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A eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho e os limites do poder de direção do empregador

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11/03/2011 às 13:32
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4. CRITÉRIOS PARA LIMITAÇÃO DO PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR ATRAVÉS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Reconhecida a eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho, surge o problema de delimitação e coordenação dos direitos e poderes que se condicionam mutuamente dentro do contrato. Em outros termos, cumpre investigar como se dá e com que limites operam a incidência dos direitos fundamentais dentro do contrato de trabalho. Por certo, os direitos fundamentais são relativos e limitados e isso decorre do próprio princípio da unidade da constituição e da necessidade de harmonização prática dos valores constitucionalmente tutelados. Assim, a aplicação dos direitos fundamentais no âmbito do contrato de trabalho deve se coordenar com o poder de direção do empregador, uma manifestação do princípio da livre iniciativa consagrado no art. 170, caput, da Constituição.

Embora seja inerente à atuação empresarial o poder diretivo, certamente não o é absoluto, incondicionado ou ilimitado. Além de submeter-se a outras restrições de ordem constitucional, legal, convencional e contratual, está o poder de direção sujeito aos limites estabelecidos pelos direitos fundamentais dos trabalhadores. Além do mais, não havendo direito que tenha aplicação total ou incondicional, a atividade do trabalhador na empresa está protegida pelos direitos fundamentais assegurados a todas as pessoas ou cidadãos, em suas múltiplas dimensões, compreendendo, dentre outros, o direito à igualdade, direito à liberdade ideológica e religiosa, direito à honra, à intimidade pessoal e à própria imagem, direito à liberdade de expressão, direito à liberdade de informação, direito de reunião, direito ao sigilo de dados, tudo compondo um sistema de garantias da dignidade fundamental da pessoa humana.

Embora os demais limites sejam importantes para definição do alcance do poder diretivo, faz-se aqui um recorte metodológico, de modo que a abordagem será restrita aos limites traçados pelos direitos fundamentais inespecíficos, perquirindo acerca de sua forma de incidência no âmbito do contrato de trabalho. Desde logo fica claro que sua liberdade deve ser objeto de uma tutela o mais ampla possível, daí por que o trabalhador é, em princípio, livre para tudo o que não diga respeito à execução do seu contrato (ABRANTES, 2005, p. 61). Como consequência, o poder de direção sofre limitações de ordem temporal e espacial, porquanto, regra geral, tem seus contornos definidos apenas durante e no local da prestação dos serviços do trabalhador. Compreendido como um direito-função, o poder de direção tem também limitações de ordem teleológica, de sorte que deve ser exercido tendo em conta os objetivos a serem alcançados pela empresa, observando que esta insere-se dentro de uma sociedade capitalista, mas que tem função social a desempenhar.

Nesse ponto, observa José João Abrantes que o trabalhador " contrata a alienação de sua liberdade, mas essa alienação tem limites. O primeiro desses limites, óbvio, é, desde logo, que ela nunca poderá ser total. A liberdade de empresa não poderá, nunca, sejam quais forem as circunstâncias, impor sujeições incompatíveis com a dignidade fundamental da pessoa humana. De facto, há uma parte da liberdade e da dignidade de cada pessoa que é absolutamente indisponível. Essa liberdade e essa dignidade são garantidas pelo "conteúdo essencial" dos direitos fundamentais, daí derivando que esse conteúdo e, com ele, a dignidade da pessoa humana são intangíveis" (2005, pp. 196/197). Portanto, o poder de direção do empregador tem como limite intransponível o conteúdo essencial de quaisquer dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Em todo o caso, o poder de direção do empregador somente atua até onde não afete "a extensão e o alcance do conteúdo essencial" do direito fundamental (ABRANTES, 2005, p. 197). Isso porque o conteúdo essencial "visa garantir a dignidade humana, é intangível, constituindo um limite intransponível quer para entidades públicas quer privadas" (ABRANTES, 2005, p. 197). De toda sorte, essas "limitações não podem ser injustificadas, arbitrárias ou desarazoáveis, tendo, pelo contrário, de mostrar-se necessárias e adequadas ao fim por eles perseguido, que é – só pode ser – a correcta execução do contrato" (ABRANTES, 2005, p. 197).

Por certo, reconhecida a vinculação direta dos sujeitos do contrato de trabalho aos direitos fundamentais, isso não significa que tais direitos possam ser aplicados tal como se dá nas relações entre cidadãos e o Estado, haja vista que, conforme assinalado, o empregador é titular do poder de direção, com sede material na Constituição. Desse modo, ao tempo em que resguarda direitos dos trabalhadores, igualmente é tutelada a autonomia diretiva. Isso gera situações de colisões entre direitos protegidos constitucionalmente, cuja resolução implica a necessidade de uma série de adaptações e especificidades na incidência dos direitos fundamentais no contrato de trabalho, residindo neste ponto, certamente, as maiores dificuldades para a convivência entre os direitos fundamentais e o poder diretivo do empregador. Algumas colisões são resolvidas pela própria Constituição e outras vezes a solução é remetida à legislação ordinária, hipótese em que fica autorizada a restrição a determinado direito, desde que observados os parâmetros constitucionais.

