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A eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho e os limites do poder de direção do empregador

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11/03/2011 às 13:32
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O poder do empregador vem sendo reconhecido como permanente ameaça ao pleno exercício dos direitos fundamentais pelos trabalhadores.

Sumário: 1. Fundamento e conteúdo do poder de direção do empregador. 2. O poder de direção do empregador como potência lesiva aos direitos fundamentais. 3. Eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho como exigência de limitação do poder de direção do empregador. 4. Critérios para limitação do poder de direção do empregador através dos direitos fundamentais. 5. Referências bibliográficas.


1. FUNDAMENTO E CONTEÚDO DO PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR

A Constituição é produto da modernidade e sua origem vincula-se à idéia de afirmação e efetivação dos direitos fundamentais, estes concebidos inicialmente como sistema de contenção dos poderes estatais. Mas hoje os direitos fundamentais desempenham um papel destacado no âmbito das relações entre particulares, posto que o fenômeno do poder desenvolve-se também fora do Estado, no âmbito da sociedade civil. De fato, possuindo os direitos fundamentais uma dimensão objetiva, os mesmos são oponíveis não apenas ao Estado, mas alcançam igualmente as relações entre sujeitos privados, sobretudo nas situações em que os "indivíduos ou entidades privadas exercem ou estão em condições de exercer verdadeiros poderes, jurídicos ou de facto" (VIEIRA DE ANDRADE, 2009, p. 235).

Nesse contexto, as concepções teóricas contemporâneas aproximam-se no sentido de reconhecer que, se há divergência quanto à possibilidade de aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre iguais, isso não se verifica quando pessoas individuais ou coletivas "disponham de poder especial de carácter privado sobre (outros) indivíduos" (VIEIRA DE ANDRADE, 2009, p. 247). Nessas situações, diante do maior grau de vulnerabilidade a que estão sujeitos determinados valores, direitos ou liberdades, mais se justifica a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. O nível de proteção desses direitos fundamentais deve ter como referência a natureza específica, a razão de ser e a intensidade do poder exercido. Nesse aspecto, detêm especial transcendência os poderes exercidos pelo empregador em face do contrato de trabalho.

No caso da relação de trabalho, o fenômeno do poder manifesta-se de forma acentuada, na medida em que aí não se estabelecem relações entre pessoas iguais ou paritárias, sendo inerente a essa modalidade contratual uma posição de superioridade do tomador dos serviços. Sendo assim, cumpre examinar o fenômeno a fim de que mais adiante seja possível identificar alguns aspectos acerca da eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho e em seguida examinar os critérios para resolução de colisões entre o poder diretivo do empregador e os direitos fundamentais, considerando que nesse ponto há poderes e direitos que se afetam mutuamente.

O poder de direção do empregador, entendido como prerrogativa de determinar a forma como se dará a prestação dos serviços pelo empregado, tem por fundamento a própria Constituição, art. 170, caput, que, ao adotar o sistema econômico de produção capitalista, estabelece, ao lado da valorização do trabalho humano, a livre iniciativa como fundamento da ordem econômica. O termo livre iniciativa possui um conteúdo complexo, dentro do qual se insere o poder que se atribui à empresa de organizar suas atividades. A livre iniciativa é um dos desdobramentos da liberdade, que não se manifesta de forma absoluta, posto que se sujeita a outros bens e valores constitucionais. Nesse ponto, a própria Constituição condicionou mutuamente livre iniciativa e trabalho humano, elegendo o valor social do trabalho como fundamento constitucional, e não as virtualidades da livre iniciativa (art. 1º, IV), embora o art. 170, caput, coloque lado a lado trabalho humano e livre iniciativa.

Conquanto o valor social do trabalho tenha uma prevalência prima facie, a afirmação da livre iniciativa como fundamento da ordem econômica tem importantes consequências jurídicas. Nessas incluem-se o reconhecimento do poder diretivo do empregador, daí por que se faz necessário identificar os fundamentos e o conteúdo desse poder, de modo a tornar possível a análise da eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho. Essa abordagem revela-se complexa, pois cumpre perquirir sobre a causa ou fator que confere título e substrato à própria manifestação desse poder e que implicou sua incorporação ao ordenamento trabalhista. Diversas teorias têm sido formuladas para justificar tal fenômeno, porém prevalece hoje a tese de que o poder de direção tem fundamento contratual. Isso decorre da natureza assimétrica do contrato de trabalho, em que um dos contratantes, no caso o empregador, neste aspecto, detém superioridade jurídica, com extenso e profundo conjunto de prerrogativas, com elevado poder de conformação do contrato, podendo alterar, inclusive unilateralmente, as condições de trabalho.

