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Linguagem e argumentação: a sua importância para a interpretação no Direito Tributário

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13/03/2011 às 09:05
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3 A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARGUMENTAÇÃO NO DIREITO

Como não poderia deixar de ser, já viemos tratando da argumentação ao falarmos um pouco da linguagem e da interpretação, tendo em vista que são temas totalmente imbricados. Deste modo, continuaremos falando da interpretação, porém com maior foco na argumentação, ou seja, no processo argumentativo, que pode ser destacado basicamente em dois contextos: da descoberta e da justificação. Quando se fala em argumentação, ela é normalmente associada à retórica, ao convencimento, à sua fase justificativa, esquecendo-se da sua função na própria descoberta, na decisão que encerra o processo interpretativo.

A importância dos argumentos para a solução dos problemas jurídicos é um imperativo que se torna claro a partir do que está sendo aqui apresentado. Quando se pensava que existia uma norma única que deveria ser aplicada ao caso concreto, a interpretação estava voltada unicamente para encontrá-la, como uma verdade inexorável. Ainda entendida como um método, que teria diferentes vertentes: literal ou gramatical, sistemático etc.; a interpretação seria utilizada para revelar a norma escondida (implícita) ou já manifesta (expressa) no texto.

Com a evolução nos estudos linguísticos, hermenêuticos e argumentativos, nota-se hoje que, em muitos casos, diferentes normas podem ser construídas. A despeito de existirem algumas situações menos complexas, nas quais os fatos e os dispositivos normativos não criam maiores problemas para o operador do direito, em grande parte dos casos concretos, diferentes construções aceitáveis são possíveis, o que nos permite perceber que a tarefa interpretativa do direito é muito mais engenhosa do que se pensava.

As normas jurídicas podem, então, ser construídas a partir de diferentes perspectivas, impulsionadas por fundamentos distintos, ou seja, diferentes argumentos podem ser empregados para a construção das normas jurídicas (contexto da descoberta) e, posteriormente, para a sua justificação (contexto da justificação).

Cabe aqui abrir parênteses para tratar de tema muito em voga, o do processo decisório do julgador. Ainda que boa parte dos autores defenda que os julgadores, primeiramente, decidem, para depois ir procurar no sistema o modo que irão justificar a sua decisão, entendemos que, em diversos casos, não é bem assim. Mesmo que assim o seja, não são, em nossa opinião, tais julgamentos comprometidos com a realização do sistema jurídico. O julgador deve buscar a resposta nos argumentos (válidos) que estão ao redor do caso a ser solucionado e tomar a decisão somente após a análise, a interrelação e o sopesamento dos argumentos.

Decidir em um sentido porque o texto é aparentemente claro revela a aplicação de um argumento linguístico. Decidir contrariamente à suposta clareza do texto, pois outro texto, de hierarquia superior, diz contrariamente, apesar de ser menos claro, revela a aplicação de um argumento sistemático. Quando tomamos posições cientificamente ou quando um juiz decide um caso concreto, estamos, a todo o momento, argumentando. Usamos os argumentos para tomar as nossas posições e depois os empregamos para justificá-las. Daí escolhermos, em regra, se quisermos obter êxito, a decisão que se embasa nos argumentos que serão mais facilmente aceitos pelos demais (pelo auditório receptor da argumentação).

Como ficou claro, partimos do pressuposto de que existem diferentes possibilidades normativas, mas é possível se falar em uma norma melhor que as demais? "Depende" seria a resposta mais adequada. Pergunta-se: melhor norma em que sentido? Qual seria a melhor norma? Se estivermos a falar da norma que melhor decida o caso concreto, a resposta é, peremptoriamente, "não"! O direito é objeto cultural, impregnado de questões valorativas, não sendo possível se determinar qual é a melhor decisão ou a pior.

