5 DIREITO DE ARREPENDIMENTO NO COMÉRCIO ELETRONICO
O artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor assim disciplina o direito de arrependimento do consumidor:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Assim, Rogério Montai de Lima [28] esclarece que o direito de arrependimento é permitido pelo Código de Defesa do Consumidor em razão de que as práticas comerciais realizadas fora do estabelecimento do fornecedor são mais agressivas, o que conseqüentemente torna o consumidor mais vulnerável. Destaca, além disso, que o direito de arrependimento consiste na possibilidade de o consumidor desfazer o negócio jurídico sem que seja obrigado a dar qualquer justificativa ao fornecedor.
Em relação ao direito de arrependimento no comércio eletrônico, a doutrina é unânime quanto à aplicabilidade do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, assistindo ao consumidor eletrônico, portanto, o direito a arrepender-se no prazo de sete dias.
Sérgio Cavalieri Filho [29] destaca que "as razões que justificam esse entendimento são as mesmas das contratações feitas por telefone, fax, porta a porta, etc. O consumidor, nessas condições, possui menor possibilidade de avaliar o que esta contratando".
Neste sentido, Rogério Montai de Lima [30] esclarece:
Pode-se, ainda, enfatizar o perigo que corre o usuário na compra realizada por meio da rede mundial de computadores, que com suas propagandas bem elaboradas, em belos sites e de grande poder de convencimento pode levar o usuário a efetivar uma compra desnecessária, não programada, por absoluto impulso.
Somando-se a isto ao desconhecimento do produto, de sua qualidade ou defeito, porque ele estará venda, na melhor das hipóteses, somente especificações técnicas o que, para um leigo, não trará segurança, nem a certeza da escolha certa e, somente após ter o produto em mãos é que vai se dar por conta do que verdadeiramente comprou, e só dessa forma saberá se escolheu certo, se serviu às suas necessidades, ou não
.Cláudia Lima Marques [31] destaca que "segundo a Consumers international somente 53% dos sites possuem alguma política de devolução dos produtos e apenas 32% destes, alguma informação para o consumidor sobre como exercitar este direito".
Ainda segundo a autora, existem dois grandes problemas em relação ao arrependimento do consumidor quando se trata de contrato eletrônico: o primeiro se refere à prova de que exerceu o direito e o segundo refere-se ao início da contagem do prazo.
No primeiro caso, a autora esclarece que jurisprudência tem aceitado utilização de qualquer meio de prova para provar o exercício do direito de arrependimento – ligação telefônica, envio de e-mail, etc - e também têm procedido à inversão do ônus da prova, beneficiando o consumidor.
Em relação ao início da contagem do prazo Jean Carlos Dias [32] destaca que este pode ser contado a partir do dia em que ocorrer assinatura eletrônica ou certificação eletrônica da consumação do contrato e, não havendo assinatura eletrônica, a partir da confirmação por e-mail efetuando a concordância com a oferta ou pedido de fornecimento do bem ou serviço.
Por outro lado, a doutrina entende que o prazo pode ser contado a partir do recebimento do produto ou serviço, o qual evidentemente é mais favorável ao consumidor.
6 REGULAMENTAÇÃO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NA UNIÃO EUROPÉIA E NA AMÉRICA LATINA
Segundo Rogério Montai de Lima [33], com o avanço da tecnologia e da globalização, vislumbrou-se a necessidade de regulamentação do novo direito, o chamado Direito Eletrônico.
Dentro deste contexto os países da União Européia, visando à harmonização também no comércio eletrônico, iniciaram a atividade legislativa no âmbito do comércio eletrônico, tornando-se precursores no processo de adaptação do direito à realidade do Direito Eletrônico.
Rogério Montai de Lima [34] destaca as seguintes medidas adotadas na União Européia:
I – Diretiva sobre Base de Dados Eletrônicos (96/9/CE);
II - Diretiva sobre Proteção de Dados Pessoais (95/46/CE);
III - Diretiva sobre Contratos Celebrados à Distância (97/7/CE);
IV - Diretiva sobre Serviços de Telecomunicações (97/13/CE);
V- Diretiva sobre Privacidade nas Telecomunicações (97/66/CE);
VI - Diretiva sobre Transparência Regulamentar (98/34/CE e 48/CE);
VII - Diretiva sobre Serviços de Acesso Condicional (98/84/CE);
VIII - Diretiva sobre Assinaturas Eletrônicas (1999/93/CE);
Com efeito, Cláudia Lima Marques [35] esclarece que a União Européia sempre teve a preocupação de manter a segurança e a adequação do mercado para o consumidor, tendo em vista que utiliza de uma política de proteção que visa atendê-lo da melhor forma possível e destaca como principais Diretivas da União Européia:
[...] as diretivas sobre cláusulas abusivas (Diretiva 93/13/CEE) e sobre as garantias (Diretiva 1999/44/CE), assim como a sobre os contratos negociados fora do estabelecimento comercial (Diretiva 85/577/CEE) e à distância (Diretiva 97/7/CE), a diretiva sobre tratamento de dados pessoais e proteção da privacidade (Diretiva 95/46/CE e 97/66/CE), bem como as novas diretivas sobre assinatura eletrônica (Diretiva 1999/93/CE) e a diretiva específica comércio eletrônico (Diretiva 2000/31/CE), aprovada em 17.07.2000.