Por certo, é o contrato a razão e o fundamento do poder de direção. Na observação de Manuel Carlos Palomeque López e Manuel Álvarez de La Rosa (2004, p. 506), "el fundamento del poder para organizar y ordenar las prestaciones de los trabajadores es el proprio contrato de trabajo que, sin duda, justifica tanto el poder de direción y su alcance, como sus proprios límites". O ajuste que dá origem à relação de emprego implica o reconhecimento da existência de um complexo de direitos e obrigações entre os contratantes. Assim, reconhece-se que o contrato de trabalho está inserido em um âmbito no qual uma das partes, o empregador, detém a prerrogativa de organizar o sistema de produção de bens e serviços, manifestando-se na capacidade de organizar, regulamentar, fiscalizar e exercer o poder hierárquico. Nesse sentido, detém o empregador o poder de organizar e ordenar o trabalho, definindo o conteúdo e forma da prestação dos serviços. Na realidade, poder de direção e subordinação jurídica são os dois lados da mesma moeda. Pela subordinação jurídica, o trabalhador obriga-se a acolher a direção do empregador no modo de realização da prestação dos serviços, constituindo tal subordinação o polo reflexo e combinado, na relação de emprego, do poder de direção. Não se trata, por certo, de um estado de sujeição pessoal do trabalhador, mas, sim, de subordinação jurídica da atividade, que passa a ser dirigida, controlada e fiscalizada pelo empregador, no interesse do empreendimento.

Na realidade, em decorrência do modelo de ordem econômica capitalista, assegura-se a todo empregador o poder de organizar, regulamentar, fiscalizar e exercer o controle disciplinar sobre as relações de trabalho. Estas são as dimensões ou conteúdos do poder de direção, que têm contornos próprios, ganhando identidade e consistência específicas, mas que integram o poder geral do empregador que lhe é assegurado dentro do contrato de trabalho.

Inserem-se no poder de direção, como manifestação do poder de organização, a capacidade de definição dos fins econômicos, determinação da estrutura, fixação dos espaços empresariais internos, com delimitação dos cargos e funções, além de detalhamento do processo de realização do trabalho, com especificação e orientação quanto ao modo de prestação de serviços. Como desdobramento do poder de direção, inclui-se o poder regulamentar, traduzido na capacidade de elaborar o denominado regulamento de empresa, que fixará as regras gerais a serem observadas no âmbito empresarial. Também insere-se o poder fiscalizatório ou de controle, pelo qual o empregador detém um conjunto de prerrogativas de fiscalizar as tarefas profissionais, propiciando o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetiva dentro do espaço empresarial interno. Por fim, integra o poder empregatício o de exercer a atividade disciplinar, que importa assegurar ao empregador um conjunto de prerrogativas destinadas a propiciar a fixação de sanções aos empregados em decorrência do descumprimento por estes de suas obrigações contratuais.

Hoje, observa-se uma profunda alteração na forma de manifestação do poder de direção, desde concepções mais assimétricas, unilaterais e hierárquicas, até novas formas baseadas em relações mais equilibradas, dialéticas e democráticas. De fato, embora se reconheça ainda forte assimetria na relação de trabalho, impende reconhecer seus aspectos dinâmico e evolutivo, que tendem à superação da forma despótica, hierárquica e assimétrica de gestão empresarial, em que as condições de trabalho são ditadas de forma unilateral e autoritária. Nessa nova perspectiva acentua-se o processo de democratização interna da empresa, com adoção de decisões negociadas, seja pela participação dos sindicatos, seja pela intermediação dos órgãos de representação nos locais de trabalho. Assim, hoje é significativa a tendência de criação de mecanismos e processos de bilateralização ou multilateralização da dinâmica do exercício do poder. Isso decorre da necessidade de democratizar o exercício do poder de direção, a fim de que possa adquirir legitimidade. E para que o poder seja legitimado, deve ficar assegurada a possibilidade de participação efetiva e adequada de todos aqueles que serão afetados pelo seu exercício. Portanto, para que o poder empregatício seja democrático e legítimo, faz-se necessária a instituição de procedimentos de diálogo e de participação.