Por outro lado, é possível se falar em decisões mais bem justificadas de acordo com o sistema jurídico e outras menos. É possível falar em decisões mais bem justificadas no sistema linguístico em jogo do que as outras. Como é possível perceber, a norma jurídica está muito mais relacionada aos argumentos e à retórica do que poderíamos antes imaginar. Em todo caso, é inegável que análises qualitativas como as que tratam da melhor norma, da mais adequada ao sistema etc. estarão sempre submetidas à subjetividade do operador do direito.

A teoria da argumentação jurídica não tem, portanto, a pretensão de devolver a certeza que antes se pensava existir no direito. Assumindo a impossibilidade de uma certeza total, a argumentação busca compreender como se formam as diferentes possibilidades normativas, facilitando ao operador do direito o afastamento daquelas que não respeitem algumas regras para a racionalidade da decisão. Estudar os argumentos permite-nos, por exemplo, saber quais aqueles podem e quais não podem ser utilizados para a tomada de decisão.

Especificamente no Direito Tributário, podemos destacar algumas características peculiares dos argumentos empregados para a tomada de decisões, designando algumas características deles, vislumbrando algumas relações e, quem sabe, conferindo-lhes algum peso em casos específicos. Entendemos que uma das partes mais importantes da teoria da argumentação é o estudo do catálogo de argumentos que dispõe o emissor de uma mensagem. Veremos, em seguida, um pouco sobre o catálogo de argumentos que o Direito Tributário utiliza para a solução das suas questões.

3.2 O CATÁLOGO DE ARGUMENTOS UTILIZADOS PARA A TOMADA DE DECISÕES NO DIREITO TRIBUTÁRIO

3.2.1 A importância do estudo dos argumentos

Quando se fala em decisões jurídicas e na sua justificação, surge logo uma dúvida: quais os argumentos possíveis para a justificação das decisões jurídicas? Um tema sempre em voga e que está intrinsecamente vinculado a esta pergunta é o da interpretação econômica do Direito Tributário. É possível tomar uma decisão jurídica valendo-se de aspectos econômicos? E a partir de argumentos políticos e sociológicos?

Muitos dos estudiosos da argumentação tentaram elaborar catálogos de argumentos [34], ou seja, relações de topoi que poderiam ser utilizados para o convencimento, para a justificação de algo. Esse catálogo sofre mudanças de acordo com a matéria que é objeto da argumentação. No caso da argumentação jurídica, a importância dos argumentos acompanha, evidentemente, as especificidades do objeto "direito".

Os argumentos, chamados de topoi [35], são o sustentáculo da construção das normas jurídicas. Em outras palavras, os argumentos regem o sopesamento das possibilidades interpretativas e a sua interrelação define a escolha pela solução que parecer mais adequada. Após a interpretação dos textos normativos e dos fatos, quando surgem as possibilidades de normas jurídicas a serem aplicadas a determinado caso concreto, a decisão por uma das opções se dará em face das relações de prevalência entre os argumentos em jogo.

Nota-se, portanto, a essencialidade do estudo dos argumentos jurídicos, os quais conferem maior objetividade (ou menor subjetividade) e rigor técnico para a construção das normas jurídicas. Este estudo, porém, a despeito de poder ser realizado em forma de teoria geral, deverá ser adequado a cada ramo do direito, pois cada qual possui as suas peculiaridades, o que leva a uma mudança, em certos casos, na importância e no interrelacionamento dos argumentos.

HUMBERTO ÁVILA traz uma classificação dos argumentos jurídicos que é interessante [36]. Ele não apenas cataloga os argumentos jurídicos, mas também trata da sua multidirecionalidade, da sua interrelação, tudo pensado para o objeto "direito". A partir da discussão acerca da imunidade dos livros eletrônicos, ele organiza os argumentos que podem ser empregados no direito, em forma classificatória, para facilitar o seu estudo e a sua utilização na prática.

Como o próprio autor lembra [37], uma classificação dos argumentos não pode ser totalmente rígida a ponto de criar óbices para outras espécies de topoi ou para outras relações entre os mesmos que possam vir a surgir de um caso concreto de maior complexidade, os chamados hard cases [38].

