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Do clientelismo ao "habitus" precário: permanências e perspectivas para política no Rio de Janeiro

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Capítulo III

Zona Sul e o Subúrbio carioca: distintos habitus para política

Para uma análise mais concreta - ou pelo menos para apontar a necessidade de um estudo mais aprofundado empiricamente sobre o comportamento das máquinas políticas a partir do habitus em que os atores estão inseridos -, faz-se necessária a caracterização das regiões trabalhadas aqui, assim como a apresentação de dados [16] que delineiem a formação desses espaços.

Neste terceiro capítulo, tenho como objetivo mostrar de forma mais clara e concreta como as diferentes regiões do município do Rio de Janeiro se apresentam como espaços que se diferenciam também em sua constituição humana e material, o que consequentemente influirá sobre os significados que cada um deles possui pelo outro.

Mais que isso, como as relações assimétricas podem se configurar de maneiras muito distintas, principalmente se considerarmos que em uma arena política atores que possuem maior grau de instrução, maior salário e melhor posicionamento social, provavelmente terão maior poder de barganha e negociação, não se submetendo à imposições políticas por conta de sua situação material e simbólica.

Divisão espacial: regiões

O município do Rio, administrativamente, é divido em doze (12) regiões – Zona Norte, Ilha do Governador, Irajá, Bangu, Grande Méier, Leopoldina, Jacarepaguá, Tijuca/Vila Isabel, Centro, Barra da Tijuca, Zona Sul e Campo Grande - segundo o Plano Estratégico da Cidade [17] (2000) realizado pela Prefeitura da cidade. Dentre essas doze, utilizarei as duas últimas regiões como exemplos concretos, para que possamos identificar as diferenças que permeiam a constituição de tais habitus sociais, conseqüentemente e como a política se orienta em sua aplicação à população.

Tabela 1

IDH e suas dimensões segundo as regiões do Plano Estratégico.

Regiões

IDH-Longevidade

IDH-Educação

IDH-Renda

IDH

Cidade do Rio

0.754

0.933

0.840

0.842

Centro

0.782

0.918

0.786

0.829

Zona Sul

0.860

0.971

0.957

0.929

Tijuca/Vila Isabel

0.837

0.983

0.922

0.914

Grande Méier

0.804

0.955

0.816

0.858

Leopoldina

0.759

0.920

0.751

0.810

Ilha do Governador

0.793

0.932

0.806

0.844

Irajá

0.758

0.928

0.778

0.821

Zona Norte

0.761

0.929

0.739

0.810

Barra da Tijuca

0.779

0.907

0.880

0.855

Jacarepaguá

0.794

0.937

0.800

0.844

Campo Grande

0.708

0.900

0.690

0.766

Bangu

0.748

0.930

0.736

0.805

Fonte: Instituto Pereira Passos.

Região Zona Sul

Dentro de uma perspectiva espacial do Rio de Janeiro, a zona sul do Rio de Janeiro, em todo seu conjunto de aspectos simbólicos que permeiam a construção de um ideal de vida urbana, tem o mais alto IDH do município (0.929), conforme visto na Tabela 1. Entre os números que compõem o índice de desenvolvimento, é a 1ª colocada em longevidade (IDH-L=0,860), 2ª em educação (IDH-E=0,971) e 1ª em renda (IDH-R=0,957).

Está divida em uma área de 4.387 hectares onde residem 630.473 habitantes, segundo o Censo 2000. Sua densidade bruta de 143,7 habitantes por hectare se apresenta como a segunda maior entre as 12 regiões do Plano Estratégico que compõem o Município do Rio de Janeiro. Esta região é formada por 18 bairros: Botafogo, Catete, Copacabana, Cosme Velho, Flamengo, Gávea, Glória, Humaitá, Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa, Laranjeiras, Leblon, Leme, Rocinha, São Conrado, Urca e Vidigal.

Segundo dados do instituto, a atividade econômica local é composta por cerca de 21.000 estabelecimentos, 94,7% dos quais são do segmento de comércio e serviços, empregando aproximadamente 186,6 mil pessoas, o que representa a segunda maior região empregadora da cidade. O volume de negócios gera R$ 162,8 milhões de ICMS (US$ 140,3 milhões), a oitava maior arrecadação entre as regiões do Plano Estratégico.

