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O direito ao devido processo legal no processo administrativo disciplinar previsto na Lei nº 8.112/90.

Súmula Vinculante nº 5 do STF e o direito fundamental à ampla defesa

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08/04/2011 às 17:56
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8 - PROVÁVEIS MOTIVOS QUE LEVARAM O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL A EDITAR SÚMULA VINCULANTE POSSIBILITANDO A DISPENSA DE DEFESA TÉCNICA POR ADVOGADO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Analisando os debates que precederam à aprovação do enunciado da súmula vinculante nº 5, evidencia-se alguns aspectos que fogem da seara jurídica. Observe o que diz o Relator do Recurso Extraordinário nº 434.059-3, Ministro Gilmar Mendes, in verbis:

- Senhores Ministros, também eu tinha tido sentimentos de que era uma matéria que reclamava súmula, exatamente por que a Súmula nº 343, do STJ, diz: 'É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar'. Por isso o Advogado-Geral da união ressaltou, muito bem, que há um temor de anulação de processo, tendo em vista a repercussão que esse julgamento pudesse ter sobre os demais casos.

O Supremo Tribunal Federal noticiou em seu site [15]um dos argumentos utilizados pela Advocacia Geral da União na defesa apresentada, na ocasião, pelo Advogado Geral da União, atualmente Ministro do STF, José Antônio Dias Toffoli, quando do julgamento, no dia 07 de maio de 2008, do Recurso Extraordinário nº 434.059/DF. A notícia, referente à defesa apresentada, foi a seguinte:

Ao defender a posição da União na sessão plenária de hoje, o advogado-Geral, José Antônio Dias Toffoli, advertiu para o risco de, a se consolidar o entendimento do STJ, servidores demitidos a bem do serviço público, nos Três Poderes, 'voltarem a seus cargos com poupança, premiados por sua torpeza'. Isto porque, para todos eles, o processo administrativo disciplinar é regido pelo artigo 156 da Lei 8.112 (Estatuto do Funcionalismo Público). E a decisão do STJ daria ensejo a demandas semelhantes, em que os servidores, além de sua reintegração ao cargo, poderiam reclamar salários atrasados de todo o período em que dele estiveram ausentes.

Toffoli informou, neste contexto, que o chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, informou-lhe que, de janeiro de 2003 até hoje, 1.670 servidores da União foram demitidos a bem do serviço público.

Como se vê na fala do Relator, Ministro Gilmar Mendes, a defesa apresentada pela Advocacia Geral da União, no Recurso Extraordinário nº 434.059/DF, foi por ele acatada. O temor da União em ter que reintegrar um grande número de servidores, sendo 1.670 demitidos, pelo que tudo indica, sem defesa técnica, no período de janeiro de 2003 até o dia 07 de maio de 2008, teve forte influência na formação do convencimento do Ministro Relator, que foi acompanhado no seu voto pelos demais Ministros. Outra preocupação que também apareceu durante os debates e que certamente teve influência na aprovação do enunciado da súmula vinculante nº 5, foi a necessidade de invalidar a súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça de forma expressa, com o objetivo de que o STJ não continuasse a decidir de acordo com a sua súmula e, ainda, evitar a multiplicação de recursos que chegariam ao Supremo Tribunal Federal.

A preocupação com a multiplicação de recursos que seriam dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, caso prevalecesse o enunciado da Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça, consta, expressamente, na fala dos Ministros Cezar Peluso e Ellen Gracie. Esses argumentos não são jurídicos. Realmente, a reintegração de inúmeros servidores federais que foram demitidos, sem defesa técnica, causaria sérios transtornos à União que seria acionada judicialmente a pagar-lhes todos os rendimentos que deixaram de receber desde a data da demissão.

Não obstante, nada impediria a União de instaurar novos processos administrativos disciplinares contra esses servidores garantindo-lhes a ampla defesa. Também, o aumento de recursos extraordinários causaria muitos transtornos ao Supremo Tribunal Federal, já tão sobrecarregado de processos.

