A partir de uma análise superficial, a elaboração de convênio que tenha como objeto a prestação de serviços por menores carentes, com a finalidade de possibilitar sua preparação e inclusão futura no mercado de trabalho, é deveras válida e merecedora de aplausos.
O TCU assim se pronunciou acerca do assunto, quando decidiu que:
"Por sua vez, o caráter assistencial e educativo do procedimento questionado não permite afirmar que há infringência à Lei 9.962/2000 e ao Decreto 2.271/1997 que regulam o regime de emprego público na Administração Federal. Ao contrário, o mecanismo adotado pela Universidade Federal de Minas Gerais se aproxima das finalidades da Lei 10.097/2000 (Lei do Aprendiz) que, consolidando dispositivos da CLT e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), deu nova regulamentação à aprendizagem de menores voltada para o trabalho no país.
7.Trata-se de uma questão social altamente relevante, considerando-se que, segundo o IBGE, há, no Brasil, atualmente, 3,2 milhões de adolescentes entre 15 e 17 anos ou atuando no mercado informal ou simplesmente fora do mercado de trabalho. Com efeito, inserir o jovem no mercado de trabalho ao mesmo tempo garantindo sua aprendizagem é um desafio enorme para o país que tem sido levado em consideração por esta Corte de Contas em seus julgados. Em casos semelhantes, tratando da admissão de menores aprendizes mediante convênios em diversas entidades da Administração Pública, este Tribunal se manifestou no sentido da regularidade dos procedimentos (Decisão 425/1992 - Plenário, Decisão 005/1995 - Segunda Câmara, Decisão 1.309/2002 - Plenário e Acórdão 1386/2003 - Primeira Câmara). Na mesma linha, entendo que o programa de contratação de menores em tela, que já vigora desde 1986, possa continuar nos termos do art. 68 da Lei 8.069/1990 que dispõe o seguinte:
"...
art. 68. O programa social que tenha por base o trabalho educativo, sob responsabilidade de entidade governamental sem fins lucrativos, deverá assegurar ao adolescente que dele participe condições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada."
8.Nesses termos, no que se refere ao caso concreto tratado nos autos estou propondo determinação à entidade no sentido de que o programa assistencial em questão observe o disposto no Estatuto do Menor e do Adolescente, em especial o artigo mencionado".
Entretanto, algumas considerações devem ser feitas.
Inicialmente, ressaltamos que o Estatuto da Criança e do Adolescente deixa claro que, quando o assunto disser respeito a trabalho de menor, as exigências assistenciais e pedagógicas devem sempre prevalecer sobre as exigências produtivas, afinal o que se busca é a inserção qualitativa do menor na sociedade e não o lucro. Esse o entendimento exarado pelo TRT da 9ª Região acerca do assunto:
"TRABALHADOR DO MENOR – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – LEI 8.069/90 – TRABALHO EDUCATIVO – TRABALHO EM REGIME DE APRENDIZAGEM – DIREITOS TRABALHISTAS DECORRENTES – O art. 68 da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) carecedor de maior regulamentação, traça um modelo de trabalho eminentemente educativo, onde o caráter assistencial sobrepõe-se à atividade econômica do empreendimento e à própria formação profissional dos menores. A tônica do trabalho educativo é o desenvolvimento pessoal e social dos menores, ou seja, a integração à sociedade, retirando-os das ruas, e não a preparação para o exercício de um ofício. Não gera vínculo empregatício. O trabalho em regime de aprendizagem, adotado pelos art. 60 "usque" 67 da Lei 8.069/90 visa o início da formação técnico-profissional dos menores, com o efetivo aprendizado de um ofício ou ocupação e, para tanto, observadas determinadas condições tuitivas especiais, assegurando-lhes os direitos trabalhistas e previdenciários. (TRT 9ª R. – RO 15.595/94 – 2ª T. – Ac. 1.397/96 – Relª. Juíza Rosalie Michaele Bacila Batista – DJPR 19.01.1996)".