Outra observação que deve ser feita diz respeito à multiplicidade e à multidirecionalidade dos argumentos. O estudo da argumentação jurídica revela que a grande maioria das decisões judiciais tomadas por juízes brasileiros são justificadas insuficientemente, assim como a grande maioria das tomadas de posição por parte da doutrina. Os argumentos em jogo, quando da aplicação de uma norma jurídica a um caso difícil, podem ser inúmeros, assim como um mesmo argumento pode ter diferentes vieses que levam a diferentes conclusões. As soluções aceitáveis podem ser duas ou mais. Como então é possível decidir a partir de um único argumento?

Tanto o Poder Judiciário como a doutrina do direito têm pecado no que toca à argumentação. As decisões, sejam judiciais, sejam doutrinárias, precisam ser suficientemente justificadas, e não apenas fundamentadas [39], sob pena de perderem a sua força e se tornarem inconsistentes [40]. O maior número possível de argumentos deve ser examinado e sob os seus diferentes vieses. O primeiro erro clássico é buscar um argumento e, a partir dele, decidir, quando existem inúmeros outros argumentos favoráveis e contrários que estão em jogo. O segundo erro é não perceber que os argumentos não são unidirecionais, ou seja, muitas vezes um argumento que é empregado para sustentar uma decisão num sentido pode ser empregado para justificar outra decisão em sentido totalmente contrário.

Desse modo, para se ter uma justificação suficiente, é preciso muito mais do que decidir e se apoiar em um argumento. Faz-se necessário levantar todos os argumentos prós e contra, analisá-los com cuidado e, somente então, decidir. Se assim for feito, teremos decisões judiciais melhor justificadas, o que levará a uma evolução do seu próprio nível e permitirá uma maior ampla defesa, um maior debate por meio dos recursos. Do ponto de vista descritivo-doutrinário, o emprego da argumentação jurídica e a análise minuciosa dos argumentos permitirão uma melhora no nível das construções científicas, elevando o debate na doutrina jurídica brasileira, evitando, por exemplo, discussões intermináveis entre posições que defendem a mesma tese, porém parecem ser contrárias por falta de postura analítica (definição acurada dos termos lingüísticos) e argumentativa (justificação adequada).

3.2.2 Os argumentos, os seus pesos e as suas interrelações

Na concepção de HUMBERTO ÁVILA, é possível estabelecer um catálogo de argumentos, assim como conferir pesos a cada um deles, colocando-os em uma enumeração por grau de importância para a tomada de decisão no direito. Aos argumentos, podem ser atribuídos pesos tendo em vista o direito brasileiro, permitindo chegar a decisões jurídicas justificadas, com mais objetividade, e não somente explicadas, de modo subjetivo [41].

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O próprio autor, em seguida, afirma que os argumentos se interrelacionam e possuem distintas dimensões, de modo que somente os fatos poderão determinar aqueles argumentos que pesarão mais. Concordamos com esta última colocação. Apesar de ser instigante enumerar os argumentos por peso e, apesar de ser até possível utilizar argumentos razoáveis para situar uns à frente dos outros no plano abstrato, apenas perante as circunstâncias do caso concreto, apenas frente ao problema é que se terá uma resposta acerca da relevância de cada topoi. Isto porque, a depender do caso que deve ser decidido, o contexto histórico-social pode assumir um caráter central e determinar que a interpretação sistemática se dê de um modo não tão esperado. Ou, ainda, uma circunstância específica do fato a ser regulado pode exigir uma norma determinada, e não aquela comumente aplicável aos casos semelhantes.

