Capa da publicação Boa-fé objetiva e função social dos contratos aplicadas à negociação e redação de instrumentos jurídicos paritários
Capa: http://www.flickr.com/photos/nobmouse/4052848608/
Artigo Destaque dos editores

Boa-fé objetiva e função social dos contratos aplicadas à negociação e redação de instrumentos jurídicos paritários

Exibindo página 5 de 7
Leia nesta página:

6.O contrato como fator de redução dos custos de transação

Nessa perspectiva, o comportamento honesto não implica gasto, mas sim economia, tanto para o agente (que atuará conforme as regras) quanto para o mercado como um todo, que tenderá a diminuir a incidência de custos de transação pelo aumento do grau de certeza e previsibilidade.

Paula A. Forgioni

Nos capítulos anteriores, foi demonstrada a interferência da boa-fé objetiva e da função social na negociação de contratos; a importância da mudança do comportamento das partes para a adequação à nova Teoria Geral Contratualista; bem como a necessidade de refletirmos sobre esses novos paradigmas na negociação dos pactos jurídicos, a fim de obtermos instrumentos eficazes e eficientes para as partes.

Neste capítulo, objetiva-se, ainda que sumariamente e sem qualquer pretensão de aprofundamento interdisciplinar, demonstrar como um bom contrato (bem negociado e bem escrito), e que prime pelas diretrizes da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, poderá influenciar positivamente na economia de mercado, diminuindo os custos transacionais que permeiam o mundo dos negócios.

Para tanto, traremos à baila comentários pontuais acerca da Teoria dos Custos de Transação que demonstra como a análise econômica do Direito poderá nos trazer subsídios para atingirmos maior eficiência na produção de instrumentos contratuais.

Segundo Huáscar Pessali [153], a Teoria dos Custos de Transação está baseada principalmente em duas obras de autores provenientes da chamada "Escola de Chicago": a primeira delas, reconhecida como a obra originária, é o artigo de Ronald Coase na revista Economics, em 1937, intitulado The Nature of the Firm; e a segunda é Markets and Hierarchies: analysis and antitrust implications, livro de Oliver Williamson, publicado em 1975.

Tal teoria "constitui o ponto de partida de toda a análise econômica do Direito permitindo a introdução da análise custo-benefício ao processo de tomada de decisões jurídicas" [154], trazendo para a análise legal a realidade econômica do cenário na qual está inserida.

Mas em que se baseia a Teoria dos Custos de Transação?

Em apertada síntese e nas palavras de Huáscar Pessali, temos que:

"Os custos de transação são análogos ao atrito em sistemas estudados pela Física. Como Coase já havia se referido, eles são os custos nos quais há de se incorrer quando se recorre ao mercado, ou como sugerido por Arrow (1969, citado por Williamson, 1985: 18), são ‘os custos de levar adiante o sistema econômico’. De forma mais direta, Niehans (1987) exemplifica os custos de transação ao identificá-los com aqueles incorridos em localizar um outro agente disposto à transação, comunicarem-se e trocarem informações que não se resumem aos preços, enquanto os bens devem ser descritos, inspecionados, pesados e medidos; muitas vezes é preciso recorrer a um contrato escrito sob a proteção do ordenamento jurídico (ou mesmo privado), em que há custos para sua confecção, como a troca de documentos, a assistência de advogados, a manutenção de registros ou de instituições de reforço e acompanhamento." [155] (Grifo nosso)

Portanto, custos de transação abrangem todas as fases necessárias para a circulação de mercadorias, bens e serviços, desde sua produção, até o seu destino final.

Para a economia neo-institucionalista [156], o objetivo de uma empresa seria, então, diminuir ao máximo os custos de transação, de modo a atingir com maior eficiência o lucro, ponto central do capitalismo. Neste sentido, conclui-se que o contrato seria um importante elemento na cadeia jurídico-econômica capaz de influenciar positiva ou negativamente na variação de tais custos.