Quanto à renda, a média desta população local é de 15 a 19 salários mínimos. Se tomarmos o bairro da Lagoa como exemplo, temos uma faixa que pode alcançar até 26 salários mínimos.

Tabela 2

Renda Média (Zona Sul)

Bairros

Renda (Salário Mínimo)

São Conrado

20 a 26

Jardim Botânico

Lagoa

Leblon

15 a 19

Ipanema

Humaitá

Urca

Gávea

8 a 14

Copacabana

Botafogo

Flamengo

Leme

Laranjeiras

Cosme Velho

Glória

Catete

Rocinha

2 a 7

Vidigal

Fonte: Instituto Pereira Passos.

De acordo com a tabela 3, verificamos que 55,1 % da população de responsáveis por domicílios particulares permanentes do bairro Leblon estudaram entre 15 e 17 anos. Entre os que estudaram os nove (9) anos iniciais, o que corresponderia à totalidade do ensino médio, tem 20,3 % da população.

Tabela 3

Responsáveis pelos domicílios (Leblon).

Anos de estudo (Leblon)

N.°

%

Parciais

Sem instrução

174

0,97

20,34

1 ano

219

1,22

2 anos

170

0,95

3 anos

275

1,53

4 anos

824

4,6

5 anos

231

1,3

6 anos

142

0,79

7 anos

290

1,61

8 anos

1.231

6,87

9 anos

89

0,5

10 anos

207

1,15

24

11 anos

2.501

14

12 anos

306

1,7

13 anos

451

2,51

14 anos

831

4,63

15 anos

3.801

21,2

55,1

16 anos

3.569

19,9

17 anos

2.520

14

Não determinado

85

0,47

0,47

Total

17916

100

100

Fonte: Instituto Pereira Passos.

Região Campo Grande

Com relação ao conceito subúrbio – espaço territorial de localização da região Campo Grande - podemos entendê-lo como "setores a oeste e norte da cidade, por bairros, que se formaram entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, cujas terras alcançadas pelas linhas de bonde e pelas estações ferroviárias foram convertidas para o uso residencial e outras funções urbanas como a indústria, o comércio e instalações militares" (FERNANDES, 1996). Contudo, o conceito carioca para o termo está definido a partir de três noções: "o trem como meio de transporte, predomínio da população menos favorecida e relações íntimas e freqüentes com o centro da cidade" (SOARES, 1960). Segundo FERNANDES (1996), a palavra também representa "uma relação de subordinação política, econômica e cultural do subúrbio para com a cidade".

São espaços geográficos que inicialmente representavam "margem, borda, periferia além dos muros da cidade" (FERNANDES, 1996) e que por sua localização e distância do centro comercial e econômico, passam a não ser vistos como espaços pertencentes à própria cidade. A partir desta visão, foram criados pré-conceitos com relação a estes lugares, seus símbolos, seus habitantes e tudo o que representam fora da "dimensão infra e ultra jurídica do respeito social compartilhado socialmente" (SOUZA, 2006).

Com isso, a partir dos dados trabalhados, podemos apontar para um posicionamento no mínimo diferenciado destas duas populações no que tange a estrutura de organização da própria cidade do Rio de Janeiro, no mercado de trabalho e nas suas funções. E tão importante quanto: como cada indivíduo, dependendo de onde, porque e para quem fala, se apresentará nos espaços disponíveis para uma participação política mais efetiva e consensual.

Na Região Campo Grande, está como médio desenvolvimento humano, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano - IDH (0,766), o que faz a região ocupar a última posição quando comparada com as 12 regiões do Plano Estratégico. Estes números fazem dela a região de menor desenvolvimento humano da cidade. Entre as dimensões que compõem o IDH, também apresenta os piores resultados em longevidade (IDH-L=0,708), educação (IDH-E=0,900) e renda (IDH-R=0,690).