Todavia, esses transtornos e inconvenientes não podem ser utilizados como fundamento para restrição de direito individual fundamental. Na ponderação dos princípios envolvidos, deveria prevalecer o direito fundamental a um devido processo legal com todas as garantias decorrentes. Importante lembrar que o direito a um devido processo legal é garantia individual fundamental, constituindo-se em cláusula pétrea, não podendo ser abolida, nos termos do inciso IV, do § 4º, do artigo 60, da Carta Magna.


CONCLUSÃO

Portanto, considerando que o inciso LV, do artigo 5º, da Carta Magna equiparou os processos judiciais e os administrativos, o princípio do devido processo legal, ou devido processo constitucional, tem aplicação em ambos, sem qualquer distinção.

Hodiernamente, é pacífica, também, a aplicação do princípio do devido processo legal nas relações jurídicas entre particulares, o que a doutrina chama de eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

O princípio do devido processo legal possui dimensão material e formal, sendo que a primeira tem por objetivo limitar o conteúdo do poder, correspondendo ao princípio da proporcionalidade; no sentido formal, nada mais é do que o conjunto das garantias processuais fundamentais, merecendo destaque, nesta pesquisa, a garantia individual fundamental à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

A ampla defesa realiza-se pelo contraditório e com este não se confunde.

O devido processo legal em sentido formal exige que se garanta, efetivamente, todas as garantias processuais fundamentais aos acusados em geral, incluindo-se, aí, o servidor público processado administrativamente por infração disciplinar.

Sendo a ampla defesa uma garantia fundamental, não basta garanti-la apenas formalmente. É necessário, num Estado Democrático de Direito, que se crie condições para que o acusado defenda-se de forma ampla, com todos os meios e recursos permitidos pelo ordenamento jurídico, o que só é possível com uma defesa técnica por advogado.

Esses são os principais argumentos favoráveis à aplicação do princípio do devido processo legal indistintamente, sem qualquer mitigação, aos processos administrativos disciplinares.

A discussão sobre a obrigatoriedade de advogado para promover defesa técnica no âmbito do processo administrativo disciplinar é polêmica, há divergências doutrinárias e jurisprudenciais.

Recentemente, os debates ficaram, ainda, mais acirrados com a edição do enunciado da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal que invalidou entendimento contrário expresso na Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça.

A Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal diz que: "A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição."

A Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça tem o seguinte enunciado: "É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar."

Não obstante as súmulas vinculantes serem de aplicação obrigatória pelo Poder Judiciário e pela Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, os enunciados podem ser revistos e até mesmo cancelados, nos termos do artigo 103-A da Carta Magna, o que justifica essa pesquisa.

Demonstrou-se que um dos requisitos para que o Supremo Tribunal Federal edite súmulas com efeito vinculante é a necessidade de haver reiteradas decisões sobre matéria constitucional, o que não foi observado pela Suprema Corte quando da edição do enunciado vinculante nº 5, haja vista que dos três precedentes considerados, apenas um pode ser considerado como processo administrativo disciplinar.

Abordou-se, neste trabalho científico, o julgamento do Recurso Extraordinário nº 434.059/DF que sintetiza os principais argumentos favoráveis à apresentação de defesa técnica em processo administrativo disciplinar, porém com a dispensa de advogado.

O enunciado da Súmula Vinculante nº 5 teve origem neste julgamento, ocorrido no dia 07 de maio de 2008.

O Ministro Gilmar Mendes foi o relator deste Recurso Extraordinário nº 434.059/DF e no seu voto, acompanhado pelos demais Ministros, às f. 743, ele disse que: "o direito à defesa e ao contraditório tem plena aplicação não apenas em relação aos processos judiciais, mas, também, em relação aos procedimentos administrativos de forma geral."

Não obstante, para o Ministro Relator, para que haja o exercício da ampla defesa em sua plenitude, basta que se garanta o direito à informação, à manifestação e que sejam considerados os argumentos manifestados. Para ele, a ausência de advogado por si só, não importa nulidade de processo administrativo disciplinar.