Vejamos.

Pedro Paulo Moreira Rodrigues [157], citando Robert Cooter e Thomas Ullen, nos ensina que:

"Firmar um contrato envolve procurar por parceiros, negociar seus termos, elaborar o contrato e executá-lo. Procurar requer esforço, negociar toma tempo, elaborar requer habilidade; e executar requer perseverança. Em muitos contratos, estes custos de transação são pequenos em relação ao resultado da cooperação. Em outros casos, entretanto, estes custos de transação são grandes em relação ao resultado da cooperação. De fato, algumas vezes estes custos de transação são grandes o suficiente para obstar a cooperação. COOTER, Robert e Thomas Ullen. Law and economics. 4. ed. Estados Unidos da América: Addison Wesley, 2003, p.220, trad. Livre." (Grifo nosso)

Desse modo, um contrato mal escrito ou mal negociado aumentará imensamente os custos de transação de uma operação, seja durante sua elaboração (negociações truncadas, troca de inúmeras minutas, investimento de tempo, honorários, etc.), ou quando for inadimplido e/ou discutido judicialmente.

Há que se ressaltar que os "contratos limitam o comportamento das partes com o objetivo de alcançar uma situação coletiva superior (motivação econômica). Somente a busca do interesse individual resulta uma situação indesejável para todos." [158]

Desta feita, quando as partes atuam no mercado distanciando-se dos ditames da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, o resultado será a criação de instrumentos jurídicos individualistas e/ou leoninos, ou sem qualquer equilíbrio econômico, fadados ao inadimplemento e ao aumento dos custos transacionais.

Daí a necessidade, como demonstrado em capítulos anteriores, de que as partes contratantes - leia-se: clientes e advogados - modifiquem seu comportamento diante da celebração de pactos jurídicos, para que o tempo e esforço gastos na elaboração de contratos resultem em máxima eficiência, alcançando-se a função prevista (objetivo do contrato) da maneira mais produtiva possível (cumprimento das obrigações propostas) [159].

Segundo Alessandra Cristina Baggio [160]:

"O Direito também influi nos custos de transação quando cria mecanismos para que o cumprimento das promessas estabelecidas através dos contratos seja a melhor opção quando comparada à quebra dos contratos. Cooperar será a melhor saída quando a quebra do contrato gerar custos de transação mais altos." (Grifo nosso)

Vislumbra-se, portanto, que a adoção dos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos proporcionará a elaboração de pactos jurídicos mais equilibrados e completos, o que certamente resultará em custos de transação inferiores.

Como exemplo da aplicação da boa-fé e do sub-princípio da confiança na redução dos custos de transação, cita-se Paula A. Forgioni [161]:

"Nessa perspectiva, o comportamento honesto não implica gasto, mas sim economia, tanto para o agente (que atuará conforme as regras) quanto para o mercado como um todo, que tenderá a diminuir a incidência de custos de transação pelo aumento do grau de certeza e previsibilidade. E assim deve ser para o direito, porque a ação prevista desestimula o comportamento infrator. Por fim, a boa reputação deve ser realmente adquirida pelo agente, mas também o impele ao cumprimento das regras de mercado (i.e., ao respeito, à confiança e à boa-fé) em um prudente e profícuo círculo vicioso." (Grifo nosso)

Não se pretende defender aqui uma visão utópica do Direito [162], na qual todos os operadores agiriam de maneira linear, sem imprevistos ou choques de interesses. Mas o que se pretende demonstrar é que haverá maior eficiência nas relações no momento em que as partes se propuserem a diminuir os custos de transação através (a) do cumprimento do que foi inicialmente negociado; e/ou (b) da discussão e resolução de suas pendências de forma auto-suficiente, sem a necessidade da intervenção do Estado-juiz.

Em conclusão, aplicar as boas técnicas negociais e redacionais na elaboração dos contratos estimulará a redução dos custos de transação para os clientes e, num contexto indireto, para toda a coletividade.

