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O princípio fundamental do desenvolvimento sustentável no ordenamento jurídico brasileiro

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23/02/2011 às 14:16
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SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 O método científico: do cartesianismo ao pensamento sistêmico; 2 O desenvolvimento sustentável; 3 O desenvolvimento sustentável no ordenamento jurídico brasileiro; considerações finais

RESUMO: O método científico moderno cunhou um modelo de desenvolvimento que trouxe reflexos negativos para o meio ambiente. Como alternativa, propõe-se a sua substituição pelo desenvolvimento sustentável. O ordenamento jurídico brasileiro tem absorvido estas propostas, prevendo o desenvolvimento sustentável como um princípio de natureza fundamental. Todavia, os juristas tem tido dificuldades em transpor o disposto na norma para a prática dos tribunais, havendo um único julgado do STF que tratou da questão, reconhecendo o desenvolvimento sustentável como vetor de interpretação e direito fundamental. Isto indica que o Judiciário, lenta e progressivamente, tem absorvido os conceitos, abrindo-se para uma maior sensitividade ecológica.

PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente. Desenvolvimento sustentável. Conteúdo jurídico.

ABSTRACT: The modern scientific method coined a development model that has brought negative consequences for the environment. Alternatively, it is proposed to be replaced by sustainable development. The Brazilian legal system has taken up these proposals, providing for sustainable development as a fundamental principle of nature. However, jurists have had difficulty in translating the provisions of the standard for the practice of the courts, with only one trial that the Supreme Court addressed the issue, recognizing sustainable development as a vector of interpretation and fundamental right. This indicates the judiciary, slowly and gradually have absorbed the concepts, opening themselves to greater ecological sensitivity.

KEYWORDS: Environment. Sustainable development. Legal content.


introdução

O modelo de desenvolvimento tradicional demonstrou ser altamente ofensivo ao meio ambiente e aos recursos naturais, produzindo uma crise ecológica sem precedentes na historia da humanidade. Diante disso, como produto dos movimentos ecológicos, propôs-se a mudança do paradigma hegemônico em busca da observância do desenvolvimento sustentável.

Este conceito, de natureza fluida e interdisciplinar, aos poucos transpôs os limites da ecologia para ser incorporado pelo Direito Internacional do Ambiente e, posteriormente, pelo ordenamento jurídico brasileiro, tornando-se norma jurídica de efeitos concretos.

Considerando tais elementos, o presente trabalho tem por objetivo investigar o conteúdo jurídico do desenvolvimento sustentável e sua aplicação pelos principais tribunais pátrios, especialmente o STJ e o STF.


1 O método científico: do cartesianismo ao pensamento sistêmico

Vivemos numa sociedade marcada pelo risco ecológico, em que os resultados negativos das atividades tecnológicas e industriais já não podem ser totalmente previstas ou asseguradas. Teorias sociológicas apontam para o ingresso da humanidade em um novo estágio de desenvolvimento, convertendo-se em sociedade de risco. Segundo Ulrich Beck [01], precursor da corrente teórica, esta se caracteriza por ser a ocasião histórica em que os riscos da sociedade industrial passam a dominar os debates e as instituições produzem e legitimam riscos que não podem controlar.

Mas como chegamos até aqui?

O método científico que se tornou hegemônico na sociedade ocidental a partir do advento da Idade Moderna, baseado nas idéias de Bacon, Descartes e seus seguidores, reduziu a natureza a mero cenário de um espetáculo em que o homem é o principal e único protagonista. Bacon contribuiu para este processo ao conceber o Estado como uma república científica, onde o poder deve ser exercido pelos sábios e o objetivo primordial é dominar integralmente a natureza, de modo a extrair dela melhorias em prol do ser humano. Seu método consiste numa sequência em que os fenômenos naturais devem ser: (1) compreendidos; (2) imitados; (3) transformados; e (4) criados de modo artificial. Uma frase sua é bastante esclarecedora: "A natureza é uma mulher pública. Devemos domá-la, penetrar os seus segredos e subjugá-la à nossa vontade." [02]

Descartes, por seu turno, através de sua Fabula Mundi, apresenta os fenômenos da natureza como algo obscuro, propondo um método de pensamento analítico em que as partes devem ser separadas e estudadas, para que então se possa compreender o todo. Assim, como "um piloto, um fontainier ou um relojoeiro, o homem percorre a Criação para lhe regular os movimentos à sua conveniência." [03]

Intui-se, assim, que a natureza se consolida, a partir desta linha de pensamento, como um mero instrumento que serve ao ser humano, podendo ser livremente dominada, modificada e criada para o seu benefício.

Esta forma de pensar moldou o desenvolvimento tecnológico e industrial que se seguiu, produzindo reflexos ecológicos dramáticos, a ponto de, neste início de século XXI, pela primeira vez na história se cogitar da existência de um risco concreto de impossibilidade de manutenção das condições necessárias à vida na terra como uma decorrência de atividades humanas voluntárias. Desastres ecológicos passaram a povoar os noticiários, sendo cada vez mais comuns os episódios de grandes derramamentos de óleos nos oceanos, catástrofes atômicas, mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global, redução da diversidade biológica, dentre outros.