HUMBERTO ÁVILA situa os argumentos sistemáticos e os linguísticos como os mais fortes, pois são imanentes ao ordenamento jurídico. Os históricos, os genéticos e os práticos, estes últimos chamados pelo referido autor de não-institucionais, teriam menor força, seguindo esta ordem decrescente. No entanto, como viemos defendendo, as práticas culturais da sociedade (argumentos históricos), os valores que determinaram a criação de um texto normativo (argumentos genéticos) e as circunstâncias do caso concreto (argumentos práticos) ingressam na fórmula para a construção da norma jurídica. Até que ponto então eles seriam mais fracos do que os demais? Há casos em que, apesar de haver um forte argumento lingüístico, há uma circunstância prática que exige a opção por determinada norma jurídica.

Por mais que se tente afastar os argumentos práticos das decisões jurídicas, tendo em vista que abrem espaço a uma maior subjetividade do intérprete, é para os fatos que a norma se voltará. Negar a sua influência sobre ela nos parece um retrocesso aos estudos que vem realizando o pós-positivismo, encabeçado por HESSE [42], HÄBERLE [43] e MÜLLER [44]. Por evidente, o argumento prático terá que encontrar respaldo nos argumentos lingüísticos, ou não poderá ser utilizado, tendo em vista que a norma jurídica deflui de uma conjugação dialética entre os textos normativos e os fatos, ou os relatos dos fatos.

Os valores envolvidos nas discussões jurídicas têm papel essencial para a sua solução. Em caso de conflitos entre normas, deve prevalecer aquela que tem maior peso valorativo, ou seja, que realiza valores de maior importância. Os argumentos genéticos baseiam-se exatamente nos valores que justificaram a elaboração de determinado texto normativo. Verifica-se o que o legislador, representante da sociedade, buscava realizar com a lei que foi elaborada, quais os valores que pretendia ver protegidos e procura-se realizar uma projeção para a realidade atual e para os fatos em discussão, analisando se os fins que levaram à edição do ato normativo condizem com o momento presente. A mudança dos costumes, por exemplo, pode levar à mudança de interpretação, assim como as necessidades da sociedade podem ser outras.

A relevância dos argumentos genéticos [45] não pode, por conseguinte, ser descartada [46]. Aliás, estes argumentos estão imbricados aos próprios argumentos teleológicos [47], que são uma espécie de argumento sistemático, o que impede a colocação a priori do argumento genético como um topoi inferior ao argumento sistemático.

Os argumentos históricos decorrem das evoluções históricas ocorridas e buscam demonstrar que um enunciado prescritivo que tinha uma interpretação não pode mais tê-la em face das mudanças ocorridas ao longo do tempo. É fundamental que a norma corresponda ao contexto histórico ao qual será aplicada, o que confere importância aos argumentos históricos.

A sua relação com os demais argumentos é também indiscutível. As evoluções históricas se dão no plano fático, o que leva a crer que os argumentos históricos refletem os argumentos práticos. Aqueles advêm das mudanças ocorridas na realidade social, na realidade prática. A razão do argumento é exatamente a demonstração de mudanças nas práticas sociais. Aliás, o argumento histórico também demonstra que o legislador elaborou o texto normativo frente a um contexto determinado, porém as mudanças fáticas não mais suportam a aplicação da norma que imaginou o legislador que seria construída a partir do texto por ele criado. Deste modo, a interrelação entre argumentos históricos e genéticos é total.

Os argumentos sistemáticos são importantes sem dúvida, uma vez que o direito é um sistema e deve ser conhecido em sua unicidade. Eles envolvem os argumentos teleológicos [48], pois os valores são determinados pelo próprio sistema e somente é possível apreciar os valores subjacentes a uma norma após construí-la sistematicamente. Os argumentos sistemáticos também envolvem os jurisprudenciais, uma vez que a jurisprudência dá a última "palavra normativa" e seus arestos, suas súmulas, são utilizados como base para a construção das normas jurídicas também.