Esse novo perfil do poder diretivo do empregador tem íntima relação com a tendência crescente à afirmação da "cidadania na empresa" (ABRANTES, 2005, p. 60). De fato, o Direito do Trabalho surgiu e desenvolveu-se como instrumento de limitação do poder do empregador, através da adoção de um perfil acentuadamente protecionista. Essa especial tutela assume na contemporaneidade uma nova perspectiva, vinculada à teoria dos direitos fundamentais, "que se refere ao trabalhador como cidadão, aos direitos de cidadania no âmbito do contrato de trabalho" (ABRANTES, 2005, p. 14). Essa nova perspectiva consolida-se com o reconhecimento de que o poder do empregador constitui permanente ameaça ao pleno exercício dos direitos fundamentais pelos trabalhadores. Esse é o objeto da análise no tópico subsequente.


2. O PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR COMO POTÊNCIA LESIVA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Dada a origem liberal dos direitos fundamentais, a dogmática jurídica sempre procurou compreendê-los como oponíveis exclusivamente ao Estado, negando sua aplicação nas relações entre particulares. Conquanto nascidos dentro da idéia de limitação do poder estatal, hoje é curial que tais direitos regulam também as relações dos particulares entre si, na medida em que a liberdade humana pode restar violada ou ameaçada pelo Estado, mas também no âmbito de relações jurídicas privadas. No contrato de trabalho, tal se mostra evidente, porque se forma aí uma relação desigual, com forte assimetria, em que o empregador detém posição de superioridade em face do poder de direção que lhe é inerente, ao passo que a atividade do trabalhador orienta-se pela idéia de subordinação jurídica, caracterizada pelo estado de sujeição.

Como é natural, a força normativa da Constituição projeta-se sobre todo o ordenamento jurídico e esse fenômeno vem ocorrendo com grande extensão e profundidade nas relações de trabalho, especialmente quanto ao impacto das normas de direitos fundamentais sobre o poder de direção do empregador. Hoje, se é assente que os direitos fundamentais de titularidade ou conteúdo laboral devem ser respeitados no âmbito do contrato de trabalho, também não se nega que os direitos fundamentais gerais, assegurados a toda pessoa ou cidadão, também devem ser observados no marco da relação jurídica privada. No entanto, complexo é o modo como tais direitos se operam dentro do contrato de trabalho, daí por que cumpre definir de que forma e com que limites são resolvidas tensões naturais entre o poder de direção e os direitos fundamentais, sobretudo considerando que do contrato emergem direitos que se limitam e implicam-se mutuamente.

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Em relação aos direitos fundamentais, sempre se reconheceu uma dimensão subjetiva, mas na teoria constitucional contemporânea ficou genericamente reconhecida a dimensão objetiva, pela qual se admite que "su función es la de sistematizar el contenido axiológico objetivo del ordenamiento democrático al que la mayoría de los ciudadanos prestan su consentimiento y condicionan su deber de obediência al Derecho", daí por que "contribuyen con la mayor amplitud y profundidad a conformar el orden jurídico infraconstitucional. Se trata, como expresamente há reconocido nuestro Tribunal Constitucional, de tomar como punto de partida para cualquier actividad encaminada a la interpretación o aplicación del derecho el postulado básico a tenor del cual: "los derechos fundamentales responden a um sistema de valores y princípios de alcance uniersal que [...] han de informar todo nuestro ordenamiento jurídico" (PEREZ LUÑO, 2004, p. 22).

Ocorre que, embora inegável a eficácia inter privatos dos direitos fundamentais, há controvérsia sobre o modus operandi dessa eficácia. Parte da doutrina admite apenas a eficácia mediata ou indireta, que implica a necessidade de preservar a autonomia privada e desse modo será indispensável que um órgão estatal atue como mediador da aplicação dos direitos fundamentais no âmbito privado, incidindo de forma indireta ou mediata, através da intermediação do legislador concretizando a norma constitucional ou quando o juiz interpreta o direito à luz do sistema constitucional. No entanto, prevalece a concepção que reconhece que os direitos fundamentais afetam de forma direta e imediata as relações entre pessoas privadas que assumem posições de poder.

Essa doutrina desenvolveu-se no direito germânico e tem por fundamento a idéia de que "A ordem jurídica forma uma unidade. E todo direito só disciplina com base e no marco da Constituição. [...] Para que os direitos fundamentais, como normas objetivas, possam reger o direito privado, não requer-se nenhum meio, nenhum ponto de infiltração, como pretendem ser as cláusulas gerais. Bem ao contrário, o efeito jurídico é uno, direto e normativo, que modifica ou regenera as normas jurídico-privadas existentes" (PEREIRA, 2003, p. 161).