Na América Latina algumas leis já foram criadas para disciplinar sobre documentos eletrônicos e assinatura digital. Na Argentina, por exemplo, a regulamentação acerca da assinatura digital iniciou no âmbito governamental, mas existe um projeto de lei que visa regulamentar a assinatura digital na esfera privada. [36]
Rogério Montai de Lima [37] esclarece que:
O Uruguai, o marco para a validade do documento eletrônico foi a promulgação da Lei nº 16.002, de 25 de novembro de 1988, posteriormente alterada pela Lei nº 16.736, de 5 de janeiro de 1996, universalizando a origem e o destino do documento eletrônico, para fins de reconhecimento legal, que antes tinha seu reconhecimento limitado as correspondências entre órgãos governamentais.
6.1 A LEI MODELO DA UNCITRAL
A UNCITRAL (United Nations Comission on International Trade Law) empenhou-se em elaborar normas que visam amenizar os problemas das relações jurídicas estabelecidas na internet [38] e, em virtude disso elaborou uma Lei Modelo em 1996.
A Lei Modelo destina-se às relações resultantes de intercâmbio eletrônico de dados (EDI) e inclui, portanto, desde as formas menos avançadas de comunicação como o fax, por exemplo, até o comércio eletrônico. Assim, tem-se que a lei não exclui nenhuma técnica de comunicação do seu âmbito de aplicação. [39]
No que tange aos objetivos da referida lei, Armando Alvares Garcia Júnior [40] ressalta:
A finalidade da Lei Modelo é a de oferecer ao legislador nacional um conjunto de regras aceitáveis no âmbito internacional que lhe permitam eliminar alguns desses obstáculos jurídicos com vistas a criar um marco jurídico que permita um desenvolvimento mais seguro das vias eletrônicas de negociação designadas pelo nome de "comércio eletrônico".
O autor ainda esclarece que os princípios da Lei ajudam a encontrar soluções para superar os obstáculos jurídicos do comércio eletrônico, decorrentes das incertezas acerca da natureza jurídica e da validade das informações empregadas no meio eletrônico.
Armando Alvares Garcia Júnior [41] entende, por outro lado, que a lei não serve para regular todos os aspectos do comércio eletrônico, por isso trata-se de uma lei dotada de inegável flexibilidade.
Destarte, embora a lei possibilite a exclusão de algumas matérias do seu âmbito de aplicação, acredita-se que os objetivos da lei são mais bem alcançados quanto maior for sua aplicação, pois se trata de uma lei equilibrada e bem definida. Por isso, recomenda-se a sua incorporação por completo no direito interno.
7 PROPOSTAS LEGISLATIVAS NO AMBITO DO COMÉRCIO ELETRONICO
Rogério Montai de Lima [42] destaca os seguintes Projetos de Lei sobre o comércio eletrônico em trâmite no Congresso Nacional: Projeto de Lei nº 4906/2001, Projeto de Lei nº 1589/1999 e o Projeto de Lei nº 1483/99.
O Projeto de Lei nº 4906/2001, de iniciativa do Senador Lúcio Alcântara, dispõe sobre o comércio eletrônico, fornecendo definição legal para o comércio eletrônico e sua regulamentação.
A definição do momento da aceitação da oferta, a forma de manifestação das partes, a previsão de proteção do consumidor, a previsão da resolução dos problemas atinentes ao contrato ser feita através da internet e a responsabilidade dos provedores de acesso são alguns aspectos importantes tratados no referido Projeto.
No que tange às informações privadas do consumidor, o projeto prevê que os fornecedores deverão solicitar apenas as informações necessárias à concretização do negócio jurídico, bem como prevê a responsabilidade civil e penal em caso de divulgação ou cessão das informações privadas do consumidor.