6.1.Praticando a Teoria dos Custos de Transação

Colaborando para o desenvolvimento do Direito aplicado à nova Teoria Geral dos Contratos, colacionamos alguns exemplos práticos que, exercitados em conjunto com as técnicas de negociação e redação anteriormente discutidas, serão capazes de ilustrar a utilização dos contratos como ferramentas para a redução dos custos de transação:

a)Organização contratual – a realização de diversos aditivos, alterações e re-ratificações sem qualquer técnica contratual resultará em maior tempo para a interpretação do contrato. Sugere-se assim a consolidação dos instrumentos quando passíveis de muitas alterações;

b)Sistematização contratual – os chamados umbrella contracts ou "contratos guarda-chuva" poderão ser interessantes quando a operação envolver vários tipos contratuais. Dessa forma, facilita-se a interpretação e execução dos instrumentos, vez que coordenados por um sistema: os contratos periféricos vão orbitar ao redor do contrato-mãe, estando sub-julgados às condições gerais do contrato central, por exemplo;

c)Programas de transição – para contratos de longa duração, recomenda-se a negociação detalhada de um programa de transição, caso seja necessária a rescisão ou resilição do instrumento, diminuindo-se o impacto do próprio fato (mudança de prestador/fornecedor). Imagine como poderia ser dispendioso para um cliente promover a transferência do seu "call center", ou da sua gerência de "TI", caso as obrigações para este cenário não estejam previamente delineadas;

d) Recomposição dos investimentos – ao negociar uma multa ou "way out" para contratos que instrumentalizem operações vultosas, faz-se necessário calcular os investimentos iniciais realizados, a fim de que a penalidade traduza a recomposição dos mesmos, evitando-se a discussão judicial para apuração de haveres;

e) Service Level Agreement – SLA ou Acordo de Nível de Serviço – para contratos complexos muitas vezes se faz necessário estabelecer, já no nascimento do instrumento, a forma de prestação de certas garantias, ou mesmo o detalhamento de algumas obrigações contratuais, determinando-se o nível em que tais garantias/obrigações deverão ser prestadas, diminuindo-se a ocorrência de discussões e renegociações durante a execução dos contratos;

f) Up grade, manutençãoe atualização de softwares/hardwares

– para este tipo de contrato, recomendamos negociação prévia acerca de atualizações como fator de economia em custos de transação; pois, no futuro, quando todo o sistema de informática do seu cliente estiver baseado em produtos fornecidos por um único prestador de serviços, eventuais negociações, sem parâmetros previamente estabelecidos poderão elevar o custo do projeto demasiadamente;

g) Testemunhas – ao redigir um contrato, é recomendável que se evite inserir jargões sem refletir sobre sua real função; por isso, ao fazer constar do contrato que o documento foi assinado na presença de duas testemunhas, as mesmas efetivamente deverão ter presenciado o ato. Sugerimos constar no pacto que "... o documento segue assinado pelas testemunhas...", pois o artigo 585, II do CPC não exige a presença das testemunhas à celebração do pacto. A técnica redacional, com certeza, é um fator redutor dos custos de transação.

São inúmeros os exemplos de aplicação da Teoria dos Custos de Transação no âmbito da redação dos contratos. Assim, convidamos os leitores a refletirem acerca de sua prática profissional, a fim de verificarem se estão atuando de acordo com esses preceitos.

6.2.Administração do contrato como fator de redução dos custos de transação

Dentre os exemplos práticos de aplicação da Teoria dos Custos de Transação, gostaríamos de comentar um em apartado, qual seja a administração do contrato.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A experiência nos mostra que, principalmente em grandes projetos, após o "brinde" entre clientes e advogados celebrando a assinatura do documento, o drafter muitas vezes é realocado para novas atividades, esquecendo-se da sua obra prima.