A Região Campo Grande cobre uma área de 46.996 hectares, onde residem 896.856 habitantes, segundo o Censo 2000. Possui o território mais extenso e o maior contingente populacional entre as 12 regiões do Plano Estratégico que compõem o Município do Rio de Janeiro. Representa uma das menores densidades brutas (19,1 habitantes por hectare, quando comparadas às demais regiões), e composta por 11 bairros: Barra de Guaratiba, Campo Grande, Cosmos, Guaratiba, Inhoaíba, Paciência, Pedra de Guaratiba, Santa Cruz, Santíssimo, Senador Vasconcelos e Sepetiba.

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A atividade econômica local se desenvolve através de 3.700 estabelecimentos, nos quais 87,2% são do segmento de comércio e serviços, gerando aproximadamente 49 mil empregos diretos e indiretos. O volume de negócios gira em torno de R$ 256,9 milhões de ICMS (US$ 221,3 milhões), ocupando a sexta colocação em arrecadação da cidade.

No bairro de Inhoaíba, por exemplo, 77,8 % da população responsável pelos domicílios particulares permanentes cursaram 9 anos, o que corresponderia à totalidade do ensino fundamental. Se contarmos com os três anos de ensino médio, teremos 97,4 % da população. Temos ainda 7,9 % dos responsáveis que não possuem instrução formal qualquer.

Tabela 4

Responsáveis pelos domicílios (Inhoaíba).

Anos de estudo (Bairro Inhoaíba)

N.°

%

Parcial

Sem instrução

1.301

7,9

77,8

1 ano

570

3,5

2 anos

747

4,5

3 anos

1.071

6,5

4 anos

3.282

19,9

5 anos

1.242

7,5

6 anos

788

4,8

7 anos

886

5,4

8 anos

2.536

15,4

9 anos

413

2,5

10 anos

552

3,3

19,6

11 anos

2.415

14,6

12 anos

131

0,8

13 anos

78

0,5

14 anos

68

0,4

15 anos

246

1,5

2,5

16 anos

84

0,5

17 anos

65

0,4

Não determinado

12

0,1

0,1

Total

16.487

100

100

Fonte: Instituto Pereira Passos.

Quanto à renda, a população do bairro de Inhoaíba, por exemplo, apresenta uma média que varia entre 2,1 e 2,5 salários mínimos. Os bairros com as melhores faixas médias de salário são Campo Grande, Pedra e Barra de Guaratiba: entre 3,1 e 3,6 salários.

Tabela 5
Renda Média (Região Campo Grande)

Bairros

Renda (Salário Mínimo)

Campo Grande

3,1 a 3,6

Pedra de Guaratiba

Barra de Guaratiba

Santíssimo

2,6 a 3,0

Senador Vasconcelos

Sepetiba

Santa Cruz

2,1 a 2,5

Paciência

Cosmos

Inhoaíba

Guaratiba

Fonte: Instituto Pereira Passos.

Se compararmos as duas regiões, como demonstra a Tabela 6, verificaremos o quanto às mesmas se distanciam no aspecto "qualidade de vida" que suas populações conquistaram ao longo dos anos, principalmente se compararmos suas rendas médias.

Tabela 6

Índice de desenvolvimento humano das duas regiões

Regiões

IDH-Longevidade

IDH-Educação

IDH-Renda

IDH

Zona Sul

0.860

0.971

0.957

0.929

Campo Grande

0.708

0.900

0.690

0.766

Fonte: Instituto Pereira Passos.

Desta forma podemos observar como as duas regiões se diferenciam em suas constituições. O grande distanciamento de IDH entre locais muito próximos, se considerarmos que estão no mesmo município. Do grande abismo que separa realidades tão distintas e reforça preconceitos e estigmas, que aprisionam e legitimam relações de submissão, dominação e violência. Mas que também fornecem a força necessária para a construção de novos entendimentos locais e regionais.

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Sobre o autor
Bruno Coutinho de Souza Oliveira

Cientista Social (especialização em sociologia política); mestrando em Políticas Sociais - Escola de Serviço Social - Universidade Federal Fluminense

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Bruno Coutinho Souza. Do clientelismo ao "habitus" precário: permanências e perspectivas para política no Rio de Janeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2801, 3 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18608. Acesso em: 2 nov. 2024.

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