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Sobre a dupla valoração do dolo no conceito estratificado de crime, a partir da nova concepção complexa de culpabilidade, e seu reflexo na compreensão do erro sobre pressuposto de fato de causa de justificação.

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01/04/2011 às 17:39

Resumo:


  • O estudo aborda a teoria do crime e a culpabilidade no contexto do Direito Penal brasileiro, destacando a importância da teoria complexa da culpabilidade para compreender o erro sobre pressuposto de fato de discriminante putativa.

  • A teoria complexa da culpabilidade permite uma dupla valoração do dolo, tanto no tipo quanto na culpabilidade, contribuindo para uma análise mais precisa das consequências jurídicas do erro no âmbito penal.

  • A adoção da teoria complexa da culpabilidade resolve a quebra de racionalidade observada na teoria limitada da culpabilidade, especialmente em casos de erro que, sendo evitável, resultariam em punição por crime culposo apesar da presença de dolo no tipo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

8. Conclusão

Por tudo o quanto se desenvolveu neste texto, é possível concluir:

Primeiro: O desenvolvimento do conceito estratificado de delito passa por uma análise e rearranjamento dos mesmos elementos, nos quatro estratos: conduta, tipicidade, ilicitude e culpabilidade, com modificações conceituais em torno dessas instâncias e de seus elementos componentes.

Segundo: Esses arranjos dos elementos do conceito de crime e suas subestruturas deram origem e fundamentam as duas principais correntes teóricas do crime: causalismo e finalismo. De sorte que não se diferem quanto aos elementos mas com relação ao entendimento do que cada um significa e do que traz em si.

Terceiro: O dolo, como subestrutura do conceito de crime, varia de colocação em cada uma das vertentes teóricas, sendo que, no finalismo, que tem maior acolhida entre doutrinadores brasileiros e alienígenas, veio a ficar no tipo de injusto, livre de valoração normativa. É o que Welzel chamou de dolo natural, vez que a ciência da ilicitude não o compõe.

Quarto: Conforme o finalismo, a ciência da ilicitude faz parte culpabilidade, já que é elemento normativo, e faz parte de um conceito maior de reprovabilidade de conduta contrária ao direito, quando o agente podia conformar-se ao mandamento legal.

Quinto: Sendo o Direito Penal construído para gerir condutas humanas, deve ocupar-se do estudo do erro, vez que esse faz parte da essência do próprio homem.

Sexto: O erro, conforme assentado em doutrina e jurisprudência, vai incidir ou sobre os elementos do tipo objetivo ou sobre a ciência da ilicitude, com conseqüência de afastamento do dolo (verificada sua escusabilidade) ou de afastamento da culpabilidade (verificada sua escusabilidade), isentando o sujeito de pena.

Sétimo. O Código Penal e a doutrina reconhecem a existência de erro sobre pressuposto de fato que atinge a ciência da ilicitude em causa de justificação: discriminante putativa. Neste caso, a lei dá como solução a isenção de pena (se escusável) e a punição a título de negligência (se inescusável), mesmo que neste caso o sujeito tenha agido com dolo do tipo.

Oitavo: O dolo do tipo é a posição do sujeito com relação ao seu fato, é objeto a ser valorado. A culpabilidade dolosa é a disposição interna do sujeito, é a valoração acerca de sua disposição interna, de menosprezo, indiferença ou leviandade com relação a bens jurídicos.

Nono: A teoria complexa da culpabilidade aponta no sentido de dar ao dolo uma dupla valoração dentro da teoria do delito, vez que essa, a culpabilidade, vai compor-se, além dos elementos normativos já estabelecidos, de duas formas de culpabilidade: uma dolosa e uma culposa, conforme se verifique a atitude interna de ânimo do sujeito com relação ao bem jurídico atingido.

Décimo: Com a adoção da teoria complexa e a dupla valoração do dolo, no tipo e na culpabilidade, a quebra de racionalidade operada pelo erro sobre pressuposto de fato em causa de justificação vista sob a ótica das demais teorias deixa de existir, posto que pode haver uma culpabilidade negligente quando o sujeito atua dolosamente, já que ao dolo do tipo não corresponde uma atitude interna necessariamente reprovável a título de culpabilidade dolosa.


9. Bibliografia e referências bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito. São Paulo : Saraiva, 2004.

GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2001.

JAKOBS, Günther. Fundamentos do Direito Penal. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003.

QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal: introdução crítica. São Paulo : Saraiva, 2001.

RODRIGUES, Cristiano. Teorias da Culpabilidade. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2004.

ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no Direito Penal. Rio de Janeiro : Renova, 2002.

SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 4ª ed. Curitiba : ICPC ; Lumen Juris, 2005.

TAVARES, Juarez. Direito Penal da Negligência. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2003.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo : Saraiva, 2001.

WELZEL, Hans. Direito Penal. Campinas : Romana, 2003.

_____________. O novo sistema jurídico-penal. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2001.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004.