Quanto à segurança do contrato, o projeto prevê a completa identificação do fornecedor (endereço físico, etc), instruções precisas sobre o direito de arrependimento, informações acerca do armazenamento do contrato pelo ofertante, além dos meios empregados para a segurança da operação, etc.
Em relação à responsabilidade dos provedores de acesso, determina que estes não devem tomar conhecimento do conteúdo por eles transmitidos, nem podem cedê-los, salvo por determinação judicial e, em caso de descumprimento, prevê a responsabilização civil e penal do provedor.
No entanto, apesar da iniciativa, o último andamento do projeto é de 26 de agosto de 2002, da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, com o despacho "apense-se a este o PL 7093/2002".
O Projeto de Lei nº 1589/1999 que dispõe sobre o comércio eletrônico, a validade jurídica do documento eletrônico e sobre assinatura digital foi apensado ao PL 1483/1999, de iniciativa do Deputado Dr. Hélio de Oliveira Castro, cujo anteprojeto foi elaborado pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de São Paulo, o qual foi apensado ao PL 4906/2001. [43]
Por fim, em pesquisa ao sítio da Câmara dos Deputados verifica-se a existência de diversos Projetos de Lei relativos ao comércio eletrônico, os quais prevêem, em suma, a obrigatoriedade do fornecedor que oferece produtos ou serviços pela internet disponibilizar em seu sítio meio para o consumidor cancelar sua aquisição (PL 717/2007), a inserção de "artigo à Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para obrigar os fornecedores que ofertam ou comercializam produtos ou serviços pela rede mundial de computadores a informarem seu endereço para fins de citação, bem como o número de telefone e endereço eletrônico utilizáveis para atendimento de reclamações de consumidores" (PL 979/2007), prevê a obrigatoriedade das pessoas jurídicas que comercializem produtos ou serviços pela internet de informar seu número no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ, e o endereço e o telefone de suas instalações físicas (PL 7459/2010). [44]
CONCLUSÃO
A revolução tecnológica ocasionada pelo advento da internet e pela expansão da contratação eletrônica trouxe inúmeros benefícios à sociedade. Se, por um lado, o fornecedor tem diminuído os custos da sua atividade econômica através da oferta de seus produtos e serviços nas chamadas lojas virtuais, por outro, o consumidor encontra a comodidade de contratar sem a necessidade de sair de casa, através de apenas um clique.
No entanto, no que tange ao consumidor – sujeito mais fraco na relação jurídica de consumo –, a contratação eletrônica também traz diversos desafios e desvantagens, os quais levam ao questionamento acerca da efetividade da sua proteção no comércio eletrônico e a consequente desconfiança no meio virtual.
Questão relevante no comércio eletrônico é a vulnerabilidade acentuada do consumidor. Com efeito, a doutrina entende que a maior vulnerabilidade do consumidor neste meio ocorre, principalmente, em razão da falta de conhecimento técnico acerca do meio eletrônico.
No que tange ao contrato eletrônico, trata-se de modalidade de contrato à distância realizado entre ausentes. Por isso, considera-se um contrato capaz de gerar os mesmos efeitos jurídicos que os contratos tradicionais, diferindo destes apenas em relação à forma como é materializado e ao modo de disponibilização dos produtos e serviços pelo fornecedor.
Entretanto, embora os contratos eletrônicos tenham inegável eficácia jurídica, estão propensos a acarretar inúmeras dificuldades ao consumidor.
Diante disso, surge o questionamento acerca da viabilidade de regulamentação específica do comércio eletrônico no Brasil, que vise propiciar maior proteção do consumidor no comércio eletrônico.
Constata-se, que a regulamentação do comércio eletrônico no direito internacional é uma realidade, visto que foram criados diversos mecanismos que objetivam a proteção do consumidor no ambiente virtual. Destacam-se, entre eles, as Diretivas da União Européia e a Lei Modelo da UNCITRAL, a qual vem sendo utilizada como parâmetro para a normatização do comércio eletrônico em diversos países, inclusive no Brasil.
No Brasil a doutrina majoritária assegura que somente a regulamentação do comércio eletrônico é medida capaz de trazer maior segurança jurídica neste tipo de contratação e, ainda, maior confiança do consumidor.
Pode-se concluir, portanto, que a contratação eletrônica é uma realidade no Brasil e, se a sociedade passa por transformações, cumpre ao Direito - mecanismo apto a regular a vida em sociedade - adaptar-se a esta nova realidade, a fim de que se atinja a efetividade da proteção do consumidor no comércio eletrônico.