Importa, por conseguinte, superar este modo de pensar, reconciliando o homem com a natureza.

Neste caminhar, surgem correntes teóricas que propõem um novo método de produção do conhecimento, fundado na complexidade e na interdependência entre os fenômenos biológicos, físicos, sociais e culturais.

Surgem então a teoria da complexidade e as correntes sistêmicas de produção do conhecimento, com uma característica comum, o questionamento da visão analítica cartesiana [04].

Consentâneo com esse novo modo de pensar, importa buscar um novo modelo de produção tecnológica e industrial, que reconheça ao mesmo tempo valor intrínseco da natureza e respeite os interesses das futuras gerações.


2 O desenvolvimento sustentável

Para tanto, com o objetivo de reverter a verdadeira crise civilizacional [05]em que a humanidade se encontra, propõe-se o abandono do desenvolvimentismo predatório em nome de um novo paradigma, que combine os interesses econômicos com a proteção à natureza.

A busca por compatibilização entre desenvolvimento e respeito ao meio ambiente ganha força a partir de 1970, com a implementação de um Direito Internacional Ambiental, tendo-se realizado diversas convenções internacionais com o objetivo de discutir o tema.

Inicialmente, por obra de Ignacy Sachs, surge o conceito de ecodesenvolvimento, como uma forma de opor-se à visão reducionista do meio ambiente vigente, fundada apenas no isolamento e preservação das espécies. O autor propõe uma política de preservação ambiental que integre o homem ao seu meio, por intermédio de atividades de conhecimento, aprendizagem e proteção [06].

O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu apenas na década de 1980, por obra da União Internacional da Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais. Sua consagração deu-se em 1987, a partir do Relatório de Bruntland, em que se assentou a necessidade de compatibilizar o crescimento econômico com a proteção ambiental. O conceito foi cristalizado naquele documento como o desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades [07].

Sua consolidação na comunidade internacional foi ratificada na ECO-92, quando foi incluído em diversos artigos da Carta do Rio, destacando-se o contido no Princípio 3, que dispôs:

O direito ao desenvolvimento deve exercer-se de forma tal que responda eqüitativamente às necessidades de desenvolvimento e de proteção à integridade do sistema ambiental das gerações presentes e futuras.

Por conseguinte, para que esta idéia seja respeitada, as ações destinadas ao desenvolvimento econômico devem atribuir um valor intrínseco à natureza, independente de sua vinculação com algum interesse humano específico, resguardando os interesses das gerações futuras [08]. Ao congregar dois interesses conflitantes, exige que o desenvolvimento seja buscado de modo a realizar sempre uma concordância prática entre os interesses econômicos e o respeito ao meio ambiente das atuais e futuras gerações.

Em 2002, por ocasião da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, o conceito se amplia, incorporando à proteção do meio ambiente e o desenvolvimento econômico, os aspectos social e político. Essa mudança justifica que, hoje, o desenvolvimento sustentável possa ser entendido como um conceito de natureza multidimensional, incluindo em seus objetivos também a redução da pobreza e as violações aos direitos humanos [09].


3 O desenvolvimento sustentável no ordenamento jurídico brasileiro

Não de todo alheio a este movimento, o ordenamento jurídico nacional evoluiu, passando a incorporar boa parte dos fundamentos do desenvolvimento sustentável acima mencionado.

Ainda em 1981, com a edição da lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6.938/81), o Brasil passou a ter norma bastante avançada para a época, prevendo a necessidade de compatibilização do desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente (art. 4°, I [10]), além da vinculação entre a proteção ambiental, o desenvolvimento socioeconômico e a dignidade humana (art. 2° [11]).

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, apesar de não fazer uma menção expressa ao termo "desenvolvimento sustentável", acolhe seus atributos de modo implícito. Essa conclusão pode ser obtida a partir da análise concertada do art. 225 da CF - que instituiu o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e a proteção e o respeito às futuras gerações - com o capítulo VII, no qual a defesa do meio ambiente foi erigida a princípio da ordem econômica nacional [12].

O Prof. José Afonso da Silva afirma, nesta linha de pensamento, que o desenvolvimento e o meio ambiente são "dois valores aparentemente em conflito que a constituição de 1988 alberga e quer que se realizem no interesse do bem-estar e da boa qualidade de vida dos brasileiros. [13]"

Tomando por base o critério material proposto por Vieira de Andrade [14] e acolhido pelos principais constitucionalistas pátrios [15], é possível considerar que, ainda que não esteja incluído expressamente no rol estabelecido no art. 5° da Carta Magna, considerando o compromisso último deste direito com a garantia e o respeito à dignidade da pessoa humana, estendendo inclusive seu espectro de proteção para as futuras gerações, trata-se este – o desenvolvimento sustentável - de um princípio constitucional de natureza fundamental. Por conseqüência, deve ser considerado universal e absoluto, indisponível, imprescritível, devendo os poderes públicos e a sociedade buscar sua máxima efetividade [16].