A propósito, cumpre reconhecer que o contrato de trabalho, mesmo compreendendo uma relação inter privatos, não se estabelece entre indivíduos iguais e com plena autonomia. Emerge do contrato uma relação jurídica vertical, desigual e de sujeição, na qual uma das partes detém posição proeminente e que reside na capacidade diretiva atribuída ao empregador, manifestada no poder de direção que lhe é imanente. Em decorrência dessa proeminência, resulta que o trabalhador tem mitigado seu poder de autodeterminação e sua liberdade está limitada.

Desse modo, conforme constata Bilbao Ubillos, "A empresa, como organização econômica, gera uma situação de poder e, correlativamente, outra de subordinação. Os poderes do empresário (o poder de direção e disciplinar) constituem, portanto, uma ameaça potencial para os direitos fundamentais do trabalhador, dada a forte implicação da pessoa deste na execução da prestação laboral" (Apud PEREIRA, 2003, p. 149).

Sendo assim, diante do poder diretivo do empregador, a questão da eficácia dos direitos fundamentais "inscreve-se, muito naturalmente, ano nível do contrato de trabalho" (MOREIRA, 2004, p. 57). Essa naturalidade da aplicação dos direitos fundamentais no contrato de trabalho se dá "em razão da empresa, enquanto estrutura de poder, ser detentora dum complexo de faculdades de actuação que, pelo seu próprio conteúdo e significação, tem especial potência lesiva para o exercício real e efetivo dos direitos fundamentais dos trabalhadores" (MOREIRA, 2004, pp. 57/58). Portanto, no âmbito da relação de trabalho, "há maior risco de lesão face à especial desigualdade de distribuição do poder social em relação ao empregador" (MOREIRA, 2004, p. 58).

Essa "natural" aplicação dos direitos fundamentais é uma decorrência da "própria estrutura do contrato de trabalho", na medida em que "A alienação da disponibilidade da força de trabalho e a dependência em que o trabalhador se coloca, ao promoter uma actividade laboral, são por si potencialmente lesivas" aos direitos fundamentais (ABRANTES, 2005, p. 44). Logo, a estrutura assimétrica do contrato de trabalho, em que o trabalhador coloca-se numa situação permanente de dependência, em que sua pessoa está diretamente implicada, sujeitando-se a um complexo de poderes reconhecidos ao empregador, faz com que esse âmbito represente "um perigo potencial para o livre desenvolvimento da personalidade e a dignidade de quem trabalha" (ABRANTES, 2005, p. 44).

Diante do conteúdo complexo do poder de direção do empregador, no qual está inserido um conjunto de direitos e obrigações, esse poder possui aptidão natural para condicionar o exercício pelos trabalhadores de seus direitos fundamentais. Como corolário, no contrato de trabalho, "todas, ou quase todas, as liberdades e direitos fundamentais do trabalhador se encontram, ao menos potencialmente, sob ameaça, face à autoridade e direcção do empregador (ABRANTES, 2005, p. 45). Essa ameaça constante dá-se precisamente pela posição de dependência, fruto da subordinação jurídica, através da qual o trabalhador contrata a alienação de sua força de trabalho, resultando daí importantes limitações à sua liberdade pessoal. Na estrutura do contrato de trabalho, portanto, está naturalmente reconhecida a potencialidade de acarretar limitações, mais ou menos gravosas, a direitos e liberdades do trabalhador. Posta a questão nesses termos, cumpre verificar a temática da eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho, de modo a identificar os limites que estes impõem ao poder de direção do empregador.


3. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO CONTRATO DE TRABALHO COMO EXIGÊNCIA DE LIMITAÇÃO DO PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR

O princípio da proteção do trabalhador sempre foi referência para a dogmática do Direito do Trabalho. Apenas recentemente alguns estudos indicam uma reformulação dessa concepção, colocando os direitos fundamentais como novo marco teórico e prático para a efetiva tutela dos trabalhadores. Nessas novas reflexões a eficácia dos direitos fundamentais "é uma exigência de uma nova dogmática do Direito do Trabalho" (ALMEIDA, 2010, p. 148). De fato, "a afirmação da plena validade dos direitos fundamentais da pessoa humana (também) a nível da empresa" [permite ao Direito do Trabalho] recuperar seu autêntico papel de garantia de uma plena autodeterminação do trabalhador, como pessoa e como cidadão" (ABRANTES, 2005, p. 20).