Tem-se tornado cada vez mais comum a incidência de convênios estabelecendo cláusulas que prevêem expressamente o vínculo empregatício dos menores com o órgão público tomador de serviços e a responsabilidade do mesmo pelos encargos previdenciários e o recolhimento do FGTS. O artigo 71 da Lei 8666/93, entretanto, é claro ao dispor que "o contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato".
Nesse ponto, Jessé Torres Pereira Júnior ensina ainda que:
"O fato de contratar com a Administração não exclui a empresa privada da incidência de normas jurídicas impositivas de encargos, sejam estes de natureza trabalhista, previdenciária, fiscal ou comercial, no que se referirem à execução do contrato público. (...) Em todas estas relações de direito, público ou privado, a contratada é a única e exclusiva titular dos correspectivos encargos, que não se comunicam à Administração contratante antes, durante ou depois da execução do contrato. (...) À Administração é vedado: (...) aceitar subrogar-se, a qualquer título, (...), na obrigação de atender aos encargos do contratado"1.
Assim, o contratado deveria assumir os encargos sociais e a Administração não poderia aceitar sua subrogação na obrigação de efetuar esses pagamentos. Entretanto, o Enunciado nº 331, IV, do TST dispôs que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista. Estaria, assim, inaplicável o artigo 71, § 1º da Lei 8666/93? De acordo com o TCU, no Acórdão nº 593/2005, vale o Enunciado do TST, devendo o Administrador se precaver realizando o controle do recolhimento e regularidade das obrigações sociais, trabalhistas e previdenciárias dos contratados, a fim de resguardar a responsabilidade da administração, conforme o inciso IV do Enunciado 331 do TST, arts. 61 e 71 da Lei 8.666/93, e art. 4º do Decreto 2.271/97.
Interessante comentário quanto à solidariedade da Administração Pública para com os encargos previdenciários faz Jessé, que entende o mesmo como um retrocesso, posto que "estar-se-ia diante de um estímulo à empresa provada inadimplente, que poderia prosseguir na execução do contrato e ainda ver quitado seu débito para com a seguridade social, somente vindo a por ele responder em ação de regresso do devedor solidário que pagou em seu lugar"2.
Cumpre trazer à baila ainda decisão do TST, no Processo nº TST-RR-54.300/2002-900-10-00.8, segundo o qual:
"A prestação de serviços implementada pelos adolescentes, com efeito, reverte em favor da reclamada. Não porém, como o sentido restrito da vinculação empregatícios, nos moldes trabalhados pelos artigos 2º e 3º da CLT.
Os menores são contratados pelas entidades assistenciais responsáveis pela seleção, as quais efetuam o pagamento da remuneração e demais vantagens dos trabalhadores, nos estritos limites dos convênios firmados. Assumem, portanto, os encargos trabalhistas e previdenciários. (...) Insta considerar-se ter o Tribunal Regional reconhecido, com base na prova produzida, a celebração válida de convênios destinados a fomentar a profissionalização de adolescentes carentes, a qual encontra amparo legal (Lei nº 8.069/90). Por esta razão, concluiu não ser a hipótese dos autos de provimento de emprego público, sem a realização de concurso. (...) o eg. TRT, soberano na análise do conteúdo probatório, reconheceu expressamente a celebração válida de convênios destinados a fomentar a profissionalização de adolescentes carentes. Reconheceu, não menos, que os adolescentes foram contratados pelas entidades assistenciais responsáveis, as quais efetuam o pagamento da remuneração e demais vantagens, assumindo os encargos trabalhistas e previdenciários; e ainda, que restou comprovado o cunho sócio-educativo do programa em que se inseriram os menores".
