, em várias realidades nacionais, são exemplos claros da tratada "Positividade do Direito Natural", o que a torna incontestável nas realidades humana e jurídica contemporâneas.

De certa forma, o Direito Natural, por si só, a menos que pudesse se considerar a sociedade humana perfeita, pura e cumpridora eterna do que é justo e correto, é incapaz de se (auto)materializar e de se tornar efetivo. Em reconhecimento a isso, carece ele, para a sua melhor proteção e cumprimento, de uma associação com a forma positivada, sem, entretanto, renunciar ao seu espírito.

Assim sendo, a ideia de "Positividade do Direito Natural" serve como utilidade de duas funções: a) a de legitimação do Direito positivo, ao compatibilizá-lo aos preceitos e princípios jusnaturalistas; e b) a instrumentalização e a ampliação da proteção do Direito Natural, ao revesti-lo da forma positivada.

Certamente, isolado da forma positiva, o Direito Natural é mais vulnerável, sendo, igualmente, mais difícil a sua efetivação. Isto porque aquele que o descumpre fica a mercê de mera sanção moral, inviabilizando a sua tutela pelo Estado, através da utilização de sua imperatividade e da aplicação de uma sanção definitivamente jurídica.

Por outro lado, ao se incorporar no Direito Positivo, o Direito Natural passa oxigenar todo o ordenamento jurídico, não só pela sua condição de norma, mas, principalmente, pela sua condição de valor e princípio.

Como já trabalhado em capítulo anterior, urge em tendência pós-positivista a elevação do valor dos princípios a um patamar superior ao da própria norma, principalmente quando tem ele sedimento constitucional. Em decorrência disso, assumindo uma postura principiológica o Direito Natural irradia, de forma relevante, a sua luz e vitalidade a todo ordenamento jurídico, potencializando a legitimação do direito positivado, bem como garantindo a sua maior proteção e efetividade, por intermédio, inclusive, da atuação do Estado.

Faz-se, em caráter complementar, relevante frisar, o posicionamento do ilustre jurista argentino Eduardo Luis Tinant (1984, p.04), em mesmo artigo:

La sanción jurídica – y no solo moral – salva así la inconexidad inicial entre la norma jusnaturalista y la positivista, asegurando la vigencia de tan fundamentales principios en la materia de los derechos humanos. Aquellas pautas vitales –originariamente jusnaturales – se duplican, conformando asimismo una de las franjas más importantes del derecho positivo.

El ideal de justicia que encarna el derecho natural, dirigido en la materia de los derechos humanos a la preservación de las libertades y los derechos individuales, obtiene así satisfacción merced a la posibilidad jurídica de coación cuando arbitrariamente se los restringe. Entonces –parafraseando a Welzel – el derecho alcanza su cenit: es la vez poder protector y valor obligante del ser humano.

Destarte, fica patente a "Positividade do Direito Natural", de maneira que fica reafirmada a inexistência de incompatibilidade visceral entre o Direito Positivo (principalmente caracterizado pela sua forma) e o Direito Natural (relevantemente caracterizado pelo seu conteúdo e valor).

Cabe, contudo, tão-somente, afirmar que a positivação do Direito Natural, ao contrário do que alguns juristas possam entender, não pode indicar, de fato, o seu desaparecimento ou, ainda, a sua substituição completa pelo Direito Positivo, que, a partir de então, tornar-se-ia o único existente.

Defende-se esse posicionamento com base na compreensão do fator valorativo de cada uma das espécies de direito referidas – na qual o fator caracterizador do Direito Natural e Positivo seriam, respectivamente, o conteúdo e a forma – e, também, com base na certeza de que a fonte incessante do Direito Natural apenas imprime os seus valores no Direito Positivo, não sendo passível, portanto, de manipulação ou distorção por parte da ação estatal ou de quem quer que seja no ordenamento jurídico.

Assim, se a Constituição de determinado país, no presente, abarca diversos direitos e princípios jusnaturalistas, ainda que, por um golpe militar futuro, venha a ser a dita Carta Magna alterada com a subtração das normas de Direito Natural e, por decisão governamental, de impedimento de utilização de seus valores; ainda assim continuarão esses direitos e princípios jusnaturalistas a existir. Isso porque a norma, nesse caso, representada pela Constituição do país, não é a fonte do Direito natural, mas, simplesmente, na sua dimensão conteudística, o seu receptáculo. O fechamento do ordenamento jurídico do dito país fictício na escuridão de um recinto, não inibirá, certamente, que os raios de luz e a luminosidade jusnaturalistas continuem a ser, permanentemente, radiada de sua fonte solar originária.


6.Conclusão

Diante do todo já exposto, cabe, pertinentemente, sintetizar o seguinte:

- A compreensão do significado de Direito Natural remonta à antiguidade, alcançando o presente, apresentando-se ele diferentemente a depender do tempo e do espaço em que for analisado;

- São diversas as teorias explicativas do Direito Natural, com os mais notáveis defensores – a exemplo de Santo Tomás de Aquino (Jusnaturalismo Escolástico), Tomas Hobbes (Jusnaturalismo Racionalista) e Rudolf Stammler (Teoria do Direito Natural de Conteúdo Variável) –, sendo o conjunto delas formador da chamada corrente jusnaturalista, que, de regra, entende ser o direito natural fruto da inteligência de Deus, da razão ou da própria natureza humana;

- Igualmente ao Direito Natural, a compreensão do significado do Direito Positivo é diferenciada a depender do tempo e do espaço em que for estudado, sendo diversas as variações de seu entendimento, a exemplo dos notáveis posicionamentos de Hans Kelsen (defensor da "norma" como objeto de estudo do direito) e de Carlos Cóssio (que defende a "conduta humana intersubjetiva" como objeto de estudo do direito e a norma como seu método ou sua metodologia);