O Ministro Ricardo Lewandowski argumentou que: "a defesa técnica integra efetivamente o devido processo legal, no entanto, trata-se de uma faculdade que deve ser colocada à disposição do acusado, daquele que responde a processo judicial ou administrativo."

Também, o Ministro Carlos Britto usou desse argumento e disse, ainda, que: "a presença obrigatória de advogado se faz no processo judicial, porque a Seção III do Capítulo IV, sobre as funções Essenciais à Justiça deixa claro que o advogado é indispensável à administração da justiça."

O Ministro Carlos Britto sustenta no seu voto que Justiça no Capítulo IV da Constituição, significa função jurisdicional. Segundo o Ministro Carlos Britto, no processo administrativo "a defesa técnica por advogado implicaria mais do que a ampla defesa, e sim uma amplíssima defesa, ou seja, uma defesa transbordante."

Outro argumento utilizado pelo Ministro Carlos Britto seria o assoberbamento das Defensorias Públicas que além de defender os necessitados, teria, também, que defender todos os servidores públicos processados que não optassem pela nomeação de procurador nos autos.

Os demais Ministros acompanharam nos seus votos os argumentos supracitados, tendo, ainda, às f. 762, do Recurso Extraordinário nº 434.059/DF, referências à necessidade de se invalidar a Súmula Vinculante nº 343 para que o Superior Tribunal de Justiça não continuasse a decidir conforme o enunciado dessa súmula, evitando-se o aumento de recursos ao Supremo Tribunal Federal. Houve também o temor de uma possível reintegração de inúmeros servidores federais que foram demitidos sem defesa técnica por advogado.

Analisando, de forma imparcial, os fundamentos lançados no Recurso Extraordinário nº 434.059/DF, confrontando o julgado do Superior Tribunal de Justiça (Mandado de Segurança nº 10.837/DF) e do Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário nº 434.059/DF) e, ainda, fazendo leitura da Lei Federal nº 8.112/90, conforme a Constituição, chegou-se a uma análise crítica dos principais argumentos favoráveis à aprovação da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, garantir, ao servidor processado administrativamente, o direito de informação, de manifestação e de ver os seus argumentos considerados, sem que esteja sendo defendido tecnicamente por advogado, é garantir apenas formalmente o direito à ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes, o que viola o devido processo legal em sentido formal.

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A comparação entre processo administrativo disciplinar e processos judiciais, em que se dispensa a presença de advogado, como ocorre no habeas corpus, na revisão criminal, nas causas da Justiça do Trabalho e dos Juizados Especiais, não é recomendável, considerando que há uma peculiaridade no procedimento administrativo disciplinar que o difere daqueles processos judiciais.

É que a Administração Pública não tem a imparcialidade do Poder Judiciário, pois a Autoridade Administrativa é quem nomeia os membros da Comissão Sindicante ou Processante.

Essa mesma Autoridade instaura, instrui o processo e julga o servidor processado. Assim, a presença de um advogado desde o início do processo é de fundamental importância para que se coíba eventuais abusos e violações aos direitos do servidor, garantindo-lhe de forma efetiva o direito a um devido processo legal e, por conseguinte, a ampla defesa, garantias fundamentais previstas, respectivamente, nos incisos LIV e LV, da Constituição da República.

Considerando a nova sistemática processual constitucional, inclusive com a ratificação do Pacto de São José da Costa Rica, o servidor no processo administrativo disciplinar tem as mesmas garantias que o réu no processo penal. Uma leitura conforme a Constituição da Lei Federal nº 8.112/90 não admite ser a defesa técnica por advogado uma faculdade do servidor, considerando que a todos os acusados é assegurada a garantia de ampla defesa. Não se pode olvidar que o servidor poderá ser gravemente punido com pena de suspensão, demissão e cassação de aposentadoria o que afeta a sua dignidade enquanto ser humano e pode privá-lo de seus bens sem a garantia do devido processo legal.

Portanto, a defesa técnica no processo administrativo disciplinar é irrenunciável, assim como ocorre no processo penal.