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Não obstante, apesar da consagração do conceito, analisando a jurisprudência dos tribunais, o que se observa é uma dificuldade dos juristas em manejá-lo na prática.

Uma busca do termo "desenvolvimento sustentável" na seção de jurisprudência do sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça (STJ) [17] apresenta o frustrante resultado de que em apenas dois julgados o termo foi utilizado, sendo que em nenhum deles discutiu-se o mérito da questão. No primeiro, referente ao Mandado de Segurança n° 8844/DF, o julgado estava no resultado da busca apenas por que o termo constava no nome da política pública questionada ("programa de desenvolvimento sustentável do Pantanal"), sendo que a discussão relacionava-se com as regras de licitação. O outro julgamento, proferido no Recurso Especial n° 598281/MG, igualmente não adentrou no mérito da questão, pois relacionava-se ao dano moral coletivo, constando dos resultados porque uma das obras utilizadas no julgamento tinha como título "O Direito e o Desenvolvimento Sustentável – Teoria Geral do Dano Ambiental Moral".

A pesquisa no sítio do Supremo Tribunal Federal [18] traz melhores perspectivas, pois, apesar de ter apenas dois julgados nos resultados, um deles foi lapidar e elucidativo do entendimento da Corte em relação ao tema, utilizando o desenvolvimento sustentável como fundamento para a decisão, reconhecendo-o como princípio de natureza fundamental.

A referência que se faz aqui é ao julgamento proferido na medida cautelar em Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n° 3.5401/DF, realizado em 01/09/2005, oportunidade em que se discutia a constitucionalidade do art. 4°, caput e §§1° a 7° do Código Florestal (Lei n° 4.771/65), na redação dada pela Medida Provisória n° 2.166-67/2001 [19].

No caso, o Procurador-Geral da República argumentava que a alteração implementada pela mencionada medida provisória, ao atribuir à autoridade administrativa o poder de autorizar a supressão de vegetação em área de preservação permanente, afrontou o art. 225 da CF no ponto em que submete a alteração dos espaços territoriais especialmente protegidos à reserva absoluta da lei.

Ao proferir seu voto no sentido do indeferimento da medida cautelar proposta pelo Parquet, o Ministro Celso de Melo, num voto substancioso, reconheceu que o princípio do desenvolvimento sustentável deve servir como "vetor interpretativo" para obtenção de "um mais justo e perfeito equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia". Na oportunidade, fez referência ao conceito formulado na Declaração do Rio de Janeiro (ECO-92), reafirmando o status constitucional do princípio.

O acórdão proferido restou assim ementado:

E M E N T A: (...) A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. (...)(ADI 3540 MC, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2005, DJ 03-02-2006 PP-00014 EMENT VOL-02219-03 PP-00528) (grifamos)

Este julgamento, apesar de isolado, pode ser considerado um marco. Foi a primeira vez em que a principal Corte brasileira, que tem a função de interpretar a aplicação a Constituição Federal, indica que o Poder Judiciário, aos poucos, está evoluindo rumo a uma maior sensibilização ecológica.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não resta dúvidas de que o método científico moderno cunhou um modelo de desenvolvimento que trouxe reflexos amplamente negativos para o meio ambiente, pois o considerava mero instrumento para o homem, que poderia utilizá-lo livremente, sem restrições. Como resposta, consentâneo com os métodos sistêmicos, propõe-se o desenvolvimento e aplicação do desenvolvimento sustentável.

O termo, inicialmente utilizado unicamente para referir-se à necessidade de compatibilizar as atividades econômicas com o meio ambiente, tem sido ampliado, tornando-se multidimensional, de modo a abarcar em seu conteúdo também preocupações de natureza política e social.

O ordenamento jurídico brasileiro tem acompanhado e absorvido as propostas, prevendo, ainda que implicitamente, o desenvolvimento sustentável como um princípio de natureza fundamental.

Apesar disso, os juristas tem tido dificuldades em transpor o disposto na norma para a prática dos tribunais, havendo poucas decisões que tratam do tema. Um único julgado do STF, proferido ainda em 2005, que reconheceu o desenvolvimento sustentável como vetor de interpretação e direito fundamental, indica que o Judiciário, lenta e progressivamente, tem absorvido os conceitos, abrindo-se para uma maior sensitividade ecológica.


REFERÊNCIAS

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FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004.

KAPRA, Fritjof. A teia da vida. Traduzido por Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2006.

KINOSHITA, Fernando. Ciência, Tecnologia e Sociedade: Uma Proposta Renovada de Desenvolvimento Sustentável de Caráter Universal. Disponível no endereço eletrônico: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5912. Consultado em 15/02/2011.

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WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

_______. Sociedade, Estado e Direito. 4. ed. São Paulo: RT, 2003.

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Sobre o autor
Bruno Novaes de Borborema

Procurador do Distrito Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORBOREMA, Bruno Novaes. O princípio fundamental do desenvolvimento sustentável no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2793, 23 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18558. Acesso em: 29 dez. 2024.

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