- As distinções históricas entre o Direito Natural e o Direito Positivo e as discordâncias de seus defensores estabeleceram um patamar de antagonismo entre essas espécies de Direito;

- Tornou-se, de certo, inevitável o estabelecimento, através dos tempos, de um relevante processo dialético "Direito Natural – positivismo Jurídico";

- Não haveria, pois, de se afirmar serem incompatíveis o Direito Natural e o Direito Positivo, até mesmo porque os fatores caracterizadores dos mesmos seriam distintos: o "conteúdo" (valor), para o primeiro, e a "forma", para o segundo;

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- A vulnerabilidade histórica do Direito Natural, haja vista a sua condição abstrata, viabilizaria aos transgressores, apenas, uma mera sanção moral, dificultando, em geral, a sua aplicabilidade, bem como a sua tutela por parte do Estado;

- Ao Direito Positivo, por outro lado, pelas negativas experiências do passado – a exemplo dos abusos do Estado Nazista e, igualmente, dos Estados de Exceção instalados por regimes ditatoriais–, não bastaria somente, para a sua legitimação, o atendimento de condições ou requisitos meramente formais e legais;

- Essa realidade fortaleceu a necessidade de integração entre o Direito Natural e o Direito Positivo, de forma a viabilizar, a ambos, mútua compensação pelas suas ditas insuficiências isoladas, possibilitando a gradativa positivação do Direito Natural, o que, por reflexo, forneceu ao "corpo" do Direito Positivo o benefício de uma alma legitimadora jusnaturalista;

- A dialética "Direito Natural – positivismo jurídico" viu-se, assim, paulatinamente superada ante a incontornável e gradativa positivação do Direito Natural, que se deu, por exemplo, em Declarações de Direitos Humanos, tratados, acordos e convenções internacionais para este mesmo fim e, também, nas Constituições Nacionais, ao internalizarem direitos e garantias fundamentais da pessoa humana;

- Na visão do ilustre jurista argentino Eduardo Luis Tinant, se, por um lado, o ser humano teria uma magnitude jurídica que o levaria a encontrar a sua essencialidade e existencialidade no Direito Positivo ("Naturalidade do Direito Positivo"), por outro o ser humano abrigaria uma importante condição de visar plasmar uma ordem com a justiça e de buscar converter uma ordem injusta em justa ("Positividade do Direito Natural");

- Enfim, esse processo de busca humana pela compatibilização da ordem com a justiça, poderia se consolidar, justamente, através da internalização de valores e diretrizes jusnaturalistas no ordenamento jurídico (direito positivado), possibilitando a ele uma legitimação espiritualmente superior àquela meramente formal ou legal. Da mesma forma, permitiria, segundo a corrente pós-positivista, que o Direito Natural positivado pudesse oxigenar a todo o ordenamento, com a sua atuação na qualidade de princípio, que se sobreporia, de certo, ao próprio conteúdo normativo vigente;

- Contesta-se, por fim, que a positivação do Direito Natural possa eliminar, definitivamente, o vínculo do conteúdo positivado com o seu universo jusnaturalista originário, em sua conversão definitiva em Direito positivo. Isto porque a "forma" positiva não eliminaria a qualidade do valor da diretriz jusnaturalista positivada, que é e sempre será Direito Natural, ainda que, no futuro, sejam elas eliminadas do ordenamento jurídico que as positivou.


Referências Bibliográficas

BITTAR, Eduardo C. B., ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2010.

BODENHEIMER, Edgar. Teoria del Derecho. Cidade do México: Coleccion Popular, 1942.

BORNIA, Mónica Beatriz. Introducción al Derecho. Buenos Aires: La Ley, 2004.

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CÓSSIO, Carlos. La Teoria Egologica del Derecho: Su Problema y Sus Problemas. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1963.

HERKENHOFF, João Baptista. Introdução ao Direito. Rio de Janeiro: Thex, 2006.

SOARES, Ricardo Maurício Freire. Reflexões sobre o Positivismo Jurídico. Salvador: Faculdade Baiana de Direito, 20??. Disponível em: <http://www.faculdadebaianadedireito.com.br/.../reflexoes_sobre_o_pos_positivismo.doc>. Acesso em: 22 maio 2010.

TINANT, Eduardo Luis. La Positividad del Derecho Natural. In Boletin de la Asociación Argentina de Filosofia del Derecho. 1984, p. 3-4.

TOVAR, Leonardo Zehuri. O papel dos princípios no ordenamento jurídico. In Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6824>. Acesso em: 22 maio 2010.

VILLAGRA, Angel Esteban. Elementos para una Introducción al Derecho. Cordoba: Advocatus, 2002.

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Sobre o autor
Fernando de Azevedo Alves Brito

Advogado, Escritor, Professor EBTT, área de Direito, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), Campus Vitória da Conquista. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidad Nacional de La Plata (UNLP). Mestre em Ciências Ambientais pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes (UNIT). Professor responsável pela linha de Educação Ambiental no Grupo de Pesquisa Saberes Transdisciplinares (IFBA). Membro da Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB). Autor dos livros "Ação Popular Ambiental: uma abordagem crítica" (1ª e 2ª edições, Nelpa, 2007 e 2010) e "O que é Meio Ambiente? Divagações sobre o seu conceito e a sua classificação" (1ª edição, Honoris Causa, 2010). Autor de diversos artigos nas áreas do Direito Ambiental, da Cidadania e do Meio Ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Fernando Azevedo Alves. A dialética direito natural - positivismo jurídico e sua superação.: A positividade do direito natural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2789, 19 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18523. Acesso em: 19 nov. 2024.

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