O advogado é sim indispensável à administração da justiça conforme preceitua o artigo 133 da Carta Magna. O direito fundamental à ampla defesa, num Estado Democrático de Direito, só pode ser exercido com uma defesa técnica. A defesa técnica, por sua vez, é elaborada por advogado, conforme entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça.

A defesa deve ser a mais ampla possível, deve-se utilizar todos os meios e recursos a ela inerentes, conforme a vontade do Poder Constituinte Originário.

Assim, não há que se falar em amplíssima defesa ou defesa transbordante, não existe no sistema jurídico pátrio o excesso de defesa; o que o ordenamento jurídico repulsa é a defesa insuficiente, há que se garantir a máxima efetividade dos direitos e garantias fundamentais.

A falta de estrutura do Estado para prestar assistência jurídica por meio de suas Defensorias Públicas aos necessitados e aos servidores públicos pobres processados administrativamente, não pode servir de fundamento para que se restrinja o direito constitucional à ampla defesa.

O Ministro Cezar Peluso disse no seu voto que o servidor que não tenha condições de contratar advogado: "pode invocar outra garantia constitucional, que é aquela pela qual o estado se obriga a prestar assistência jurídica integral e gratuita – integral no sentido de que apanha também a esfera administrativa."

Caso o servidor seja indiciado revel e não queira apresentar defesa técnica, mesmo podendo pagar advogado, a autoridade instauradora do processo designará um defensor dativo para defendê-lo.

Não obstante, não podendo a defesa ser pro forma, o defensor dativo, necessariamente, deverá ser advogado a fim de se garantir a ampla defesa técnica, sendo esta a leitura conforme a Constituição do § 2º, do artigo 164, da Lei Federal nº 8.112/90.

A própria Súmula Vinculante nº 5 exige que haja defesa técnica no processo administrativo disciplinar, porém, nos termos dessa súmula, a defesa técnica não precisa ser elaborada por advogado, o que é um contrassenso.

Para a aprovação da Súmula Vinculante nº 5, observou-se, ainda, que foram acatados alguns fundamentos que fogem da seara jurídica. Um deles foi a necessidade de invalidar a Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça para evitar o aumento de recursos ao Supremo Tribunal Federal; evitar a anulação de processos administrativos disciplinares e, por conseguinte, a reintegração de inúmeros servidores que foram demitidos sem defesa técnica por advogado e, ainda, a sobrecarga de trabalho que teriam as Defensorias Públicas.

Na época, o Advogado-Geral da União, José Antônio Dias Toffoli, defendendo a União, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 434.059/DF, advertiu sobre o risco de: "a se consolidar o entendimento do STJ, servidores demitidos a bem do serviço público, nos Três Poderes, voltarem a seus cargos com poupança, premiados por sua torpeza."

A União informou na sua defesa que de janeiro de 2003 até o dia 07 de maio de 2008, 1.670 servidores foram demitidos.

Esses argumentos não poderiam ser utilizados para restringir direitos individuais fundamentais. Ponderando os princípios envolvidos, deveria prevalecer o direito fundamental a um devido processo legal, com todas as garantias decorrentes.

Após análise imparcial das teses divergentes, sempre sob a luz do neoconstitucionalismo, confirma-se a hipótese deste trabalho científico.

Destarte, conclui-se que a Constituição da República de 1988 ao garantir que não se priva ninguém da sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e, ainda, que todos os litigantes em processo judicial ou administrativo, bem como os acusados em geral, têm assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, a falta de defesa técnica por advogado, no âmbito do Processo Administrativo Disciplinar, viola o princípio da ampla defesa e, por conseguinte, o devido processo legal, o que torna inconstitucional a Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal.

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Sobre o autor
Marcelo Bernardes Batista

Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP, Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Coordenador do Núcleo de Sindicância e PAD da Prefeitura Municipal de Uberlândia - MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Marcelo Bernardes. O direito ao devido processo legal no processo administrativo disciplinar previsto na Lei nº 8.112/90.: Súmula Vinculante nº 5 do STF e o direito fundamental à ampla defesa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2837, 8 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18863. Acesso em: 29 mar. 2024.

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