Assim, o TCU e o TST entendem que a celebração de convênio com o intuito de fomentar a profissionalização de menores carentes é válida, desde que estes sejam contratados por entidades assistenciais sem finalidade lucrativa, que assumiriam os encargos trabalhistas e previdenciários, e desde que seja respeitado integralmente o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Este entendimento se fundamenta no artigo 431 da CLT, que estabelece que "a contratação do aprendiz poderá ser efetivada pela empresa onde se realizará a aprendizagem ou pelas entidades mencionadas no inciso II do art. 430, caso em que não gera vínculo de emprego com a empresa tomadora dos serviços", esclarecendo que as entidades mencionadas no artigo devem ser entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. A contratação dos menores diretamente pelas pessoas jurídicas de direito público configura violação ao artigo 37, II, da Constituição Federal, como entendeu o TRT da 14ª Região no Processo nº 00008.2005.041.14.00-8:
"CONVÊNIO. NULIDADE CONTRATUAL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. Restando comprovado, nos autos, que a única finalidade do convênio firmado entre a Municipalidade e a Associação era mascarar a contratação irregular de empregado público, sem a prévia aprovação em concurso público, merece mantença a decisão de primeiro grau, que reconheceu o vínculo laboral diretamente com o Município e declarou a nulidade do liame empregatício, por força do artigo 37, II, da Constituição Federal de 1988, deferindo tão-somente o pagamento de salários e FGTS. Recurso a que se nega provimento".
A contratação realizada por entidade assistencial, entretanto, é permitida, como se depreende dos julgados do TST e do TCU.
Ademais, o proponente deve providenciar cópia do Estatuto Social, o que permite a aferição do caráter assistencial da Fundação, assim como do Plano de Trabalho, que permite a comprovação do cunho sócio-econômico do programa, documento que entendemos necessário à celebração da avença, de acordo com o disposto no artigo 23, §2º, do Decreto nº 5598/05, que dispõe que "a entidade responsável pelo programa de aprendizagem fornecerá aos empregadores e ao Ministério do Trabalho e Emprego, quando solicitado, cópia do projeto pedagógico do programa". Nesse ponto, entendemos que a solicitação de cópia do projeto pedagógico é imperativa, e não dependente de pedido da Administração Pública. Basta lembrar que o projeto pedagógico faz parte do Plano de Trabalho, que por sua vez é obrigatório para a celebração do convênio.
Dessa feita, entendemos que, para que possa ser aferida futuramente a legalidade de um convênio entre um órgão público e entidades privadas, deve ser elaborada uma minuta adequada em que não conste previsão de vínculo trabalhista entre os menores e a instituição pública e em que esta não seja responsabilizada pelo pagamento dos encargos trabalhistas e previdenciários, que devem ficar a cargo da entidade assistencial responsável pela contratação. Entendemos ainda que deve ser juntado ao expediente o Plano de Trabalho e cópia do Estatuto Social da Fundação proponente.
Cumpre-nos salientar que, a despeito do entendimento do TST e do TCU, que entendem que nos moldes citados o convênio para prestação de serviços pelos menores é legal, devido à sua finalidade assistencial e educativa, não são todas as atividades laborativas que permitem esse entendimento. Para Neto e Moreira, "torna-se imprescindível ressaltar que atividades como office-boy, babá, mensageiro, auxiliar de escritório, ensacador de compras de supermercado, guarda-mirim, patrulheirismo... vistas pelas próprias empresas como subalternas não podem, em hipótese alguma, ser consideradas como aprendizagem"3. Nesse sentido também a seguinte decisão:
"MENOR APRENDIZ – Em nenhum momento restou comprovado tivessem as reclamadas propiciado ao autor ensino profissionalizante, nos moldes preconizados pela Lei 8.069/90. Demonstrado nos autos a toda evidência que o reclamante exercia a função normal de um empregado típico é inegável a existência de vínculo de emprego e não de mero contrato de aprendizagem mediante convênio com a FAMA. (TRT 9ª R. – RO 16.868/94 – 3ª T. – Ac. 378/96 – Relª. Juíza Fátima Terezinha Loro Ledra Machado – DJPR 19.01.1996)".
Torna-se claro que a finalidade assistencial do convênio não deve ser utilizada como instrumento de burla às leis, sendo necessário que efetivamente sirva como forma de inclusão social.
Referência :
1 – PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 6.ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2003, p.693-694.
2 – PEREIRA JÚNIOR. Op. cit. P.697.
3 – NETO, Otávio Cruz; MOREIRA, Marcelo Rasga. Trabalho Infanto-Juvenil: motivações, aspectos legais e repercussão social. Cad. Saúde Pública vol.14 n.2 Rio de Janeiro Apr./June 1998.