Por outro lado, apesar da importância dos argumentos sistemáticos, deve-se notar que o sistema é um conjunto de normas jurídicas. O argumento sistemático surge após um primeiro esforço interpretativo, ou seja, os próprios argumentos sistemáticos advêm da já referida dialética entre textos e fatos, o que mostra que, em verdade, todos os argumentos estão imbricados e o seu maior peso apenas pode ser verificado no momento da justificação, com fundamentos razoáveis que busquem satisfazer as necessidades da sociedade, este sim o fim do direito, que pode guiá-lo. Mas ainda ficamos com o problema de saber qual a decisão que melhor satisfaz aos anseios da sociedade em cada caso.

Não há como se afirmar objetivamente o que mais satisfaz à sociedade, representando a decisão mais justa, até porque, nos casos mais difíceis, podem surgir vontades diversas apontando para decisões diferentes. O que pode ser feito é proporcionar, cada vez mais, uma participação efetiva desta sociedade nas decisões jurídicas.

Enfim, há caminhos que podem ser traçados para guiar o operador do direito a soluções que sejam de grande razoabilidade e próximas do que a maior parte da sociedade deseja. Decidir de forma totalmente objetiva, no entanto, é algo impossível. Isto parece estar claro. Não se pode mais afirmar que há sempre uma solução mais adequada [49]. O direito busca agora estudar meios para que se chegue o mais próximo possível de decisões que revelem as ideologias prevalecentes na sociedade, que permitam uma melhor convivência, maior igualdade, dignidade etc., além de buscar controlar as decisões daqueles que ainda insistem, por desconhecimento ou por má vontade, em deixar de utilizar a argumentação jurídica como norte para a justificação das suas tomadas de posição.

3.3 O CATÁLOGO DE ARGUMENTOS UTILIZADOS PARA A TOMADA DE DECISÕES NO DIREITO TRIBUTÁRIO

3.3.1 Argumentos sistemático-teleológicos

A partir da análise da imunidade dos livros eletrônicos sob o ângulo da argumentação jurídica, perpetrada por HUMBERTO ÁVILA, é possível desenvolver algumas ideias no que toca especificamente ao Direito Tributário. Apesar de informações óbvias, nunca é demais repeti-las, pois, no momento de colocar a teoria em prática, elas são realmente, muitas vezes, esquecidas. Falamos da importância das normas constitucionais no Direito Tributário. Aliás, qualquer sub-ramo do direito está determinado pelas normas constitucionais a ele afetas. No caso do Direito Tributário, destaca-se o longo caminho percorrido pelo constituinte originário e reformador, que redigiu inúmeros dispositivos constitucionais, os quais permitem a construção de uma infinidade de normas constitucionais tributárias.

Não é surpresa, então, que a maioria dos argumentos sistemáticos tributários decorra da aplicação de normas constitucionais. Praticamente toda discussão tributária resvala necessariamente na CF/88, uma vez que tocará no direito fundamental de propriedade ou no direito fundamental de liberdade, colocando-os frente ao poder estatal de tributar, também concedido pela Constituição.

De início, entendemos que os direitos fundamentais têm uma maior carga axiológica do que os demais direitos e, sobretudo, do que os poderes estatais [50]. Seriam necessárias muitas páginas para tratar a fundo do tema. Em linhas gerais, os direitos chamados fundamentais não são assim denominados à toa; o próprio sistema jurídico demonstra isso quando considera cláusulas pétreas aqueles dispositivos que os veiculam e diz que eles devem ter máxima aplicabilidade etc. [51] Nesta linha de pensamento, os direitos fundamentais geram um maior ônus argumentativo para a sua limitação, exigindo argumentos robustos, mais contundentes do que o normal, para que possam ser "vencidos", como afirma ROBERT ALEXY [52].

HUMBERTO ÁVILA sustenta que o direito à igualdade, por exemplo, exige um maior ônus argumentativo para a sua limitação [53]. Não se pode dizer que ele prevalecerá sempre sobre os demais direitos ou sobre os poderes estatais, mas serão necessários argumentos muito fortes para que ele ceda espaço. A despeito de ser possível estabelecer uma espécie de hierarquia, em abstrato, dos próprios direitos fundamentais, parece-me evidente que todos eles têm essa aptidão de possuir maior carga axiológica do que os demais direitos e do que os poderes estatais [54].