Os direitos fundamentais com repercussão no contrato de trabalho manifestam-se de duas formas. Primeiramente, os direitos fundamentais específicos dos trabalhadores, que somente a estes são reconhecidos e que emergiram com o constitucionalismo social. No contexto histórico, esses direitos surgiram como reflexo da superação da "concepção tradicional dos direitos fundamentais como meros direitos do homem e do cidadão genéricos e abstractos, erigindo-se antes os direitos dos trabalhadores a direitos com o mesmo título e a mesma dignidade" (ABRANTES, 2005, p. 52). Os direitos fundamentais específicos têm por titulares os trabalhadores, ou as respectivas organizações que os representam, e manifestam-se dentro de uma relação de trabalho, que se converte "en presupuesto insoslayable de su nacimiento y ejercicio" (PALOMEQUE LÓPEZ, 2003, p. 163).

Ao lado desses direitos fundamentais específicos, os trabalhadores possuem outros direitos fundamentais de caráter geral que são exercidos no âmbito da relação de trabalho. Os direitos fundamentais não especificamente laborais são assegurados a todas as pessoas ou cidadãos, mas que podem ser exercidos pelos sujeitos do contrato a propósito e no âmbito da relação de trabalho. "Son derechos atribuidos con caráter general a los ciudadanos, que son ejercidos en el seno de una relación jurídica laboral por cuidadanos que, al proprio tiempo, son trabajadores y, por lo tanto, se convierten en verdaderos derechos laborales por razón del sujeto y de la naturaleza de la relación jurídica en que se hacen valer, en derechos constitucionales laborale inespecíficos. Y es que, naturalmente, la celebración de un contrato de trabajo no inplica en modo alguno la privación para una de las partes, el trabajador, de los derechos que la Constitución le reconoce como ciudadano" (PALOMEQUE LÓPEZ, 2003, p. 164).

O reconhecimento desses direitos fundamentais inespecíficos no âmbito da relação de trabalho provocou um giro copercicano na dogmática do Direito do Trabalho. O novo paradigma caracteriza-se pela "atenção crescente à chamada "cidadania na empresa", isto é, aos direitos fundamentais não especificamente laborais, aos direitos do cidadão, que os exerce, enquanto trabalhador, na empresa" (ABRANTES, 2005, p. 60). Essa nova perspectiva justifica-se na medida em que o trabalhador, ao transpor os portões da empresa, obviamente não se despoja de sua cidadania e assim deve ter assegurado o pleno exercício dos direitos atribuídos genericamente aos cidadãos. Isso porque "a conclusão de um contrato de trabalho não implica, de modo algum, a privação de direitos que a Constituição reconhece ao trabalhador como cidadão" (ABRANTES, 2005, p. 61). Enfim, os direitos fundamentais inespecíficos são "direitos do cidadão-trabalhador, ... que os exerce enquanto trabalhador-cidadão" (ABRANTES, 2005, p. 60).

Consolida-se então um duplo movimento na direção da constitucionalização dos direitos fundamentais dos trabalhadores. O primeiro consistente na inserção de um conjunto de direitos trabalhistas constitucionalmente reconhecidos e integrados em um sistema especial de proteção jurídica. O segundo se dá com a "recomposição constitucional do contrato de trabalho, com a acentuação da sua raiz antropocêntrica e da sua ligação íntima com a pessoa humana e os seus direitos" (ABRANTES, 2005, p. 62). Enquanto o primeiro movimento emergiu como produto do constitucionalismo social, o segundo encontra-se em fase de consolidação através do reconhecimento da eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho, cujo maior desafio reside na identificação dos critérios para limitação do poder de direção do empregador através dos direitos fundamentais. Este é o tema do tópico seguinte.

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Sobre o autor
Arnaldo Boson Paes

Desembargador do TRT/PI. Doutorando em Direito do Trabalho pela PUC (SP) e pela UCLM (Espanha). Mestre em Direito pela UFC (CE) e pela UCLM (Espanha). Professor de Direito da FAP Teresina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAES, Arnaldo Boson. A eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho e os limites do poder de direção do empregador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2809, 11 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18664. Acesso em: 22 dez. 2024.

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