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Boa-fé objetiva e função social dos contratos aplicadas à negociação e redação de instrumentos jurídicos paritários

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5.Apontamentos acerca de técnicas de redação de contratos

Drafting is, perhaps,

the critical lawyering skill. Like others lawyering skills, draft can be done well or poorly. Doing it well is something that can be taught, learned, and ingrained into one’s habits. [121]

Thomas R. Haggard

George W. Kuney

No Capítulo 4, tivemos a oportunidade de verificar a importância de se averiguar os interesses das partes contratantes, e não somente suas posições contratuais; checamos como poderemos criar opções de ganhos mútuos para que os interesses sejam alcançados; estudamos também a relevância de fornecermos critérios objetivos para sustentar nossas opções na negociação; a necessidade de desenvolvermos uma adequada rede de comunicações; bem como a utilidade de visualizarmos alternativas para o negócio.

A próxima fase consistirá na averiguação dos pontos necessários para a celebração do compromisso entre as partes [122], utilizando-se adequadas técnicas de redação alinhadas às diretrizes de eticidade e socialidade.

Salvo melhor juízo, não encontramos com facilidade obras brasileiras dirigidas a essa importante faceta do mundo contratual, e essa lacuna nas bibliotecas acerca do tema redação de contratos acaba por se refletir em nosso ambiente acadêmico: os jovens advogados não são ensinados a escrever contratos, o que reputamos ser uma falha gravíssima nos currículos de nossas faculdades.

Nesse sentido, citamos Thomas R. Haggard e George W. Kuney [123] para corroborar a importância de desenvolvermos a técnica de redação de contratos:

"One of the highest aims of government is to structure social relationships that are fair and just through laws that preserve individual rights and promote the common good.

Drafted documents play a major role in this endeavor by creating legal obligations and remedies for those to whom a duty is owed and is unperformed.

The potential for serious unintended consequences should always be in the back of the mind of every legal drafter, because its realization will instill in the drafter a strong sense of duty to be diligent, careful, cautious, thorough and correct.

Similarly, a sophisticated and complex economy would be impossible without documents that provide for the future exchange of goods and services… The legal drafter produces the documents that are the necessary conditions of a viable economy" (Grifo nosso)

Portanto, o advogado enquanto redator de contratos (drafter) exercerá uma importante função para a economia global, ao mesmo tempo em que personificará sua função instrumentalizadora, conforme mencionamos no item 4.3 acima.

Ainda sobre a relevância da redação contratual e de acordo com os entendimentos de Alessandra Gomes do Nascimento Silva [124], mencionamos que "estaremos diante de um compromisso bem estruturado quando ele for ao mesmo tempo exeqüível, exigível, prático e duradouro."(grifo nosso).

Aqui está o grande desafio do profissional que redige contratos, pois como veremos nos itens que se seguem, muitas habilidades [125] serão exigidas para trazer para o bojo do contrato as formas de sustentação e concretização de toda discussão realizada na fase anterior (negociação), imprimindo, ao mesmo tempo, os preceitos contratuais do Código Civil de 2002.

Observe que as duas fases são complementares (negociação e redação de contratos), e a excelência de qualidade deve estar presente em ambas, sob pena de uma prejudicar a outra, pois de nada vale registrar uma boa negociação num compromisso ineficiente e vice-versa.

O objetivo do processo de redação é produzir documentos juridicamente eficazes e que podem ser facilmente entendidos pelo público técnico e pelo leigo envolvidos no projeto [126]. Não é salutar redigir um documento "criptografado", que seja compreendido somente pela corporação de ofício respectiva, ou que seja desprovido da dose certa de tecnicidade típica da linguagem jurídica [127]. Tudo nesta vida precisa de equilíbrio.

A seguir, selecionamos para comentários os pontos que julgamos ser cruciais para a boa redação contratual, os quais também deveriam ser amplamente discutidos no ambiente acadêmico ou no mínimo na fase de estágio [128].

5.1.Habilidades redacionais do drafter

Permitimo-nos a utilização do termo em inglês "drafter" para designar a pessoa indicada para redigir o contrato, e inclusive escolhemos usar o termo na língua inglesa para homenagear os brilhantes estudos que nossos colegas norte-americanos têm desenvolvido sobre o tema, o que deveria servir de estímulo para os doutrinadores brasileiros.

Dessa forma, socorrendo-nos dos ensinamentos de Thomas R. Haggard e George W. Kuney [129] elencamos abaixo as principais habilidades redacionais do drafter.

5.1.1. Accuracy – trata-se de termo que poderíamos traduzir por esmero, cuidado, apurado, acurado. Portanto, redigir um contrato com esmero é prestar a atenção em cada detalhe, coisas simples, como o uso dos termos "contratante" e "contratado", cuja troca poderá acarretar a uma das partes obrigações que inicialmente não lhe pertenciam, além de uma enorme confusão e possíveis prejuízos, é claro.

Accuracy também pode ser entendido como o cuidado que o drafter precisa imprimir no contrato ao empregar as palavras certas, que traduzam o que foi efetivamente negociado pelas partes [130], sem dar ensejo a ambigüidades [131].

Em especial, o drafter deve focar a sua atenção no correto uso de termos específicos do mundo jurídico. Daí a necessidade de estudo da técnica, bem como o apurado uso de tais termos no corpo do contrato.

Observem que esta característica se coaduna também com os deveres de conduta típicos da boa-fé objetiva mencionados no item 2.4 acima, pois o uso correto dos termos técnicos prevenirá o tráfego de informações equivocadas.

5.1.2. Clarity – clareza ao escrever um contrato é um ponto importantíssimo a ser almejado pelo drafter. A experiência nos mostra que muitas discussões judiciais poderiam ser evitadas pela redação mais clara de um contrato social, ou pela definição exata da obrigação de uma parte.

De outro modo, a clareza na redação limita a interpretação de terceiros, pois não é possível "inventar" uma nova obrigação para uma prestação contratual redigida de forma clara.

Ademais, a clareza confere ao leitor do instrumento rapidez para se mover de um capitulo para outro, encontrando as informações procuradas sem perda de tempo, como se fosse um mapa com indicações simples e cardiais acerca do objetivo a ser alcançado.

Cada frase, cada sentença, deve ser clara ao ponto de que uma única leitura seja suficiente para a interpretação exata do que se pretende. Se o contrato for do tipo "gincana", "pegadinha" ou "quebra-cabeças", com certeza estarão sendo olvidados princípios como lealdade, probidade, dever de conduta de esclarecimento e até mesmo a função social do instrumento que se produz.

Abrimos aqui parênteses para a seguinte reflexão: qual seria o valor social de um contrato repleto de "segundas intenções", com redação obscura, própria para enganar o leitor menos atencioso? Acreditamos que esse tipo de redação vai contra os princípios de eticidade e socialidade já amplamente discutidos neste trabalho, motivo pelo qual deveriam ser extirpados de nossas bancas jurídicas.

O verdadeiro mérito do drafter estará não na sua esperteza em esconder nas cláusulas do contrato pequenas vantagens para seu cliente, mas sim na sua capacidade objetiva de negociar opções de ganhos mútuos, que poderão aumentar muito os ganhos do seu consulente, e de forma satisfatóriaos da outra parte.

Continuando com os ensinamentos dos colegas norte-americanos antes mencionados, para promover a clareza na redação contratual, os seguintes pontos deverão estar sempre na ponta do lápis (ou dos dedos): utilização da voz ativa; elaboração de sentenças curtas; escolha adequada dos verbos e termos jurídicos; utilização da forma direta da escrita, posicionando o sujeito perto do verbo, e este próximo ao seu objeto; e por último, mas não menos importante, utilização da pontuação adequada.

5.1.3. Concision complementando o acurado pensamento redacional do drafter, temos aqui a concisão que será necessária para traduzir para o contrato todos os longos debates da fase negocial. Em termos bastante objetivos, ser conciso significa dizer o que precisa ser dito com o menor número de palavras possíveis, cobrindo todo o conteúdo pertinente ao contrato. Mas atenção: concisão não dever ser confundida com brevidade. [132]

É bastante comum na prática jurídica, infelizmente, analisarmos um contrato que possua duas ou mais cláusulas que poderiam ser resumidas em apenas uma. Portanto, caso o drafter enxergue a possibilidade de condensar cláusulas, substituir três palavras por uma, ou eliminar uma palavra que seja, sem sacrificar o entendimento da frase, esse corte deverá ser efetivado. [133]

Tal desbaste literário, entretanto, poderá ser realizado numa segunda fase de redação do contrato, ou seja, no momento da revisão [134], visto que o drafter, no primeiro estágio, deverá focar principalmente no conteúdo e organização do instrumento. Com a prática, as duas fases (criação e desbaste) ocorrerão praticamente juntas.

5.1.4. Simplicityser conciso significa dizer o necessário como o mínimo de palavras. Ser simples, entretanto, está relacionado como essas palavras serão postas e combinadas na frase. Quanto mais adjetivos, advérbios e substantivos forem utilizados, mais complexa será a redação do instrumento. Utilizando-se frases curtas, com sujeito, verbo e complemento na ordem direta, o entendimento será muito mais fácil.

No dizer dos autores sob comento, uma cláusula deve ser tão clara como a indicação de como se chegar a um determinado endereço: "Go to Lake Road. Turn left. Drive 3.5 miles. The house is on the right." [135] Simples assim.

5.1.5. Tone – poderíamos traduzir este item como o adequado tom da linguagem a ser utilizada no contrato. Por óbvio que expressões coloquiais, determinadas abreviações e gírias não ornam com um documento jurídico. Portanto, há que ser observada a linguagem ideal para o contrato que se escreve, vez que "good legal writing has a professional tone." [136]

Mas além de observar o "tom profissional" do contrato, acreditamos que também é função do drafter adaptar a minuta para a audiência para a qual é dirigida. Celebrar um compromisso de compra e venda de uma pequena propriedade rural, entre duas pessoas de pouca instrução, deverá ter um tom diferente de um contrato que tem por objetivo a fusão de duas empresas multinacionais. Bom senso é tudo.

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5.2.Identificando o propósito do contrato

Antes de iniciar a redação do instrumento é preciso que o drafter tenha uma resposta bem definida para a seguinte pergunta: qual é o propósito do contrato?

Partindo dessa reflexão, ficará mais fácil para o drafter trazer para dentro do instrumento todos os inputs relacionados à boa-fé objetiva e função social dos contratos estudados nos Capítulos 1 a 3.

A experiência nos mostra que, no corre-corre dos escritórios, somado à dinâmica ciranda dos negócios, os profissionais são pressionados cada vez mais a produzirem contratos, da mesma forma que se produz um pastel de queijo.

No afã de não "perder tempo", etapas importantíssimas de reflexão redacional são simplesmente descartadas, e o resultado é a produção de contratos que simplesmente não atendem aos interesses do cliente, muito menos aos da outra parte.

Dessa forma, o tempo que não foi investido na reflexão prévia à redação do instrumento, ou mesmo na adequada negociação, será agora gasto na produção e revisão de inúmeras minutas. [137]

Nesse sentido, citamos:

"É importante identificar precisamente qual o propósito do contrato, se é visando prevenir, garantir, constituir ou mesmo encerrar uma situação. Nesse processo, o advogado deve fazer todas as perguntas que julgar necessárias ao seu cliente e que forem pertinentes à contratação. Essas perguntas devem ser no sentido de evitar problemas futuros, de forma que o contrato contemple preventivamente a forma de solução de aspectos que poderiam causar impasses entre as partes." [138] (Grifo nosso)

Definido o escopo do contrato, o advogado terá condições de iniciar a sua obra prima, ou seja, desenhar o instrumento dentro da moldura da boa-fé objetiva e função social dos contratos, utilizando-se das cores da doutrina e traçados da legislação especificamente aplicável ao caso.

Com efeito, há que se demandar muito estudo de todo o arcabouço legislativo e doutrinário, além do desenvolvimento de habilidades estratégicas e redacionais, para que a pintura seja equiparada a de grande mestre. Esse deve ser o ideal do advogado.

5.3.Investigação e acompanhamento de todos os detalhes da negociação

Temos que levar em conta que nem sempre o drafter teve a oportunidade de participar da fase de negociação. O ideal é que negociador e redator seja a mesma pessoa, ou se a atividade foi dividida em uma equipe, que todo o grupo participe das duas fases (negociação e redação).

No entanto, caso isso não seja possível, faz parte da lição de casa do drafter levantar todos os detalhes que envolvem a negociação, inclusive requisitando uma reunião com o seu cliente, para que a comunicação esteja afinada com a redação contratual.

Muitas vezes, isso requer do profissional jurídico um mergulho em outras áreas do conhecimento, a fim de que possa conhecer a atividade de seu consulente que estará estampada no contrato.

Por óbvio que o bom senso deverá prosperar: não precisamos estudar como a energia elétrica é produzida, para contratarmos os serviços da concessionária respectiva. Mas será necessário ao drafter, por exemplo, possuir informações mínimas de como é realizada a inseminação artificial em animais, caso o objeto do contrato seja produção e fornecimento de sêmen de alta qualidade para a reprodução de cavalos de corrida.

Dessa forma, realizar uma visita ao palco aonde os papéis contratuais serão desempenhados será de grande valia para a elaboração dos cenários e figurinos adequados.

A pesquisa de campo também será muito útil como meio investigativo e de previsão de ocorrências positivas ou negativas ao desenvolvimento do contrato. Inteirando-se dos detalhes fáticos direto da fonte, o advogado terá melhores condições de agregar valor ao contrato, seja através da criação de opções de ganhos mútuos, seja através da previsão de meios amigáveis para a solução de possíveis litígios.

Muitas vezes o cliente não consegue enxergar como a omissão de um detalhe técnico relativo ao seu produto, poderá produzir consequências desastrosas num contrato. Por exemplo, caso o cliente não informe para o seu advogado que o produto que fabrica terá reações explosivas caso sacudido ao extremo, o advogado poderá não requisitar condições especiais de embalagem deste produto no respectivo contrato de transporte.

No entanto, essa relevante informação poderia ser obtida pelo advogado mediante simples visita à fábrica, ou através de entendimentos com o engenheiro respectivo. Portanto, a pró-atividade do advogado em entender o negócio do seu cliente com certeza renderá bons frutos. [139]

5.4.Utilização de check lists e modelos

A utilização de um check list poderá ser uma ferramenta muito útil para que todos os importantes detalhes de um tipo determinado de contrato estejam presentes.

Recomenda-se a elaboração de um check list que contenha duas partes: (a) uma geral, com perguntas pertinentes à Teoria Geral dos Contratos, aplicáveis a todos os tipos de avença; e (b) outra mais específica, contendo informações restritas àquele tipo contratual, como por exemplo a legislação extravagante aplicável, ou detalhes técnicos pertinentes. Os check lists poderão ser aperfeiçoados com o tempo, através da prática e experiência do profissional, bem como deverão ser atualizados continuamente.

Mas atenção: recomendamos a utilização do check list como uma ferramenta para a organização da redação contratual, que não substituirá a atenção e reflexão necessárias que o advogado deverá imprimir na elaboração da sua obra prima. E, diga-se de passagem, cada contrato paritário é uma obra prima única.

A mesma advertência se aplica para a utilização de modelos. Muitas vezes um bom minutário poderá auxiliar o drafter a repensar ideias de um caso para serem aplicadas a outro, otimizando o tempo gasto em pesquisa e desenvolvimento de uma estrutura contratual.

Mas o problema está em utilizar as minutas prontas sem qualquer tipo de reflexão, ao melhor estilo "copy cola". A informática e seus recursos são, sem sombra de dúvida, um grande avanço da humanidade, desde que não nos deixemos cair no pecado capital da preguiça, esquecendo-nos do estudo aprofundado, e a aplicação da nossa inteligência no adequado uso dessas ferramentas.

5.5.Organização, formatação e revisão do instrumento

Conforme já tivemos a oportunidade de mencionar neste trabalho, o grau de complexidade do negócio objeto do contrato influenciará na organização tanto do processo de negociação, como do processo redacional.

Para contratos de grande porte, recomendamos a adoção de uma divisão numerada de tópicos (capítulos, itens e subitens), a fim de visualizar se todas as facetas do negócio foram abrangidas. Inserir capítulos importantes já com o contrato em andamento, poderá conferir certa conotação de frankensteinao instrumento, dificultando sua harmonização, interpretação e remissão de cláusulas.

Ao mesmo tempo, inserir cláusulas no contrato fora do seu capítulo respectivo poderá configurar quebra do dever de confiança, pois aquela obrigaçãozinha inserida de forma isolada, longe da sua classe de cláusulas, poderá passar despercebida pelo parceiro contratual.

Neste sentido, citamos Flávia Lubieska [140] que bem ilustra a questão:

"Define-se, então, um plano, estabelecendo a divisão dos assuntos, classificando-os em categorias como, por exemplo, objeto, descrição dos serviços, remuneração, condições gerais, etc. Nessa etapa, para cada categoria, ao lado pode-se fazer um resumo do que será discutido ali, isto é, o que se pretende tratar em determinado capítulo ou cláusula do contrato. Essa divisão gerará um índice assistemático que direcionará a ordem a ser seguida para a escrita do contrato." (Grifo nosso)

O esmero que o drafter imprimir nesta organização será diretamente proporcional à facilidade que ele terá em desenvolver as ideias de forma clara e simples, numa cadência adequada, ou seja, tratando dos assuntos mais importantes nos caputs das cláusulas, e seus detalhamentos nos itens e sub-itens.