Notas

  1. A bem da compreensão o mais abrangente do assunto quanto for possível, embora pensamos particularmente ser assunto de menor importância, hoje em dia, cumpre mencionar a posição de parte da doutrina nacional, por todos DAMÁSIO e MIRABETE, que não vêem a culpabilidade como sendo elemento do conceito analítico de crime, mas apenas como pressuposto para a aplicação da pena. Sobre o tema, interessante ver a explicação contida na obra de FERNANDO CAPEZ, Curso de Direito Penal – Parte Geral, editado pela Saraiva, de São Paulo.
  2. À guisa de esclarecimento: IHERING, a partir da comparação entre a posse de coisa de terceiro por parte do "ladrão" e por parte de alguém que a detivesse de boa fé, verificou que, embora ambas as situações fossem "contrárias ao direito", essas não tinham o mesmo grau de reprovação. A partir disso, para o direito privado, IHERING viu que a antijuridicidade – quer dizer, a contrariedade do fato com o ordenamento jurídico – é objetiva, verifica-se independente do elemento anímico do sujeito. O que faria a distinção entre a posse de má-fé e a de boa-fé de coisa de terceiro seria a culpabilidade, ideada na reprovação, que teria cunho subjetivo, portanto. Sobre o tema, interessante a leitura da obra Teoria Geral do Delito, escrita a quatro mãos pelos penalistas FRANCISCO MUÑOZ CONDE e CEZAR ROBERTO BITENCOURT, publicada pela editora Saraiva. Veja-se o que dizem os citados autores, in verbis: "a posição do ‘possuidor de boa-fé’ era diferente da do ladrão. Ao primeiro, precisamente por sua boa-fé, não se lhe pode censurar por ter em seu poder a coisa alheia. Já, ao segundo, sim. Apesar disso, não se pode considerar a situação do possuidor de boa-fé conforme ao direito. Em síntese, a posição do possuidor é antijurídica, mas não é culpável. A culpabilidade, no ordenamento jurídico, justifica a imposição de outras conseqüências jurídicas. Assim, a posição do ladrão, que subtraiu a coisa alheia, além de ser antijurídica é também culpável, fundamentando, além da ação restituitória, as sanções próprias do Direito Penal." (p. 186)
  3. Uma vez mais à guisa de esclarecimento: a teoria limitada da culpabilidade é o contraponto da teoria extremada da culpabilidade, sendo ambas a antítese das teorias extremada e limitada do dolo. Para as teorias da culpabilidade, o conhecimento da ilicitude faz parte da culpabilidade. O que diferencia a extremada da limitada é que esta última conhece a espécie "erro de tipo permissivo", entendendo haver o caso nas oportunidades em que o erro sobre a discriminante putativa incidir sobre pressuposto de fato de uma dessas causas de justificação. Nos demais casos, ou seja, quando o agente supuser a existência ou os limites da dirimente, haverá o chamado erro de proibição indireto. O erro de proibição direto, como sabido, incide sobre o potencial conhecimento da ilicitude, em quaisquer casos, a par das causas de justificação.
  4. Tal situação hipotética encontra-se, de maneira semelhante, na obra Erro de Tipo e Erro de Proibição, de Luiz Flávio Gomes, citada nas referências bibliográficas.
  5. Não é irrelevante mencionar que, embora exponha as vantagens da Teoria Complexa da Culpabilidade, especialmente no que concerne a sua racionalidade no tratamento do erro de tipo permissivo, o citado autor, CRISTIANO RODRIGUES, por filiar-se ao Finalismo welzeliano, e por tê-lo como seu marco teórico, vislumbra, na nova tese complexa, um retrocesso na teoria do delito, especialmente por entender que na análise do ânimo contrário ao Direito, o que se estaria fazendo é um travestimento do dolus malus em algo aparentemente novo, mas com a conseqüência, entendida por ele como nefasta, de recolocar a ciência do injusto na culpabilidade, que havia sido depurada de tal elemento pelo finalismo. No entanto, ousa-se discordar do referido autor, vez que se equivoca em suas premissas, e remete-se para o próprio texto, especialmente no momento em que se fazem as distinções necessárias entre a ciência da ilicitude e a atitude de ânimo contrária ao Direito, no paradigma complexo, já que se referem a objetos diferentes.
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Sobre o autor
André de Abreu Costa

Graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto/MG. Mestre em Teoria do Direito pela PUC-Minas.Professor de Direito no Instituto Metodista Izabela Hendrix. Professor de Direito da Faculdade de Pedro Leopoldo. Professor da pós graduação em Direito Público da UNIFEMM. Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, André Abreu. Sobre a dupla valoração do dolo no conceito estratificado de crime, a partir da nova concepção complexa de culpabilidade, e seu reflexo na compreensão do erro sobre pressuposto de fato de causa de justificação.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2830, 1 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18809. Acesso em: 22 dez. 2024.

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