Maior complexidade poderá envolver direitos cuja solução de colisão não está previamente determinada. Nessas situações, somente a análise do caso concreto indicará qual o direito que deverá prevalecer, na medida em que somente a abordagem específica dirá qual o direito que deverá sofrer restrição, ou seja, se no caso prevalece o poder de direção do empregador ou o direito fundamental ou então buscar uma harmonização prática entre ambos, a partir de critérios de compatibilização. Esses entraves, no entanto, não constituem óbices intransponíveis. Embora difícil fixar os parâmetros para resolver casos de colisão dentro do contrato de trabalho, alguns idéias básicas podem ser definidas, que têm a finalidade de estreitar as margens de discricionariedade e assim ampliar a segurança jurídica entre os contratantes.

Parece claro que "Só a finalidade em concreto da empresa, a necessidade de assegurar o seu bom funcionamento, é que pode levar a admitir restrições aos direitos fundamentais do trabalhador; além das exigências próprias dessa finalidade, qualquer limitação desses direitos carece de sentido" (ABRANTES, 2005, p. 198). Fixada essa premissa, cumpre observar que, dentro desses critérios de balizamento para resolução dessas situações de antinomia, faz-se necessário inicialmente a correta delimitação dos direitos em conflito. Na solução dessas tensões, impõe-se um juízo de ponderação entre os bens jurídicos tutelados, objetivando-se sacrificar o mínimo possível os direitos em jogo. Tal ponderação, certamente, sujeita-se a diversos princípios de interpretação constitucional, especialmente os da unidade da Constituição, concordância prática e proporcionalidade, observando-se, quanto a este, os subprincípios de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Em relação aos direitos fundamentais, "Quaisquer limitações desnecessárias, inadequadas ou excessivas são, pois, inválidas" (ABRANTES, 2005, p. 199).

Desse modo, a limitação dos direitos fundamentais dos trabalhadores pelo poder de direção do empregador exige a satisfação concomitante dos seguintes critérios: a restrição deve ser absolutamente necessária para a consecução de determinada finalidade, sendo infundadas as limitações que estejam além da necessidade inerente à correta execução do contrato; deve haver adequação entre o objetivo a atingir e a limitação imposta, razão por que deve ocorrer a menor restrição possível em função desse objetivo; e a admissão da restrição condiciona-se à observância de interesse relevante do empregador, vinculado ao seu bom funcionamento e ao correto desenvolvimento do contrato, respeitando sempre o conteúdo essencial do direito fundamental.

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Por certo, não existem fórmulas que possam definir a priori se a atitude da empresa conforma-se ou não com os direitos fundamentais. Necessário um juízo de ponderação diante de cada caso concreto, considerando todas as circunstâncias que envolvem, variando a solução a partir de múltiplos fatores, inclusive tendo em conta o direito fundamental em discussão. Na verdade, a solução adequada não existe a priori, haja vista que a idéia do justo não é algo preconcebido. A melhor solução somente pode ser concebida a partir do caso concreto, devendo o intérprete, ao fazer o juízo de ponderação, levar em consideração a realidade do caso em litígio, procurando encontrar uma solução que assegure um resultado justo, justificado racionalmente, através de um processo argumentativo, tendo como grande balizamento o respeito à dignidade da pessoa humana do trabalhador.

De todo o exposto, conclui-se com José João Abrantes que "o empregador só poderá limitar a liberdade do trabalhador quando tal lhe seja especificamente permitido (legal, convencional ou contratualmente) e/ou se houver subjacentes à sua actuação interesses que, no caso concreto, se mostrem merecedores de uma tutela superior à daquela liberdade" (2005, p. 200). E isso se dá precisamente porque "O trabalhador deve lealdade ao contrato, mas só a este, exactamente nos mesmos termos em que também o empregador a deve. De resto, na empresa ele continua a ser cidadão de corpo inteiro, mantendo, em princípio, os direitos de que todos os outros cidadãos são titulares" (2005, p. 201).


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. IN: BARROSO, Luís Roberto, (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 193-284.

VIEIRA DE ANDRADE. José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 2009.

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Sobre o autor
Arnaldo Boson Paes

Desembargador do TRT/PI. Doutorando em Direito do Trabalho pela PUC (SP) e pela UCLM (Espanha). Mestre em Direito pela UFC (CE) e pela UCLM (Espanha). Professor de Direito da FAP Teresina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAES, Arnaldo Boson. A eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho e os limites do poder de direção do empregador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2809, 11 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18664. Acesso em: 26 abr. 2024.

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