No tocante à formatação do instrumento, sugerimos que as cláusulas sejam numeradas com algarismos arábicos ("Capítulo 3" ou "Cláusula 3.4"), ao invés da indicação por extenso da numeração, como por exemplo: "capítulo um" ou "parágrafo primeiro". Isso porque, quando chegarmos no "parágrafo sexto" da cláusula "vigésima quinta", que estará distante duas ou três páginas do seu caput, isso dificultará a localização rápida da informação.

Além disso, ao utilizarmos algarismos arábicos com itens e sub-itens será mais fácil incluir ou excluir uma cláusula (principalmente devido aos recursos dos programas de redação de texto, com numeração automática de itens), bem como avaliar o grau de importância das informações. Isto é, o conteúdo principal estará no caput da cláusula "x", o detalhamento no item "x.1" e o sub-detalhamento no "x.1.1.".

Assim, a hierarquia das cláusulas será visualizada com mais eficiência.

A organização e a formatação do contrato também serão fatores importantes para que o instrumento seja prático para aqueles que irão consultá-lo no dia-a-dia.

A estruturação das obrigações por setores, a negritagem dos títulos, ou até mesmo a elaboração de um índice de cláusulas (dependendo do tamanho do contrato), facilitarão a consulta. A praticidade não pode ser esquecida.

No que tange à revisão da minuta elaborada, melhor seria que um segundo drafter realizasse essa atividade típica de um editor, pois assim as chances de se apurar a linguagem serão ainda maiores.

E tratando-se de revisão da minuta, seja pelo drafter original ou não, acreditamos que a implementação das dicas abaixo serão de grande utilidade para a boa técnica redacional:

a)Melhor rever um texto amanhecido, do que um texto que ainda não dormiu, ou seja, sempre que possível, recomenda-se que o drafter tenha certo espaço de tempo (de preferência uma boa noite de sono) entre a elaboração e a revisão do contrato. Isso se faz necessário para que a performance analítica do drafter não sofra diminuição, após longas horas focada no mesmo objeto [141];

b)O texto deve ser lido com os olhos do advogado do diabo, isto é, o drafter deve ser astuto o bastante para ler e revisar a sua própria criação como se fosse o advogado da outra parte. Por meio deste exercício, o drafter terá a capacidade de exterminar ambiguidades, ou qualquer outra brecha de interpretação passível de discussão pela outra parte, ou mesmo por terceiros que venham a analisar o contrato no futuro.

5.6.Utilização da técnica dos "considerandos"

Ainda afeito ao tema de organização de contratos, destacamos a utilidade de se utilizar a técnica dos "considerandos", ou seja, de localizar o contrato no tempo e espaço em que foi negociado e redigido.

Os "considerandos" seriam um capítulo preambular do contrato, de modo que o drafter possa fazer certo histórico das razões que levaram as partes a escolheram aquele tipo de contrato; das premissas nas quais foram as condições negociadas; ou ainda simplesmente para justificar a necessidade daquela contratação, explicando a causa do contrato.

Tais "considerandos" poderão ser muito úteis quando da interpretação [142] futura de um contrato que, como vimos, precisa ser duradouro. Pode ser que as pessoas físicas que negociaram aquele contrato entre duas pessoas jurídicas não estejam mais presentes cinco anos após a sua assinatura, quando um grande problema de interpretação surgir.

Neste caso, os "considerandos" ajudarão a balizar o intérprete, de modo a não trazer para o contrato obrigações que não foram inicialmente queridas pelas partes.

Eventualmente, se o contrato chegar à via judicial para exame, esse capítulo preambular também auxiliará o juiz na concreção das cláusulas gerais [143] face às disposições literais do contrato. Caso o advogado tenha exercido sua função instrumentalizadora (vide item 4.3 acima) ao redigir tais "considerandos", o trabalho de concreção do magistrado será facilitado e o interesse das partes preservado.

5.7.Durabilidade, exigibilidade e dissolução do contrato

Eis aqui um ponto crucial para o drafter: criar, negociar e redigir mecanismos de manutenção do contrato [144] ou que propiciem a sua dissolução amigável.