E o que acontece então? Muitas vezes esse "abandono" do contrato após a sua assinatura acarreta uma série de problemas jurídicos que poderiam ser evitados mediante acompanhamento do projeto na fase pós-contratual.

Aquele prazo de cinco dias úteis contados "desta data" para a formalização do anexo "x"; a obrigação de se apresentar o seguro em "30 dias contados da assinatura do contrato"; a aplicação de correção monetária "x" meses após sua celebração; a obrigação de registrar o contrato no cartório competente tantos dias após tal evento; a obrigação de manutenção de sigilo e confidencialidade "x" anos após a ocorrência da data "y"; são apenas alguns dos exemplos de obrigações cujo prazo de cumprimento inicia-se após a data do brinde (assinatura do instrumento).

E quem fará o acompanhamento desses prazos e obrigações? Muitas vezes o cliente não possui condições organizacionais ou mesmo pessoal capacitado para realizar essa tarefa, e os advogados entendem que foram contratados "apenas para a negociação e redação do instrumento", tarefa que, em tese, se encerra com a celebração do pacto.

No entanto, não é dessa maneira que enxergamos o advogado em sua função instrumentalizadora. Reputamos que será de extrema relevância a atuação do patrono na administração do contrato após a sua assinatura, auxiliando o cliente na execução da avença conforme os ditames da boa-fé objetiva e da função social dos contratos.

Essa relevância se traduz, por exemplo, nos seguintes fatores:

a)Redução dos custos de transação – olvidar-se de um prazo pós-contratual poderá gerar para o cliente a incidência de uma multa, bem como um desconforto no relacionamento negocial entre os parceiros contratuais, desconforto este que seria evitado com um simples email ou telefonema do advogado, relembrando o seu cliente acerca de tal obrigação;

b)Prática da função social no pós-contrato – o cliente que infringe uma cláusula de quebra de sigilo, publicando informação confidencial antes do prazo estipulado, além de incorrer em responsabilidade contratual, poderá prejudicar outras pessoas com a sua atuação, infringindo o dever de conduta na proteção de terceiros (vide item 3.5.a, acima). Cabe ao advogado conselheiro alertar o seu cliente acerca dessas consequências;

c)Limitação de direitos – O locador que não exerce a sua faculdade de multa pelo atraso no pagamento do aluguel, durante longos anos de relação locatícia, poderá ser surpreendido com a suppressio do seu direito (vide item 2.3, b1, "i", acima), em razão da aplicação do princípio da boa-fé objetiva. O advogado poderia evitar isso.

Dessa forma, recomendamos aos patronos imbuídos do espírito do Código Civil de 2002, que auxiliem seus clientes na administração do pacto na sua fase pós-assinatura, realizando follow ups constantemente, lembrando o consulente dos prazos, obrigações e deveres de conduta que devem ser observados neste período. [163]

Para tanto, o advogado poderá valer-se da elaboração de uma agenda contratual que, com o auxílio da informática, será repleta de recursos sonoros e visuais, de modo que o cliente seja lembrado de cada obrigação constante no contrato com prazo suficiente para o seu adimplemento.

Essa atividade de administração contratual será uma ferramenta para o advogado estreitar o relacionamento com seu cliente; além de se tornar um plus, um diferencial no serviço prestado, o que com certeza gerará bons frutos para todos. Inclusive a comunidade em geral será beneficiada, pois o contrato regularmente adimplido é um fator de diminuição dos custos de transação, o que colabora com o ideal de bem comum.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Karla de Souza Escobar Coachman

Advogada formada pela USP, pós-graduada pela rede UNIDERP/LFG, com título de especialista em contratos pelo CEU, além de diversos cursos de média e curta duração, inclusive pelo GVLAW.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COACHMAN, Karla Souza Escobar. Boa-fé objetiva e função social dos contratos aplicadas à negociação e redação de instrumentos jurídicos paritários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2806, 8 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18643. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos