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A incidência da multa do art. 475-J do Código de Processo Civil na execução provisória de título judicial.

Panorama atual e perspectivas diante do anteprojeto do novo Código de Processo Civil

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28/03/2011 às 14:16
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2.4. Possibilidade da incidência da multa do 475-J, CPC, na execução provisória de sentença.

Compreendendo as reformas processuais como um movimento de transformação do processo em um instrumento efetivo de solução de controvérsias e pacificação social, há que se reconhecer suas formas de imprimir celeridade ao processo e estimular o cumprimento das decisões, sendo certo que a multa do art. 475-J, CPC é um desses mecanismos.

Através dela o julgador não apenas condena, mas ordena que a obrigação seja cumprida, sob pena de incidência da multa de 10% sobre o valor da condenação.

Assim, nas sentenças definitivas, o início do prazo de quinze dias, em que pese os diversos entendimentos existentes, deverá ser contado, mais acertadamente, consoante o art. 475-B, segundo o qual: "Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo." de modo a configurar a ciência inequívoca do exato valor devido, respeitando as garantias do devido processo legal.

Caracteriza ainda, a posição que melhor tutela os interesses das partes e resolve questões de ordem prática, tal como aquele que envolve baixa de autos do tribunal, por exemplo. Assim, quando ciente do valor devido, incluindo-se custas, juros, atualizações e honorários, cabe ao devedor pagar em quinze dias ou assumir as conseqüências dos atos executórios e do acréscimo de 10% do valor devido.

Na execução provisória, como já esboçado alhures, a lei determina a observância dos mesmos mecanismos voltados a efetivar a execução definitiva, razão pela qual a busca por celeridade e efetividade deverá permear ambas.

Dessa forma, ao ser intimado da sentença e uma vez interposto o recurso sem efeito suspensivo, o réu somente deverá ser compelido a pagar sob pena de multa, quando o credor, no requerimento de cumprimento de sentença, apresentar o quantum debeatur a ser pago, oportunidade em que, caso queira, poderá nos moldes do art. 475-O, já requerer subsidiariamente a execução provisória.

Não havendo o pagamento no prazo, a incidência da multa é automática. Se, posteriormente, o devedor pagar o valor da obrigação e depositar a quantia referente a multa, o levantamento desta, só poderá ser autorizado após o trânsito em julgado da decisão final. Isso porque, ao credor interessa a efetivação do seu direito originariamente reconhecido na sentença, onde não se inclui a multa, cujo objetivo é de ser o meio de coação e punição do devedor inadimplente. Por isso, o levantamento da multa só deve ser permitido ao credor após o reconhecimento, em definitivo, de que não haverá reversão da condenação.

Como já afirmado, forçoso concluir que a multa do art. 475-J, CPC, prima, acima de tudo, pela efetividade do processo, visando o imediato cumprimento da sentença condenatória, de modo a satisfazer o direito do credor e desonerar o judiciário, deve ela ser aplicada também nas execuções provisórias, já que, reflete fielmente o fim perquirido com todas as recentes reformas ocorridas no Código de Processo Civil.

Nesse sentido, defende o Ministro Humberto Barros, Relator do REsp. 940.274 - MS (2007/0077946-1):

A necessidade de dar uma resposta rápida e efetiva aos interesses do credor não se sobrepõe ao imperativo de garantir ao devedor o devido processo legal.

No entanto, o devido processo legal visa ao cumprimento exato das normas procedimentais. O vencido deve ser executado de acordo com o que prevê o Código. Assim como não é lícito subtrair-lhe garantias, é defeso aditá-las além do que concedeu o legislador em detrimento do devedor. (BRASIL, 2010).

Por isso, desmerece a vinculação da aplicação da multa somente aos casos em que tenha havido o trânsito em julgado da decisão, uma vez que a lei não criou tal restrição e, assim, não pode ser inventada pelo intérprete/julgador. Assim, não havendo vedação à sua utilização, deve-se interpretar pelo seu cabimento, exatamente como ocorre nas sentenças sujeitas à execução definitiva.

Esse entendimento também se verifica na análise da questão pelo Ministro Humberto Barros, que segue explicitando que:

A multa nada tem com o trânsito em julgado. Sua exigência resulta simplesmente da exigibilidade do título gerado pela sentença tanto por efeito da coisa julgada, quanto da submissão a recurso sem efeito suspensivo (Cf. Luiz Fux. A Reforma do Processo Civil - Ed. Impetus, 2006, pp. 122 e ss.)

Em suma: a penalidade incide a partir do momento em que a sentença pode ser executada – definitiva ou provisoriamente.

Como afirmou a Terceira Turma (REsp 954.859, de minha relatoria), a incidência da multa resulta do trânsito em julgado da sentença. Decorre, também, da submissão de julgado a recurso apenas devolutivo. (BRASIL, 2010).

Compactuando de igual entendimento, Marinoni e Arenhart (2007, pg. 236-237) explicam que:

a multa — não obstante tenha natureza punitiva — tem a finalidade de imprimir efetividade à condenação. Cair no equívoco de admitir que a multa somente pode incidir depois do trânsito em julgado implica em ignorar o fato de que ela também objetiva dar efetividade à sentença condenatória e que essa pode produzir efeitos antes da formação da coisa julgada material. Na realidade, querer que a multa incida apenas depois do trânsito em julgado revela a velha e confusa subordinação do efeito sentencial à coisa julgada material ou, em termos mais claros, a falta de percepção de que o efeito da sentença é independente da coisa julgada material.

Assim, uma vez que o valor da multa não integra o valor contido na condenação, havendo o levantamento

Ressalta-se quando a sentença não foi suspensa pela interposição de recurso, seus efeitos estão plenamente vigentes, sendo que o descumprimento de comando sentencial reflete fielmente a falta de credibilidade do Poder Judiciário e de seus pronunciamentos. Por isso, o judiciário deve ser rigoroso na exigência de observância de seus comandos, valendo-se da multa, legalmente prevista, para estimular o pronto cumprimento da decisão judicial.


2.5. Perspectivas do tema diante do anteprojeto do novo Código de Processo Civil

O anteprojeto do novo Código de Processo Civil, já encaminhado para votação, altera os dispositivos, ora em análise, e disciplina a matéria de maneira mais clara. As alterações delimitam o cabimento da multa do atual art. 475-J apenas às obrigações de pagar quantia certa reconhecidas em sentença ou decisão de liquidação transitada em julgado. A redação do caput do art. 475-J, CPC, no anteprojeto do novo Código sob o art. 495, passou a ser a seguinte:

Art. 495. Na ação de cumprimento de obrigação de pagar quantia, transitada em julgado a sentença ou a decisão que julgar a liquidação, o credor apresentará demonstrativo de cálculo discriminado e atualizado do débito, do qual será intimado o executado para pagamento no prazo de quinze dias, sob pena de multa de dez por cento.

Pela nova disposição, restaria solucionada a divergência quanto a aplicabilidade ou não da multa nas execuções provisórias. Vislumbra-se, portanto, o intento do legislador ordinário em definir que serão suscetíveis de coerção e punição em 10% do valor da obrigação, tão somente aqueles definitivamente condenados.

Ademais, o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, em seu art. 491, disciplina a execução provisória nos seguintes termos: "A execução da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo sujeita-se ao seguinte regime:" (incisos I, II e III), aboliu-se, portanto, a expressão contida no art. 475-O, CPC, segundo o qual "A execução provisória far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva".

Assim, não paira qualquer dúvida de que caso seja aprovado, o anteprojeto do novo Código de Processo Civil solucionada estará a questão, fazendo despiscienda, portanto, qualquer nova explanação acerca do tema.


3. CONCLUSÃO

Pelo todo exposto, em que pese a grande controvérsia sobre o tema, conclui-se que, no atual Código de Processo Civil, inegável se afigura o cabimento da multa do art. 475-J às sentenças sujeitas a execução provisória, pelos seguintes motivos:

a) As reformas introduzidas no Código de Processo Civil têm por escopo imprimir maior efetividade e celeridade ao processo, principalmente no que tange à satisfação do direito reconhecido por sentença. Nesse diapasão, a imposição da multa do art. 475-J busca, primordialmente, obter o cumprimento da decisão judicial coagindo o devedor a cumprir sua obrigação, sem a necessidade de processo de execução;

b) A execução das condenações passíveis de recurso sem efeito suspensivo, igualmente carecem de maior efetividade, e, por isso mesmo, devem observar a mesma sistemática empregada nas condenações definitivas, como determina o art. 475-O do CPC. Isso porque, não se pode esquecer: a sentença condenatória, cujos efeitos não foram suspensos pela interposição de recurso, está em plena eficácia, comando judicial este que deve ser observado pelo condenado;

c) Ante a interposição de recurso desprovido de efeito suspensivo, será necessária a manifesta vontade do credor em requerer o cumprimento da sentença, apresentando a memória atualizada de cálculos (art. 475-B, CPC). Nesta oportunidade, cabível o requerimento de que, em não sendo cumprida espontaneamente, em quinze dias, a obrigação, seja aplicada a multa de 10% e, nos termos do art. 475-O, CPC, se proceda à expedição de mandado de penhora e avaliação de bens

d) Assim, somente quando da intimação do devedor, através de seu procurador, é que se dará início a contagem dos quinze dias para pagamento sob pena da previsão de multa pelo descumprimento da sentença. Ressalta-se que ocorrência do pagamento como determinado no comando sentencial não se incompatibiliza com a interposição do recurso. Caracteriza atitude que preserva a quantia determinada na condenação, impedindo acréscimos de custas inerentes à fase executiva;

e) Uma vez depositado o valor da obrigação e havendo reversão do provimento, o recorrido deverá devolver todos os valores pagos ao recorrente. Já o valor da multa, considerando seu caráter punitivo, uma vez depositado, somente poderá ser levantado, após o trânsito em julgado da decisão final.

Todo esse entendimento, não pretende, simplesmente, defender a aplicação da multa ou a penalização de qualquer das partes, mas, antes disso, a aplicação da lei. Portanto, buscou-se analisar de maneira imparcial o que realmente se pode extrair sistematicamente das disposições processuais, de modo a concluir que a multa é cabível nas execuções provisórias e que aos magistrados não é lícito legislar e criar exigências que a lei não criou.

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Porém, uma vez aprovado o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, a questão se submeterá a disciplina diversa, o que altera por completo o entendimento aqui defendido. Desta forma, somente quando exigido por lei o trânsito em julgado da decisão para a incidência da multa do art. 475-J, CPC, legitimados estarão os tribunais a afastarem sua aplicabilidade nas execuções provisórias.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, Araken de. Cumprimento da Sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.100.658-SP (2008/0236605-3), Relator Ministro Humberto Martins, Diário da Justiça em 21/05/2009. Disponível em: http://www.stj.gov.br/webstj/processo/justica/detalhe.asp?numreg=200802366053&pv=000000000000. Acesso em: 06/08/2010.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 940274274 - MS (2007/0077946-1) Relator Ministro Humberto Barros, Diario da Justiça em 31/05/2010. Disponível em: http://www.stj.gov.br/webstj/processo/justica/detalhe.asp?numreg=200700779461&pv=000000000000. Acesso em 06/08/2010.

BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil. Vol. I. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

DINAMARCO, Candido Rangel. A reforma da reforma. 5 ed. ver. atual. São Paulo: Malheiros, 2003.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 25 ed. ver. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

MARINONI, Luiz Guilherme & ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. V. III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Ainda o problema da classificação quinaria das tutelas jurisdicionais. In. JAYME, Fernando Gonzaga.; FARIA, Juliana Cordeiro de.; LAUAR, Maria Terra.(Coord.); Processo civil novas tendências. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 9, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito processual Civil. Vol. II, 45ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

WAMBIER, Luiz Rodrigues, Sentença Civil: Liquidação e Cumprimento. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.


Notas

01 PROCESSUAL CIVIL – MULTA DO ART. 475-J DO CPC – INCIDÊNCIA NA EXECUÇÃOPROVISÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – INCOMPATIBILIDADE LÓGICA – NECESSIDADE DE AFASTAMENTO DA MULTA.

1. O artigo 475-J, com redação dada pela Lei n. 11.232/2005, foi instituído com o objetivo de estimular o devedor a realizar o pagamento da dívida objeto de sua condenação, evitando assim a incidência da multa pelo inadimplemento da obrigação constante do título executivo.

2. A execução provisória não tem como escopo primordial o pagamento da dívida, mas sim de antecipar os atos executivos, garantindo o resultado útil da execução.

3. Compelir o litigante a efetuar o pagamento sob pena de multa, ainda pendente de julgamento o seu recurso, implica em obriga-lo a praticar ato incompatível com o seu direito de recorrer (art. 503, parágrafo único do CPC), tornando inadmissível o recurso.

4. Por incompatibilidade lógica, a multa do artigo 475-J do CPC não se aplica na execução provisória. Tal entendimento não afronta os princípios que inspiraram o legislador da reforma. Doutrina. Recurso especial provido. (REsp. 1.100.658-SP (2008/0236605-3), Relator Ministro Humberto Martins, Julgamento em 07/05/2009, Publicação em 21/05/2009).

02 PROCESSUAL CIVIL. LEI N. 11.232, DE 23.12.2005. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. JUÍZO COMPETENTE. ART. 475-P, INCISO II, E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. TERMO INICIAL DO PRAZO DE 15 DIAS. INTIMAÇÃO NA PESSOA DO ADVOGADO PELA PUBLICAÇÃO NA IMPRENSA OFICIAL. ART. 475-J DO CPC. MULTA. JUROS COMPENSATÓRIOS. INEXIGIBILIDADE.

1. O cumprimento da sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC, cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo discriminada e atualizada. (REsp. 940.274 - MS (2007/0077946-1) Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Julgamento em: 07/04/2010, Publicação em: 31/05/2010).

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Sobre a autora
Flávia Hunzicker Vannucci

Advogada na área cível em Belo Horizonte; Graduada em Direito pela PUC-Minas; Especialista em Direito Processual Civil pelo IEC/PUC-Minas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VANNUCCI, Flávia Hunzicker. A incidência da multa do art. 475-J do Código de Processo Civil na execução provisória de título judicial.: Panorama atual e perspectivas diante do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2826, 28 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18778. Acesso em: 27 abr. 2024.

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