No item 4.5.2, estudamos acerca da necessidade do advogado criar opções de ganhos mútuos a fim de agregar valor à negociação. Neste ponto da redação do contrato, o drafter também deverá usar a sua criatividade para elencar meios adequados para que as partes cumpram o que foi negociado. Criatividade é uma importante habilidade para o advogado.

Tais meios deverão ser tão bem arquitetados, de modo que as partes tenham certeza do resultado positivo da seguinte equação: ser colaborativo para atingir o adimplemento ou a transação será muito mais econômico do que cogitar o inadimplemento do contrato.

Para tanto, entendemos que o drafter deverá prestar atenção principalmente aos seguintes pontos:

5.7.1. Durabilidade do contrato – especialmente em contratos de longa duração, o drafter necessitará ser bastante hábil para prever os vários tipos de ocorrências que poderão aparecer durante a execução do contrato, de modo que o pacto celebrado sobreviva às intempéries comerciais.

Não se requer do drafter uma bola de cristal, mas bom senso e perspicácia para trazer para o contrato a previsão de possíveis ocorrências e mecanismos amigáveis de resolvê-las. [145]

Pensando em termos de durabilidade do contrato, o drafter deverá prever, por exemplo, revisões periódicas dos anexos (que geralmente disciplinam o modus operandi), pois é comum às partes, no dia-a-dia das relações, agregarem costumes operacionais à relação comercial que podem até mesmo divergir do que foi inicialmente previsto. [146]

Dessa forma, dentre outras providências, concentrar o modus operandi do contrato em um anexo técnico, e prever a atualização periódica desse anexo, poderá contribuir para a durabilidade do contrato.

5.7.2. Exigibilidade do contrato – após os longos debates negociais, caberá ao drafter inserir mecanismos de exigência do cumprimento das obrigações de parte a parte.

Questão basilar para o drafter neste ponto será conhecer adequadamente os mecanismos legislativos de exigibilidade das obrigações. Portanto, partimos do pressuposto de que as disposições do Código Civil e do Código de Processo Civil aplicáveis à matéria estejam pululando na mente do drafter [147].

Dito isso, sugerimos que o drafter desenhe criteriosamente os mecanismos de sanção e coerção, de forma que a definição das prestações e penalidades seja a mais clara possível, não restando dúvidas que obstem a sua exigibilidade.

O mesmo deverá ocorrer na previsão de garantias, observando-se sempre o princípio da razoabilidade. "Faça com que cumprir o contratado seja muito mais interessante às partes do que inadimplir... indique as conseqüências caso as obrigações assumidas não sejam total ou parcialmente cumpridas. " [148]

No tocante à redação da cláusula de multa, sugerimos ao drafter que faça menção à forma como a mesma foi calculada. Isso conferirá maior clareza à cláusula e dará condições para que as partes, ou qualquer terceiro que venha a interpretar o contrato no futuro, tenha os reais parâmetros de como aquele valor ou forma de cálculo foi combinado. Isso facilitará a execução da penalidade (exigibilidade), pois diminuirá a tentação da outra parte de se enveredar por uma aventura judicial para discutir o indiscutível [149].

Outro ponto importante é a operacionalização das obrigações constantes do contrato, ou seja, a aplicação prática, na vida real, do que está disposto no instrumento. Criar mecanismos mirabolantes para a verificação do cumprimento de uma obrigação (atentar, por exemplo, à redação de cláusulas de performance, avaliação de resultados, valoração da confidencialidade de informações, etc.) poderá acarretar a sua inexigibilidade. Dessa forma, o contrato deverá ser o mais operacional possível, a fim de que tudo esteja claro [150] e, portanto, exigível.

5.7.3. Mecanismos para a dissolução amigável em que pese o princípio da manutenção ou conservação dos contratos, entendemos que o ditado popular "antes só do que mal acompanhado" também poderá ser aplicável ao campo contratual, pois, assim como na vida pessoal pode ser difícil encontrar um parceiro ideal, o mesmo pode ocorrer no mundo dos pactos jurídicos.

Dessa forma, entendemos que o drafter deverá prever mecanismos para a dissolução amigável de parcerias contratuais que, em que pese o esforço das partes, simplesmente não podem mais se sustentar.

Tais mecanismos deverão prever as hipóteses tanto de incompatibilidade da parceria, como até mesmo desinteresse de uma das partes no negócio. Por óbvio que esses fatores deverão ser justificados e motivados, sendo incabível uma simples mudança de opinião para o desfazimento do contrato.