Os direitos fundamentais são o âmago protetivo da pessoa humana, do cidadão. Estão ali os direitos básicos à sobrevivência do homem no mundo, devendo receber uma atenção especial, mesmo que se saiba que eles poderão e deverão, de qualquer modo, sofrer limitações.

Fechando esses parênteses sobre os direitos fundamentais, o fato é que o Direito Tributário é puro Direito Constitucional e, a partir deste último, ele deve ser construído. Os julgamentos do STF, por exemplo, que se eximem de analisar uma questão tributária sob a alegação de que a matéria constitucional estaria tocada por via reflexa, são, com o devido respeito, uma imensa afronta aos direitos do cidadão. É lá na CF/88 que estão encartados os direitos fundamentais do cidadão-contribuinte, com todas as suas garantias. Quando o STF deixa de analisar uma discussão tributária, está impossibilitando que essa seja vista sob o ângulo dos direitos fundamentais, com aplicação das limitações constitucionais do poder de tributar etc.

3.3.2 Argumentos sistemático-jurisprudenciais

O STF, acertadamente, vem seguindo uma linha protetiva dos direitos fundamentais em diversos julgamentos. Por repetidas vezes, o Egrégio Tribunal deixa clara a necessidade de limitar o poder estatal, evitando os seus naturais excessos. Mesmo em julgamentos de questões tributárias, o STF já se manifestou num sentido de conter a atuação estatal. Ocorre, entretanto, que esta linha não é mantida. Uma vez que o próprio tribunal reconhece a importância de uma efetivação dos direitos fundamentais, o tratamento conferido ao cidadão deve ser, em regra, o de proteção, de cuidado, o que não é observado com muita frequência.

A CF/88 indica uma necessidade de proteção dos direitos fundamentais; a doutrina estrangeira e nacional também segue este sentido; por fim, a própria jurisprudência do STF, tribunal constitucional do país, dá indícios de seguir uma linha de limitação do poder estatal como uma regra. As circunstâncias parecem convergir para uma aceitação do in dubio pro contribuinte enquanto um argumento constitucional, que impõe o aumento do ônus argumentativo para as decisões contrárias aos direitos fundamentais dos contribuintes.

Se não há normas prontas ou mesmo consideradas corretas, sabemos quais as normas que devem ser aplicadas em determinados casos concretos ou em certos gêneros de casos. A jurisprudência é que determina aquilo que é ou não é normativamente. Uma vez assentada a inconstitucionalidade, em controle abstrato, de uma norma pelo STF, o único modo de ver outra norma aplicada é fazendo o próprio tribunal modificar o seu entendimento.

Essas e muitas outras considerações podem ser realizadas num sentido de aclarar o processo que determina a construção de uma norma tributária por meio dos argumentos que estão em jogo. Pelo objetivo que tem este trabalho, não nos alongaremos no tratamento de cada espécie de argumentos, deixando essa tarefa para outra oportunidade. O importante é deixar clara a vinculação entre linguagem, interpretação e argumentação, propondo uma maior intersecção entre os temas e, sobretudo, um crescimento de interesse pelo estudo dos argumentos jurídicos.

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Sobre o autor
Marcos de Aguiar Villas-Bôas

Doutorando em Direito pela USP, Doutorando em Direito pela PUC, Mestre em Direito pela UFBA, Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET, Pós-graduado em Processo Civil pelo Juspodivm/Faculdades Jorge Amado, Professor da Escola Superior de Direito - ESAD (OAB/BA), Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VILLAS-BÔAS, Marcos Aguiar. Linguagem e argumentação: a sua importância para a interpretação no Direito Tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2811, 13 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18681. Acesso em: 25 abr. 2024.

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