O desafio para o drafter, entretanto, será encontrar o equilíbrio entre o direito de uma parte se desvincular do pacto, com o direito da outra de ser devidamente indenizada, por exemplo, em relação aos investimentos realizados para a execução da parceria (princípio da confiança) [151].

Um exemplo de dissolução amigável de contratos é eleição da arbitragem como mecanismo de solução de conflitos. Principalmente em causas de grande vulto, que envolvam pessoas jurídicas internacionais, já é patente o uso da cláusula compromissória.

Já nos casos de contratos paritários típicos do homem médio, o drafter poderá incluir no contrato a mediação extrajudicial como forma de solução de conflitos. Recomendamos ao drafter determinar rituais de negociação, transação e mediação para a dissolução amigável do pacto, sempre visando evitar a discussão judicial.

Por exemplo, para a atualização do aluguel de um imóvel comercial, as partes podem prever que, passados "x" anos da locação, o perito "y" deverá realizar a avaliação comercial do bem, e o valor locatício por ele indicado deverá ser acatado pelas partes, sendo que os custos do perito serão rateados entre locador e locatário, evitando-se uma ação revisional de aluguel.

Mas quanto a este ponto, chamamos a atenção para o seguinte fator: esses rituais de negociação deverão ser juridicamente exigíveis. Expressões vagas de "melhores esforços" não trarão obrigatoriedade para o que foi combinado entre as partes.

Nesse sentido, citamos Sílvio de Salvo Venosa [152]:

"... se as partes não são expressas e diretas em definir o resultado que buscam e estabelecem, para uma obrigação claramente de resultado, a vazia expressão ‘melhores esforços’, ‘boa-fé’, ‘esforços razoáveis’ etc., tal disposição refoge ao âmbito obrigacional, isto é, não constitui uma obrigação jurídica."

Sabemos que essa prática vai requerer esforço e boa vontade dos envolvidos, mas o advogado, executando sua função instrumentalizadora, deverá estimular a conciliação, mostrando para seu cliente todos os benefícios da transação, e os malefícios do processo judicial.

Reconhecemos que não se trata de uma tarefa fácil buscar este equilíbrio ou Justiça Contratual. Contudo, a mais valia do drafter, assim como do advogado negociador, será traduzida na sua criatividade jurídica, para que as partes tenham condições de dialogar, e encontrar mecanismos para um "divórcio contratual amigável", evitando a todo custo incidir no litígio judicial.

5.8.Reflexões para o drafter

Gostaríamos de sugerir que, depois do árduo trabalho de negociação e redação do contrato, mas antes de sua assinatura, o drafter perguntasse a si mesmo, tendo a minuta do contrato em sua tela ou em suas mãos:

a)O contrato traduz efetivamente o que foi negociado pelas partes?

b)O instrumento celebrado está equilibrado?

c)O pacto que foi negociado é eficiente e eficaz?

d)Existem mecanismos facilitadores do adimplemento?

e)Foram previstas soluções amigáveis para se evitar o conflito judicial?

f)O instrumento está de acordo com as diretrizes da eticidade e socialidade?

g)Foram preservados todos os deveres de conduta?

h)O contrato cumpre a sua função social?

Cada resposta às perguntas acima será importante para que o advogado, desempenhando sua função instrumentalizadora, possa estampar no contrato o arsenal de cláusulas gerais e diretrizes colocados à disposição pelo Código Civil de 2002.

Reforçamos a ideia de que não há que se esperar o juiz para dar concretude à norma jurídica aberta. O próprio advogado poderá desempenhar essa função, de forma a prevenir o litígio judicial.

Mais uma vez destacamos que o tempo investido nesta reflexão será extremamente útil, evitando-se o gasto em retrabalhos, discussões acerca de problemas de interpretação e/ou ambigüidades, ou mesmo com demandas judiciais.

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Sobre a autora
Karla de Souza Escobar Coachman

Advogada formada pela USP, pós-graduada pela rede UNIDERP/LFG, com título de especialista em contratos pelo CEU, além de diversos cursos de média e curta duração, inclusive pelo GVLAW.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COACHMAN, Karla Souza Escobar. Boa-fé objetiva e função social dos contratos aplicadas à negociação e redação de instrumentos jurídicos paritários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2806, 8 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18643. Acesso em: 22 nov. 2024.

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